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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE ESTUDOS SOCIAIS E APLICADOS


Instituto de Ciência Política

O JUÍZO E A COMPREENSÃO NA RUPTURA POLÍTICA:


uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

Mateus Braga Fernandes

Brasília
2010
MATEUS BRAGA FERNANDES

O JUÍZO E A COMPREENSÃO NA RUPTURA POLÍTICA:


uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

Projeto de pesquisa para o Mestrado Acadêmico em


Ciência Política, orientado pelo Prof. Dr. Paulo
Nascimento e co-orientado pelo Prof. Dr. Gerson
Brea, apresentado à Banca de Qualificação como
exigência parcial para a obtenção de título de Mestre
em Ciência Política na Universidade de Brasília.

Área de Pesquisa: Ciência Política – Teoria Política


– Teoria Política Contemporânea (7.09.01.04-0).

Linha de Pesquisa: Transformações e impasses nas


democracias contemporâneas.

Brasília
2010
MATEUS BRAGA FERNANDES

O JUÍZO E A COMPREENSÃO NA RUPTURA POLÍTICA:


uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

Brasília, 13 de abril de 2010.

Membros da Banca de Qualificação:

__________________________________________
Profa. Dra. Marilde Loiola de Menezes – IPOL/UnB

__________________________________________
Profa. Dra. Sonia Maria Ranincheski – CEPAC/UnB

__________________________________________
Prof. Dr. Paulo Nascimento – IPOL/UnB
“A política jamais atinge a mesma
profundidade [que a filosofia]. A falta de
profundidade de pensamento não revela
outra coisa senão a própria ausência de
profundidade, na qual a política está
ancorada”.
Hannah Arendt.

“O mais profundo é a pele”.


Paul Valéry.
SUMÁRIO DO PROJETO

1 Introdução ….......................................................................................................................05
2 Premissas e Hipóteses ….....................................................................................................12
3 Justificação …..................................................................................................................... 15
4 A imagem do deserto é um deserto de imagens …............................................................. 19
4.1 Política e democracia em Hannah Arendt …................................................................ 26
4.2 O espaço público-político e a polis ….......................................................................... 27
4.3 O Juízo e a política …................................................................................................... 28
4.4 A Compreensão e a política …...................................................................................... 29
5 Proposta de sumário da dissertação …................................................................................ 30
6 Proposta de diagrama …..................................................................................................... 31
7 Proposta de bibliografia …................................................................................................. 32
RESUMO

Esta pesquisa pretende investigar alguns aspectos sobre “o que acontece quando as pessoas fazem
política”, tanto em momentos de continuidade e paz como em momentos de conflitos e rupturas.
Por meio de revisão bibliográfica, feita a partir de escritos de Hannah Arendt, lança-se nova luz
sobre como e em que medida a obra arendtiana nos permite avançar na conceituação da política
frente aos desenvolvimentos contemporâneos da democracia. Sob o enfoque de outros três autores –
John Dewey, Humberto Maturana e Axel Honneth – condiciona-se essa conceituação à
substantivação da ideia de democracia para indicar que um novo locus de emergência da política no
mundo contemporâneo se encontra não somente na teoria da ação, mas também na vida do espírito
humano, partilhada entre os homens. Assim, a partir da ideia de democracia substantiva, são
expostos alguns dos ganhos teóricos ao se sustentar a manutenção da faculdade de juízo e da
capacidade de compreensão como potencializadoras da atividade política, como mediadoras de
conflitos e como promotoras desta visão radical de democracia.

Palavras-chave: democracia, juízo, compreensão, participação política, espaço público, Hannah


Arendt.
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

INTRODUÇÃO

“O excesso da Idéia é o que explica


a deficiência do conceito”.
Gilles Deleuze.

De que modos uma leitura arendtiana da


política pode nos ajudar a rever alguns dos
desafios da democracia?

Esta pesquisa continua o trabalho desenvolvido na graduação, quando fiz uma


apresentação detalhada das ideias contidas na obra de Hannah Arendt “Lições sobre a
filosofia política de Kant”, e tenta expandir suas conclusões – de que a faculdade de juízo é
importante política e filosoficamente para a ressignificação do conceito de política e de
espaço público, desenvolvida por Arendt, e que o exercício dessa faculdade tem estreita
relação com a capacidade de compreensão – para os domínios de um dos modos
contemporâneos de se tratar da política: a democracia.
A inserção das discussões políticas de Arendt no domínio das teorias da democracia
não é imediato e é, até certo ponto, permeado por contradições que parecem insolúveis. Cito
pelo menos três problemas com os quais se confronta qualquer tentativa de caracterizar
Arendt como uma teórica da democracia contemporânea. O primeiro desafio, embora nem
sempre seja o mais enfatizado, diz respeito ao viés dado por esta autora à sua concepção de
política. A possibilidade de que a política seja obra de uma “aristocracia” – ainda que nem
sempre se dê o devido reconhecimento ao caráter peculiar com o qual Arendt revitaliza o
termo aristoi1 – e sob as condições de uma comunidade desinteressada de observadores
plurais e livres, é sempre lembrado como estando na contra-mão do desenvolvimento

1 Há algumas passagens em que Arendt se refere, especificamente, aos aristoi na política. Cf. ARENDT, 2001.
p. 28. Mas há também passagens em que este conceito é permeado por outras ideias, como a do “gênio” e da
“originalidade do artista” (Cf., respectivamente, ARENDT, 1993. pp. 79-80; IDEM. p. 81); da “igualdade”
(isonomie) e da “liberdade” (Cf. ARENDT, 2001. pp. 41-42 e nota 21); da “excelência” (arete) ou “mérito”
(Cf. ARENDT, 2001. p. 58 e nota 39). Espero me aprofundar neste tema oportunamente, na parte sobre a
concepção política de Arendt.

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

“atualmente existente” das democracias – tanto teórica quanto empiricamente2. Além disso,
como segundo desafio, é persistente o antagonismo que procura demonstrar que sua teoria da
ação é fundada numa concepção controversa (e inviável) de liberdade – que, sob o conceito de
natalidade, exprime uma valorização radical da novidade e de tudo que surge como “novo” no
campo político3. A crítica é feita, por vezes, na tentativa de se estabelecerem limites para essa
“criatividade”, já que Arendt também parece valorizar igualmente a estabilidade institucional4.
Finalmente, a carência no desenvolvimento de uma “teoria da justiça”, que possa sugerir
algum equilíbrio com sua afirmação da liberdade como o sentido da política, também parece
dificultar o trabalho daqueles que pretendem aproximá-la dos teóricos da democracia5.
Ainda assim, acredito que o caminho trilhado por Arendt a partir do estudo da coisa
público-política em direção ao estudo da vida do espírito, e em particular, entre o estudo da
vida ativa e o estudo da faculdade de juízo (como a faculdade diretamente ligada a um modo
de vida político) permitirá conceber algumas aproximações entre a criação do espaço público
particularmente político e uma noção “forte” de democracia, que articula a ação e a
observação e que vincula a cooperação à reflexão. O estudo se propõe, assim, nem tanto à
definição de democracia à luz do pensamento arendtiano, mas pretende, principalmente, fazer
conexões entre as ideias originais de Arendt – no que tange à política e à faculdade do juízo –
e uma possível apreensão dessa noção “forte” de democracia, que procurarei apresentar
também a partir de ideias de outros autores, e a qual chamarei de “democracia substantiva”. O
que pretendo com a criação deste conceito é tratar de democracia como um substantivo, e não
só como um adjetivo dado a um modo de constituição ou regulação da política. Neste sentido,
a discussão feita a partir dos termos polity, policy e politics pode ser elucidativa para
compreender em que medida é diferente conceber a democracia como substantivo ou como
adjetivo6.

