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NARRATIVAS DE ESPERANÇA: ATOS DE FALA DE EMOÇÃO*

Andréa Machado de Almeida MATTOS (Universidade Federal de Minas Gerais)

RESUMO: A esperança é uma emoção básica do ser humano, universalmente vivida, embora seja muitas
vezes experienciada de forma única por cada indivíduo (Wang, 2000). Essa emoção tem sido descrita
como a habilidade de visionar um futuro no qual o indivíduo deseja participar (Larsen, Li & Mattos, 2007)
e, segundo Cheavens, Michael, & Snyder (2005), é um componente vital para a aprendizagem e para a
mudança bem-sucedida. Atualmente, proliferam estudos sobre esperança no mundo todo e nas mais
diversas áreas. No Brasil, no entanto, os estudos sobre a esperança ainda não tiveram grande impacto no
meio acadêmico (Mattos, no prelo). Este trabalho, situado na fronteira interdisciplinar entre a Análise do
Discurso e a Formação de Professores de Língua Estrangeira (LE), relata um estudo sobre as atitudes que
professores de inglês em formação assumem em relação à profissão que escolheram.

ABSTRACT: Hope is a basic human emotion, universally lived, although sometimes it may be
experienced in unique forms by each individual (Wang, 2000). This emotion has been described as the
ability to envision a future in which one wishes to participate (Larsen, Li & Mattos, 2007) and, according
to Cheavens, Michael, & Snyder (2005), hope is a vital component in learning and in successful change.
Nowadays, studies on hope are abundant throughout the world in several areas. In Brazil, however,
studies on hope have not yet impacted the academic areas (Mattos, forthcoming). This paper, situated in
the interdisciplinary borderline between Discourse Analysis and Foreign Language (FL) Teacher
Education, reports on a study about the attitudes of pre-service English teachers in relation to the
profession they have chosen.

PALAVRAS-CHAVE: emoção; esperança; atitudes; atos do discurso

KEY-WORDS: emotion; hope; attitudes; discourse acts

1. Introdução

A esperança é uma emoção básica do ser humano, universalmente vivida, embora seja
muitas vezes experienciada de forma única por cada indivíduo (Wang, 2000). Essa emoção tem
sido descrita como a habilidade de visionar um futuro no qual o indivíduo deseja participar
(Larsen, Li & Mattos, 2007) e, segundo Cheavens, Michael, & Snyder (2005), é um componente
vital para a aprendizagem e para a mudança bem-sucedida. Atualmente, proliferam estudos sobre
esperança no mundo todo e nas mais diversas áreas, como Psicologia, Filosofia, Medicina,
Enfermagem e Educação, por exemplo. No Brasil, no entanto, os estudos sobre a esperança
ainda não tiveram grande impacto no meio acadêmico (Mattos, no prelo). Este trabalho, situado
na fronteira interdisciplinar entre a Análise do Discurso e a Formação de Professores de Língua
Estrangeira (LE), relata um estudo sobre as atitudes que professores de inglês em formação
assumem em relação à profissão que escolheram. Para se vislumbrar tais atitudes, foram
examinadas narrativas produzidas por alunos de graduação em Letras/Inglês que participaram de
um curso de formação de professores. A análise considerou os atos de fala produzidos nas
narrativas, atentando ao objeto a que se referiram e às atitudes transmitidas pelos participantes
(Cutting, 2001). Com isso, pretende-se demonstrar a viabilidade da identificação das marcas de
esperança no discurso e do uso explícito dessas marcas, com o objetivo de promover atitudes
positivas na comunidade discursiva, e contribuindo, assim, para esse campo de estudos que se
descortina como uma real possibilidade para a pesquisa das emoções, das relações interpessoais e
das identidades sociais nos dias de hoje.
Embora pareça estar havendo um interesse recente a cerca do tema, alguns estudos sobre
esperança, de acordo com Turner (2005:509), datam ainda dos anos 6O: por exemplo,
Crumbaugh & Maholic (1964) descreveram esperança como “um estado que dá sentido e valor à
vida”, Stotland (1969) afirmou que a esperança é um fator motivador e Lynch (1965) acreditava
que quando temos esperança “somos confiantes e esperamos um bom resultado.”
Um projeto conjunto conduzido pela Hope Foundation – entidade beneficente ligada à
Universidade de Alberta, no Canadá – e pela faculdade de educação da mesma universidade
recentemente lançou na internete o Hope-Lit Database (http://www.hope-lit.ualberta.ca/), uma
base de dados pública que tem por objetivo listar todos os estudos e trabalhos feitos sobre
esperança no mundo. Segundo Ford (2006), no momento é a maior base de dados sobre
esperança disponível para acesso dos interessados. Uma rápida visita à base de dados revela que
há estudos sobre esperança em vários países: Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, Austrália,
Finlândia, França, China, Bósnia, Bélgica, México, Itália, Alemanha, para citar apenas alguns.
Porém, no Brasil, esses estudos ainda não se popularizaram no meio acadêmico. Através da base
de dados, também é possível perceber que há estudos sobre esperança em várias áreas, como a
psicologia, a filosofia, a medicina, a enfermagem e também a sociologia e a educação. Na
lingüística, contudo, parece ainda não haver muitos estudos sobre o tema.
Mas o que justifica esse crescente interesse sobre esperança? Vivemos em tempos difíceis
(West, 2004; Giroux, 2005). Tanto no Brasil quanto no resto do mundo, presenciamos a guerra e
inúmeras mazelas que afligem a humanidade. Ligamos a T.V. e só ouvimos reportagens sobre
problemas de todos os tipos. Especificamente no que diz respeito à profissão de professor,
vivemos um constante caos. Sabe-se que professores em geral, e em especial aqueles de escolas
públicas, recebem baixos salários, trabalham em várias escolas, suportam péssimas condições de
trabalho e são forçados a tolerar constante desrespeito quanto à profissão. Esse estado de coisas
leva os professores a terem uma imagem geralmente negativa da profissão e de si mesmos,
apresentando baixa auto-estima e desmotivação. Esses problemas formam um retrato da
profissão que desencoraja aqueles que, por ventura, desejam se tornar professores.
Em face dessa situação, a esperança torna-se um tema óbvio para pesquisa. Nós
precisamos de esperança. Precisamos encontrar maneiras de motivar os professores a continuar
buscando seus ideais. O estudo da esperança pode ajudar a nos mostrar um caminho para o
empoderamento dos professores e para envolvê-los numa busca constante por melhores visões
do futuro para todos os envolvidos.