2 Cf. DUARTE, 2007. pp. 107-109. A expressão “atualmente existente” é deste autor.
3 Marcelo Jasmin cita Habermas em seu prefácio, pra evidenciar este tipo de crítica sobre a viabilidade do
pensamento arendtiano em alguma sociedade moderna. Cf. ABREU, 2004. pp. 11-12. A referência original é
HABERMAS, 1980. p. 110.
4 Cf. ABREU, 2004. pp. 24; 147-152.
5 Cf. QUEIROZ, 2007. p. 321, 329. A autora trata, especificamente, da ideia de “desobediência civil” e de sua
relação com a concepção de liberdade sinônima à política, em um possível contraste à ideia de justiça (de
inspiração rawlsiana). Como outro exemplo mais direto, Maria Aparecida Abreu afirma, sobre a obra de
Hannah Arendt, que há uma “ quase ausência do tema da justiça em sua obra” (ABREU, 2004. p. 23.).
6 A esse respeito, Ulrich Beck ressalta que “a ciência política ampliou e elaborou seu conceito de política em
três aspectos. Primeiro, investiga a constituição institucional da comunidade política em que a sociedade se

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

Para que o objeto dessa pesquisa seja mais bem precisado e para que os motivos que
me levam a empreender este estudo sejam mais claramente expostos, parto da intuição inicial
mais geral, para então definir o escopo e escolher os pontos abordados nesta pesquisa,
separando as premissas das hipóteses.
O interesse originário, que orientou a graduação e que orienta esta pesquisa de
mestrado, é estudar “o que acontece quando as pessoas fazem política”. Mais especificamente,
com esta ideia procuro compreender três questões: i) se é possível recriar, revitalizar ou
ressignificar a política como um espaço público-político-democrático, a partir da teoria
política de Hannah Arendt, com o apoio de outros autores; ii) de que maneira o juízo e a
compreensão podem auxiliar na tarefa de recriar esta visão sobre a política e; iii) que imagens
surgem quando do acontecimento desta política; ou, em outras palavras, o que podemos achar
que acontece quando se faz esta política.
Inicialmente, apoiava esta pesquisa em três intuições fundamentais, para as quais
deveria criar imagens e argumentos teóricos e a partir das quais buscaria complementação na
“colagem” de algumas imagens empíricas7.
A primeira intuição é que a imagem de nômades na travessia de um oásis –
caracterizado como um ambiente peculiar e contingente entre a cidade e o deserto – pode ser
uma boa alegoria8 para descrever e compreender a proposta arendtiana de criação e formação
do espaço público-político. Esta imagem pode nos aproximar do fato de Arendt iniciar sua
obra tratando de temas políticos a partir da pluralidade humana (e não dO homem) e de
terminá-la enfocando justamente a vida do espírito dOs homens. Minha interpretação inicial é
que, dado seu diagnóstico pessimista para revitalização desta política pluralista no mundo

organiza (polity); segundo, a substância dos programas políticos para determinar as circunstâncias sociais
(policy) e, terceiro, o processo de conflito político com relação à divisão de poder e às posições de poder
(politics)”. O tradutor, em nota, informa que “as palavras polity, policy e politics têm a mesma tradução em
português – 'política'. Em inglês, elas têm diferenças sutis”. Cf. BECK, 1997. p. 34.
7 Uma breve introdução sobre o que são estas imagens se encontra na “Justificação”. Pretendo continuar a
discussão feita ali detalhando por quê e em que medida sustento a diferenciação entre imagens teóricas e
imagens empíricas. As referências para esta discussão serão MACHADO, 2009. “O empirismo
transcendental”. pp. 138-141 e DELEUZE, 1988. “Prólogo”. pp. 8-10.
8 O uso do termo “alegoria” é aqui bastante restrito e, como uma definição de trabalho, diferente da ideia de
“metáfora”. Esta diferença se baseia na utilização de imagens como signos, na narrativa de um
acontecimento, que provocam afccções cujo sentido permanece oculto. E, portanto, não permitem
comparações, uma vez que estas imagens não buscam similaridades. A intenção não é de representação,
senão que de proporcionar uma experimentação do narrado, pela singularidade que alcançam os signos diante
de cada processo de subjetivação a que são submetidos. Sobre “signos e pensamento”, cf. MACHADO,
2009. pp. 197-199; e sobre “imagem-afecção”, cf. IDEM. pp. 261-264.

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

contemporâneo9 – ilustrado na imagem do homem que vive satisfeito no deserto, auxiliado


pela psicologia10 – restaria ainda investigar a “pluralidade política” que vive em cada homem,
em seu espírito11. Ao estudar, finalmente, esta “vida do espírito”, e em particular as faculdades
do pensar e do querer, Arendt encontra pouca ou nenhuma atividade política (que seja
realizada no plural). Mas, ao abordar a faculdade do julgar, encontra uma brecha para
revitalizar a política no homem e fazê-lo caminhar pelo deserto, até encontrar outros homens
como ele, no oásis, e recriar o espaço público-político que ela descreveu ao longo de sua obra.
Poderemos ver, nesta alegoria, várias das características apontadas por Arendt em sua
descrição da coisa política, a saber, pelo menos: i) o lançar-se do homem ao início do novo; ii)
a coragem de falar e de agir (ou seja, de realizar grandes obras) como virtude política; iii) a
necessidade de mover-se livremente, o risco da liberdade (e da política) e a legitimidade de
exigir segurança (institucional); iv) a importância do encontro com outros iguais que poderão
dar continuidade à ação; v) a distinção entre a ação (realizada individualmente como início e
em grupo como continuação) e a observação (realizada tanto solitariamente como em
comunidade); vi) articulação do duplo ator-observador para conceber a atividade política; vii)
os limites da inovação como os limites do oásis, que libertam e protegem; entre outras.
A segunda intuição é justamente a de que podemos ter muitas visões sobre a
democracia, embora poucas delas desenvolvam o conceito em seu sentido “forte” 12. Para
poder ressignificar a democracia como um espaço público-político arendtiano, é preciso

9 Este diagnóstico é descrito, de distintas maneiras, por diversos autores. P. ex., cf. DUARTE, 2007. pp. 108-
109; KELLOGG, 2007. p. 196; ABREU, 2004. p. 31; CHOUDHURY, 2007. pp. 78-79. Entendo que este
pessimismo, para Arendt, é apresentado mais detidamente em “A vitória do Animal Laborans” (Cf.
ARENDT, 2001. pp. 333-338.).
10 Esta imagem é apresentada no Fragmento 4 de “O que é Política?” (cf. ARENDT, 1999. pp. 177-183.), cuja
leitura atenta farei na parte intitulada “A imagem do deserto é um deserto de imagens ”.
11 A hipótese de que haja uma “pluralidade política” no espírito de cada homem pode soar pretensiosa de início.
É prudente então apelarmos a Kant, citado por Arendt, para quem “a razão não foi feita para 'isolar-se a si
própria, mas para entrar em comunhão com os outros'”. (Cf. KANT apud ARENDT, 1993. p. 53.). Para saber
como essa comunhão pode acontecer é que iremos investigar a faculdade do julgar, na parte “O juízo e a
política”. Resumidamente, vale dizer que esta faculdade opera na relação com as ideias kantianas de
mentalidade alargada, , de imaginação, de imparcialidade e de sensus communis, para mencionar algumas.
12 Esta expressão do sentido “forte” de democracia chegou a mim pelos escritos de Augusto de Franco (Cf.
FRANCO, 2007. pp. 10-15), que, por sua vez, o formulou a partir da proposta de John Dewey sobre a
democracia como “modo de vida” (Cf. DEWEY, 2008. pp. 135-142.). Há que se ressaltar, contudo, que “a
condição para que a democracia em seu sentido 'forte' possa se realizar é a existência da democracia em seu
sentido 'fraco'” (Cf. FRANCO, 2007. p. 12.). No escopo desta pesquisa, devo apenas enumerar os critérios de
uma democracia em seu sentido “fraco”, tomando-os como consensuais, já que o interesse é tratar da
democracia em seu sentido “forte” e, mais ainda, desenvolver a noção de “democracia substantiva”,
aproximando-a à política arendtiana.

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

observar a democracia como um processo descontínuo, como um modo de vida que se


virtualiza e se atualiza constantemente13. Este modo está comprometido com a pluralidade
necessária de origens e sentidos (que poderíamos chamar de uma pluriarquia)14. E,
finalmente, opera na brecha que volta-e-meia se abre entre sistemas autocráticos e totalitários
para impedir seu avanço ou, para retomar a alegoria, como uma ruptura entre a monotonia
antipolítica do deserto e o multidão indiferente despolitizada da cidade15. Novamente, a
faculdade do juízo e o exercício da compreensão, se os entendermos como uma atividade de
“reflexão cooperativa”, podem auxiliar nessa ressignificação, mostrando que há outras
possibilidades do agir político no oásis, ou seja, no espaço público-político, para além do que
se pode chamar de “teoria da ação” arendtiana. Procurarei explorar o argumento de que a
faculdade do juízo cria uma comunidade de observadores – para além da comunidade de
atores (agentes políticos) – e de que o exercício da compreensão fortalece os laços de
cooperação e favorece o reconhecimento (das narrativas e ações) de outros agentes16.

13 Sobre este “processo de atualização”, cf. MACHADO, 2009. pp. 152-155. Outros conceitos relacionados a
este são o de “Ideia”, de “multiplicidade virtual”, de “diferençação” e de “intensidade”. A introdução destes
conceitos talvez seja necessária para evitar “uma confusão entre o virtual, que se atualiza por criação, e o
possível, que se realiza por limitação” (DELEUZE, 1988. p. 203.). Com isso, pretendo salientar que evitarei
tratar de uma noção “geral” ou “idealizada” de democracia, que nunca se realiza por ser, de todo, impossível.
Finalmente, sobre as relações entre o atual e o virtual, cf. ALLIEZ, 1996.
14 O conceito de pluriarquia tem diversos desdobramentos que não pretendo desenvolver por hora. O que
importa, neste ponto, é meramente sua etimologia. Entretanto, se aceitarmos que uma democracia esteja
comprometida com “múltiplos começos” talvez tenhamos de desenvolver outras ideias como a da “lógica da
abundância” (em contraposição à “lógica da escassez”), para compreender como a exigência de uma
pluriarquia caminha na contra-mão do conceito de hegemonia, comumente usado, até mesmo nas propostas
participativas e deliberativas de democracia, que podem ser consideradas “demofóbicas”. A esse respeito, cf.
FRANCO, 2007. pp. 43-44; 336. Sobre a noção de “demofobia”, me valho do trabalho ainda não-publicado
de Thais Aguiar, cf. AGUIAR, 2009.
15 Os argumentos para tentar validar a proposta de que o deserto possa ser antipolítico em sua monotonia e de
que a cidade venha a ser despolitizada em seus movimentos de massa serão explorados na parte “O deserto e
a cidade” e também em “O espaço público-político e a polis”. Os indícios estão em ARENDT, 1999b. pp.
177-194; SLOTERDIJK, 2002. 105-117.
16 A expressão “reflexão cooperativa” surge da minha proposta de inversão da fórmula de Axel Honneth (Cf.
HONNETH, 2001. pp. 63-91.). Esta inversão, em princípio, é meramente para enfatizar que uma reflexão
pode ou não ser cooperativa e que nem toda “cooperação”, seja ela reflexiva ou não, tem a ver com
democracia, como propõe Honneth. Desenvolverei este termo à luz da proposta arendtiana da comunidade de
observadores, tal como apresentada em ARENDT, 1993. pp. 76-83. Finalmente, a ideia de “reconhecimento”
também aparece em outro texto de Honneth (Cf. HONNETH, 2003.) e surge no contexto da discussão entre
distribuição e reconhecimento, feita por Nancy Fraser. Poderá ser relevante ressaltar as críticas feitas ao
pensamento arendtiano no que diz respeito ao reconhecimento da pluralidade e seus desdobramentos na
crítica feminista, por exemplo. A esse respeito, irei me basear na ótima síntese de Marina Falbo (FALBO,
2007.).

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

Finalmente, a terceira intuição a partir da qual surgiu esta pesquisa procura uma
articulação possível entre as duas intuições anteriores. Isto porque acredito que a descrição,
feita por Arendt, da política como o acontecimento da polis é convergente com o
acontecimento da “ruptura democrática”, e é revitalizada no uso da faculdade do julgar e no
exercício da compreensão17. É claro que terei de lidar com a crítica de que a concepção
política de Arendt e sua criação de um espaço público está marcada por um republicanismo
aristocrático incompatível com visões tradicionais de democracia, como mencionado
anteriormente. Para lidar com essa crítica, procurarei explorar alguns exemplos que facilitam
ver alguns acontecimentos políticos como democráticos. Cito, inicialmente, dois deles: i) o
surgimento e o desaparecimento de pequenos grupos de ação e intervenção política formados
por “melhores” em alguma área é compatível com a democracia, mesmo em sua visão
tradicional e procedimentalista, e é fundamental para a noção “forte” de democracia que
procura aliar a pluriarquia com um modo de vida reflexivo-cooperativo, ou seja, para a
concepção da “democracia substantiva”; ii) a criação de espaços públicos a partir de ações e
intervenções pode ser distribuída, sem foco no conflito indelével (que leva à separação e ao
extermínio), e gerada pelo interesse público em questões políticas já que, diferentemente do
interesse privado, este surge desinteressadamente no que diz respeitos aos objetivos finais
(pois que surge a partir do juízo estético reflexionante kantiano).
Vale mencionar que este tipo de juízo é justamente a atividade que favorece o
alargamento da mentalidade pela reflexividade sobre acontecimentos virtuais, que são
atualizados (isto é, tornam-se presentes) a partir da percepção-imaginação partilhada
publicamente pelos discursos, narrativas e ações. Quero dizer com isso que, se o juízo estético
reflexionante – a expressão de opiniões geradas desde um ponto de vista geral, até alcançar os
particulares – presume as etapas tanto de percepção-imaginação quanto de reflexão,
poderíamos dizer, então, que é a própria faculdade de julgar que dá garantias à sociabilidade.
Isto porque o juízo estético, grosso modo entendido como gosto, liga-se aos sentidos de forma
mediatizada, etapa a que chamaremos de reflexão. Assim, ele é sustentado por algum ponto de

17 É do problema cotidiano de “ter que julgar” os acontecimentos que parte Arendt em sua filosofia do espírito.
Ainda que o imperativo da razão pudesse guiar a conduta dos homens, Arendt assume não ser este, sempre, o
caso. É com o que “surge como uma ruptura” que teremos de lidar e julgar – e não somente gostar ou
desgostar. Se é problemático o exercício dessa faculdade – porquanto, de antemão, ela se assume permissiva
– também é problemático seu desuso, sua desautorização, seu esquecimento: quando não julgar nos torna
cúmplices.

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

apoio que esteja entre o “mero gosto” e o julgamento, entre o sentido subjetivo e o raciocínio
objetivo18. Ao examinar o que poderia ser este “ponto de apoio”, sustento que a reflexão seria
a etapa mediatizadora entre o gosto e o juízo. Poderia, em breves palavras, ressaltar que a
alteridade, que o “ponto de vista do outro”, que o sensus communis19; enfim, que a pluralidade
seria outra forma de se alcançar a ideia de mediatizar. Posto assim, a reflexão-imaginação
seria a etapa em que a faculdade do juízo toma em consideração a existência e a relevância
das opiniões dos outros – ou, em termos mais gerais, da presença pública de outros.
E, mais ainda, a faculdade de julgar – a “faculdade do espírito humano para lidar com
o particular”20 – tem na sociabilidade a sua “condição de funcionamento” 21. E esta
sociabilidade é justamente um momento inter-subjetivo que pode ser encarado como fala,
como discurso, ou como comunicação; enfim, como uma aparição. É um ciclo que se fecha
em si mesmo, já que, como veremos, tanto o gosto (o juízo estético) não possui finalidade
(sendo um fim em si mesmo) quanto a política arendtiana não pode ser finalista22, pois que é
fundada numa ação imprevisível e irreversível. Assim, finalmente, é que o juízo poderá ser
encarado tanto como exigência prévia para, quanto como efeito obtido da compreensão.
Mas, se estas são as intuições iniciais que motivaram o interesse na pesquisa, resta
saber o que, exatamente, será seu objeto e como procederei os estudos que me permitirão
argumentar, a partir das premissas, em favor das hipóteses que serão levantadas a partir dessas
intuições.

18 Com o juízo, numa superação do gosto particular dado por sentidos objetivos e não-mediatizados, Arendt
procura “superar nossas condições subjetivas especiais em nome dos outros. Em outras palavras, o elemento
não-subjetivo nos sentidos não-objetivos é a inter-subjetividade”. Cf. ARENDT, 1993. p. 86.
19 “É a este sensus communis que o juízo apela em cada um, e é esse apelo possível que confere ao juízo sua
validade especial. O ‘isto me agrada ou desagrada’ que, na qualidade de sentimento, parece ser totalmente
privado e incomunicável, está na verdade enraizado nesse senso comunitário e, portanto, aberto à
comunicação uma vez que tenha sido transformado pela reflexão, que leva em consideração todos os outros e
seus sentimentos” (ARENDT, 1993. p. 93.).
20 ARENDT, 1993. p. 22.
21 ARENDT, 1993. p. 22.
22 ARENDT, 2001. pp. 248-256.

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

PREMISSAS E HIPÓTESES

“Não se perguntará o que os princípios são,


mas o que eles fazem”.
Gilles Deleuze.

SOBRE AS PREMISSAS DA PESQUISA

Quais são as afirmações prévias que


considero como certas e dadas, ou aquelas a
partir das quais irei construir meu
argumento para alcançar (ou não) as
hipóteses?

Premissa 1: Para criar um conceito


É possível criar um conceito de “democracia substantiva” a partir do sentido
“forte” de democracia, cunhado por John Dewey, da “teoria da brecha”, criada por
Humberto Maturana, e da inversão da fórmula de “cooperação reflexiva”, proposta por
Axel Honneth para descrever a democracia.

Premissa 2: Para apontar convergências


Pode-se apontar semelhanças entre as noções arendtianas de política, de espaço
público-político, de polis e convergi-las à definição de “democracia substantiva”. Em
outras palavras, pretendo equalizar a proposta arendtiana de política a este conceito de
uma democracia entendida como substantivo e não somente como adjetivo.

Premissa 3: Para ver com otimismo o diagnóstico pessimista


O diagnóstico político da modernidade feito por Arendt nos permite
compatibilizar sua teoria política aristocratizante com o conceito de “democracia
substantiva”, apesar de Arendt não tratar de democracia em sua obra. Assim, o
diagnóstico arendtiano sobre a política pode ser visto como pessimista pois aponta

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

para a derrota da política (e vitória do trabalho e da História), ao mesmo tempo em


que, de modo possivelmente contraditório, se ampara num otimismo realista de que há
uma constante inovação na ação e na imaginação dos homens e de que esta revolução
pode não ser destrutiva.

Premissa 4: Para buscar subsídios empíricos


A atividade política em redes sociais digitais nos permite visualizar o conceito
de “democracia substantiva” em funcionamento e favorece as aproximações
conceituais propostas. Em outras palavras, a ideia de uma “sociedade em rede” é um
exemplar do modo de vida realizado em uma e por uma “democracia substantiva”.

SOBRE AS HIPÓTESES DA PESQUISA

Quais são as ideias propostas possíveis de


estarem certas ou de serem prováveis,
condicionadas pelos “testes” (ou caminhos
de argumentação) escolhidos?

Hipótese 1: Para não perder o juízo


A faculdade de juízo é importante política e filosoficamente para a articulação
do conceito de “democracia substantiva” à luz das noções arendtianas de política, de
espaço público-político e de polis.

Sub-hipótese 1.1: Condições de possibilidade do juízo


A faculdade do juízo é um conjunto de atividades do espírito que
envolve o julgar e o compreender, tanto pelo observador quanto pelo agente,
num duplo indivisível, e que só nessa condição diz-se que esta faculdade é
política. Em outras palavras, a política não é ontológica e precisa ser “criada”.
Assim, a faculdade do juízo é “criadora” da política uma vez que é condição
para e realização desta política.

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

Hipótese 2: Para ver na democracia mais que ação


A articulação do exercício da faculdade de juízo com a capacidade de
compreensão, condicionada pela pluralidade, permite que a aproximação da teoria
política arendtiana ao conceito de “democracia substantiva” siga em paralelo a (ou, até
mesmo, à revelia de) sua teoria da ação, uma vez que enfoca a vida do espírito,
partilhada entre os homens.

Sub-hipótese 2.1: Condições de possibilidade da democracia substantiva


As condições de possibilidade para recriar, ressignificar ou revitalizar a
política arendtiana como uma “democracia substantiva” são a i) pluralidade
humana; ii) o exercício do julgar articulado à capacidade de compreender e; iii)
a criação da polis vista pela imagem de um oásis (uma ruptura entre as imagens
da cidade e do deserto).

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

JUSTIFICAÇÃO

“É preciso confrontar ideias vagas


com imagens claras”.
Jean-Luc Godard.

De que modos a criação de imagens e de


conceitos pode nos ajudar a rever alguns
dos desafios da democracia?

Diferentemente da Introdução, esta justificação deve explicar o que será abordado


nestas duas partes, chamadas de “Imagens Teóricas” e “Imagens Empíricas”, respectivamente.
O estímulo para dividir esta pesquisa em dois tipos de imagens é a criação de uma
paisagem do pensamento, para que se vislumbrem o relevo, os caminhos e as pedras no meio
dos caminhos da argumentação. As imagens não são teorias, e nem representações, mas
abordagens que ajudam na conotação das ideias. Esta paisagem, portanto, deve permitir que
se faça uma topografia (“descrição de um lugar”) de onde os problemas se encontram. A partir
daí, o pensamento segue como uma cartografia (“escrita do mapa”) para percorrer os
caminhos entre os problemas. Finalmente, como a paisagem do pensamento é alterada quando
se passa por ela (em outras palavras, o objeto é alterado pela subjetividade que o objetifica),
os argumentos devem funcionar como uma arqueologia (“descrição do passado, do antigo”),
em busca dos fragmentos que nos permitam conceber de onde vieram as ideias que
assumimos e qual é a sua contingência ou necessidade.
Vê-se, com Deleuze, que a investigação filosófica fala mais daquilo que o pensamento
não sabe, e quer investigar, do que daquilo de que já tem certeza. Assim, as imagens são
tentativas de aproximação ao que o pensamento quer expressar. Sem elas, uma revisão
bibliográfica poderia ser mera repetição do discurso do autor – e uma pesquisa científica (ou
filosófica) não deve ser somente História da Ciência. Mas, se os argumentos desta pesquisa
são tecidos na intenção de desvendar um mistério, de encontrar o “problema” e de manter
atenção ao que escapa da lógica, poderia dizer que ela também se aproxima de um romance
policial. E, novamente, podemos nos valer de imagens quando aquilo que se quer expressar

15
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

extrapola o conteúdo do que é possível dizer, sem termos de apelar para ideais impossíveis ou
para representações que favoreçam comparações:
Um livro de Filosofia deve ser, por um lado, um tipo muito particular de romance policial e, por outro,
uma espécie de ficção científica. Por romance policial, queremos dizer que os conceitos devem intervir,
com uma zona de presença, para resolver uma situação local. Modificam-se com os problemas. Têm
esferas de influência em que, como veremos, se exercem em relação a 'dramas' e por meio de uma certa
'crueldade'. Devem ter uma coerência entre si, mas tal coerência não deve vir deles. Devem receber sua
coerência de outro lugar. É este o segredo do empirismo. (…) 23

Finalmente, como se vê nessa curiosa passagem, uma investigação filosófica, ao


querer tornar presente um pensamento virtualmente distante, se situa entre os limites da ficção
científica. São estes os limites que podem facilitar o exercício de se falar sobre o que não se
sabe:
A Filosofia não é Filosofia da História, nem Filosofia do eterno, mas intempestiva, sempre e só
intempestiva, isto é, “contra este tempo, a favor, espero, de um tempo que virá”. (…) O esplendor do
“SE”. Daí o aspecto de ficção científica que deriva necessariamente desse Erewhon. (…)

Ficção científica também no sentido em que os pontos fracos se revelam. Ao escrevermos, como evitar
que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que sabemos mal? É necessariamente neste ponto que
imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema
que separa nosso saber de nossa ignorância e que transforma um no outro. É só deste modo que somos
determinados a escrever. Suprir a ignorância é transferir a escrita para depois ou, antes, torná-la
impossível. Talvez tenhamos aí, entre a escrita e a ignorância, uma relação ainda mais ameaçadora que a
relação geralmente apontada entre a escrita e a morte, entre a escrita e o silêncio. Falamos, pois, de
ciência, mas de uma maneira que, infelizmente, sentimos não ser científica.24

Acredito que Arendt quer resgatar um “aspecto singular” da política. Embora seja
evidente que a política pode ser feita a partir da relação meio-fim, acredito que não é disso
que Arendt quer tratar. O pensamento de Arendt procura abarcar uma “outra dimensão” da
política. Mas, onde é mesmo que esta dimensão está situada? Como poderemos “localizar” a
política, senão na inter-relação entre diversos outros campos (por exemplo, a democracia, a
ética, a publicidade e, claro, a política [ontológica])? Uma imagem assim não pretende
“diminuir a política”, confinando-a numa interseção de outros domínios, mas sim dizer que a
política não precisa ser pensada somente a partir das categorias políticas de que já dispomos.
É preciso, ao contrário, “ampliar a política” e compreender que devemos situar a discussão
sobre “o que é a política?” dentro mesmo do próprio fazer político. As categorias, assim, são
empíricas, ou seja, estão ligadas, a posteriori, sempre à experiência (política) que temos delas

23 DELEUZE, 1988. p. 9.
24 DELEUZE, 1988. pp. 9-10.

16
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

- e não “teóricas” (melhor seria dizer “transcendentais”, na verdade), como um a priori que
vem do “mundo das Ideias” e dos conceitos. Dividindo esta pesquisa nas duas partes que a
compõe – imagens teóricas e imagens empíricas – procurarei evidenciar este exercício:
imagens cujas relações criam Ideias e experiências teóricas, em um primeiro momento, e
imagens cujas relações surgem na colagem de distintas abordagem sobre a política e a partir
de situações empíricas25, exteriores aos formuladores de tais abordagens, no segundo
momento. Dessa maneira, a primeira parte é dedicada a criar relações do tipo “e SE aquilo É
isso”, ao passo que na segunda metade a intenção é lidar com relações do tipo “isso E aquilo”
– a prioridade será a a relação mais do que o conceito; o lugar mais do que a coisa.
Portanto, na primeira parte, denominada “Imagens Teóricas”, farei uma revisão
bibliográfica de algumas obras de Hannah Arendt, descritas abaixo, em busca de: i) uma
alegoria que permita situar seu diagnóstico da política contemporânea; ii) seu entendimento
sobre as noções de política e de espaço público (e publicidade), e sua descrição do julgar e do
compreender; iii) formas de articular sua teoria política com uma noção “forte” de
democracia, caracterizada como “um modo de vida”, como “uma brecha” entre sistemas
autocráticos e totalitários, e como “um exercício de reflexão cooperativa”, denominada
“democracia substantiva”.
E, por fim, na segunda parte, denominada “Imagens Empíricas”, deverei definir esta
noção “forte” de democracia a partir da descrição de um diagrama que pretende situar este
conceitos entre as esferas da “política”, da “democracia”, da “publicidade” e da “ética”. Este
diagrama será usado para equalizar a leitura arendtiana feita na primeira parte com as ideias
desenvolvidas por outros três autores, em particular: i) a democracia como “modo de vida
democrático”, de John Dewey; ii) a democracia como ruptura, a partir da “teoria da brecha”,
de Humberto Maturana; iii) a democracia como “reflexão cooperativa” e não somente como
fórmula da “cooperação reflexiva”, usada por Axel Honneth para caracterizar a democracia.

25 Penso que vale mencionar a explicação de Roberto Machado sobre o pensamento deleuziano e seu modo de
funcionar, que hora tento experimentar. Ele diz que Deleuze “define o empirismo não como uma teoria
segundo a qual o conhecimento deriva da experiência, mas como uma teoria para a qual as relações são
independentes dos termos, considerando não empirista 'toda teoria segunda a qual, de um modo ou de outro,
as relações decorrem da natureza das coisas. (…) Se as ideias só contêm o que se encontra nas impressões
sensíveis, é precisamente porque as relações são exteriores e heterogêneas a seus termos, impressões ou
ideias. (…) Assim, o verdadeiro mundo empirista desdobra-se pela primeira vez em toda a sua extensão. (…)
Mundo onde a conjunção 'e' destrona a interioridade do verbo 'é'...” (MACHADO, 2009. pp. 138-139.).

17
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

Em outras palavras, a topografia ilustrada por este diagrama será útil para apoiar a definição
de trabalho de “democracia substantiva” e localizar as convergências feitas às ideias
arendtianas sobre a revitalização da política e sobre a constituição do espaço público, como
descrevi nos parágrafos iniciais.
Em suma, ao apresentar sua visão sobre a política e sobre a constituição do espaço
público, e afirmar que a faculdade do juízo é a atividade eminentemente política pela
pluralidade dO homem, argumento que Arendt formula uma ideia que é convergente com a
colagem das noções desenvolvidas pelos autores citados para “substantivar” a democracia,
dando a ela um sentido “forte”. Com isso, o diferencial desta pesquisa é constatar que o uso
da faculdade do juízo e o exercício da compreensão – e não só a liberdade de agir e de falar –
são importantes para a compreensão da teoria política de Arendt e decisivos para convergir
sua proposta com a noção de democracia apresentada. E é isso que tento exprimir a partir do
título desta dissertação.

18
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

A IMAGEM DO DESERTO É UM DESERTO DE IMAGENS

“O deserto insiste em ser /


para sempre / Deserto”.
Jean-Yves Leloup.

Para iniciar o esboço da imagem: o que


Hannah Arendt menciona sobre o deserto e
por quê?

Pode soar curioso o fato de que Arendt tenha intencionado finalizar sua obra “O que é
Política?” com um capítulo intitulado “De Deserto e de Oásis” e agora, de minha parte, eu
espere começar esta pesquisa com a descrição destas imagens. Um dos argumentos que se
poderia lançar, para reafirmar esta escolha, é que talvez valha imaginá-la como uma tentativa
de “engenharia reversa”. Ou seja, uma vez que sabemos a partir do quê está construído um tal
programa e uma vez que vislumbramos sua articulação e seu desenvolvimento – seu
funcionamento, propriamente dito – podemos partir deste fim mais particular para seus
conceitos mais originais e gerais: para a inspiração e para o que ela gerou.
Neste sentido, é possível que ao iniciar esta pesquisa retomando as imagens do deserto
e do oásis possa recuperar outras formas de perceber a constelação criada por Arendt para
estudar a política, uma vez que já temos certeza de que ela teria de lidar, ao final, com estas
imagens.
Ursula Ludz indica que Arendt optou algumas vezes por vestir “seu patos pela política
– dito de outra maneira: sua preocupação com o mundo e a sobrevivência dos homens neste
mundo”26 com a roupagem da imagem do deserto e do oásis. Esta seria, como dissemos, sua
ideia para o capítulo final de “Introdução à Política”. Portanto, não pode ser de todo descabida
a tentativa de recuperar a força dessas imagens para apoiar a concepção arendtiana de política.
Para Arendt, a imagem do deserto é um diagnóstico mais ou menos preciso da
condição em que nós nos movemos no mundo. Seguindo a trajetória kantiana, ela aponta que

26 ARENDT, 1999b. p. 177.

19
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

“ele revelou-se, por seu lado, como um dos habitantes conscientes do deserto”27. Talvez por
isso é que, ao mesmo tempo em que ela extrai de Kant um embasamento para a filosofia
política fundada na faculdade de julgar, ela reconhece que Kant não chega a formular uma
teoria da política28: Kant se sentia à vontade no deserto.
O perigo da vida no deserto está justamente na capacidade humana de se ajustar a ele,
sem querer modificá-lo, ou de aceitá-lo como um “movimento próprio” do mundo. O perigo
do deserto é instalar um deserto de vontades29 nos homens, que não mais veriam algum tipo
de necessidade de oásis. A tarefa que se apresenta, portanto, é a de “tirar proveito do oásis
(…), fontes vivas que nos capacitam a viver no deserto sem nos reconciliarmos com ele”30.
Para isso, como diz Ursula Ludz, “é preciso que não deixemos o mundo entregue a si próprio,
com seus desertos e oásis, tal como chegou até nós”31. Para ela
deserto e oásis são, de fato, conceitos contraditórios, ou seja, conceitos que se referem a realidades que
se encontram em luta; existe uma relação de tensão entre deserto e oásis, e suportá-la faz parte da
condição da vida humana na Terra. (…) Ambas as posturas, o sentir-se-bem irrefletido e o escapismo,
são perigosas – por um lado, porque exigem o ajuste às condições do deserto; por outro lado, porque
confundem as diferenças: onde não existe deserto algum, tampouco pode haver algum oásis “intacto”! 32

Se “o mundo é sempre um deserto”33, dele não se pode escapar. Para Arendt, fugir do
mundo do deserto é como fugir da política: e é isto que ela denomina “escapismo”. Por outro
lado, chega-se o tempo em que os homens “podem transformar o mundo num deserto” 34,
extinguindo todas as formas de vida ou destruindo a capacidade “daqueles que são

27 ARENDT, 1999b. p. 178.


28 Nas Lições, especialmente na Terceira e na Quarta, Arendt expõe, de modo frustrante, que Kant “desconhece
tanto uma faculdade quanto uma necessidade para a ação. Desse modo, a questão kantiana ‘Que devo fazer?’
diz respeito à conduta do eu em sua independência dos outros”. Mais ainda, “a maneira como Kant enunciou
e respondeu à questão constituirá um obstáculo – e provavelmente também constituiu um obstáculo no
próprio caminho de Kant, quando tentou reconciliar seus vislumbres políticos e sua filosofia moral – quando
tentarmos sugerir como teria sido a filosofia política de Kant se ele tivesse encontrado tempo e vigor para
expressá-la adequadamente”. Afinal, “a insistência de Kant nos deveres para comigo mesmo, sua insistência
de que os deveres morais devem ser livres de toda inclinação e de que a lei moral deveria ser válida não
apenas para os homens neste planeta, mas para todos os seres inteligíveis no Universo, restringe ao mínimo
[a] condição de pluralidade”. Cf. ARENDT, 1993. p. 27-29.
29 Seguindo a visão do niilismo apresentada por Nietzsche, podemos diferenciar uma vontade de nada (viver
para o nada) de um nada de vontade (negar a vida). Embora essa distinção não seja tão relevante neste
contexto, vale salientar que me refiro a este “segundo aspecto” do niilismo.
30 ARENDT, 1999b. p. 180.
31 ARENDT, 1999b. p. 183.
32 ARENDT, 1999b. pp. 182-183.
33 ARENDT, 1999b. p. 181.
34 ARENDT, 1999b. p. 183.

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

iniciadores para [o mundo] poder tornar-se começado de novo”35. A situação apresentada por
Arendt, portanto, é a seguinte: a vida no deserto é um constante movimento em busca dos
oásis, mas sem fuga ou negação do deserto, posto que esta é a condição humana. Fugir do
deserto é exterminar os oásis, ou deles se aproveitar até a exaustão, e assim, tornar universal o
deserto. Reconhecer no deserto um ambiente exterior ao homem permite reforçar “as duas
faculdades do homem com as quais podemos ser capazes de modificar pacientemente o
deserto (e não a nós mesmos): a faculdade da paixão e a do agir”36. Novamente, diante de um
diagnóstico pessimista da situação do mundo, Arendt se deparar com a possibilidade humana
de recriar o mundo, já que, “no final das contas, o mundo é sempre um produto dos homens,
um produto do amor mundi do homem”37.
É neste sentido que ela instaura uma crítica à psicologia que “tenta 'ajudar' os homens
(…) a 'se ajustarem' às condições da vida no deserto”38. Ao contrário do que possa parecer, o
deserto não é a “tranquilidade do cemitério”, senão que “o lugar onde, em última análise, tudo
ainda é possível, mas que provoca um movimento próprio”39. Novamente, o perigo do deserto
é acharmos que sua aparente monotonia deva-se à tranquilidade – ao contrário, “as formas
políticas mais adequadas da vida no deserto” são as formas totalitárias, que impedem a
percepção (compartilhada) do sofrimento “e com ela a virtude do suportar [virtue of
endurance]”40 a paixão pela vida, que leva o homem a realizar suas obras para recriar seu
mundo.
E os cientistas políticos devem saber justamente isso! Se aqueles que precisam passar a vida no deserto,
procurando fazer isso e aquilo enquanto se queixam sem parar das condições do deserto, não sabem tirar
proveito dos oásis, acabarão tornando-se habitantes do deserto mesmo sem a ajuda da psicologia. Em
outras palavras: vão ressecar. 41

Mas de que maneira esta imagem, tal como apresentada, nos dá indícios concretos sobre a
política e seu locus? Ursula Ludz, em seus comentários sobre os fragmentos de Arendt, aponta
o seguinte:

35 ARENDT, 1999b. p. 181.


36 ARENDT, 1999b. p. 179.
37 ARENDT, 1999b. p. 180.
38 ARENDT, 1999b. p. 178.
39 ARENDT, 1999b. p. 178.
40 ARENDT, 1999b. p. 179.
41 ARENDT, 1999b. p. 180.

21
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

O deserto é o espaço não formado politicamente; em compensação, os oásis (“o mundo no qual
podemos mover-nos em liberdade”) são criados pelas leis enquanto espaço e são por elas protegidos, e
isso é válido para o espaço da política interna bem como para o espaço da política externa. Nesse
sentido, 'deserto' é equivalente a dominação total, por um lado, e a guerra de extermínio, por outro lado,
mas também responde por fenômenos totalitários nas democracias de massas. 42

Assim, não se pode compreender os oásis como ideais de política, ou de localização da


política. Ainda menos porquanto o diagnóstico que temos é de fracasso da política – e, por
conseguinte, de que os homens, em sua pluralidade, fracassaram na criação desta política em
grande parte de sua história. É necessário, então, que os oásis sejam, tanto quanto possível,
independentes da condições atuais da política. E aqui, finalmente, é possível notar porque é
que Arendt inclui em seu pathos da política a articulação da vida dos homens em pluralidade
com o estudo da vida do espírito humana: as faculdades do espírito ainda podem ser
preservadas diante de condições políticas adversas. É na vida do espírito que os oásis se
encontram ainda intactos, como o punhado de possível de que volta e meia precisamos para
não sufocar43. A vida do espírito é preservada, por vezes mais, por vezes menos, da situação
atual da política. E, embora as faculdades do pensamento e da vontade não tenham ajudado
Arendt a desenvolver diretamente sua teoria política – porquanto ela estava baseada na vita
activa e na ação – são elas que abrem caminho para explorar os modos de vida que tornam
possíveis a política. A última destas faculdades, no entanto, revela-se surpreendentemente
política, à maneira de Kant. Mais ainda, poderia ajudar Arendt a compreender melhor aquilo
que leva o homem a tornar-se um ser atuante. A distância – que permite a amizade, que
estimula a imaginação, que facilita a observação e a capacidade de não tomar parte na disputa
– faz retornar a singularidade do homem e a particularidade de seu olhar. O mundo volta a ser
um acontecimento particular a ser partilhado e, assim, reconhecido em sua generalidade, e não
o contrário. O homem volta a respirar e a política pode voltar a fazer parte do homem – e,
quiçá, do mundo:
Os oásis são aqueles campos da vida que existem independentes ou independentes em grande parte das
condições políticas. O que fracassou foi a política, ou seja, nós porquanto existimos no plural – e não
aquilo que podemos fazer e produzir enquanto existimos no singular: no isolamento do artista, na

42 ARENDT, 1999b. p. 182.


43 Esta expressão, que me é muito cara, foi tomada do seguinte contexto: (...) Acreditar, não em um outro
mundo, mas no liame entre o homem e o mundo, no amor ou na vida, acreditar nisso como no impossível, no
impensável, que, no entanto, só pode ser pensado: “Um pouco de possível, senão sufoco.” (DELEUZE,
Gilles. Nietzsche hoje?; colóquio de Cerisy; Org. Scarlett Marton. São Paulo. Editora Brasiliense, 1985. p.
221).

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

solidão do filósofo, na verdadeira relação sem mundo entre homem e homem, tal como se dá no amor e
às vezes na amizade (…). Se esses oásis não estivessem intactos, não saberíamos como devemos
respirar. 44

Ainda nos fragmentos compilados por Ursula Ludz, há algumas outras passagens que
tratam das imagens do deserto e do oásis, que valem ser mencionar. Todas elas estão no
Apêndice, que inclui anotações manuscritas de Arendt para o planejamento da “Introdução à
Política”.
No prefácio de O que é Política?, Arendt esperava discutir algumas das seguintes
ideias, que poderão fazer a conexão, finalmente, com os temas do juízo e da compreensão:
O homem preocupa-se consigo mesmo. (…) Em contrapartida: no ponto central de toda política está a
preocupação com o mundo. O deserto e o oásis. O perigo, raptar o deserto para o oásis. O rapto do
mundo. (…)

Os únicos que ainda acreditam no mundo são os artistas. (…) O perigo é arrebatá-los no rapto, quer
dizer, desertificar os oásis. (…)

O decisivo é que Marx só queria mudar o mundo para salvar os homens e, na verdade, do mundo. O
homem deve ter tanto tempo quanto possível para si mesmo, para seu eu e o desenvolvimento deste;
esse era o conceito de liberdade. Esse o humanismo marxista.

Deserto: quanto há a ameaça do extermínio da vida orgânica, a preocupação não é mais o homem.

A descoberta de Kant do caráter público e da pluralidade, baseado no belo. Porém, no belo aparece o
mundo, não a Humanidade, mas o mundo habitado por homens. 45

Como, a partir deste ponto, só tenho esboçadas as principais questões de que tratarão os
tópicos da primeira parte, resta-me concluir esta apresentação expondo-os tão-somente. Para
compreender mais amplamente em que contexto cada tópico está inserido e, principalmente, o
encadeamento dos tópicos, sugiro recorrer à “Proposta de Sumário da Dissertação”.

44 ARENDT, 1999b. p. 179.


45 ARENDT, 1999b. pp. 188-189.

23
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

O DESERTO E A CIDADE

▪ O que caracteriza o deserto?


• Paisagem imutável
• Isolamento
• Nomadismo
• Mundo da necessidade, da vida.
▪ O que caracteriza a cidade?
• Palavreado constante
• Multidão imóvel – massa
• Convivência
• Mundo do trabalho, da necessidade, do artificial (fabricação)
▪ Quais são as semelhanças entre a cidade e o deserto?
▪ Porque H.A. utiliza a imagem do deserto para caracterizar a vida do homem
moderno? Qual é a relação entre a vida no deserto e vida em regime de necessidade
(do Animal Laborans)?
▪ Quais são as características da cidade e do deserto que favorecem a emergência
da polis?
• Nomadismo no deserto – favorece a criação de rotas de encontro e
desencontro entre agrupamentos, aumentando a liberdade de ação. No limite
favorece a vida pela necessidade e surgimento do profeta (ou messias) que
conduz o rebanho.
• Isolamento no deserto – favorece a vida do espírito (reflexão e diálogo
interior). No limite, impede a continuidade de ações.
• Palavreado na cidade – favorece a emergência de discursos e narrativas e
do herói lírico. Pela lógica da abundância, favorece a natalidade de ações. No
limite, impede a reflexão e favorece a centralização (de discursos “legítimos”),
transformando o herói lírico em herói trágico (pela guerra).

24
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

• Convivência na cidade – favorece a partilha de um destino comum. No


limite favorece a hierarquização, pela criação artificial de escassez.
• Isolamento na cidade – favorece a dispersão, o espalhamento. No limite,
favorece o totalitarismo, pela desconexão.

O OÁSIS

▪ Como Arendt caracteriza a imagem do oásis e em que contextos ela é


utilizada?
▪ O oásis aparece no homem ou no mundo?
▪ Quais as diferenças e semelhanças entre os oásis e a polis?
• Espaço seguro
• Igualdade
• Fragilidade
▪ Como podemos nos apoiar na imagem do oásis para compreender a política?

25
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

POLÍTICA E DEMOCRACIA EM HANNAH ARENDT

“Não é o pote / que faz a água / potável / Não


é homem / que faz o homem / Humano”.
Jean-Yves Leloup.

É possível articular a concepção de política


proposta por Hannah Arendt com
democracia?

▪ O que é política para H.A.?


▪ Qual é o sentido da política para H.A.?
▪ O que é liberdade para H.A.? Em que medida esta liberdade pode ir além de
uma teoria da ação?
▪ Porque Arendt não se compromete com a democracia ao tratar de política? Em
que medida a diferenciação entre regime democrático, governo democrático e modo de
vida democrático pode amparar estas ideias?
▪ O que significa aristocracia para H.A.? Em que medida esta ressignificação é
uma reação à cultura de massa contemporânea?
▪ Há elementos “demofóbicos” na concepção arendtiana de política?

26
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

O ESPAÇO PÚBLICO-POLÍTICO E A POLIS

“Um homem de luz. / Um homem sem


sombra? / Aquele que caminhou pelo deserto /
O compreendeu: / É o inferno! // Felizmente /
Deus fez o homem de luz / com sombras”.
Jean-Yves Leloup.

É possível articular a concepção de espaço


público-político proposta por Hannah
Arendt com a emergência da polis?

▪ Como se dá a formação da polis para H.A.? Esta formação é melhor


caracterizada como um desenvolvimento histórico ou como uma ruptura?
▪ O que é o espaço público-político e quais são suas peculiaridades? Um espaço
público é sempre político?
▪ Primeiras aproximações entre polis e espaço público-político.
▪ Polis e Oikos: esta é a relação entre espaço público e espaço privado?
▪ Em que medida a emergência da polis é diferente de um movimento de massa?

27
O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

O JUÍZO E A POLÍTICA

“Partir para o deserto / é partir / para o mais


longe / de si mesmo / E dali depois voltar /
para o mais perto”.
Jean-Yves Leloup.

Como e porque a faculdade do juízo pode


ser considerada eminentemente política?

▪ O que é a faculdade do juízo?


▪ O que caracteriza o tipo de juízo estético reflexionante kantiano? Porque H.A.
opta por este tipo?
▪ Como se articulam o gosto, a reflexão e a imaginação neste juízo? Porque é
necessário que o desinteresse também apareça nessa constelação?
▪ Porque o juízo seria a faculdade eminentemente política para H.A.? Em que ela
se diferencia das faculdades do pensar e do querer?
▪ Em que medida a faculdade do juízo favorece a emergência de um espaço
público-político?
▪ A postulação de um juízo desinteressado não se contradiz com a prática
política (democrática) fundada no interesse individual e na vontade da maioria?
▪ Como se articulam a figura do ator e do observador? Como e porque é criada
uma comunidade de observadores? Qual é o papel da mentalidade alargada neste
processo?
▪ Há semelhanças entre as figuras do ator com as figuras do herói trágico e do
herói lírico? E entre o observador e as figuras do poeta e do juiz? Quais são os riscos
dessas semelhanças?
▪ Há ainda outras relações entre o juízo e a política?

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

O COMPREENSÃO E A POLÍTICA

“Quando se invoca uma transcendência,


detemos um movimento para introduzir uma
interpretação em vez de experimentar”.
Gilles Deleuze.

Que novos elementos o exercício da


compreensão pode adicionar à constelação
do juízo e da política?

▪ Em que contexto surge a necessidade do exercício da compreensão? Quais são


as relações entre compreensão e responsabilidade?
▪ Em que medida a compreensão favorece a faculdade do juízo e em que medida
ela é condicionada por esta faculdade?
▪ Porque a compreensão favorece a ideia de política fundada na liberdade e na
pluralidade? Como se articulam a promessa e o perdão com a necessidade do exercício
de compreensão?
▪ Uma ideia de política comprometida somente com a liberdade pode prescindir
da compreensão? E uma ideia de política comprometida também com a pluralidade
pode prescindir da compreensão?
▪ Há ainda outras relações entre juízo e compreensão?

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

PROPOSTA DE SUMÁRIO DA DISSERTAÇÃO

 1  Introdução
1.1 Pontos abordados
1.2 Premissas
1.3 Hipóteses
 2  Justificação
 3  Parte 1: Imagens Teóricas
3.1 A imagem do deserto é um deserto de imagens
3.1.1 O deserto e a cidade
3.1.2 O oásis
3.2 Política e democracia em Hannah Arendt
 3.3  O espaço público-político e a polis
3.4 O Juízo e a política
3.5 A Compreensão e a política
 4  Parte 2: Imagens Empíricas
4.1 Uma proposta topográfica: política, ética, publicidade e democracia
4.2 Uma proposta arqueológica: o diagrama da democracia substantiva
4.3 Democracia como ruptura – Maturana e Arendt
4.4 Democracia como modo de vida – Dewey e Arendt
4.5 Democracia como cooperação reflexiva – Honneth e Arendt
4.6 Democracia como reflexão cooperativa – porque inverter a fórmula?
4.7 Retomada de premissas e hipóteses
4.8 Análise das imagens: o problema do político
 5  Conclusão
5.1 Avaliação das hipóteses da pesquisa
5.2 Discussão sobre as premissas da pesquisa
 6  Referências Bibliográficas

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

PROPOSTA DE DIAGRAMA

Qual é o locus da ideia de “democracia


substantiva” e quais são suas relações
exteriores?

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O Juízo e a Compreensão na ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia

PROPOSTA DE BIBLIOGRAFIA

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