2. Esperança e a Análise do Discurso

Para Dufault & Martocchio (1985), esperança é “uma força de vida dinâmica e
multidimensional caracterizada por uma expectativa confiante, embora incerta, de atingir um bem futuro
que, para aquele que tem esperança, é realisticamente possível e pessoalmente significante.”1
Eliott & Olver (2002) fizeram uma revisão detalhada de trabalhos sobre esperança e
afirmam que uma definição precisa de esperança ainda é problemática, pois existem muitos
modelos, definições, e quadros conceituais que nem sempre são intercambiáveis. Segundo os
autores, a esperança já foi descrita como “uma força interior, um processo de antecipação, uma
energia cognitiva e caminhos para os objetivos, e uma maneira de manter um espírito de luta” (p.
174). Os autores concluem que há pouco ou nenhum consenso na literatura sobre os significados
da esperança e que parece não haver nenhuma característica da esperança que seja aceita por
todos os autores revisados. Esta conclusão talvez seja justificável porque a esperança é uma
experiência altamente individual.
Pesquisas na área médica sugerem que a esperança se correlaciona positivamente com a
saúde e com a melhora dos pacientes (Turner, 2005). A pessoa que tem esperança é motivada e
tem uma atitude emocionalmente positiva, o que promove a cura e ajuda a aumentar as chances

1 Ênfase no original.
de melhora. Por essa razão, a esperança já foi correlacionada à sobrevivência e à recuperação do
indivíduo após longos períodos de estresse.
A mesma autora diz que a esperança é “uma emoção na qual todas as outras emoções se
firmam” (ibid, p. 509). Turner também afirma que a esperança é futurística e contagiante, e que é
uma emoção intrínseca, universalmente vivida por todos os seres humanos, e por isso é
necessária para a vida. Como tal, a esperança faz parte da condição humana.
Mas que relação podem ter todos esses estudos sobre esperança com a Análise do
Discurso?
Segundo Cutting (2001:1212), Searle (1979) afirma que “uma coisa que fazemos com a
linguagem é expressar nossos sentimentos e atitudes.” A mesma autora cita Carlson (1983) para
realçar que “a expressão de atitude é uma parte essencial dos atos de fala.” Elliot & Olver (2007)
chamam atenção para as implicações interpessoais da esperança e afirmam que a fala esperançosa
exige que o interlocutor não apenas responda mas que responda apropriadamente, constituindo,
assim, um par adjacente.2
Os estudos da esperança procuram mostrar como atitudes de esperança podem interferir
positivamente na vida e nas relações interpessoais dos indivíduos. Assim, estudar as atitudes de
esperança expressas pelos indivíduos através de atos de fala, ou seja, utilizando-se do ponto de
vista e das ferramentas da Análise do Discurso, parece ser um caminho promissor.
Eggins & Slade (1997) apresentam um modelo para análise da conversa casual baseado na
descrição da semântica interpessoal dos atos de fala. O modelo proposto pelas autoras aborda
‘apreciação’, ‘envolvimento’ e ‘humor’. ‘Apreciação’, que é o ponto que aqui nos interessa, seria a
coloração atitudinal da fala. As autoras dizem que isso envolve: (a) ‘apreciação’, ou avaliações
sociais (expressões sobre o quê gostamos ou não) de pessoas, objetos e processos; (b) ‘afeto’, ou
expressões de estados emocionais negativos e positivos (felicidade/infelicidade,
segurança/insegurança, e satisfação/insatisfação); (c) ‘julgamentos’ sobre a ética, a moralidade e o
comportamento de outros (sanção e estima); (d) ‘amplificação’, ou a magnificação/minimização
da intensidade ou do grau da realidade.
Cutting (2001) baseia-se no modelo de Eggins & Slade (1997) para fazer uma análise dos
atos de fala presentes na conversa casual de uma comunidade discursiva acadêmica. A autora
lamenta que “tradicionalmente, os estudos da linguagem de grupos sociais tem sido focados no
produto, uma descrição sincrônica da linguagem num dado momento” (Cutting, 2001:1207). Para
fugir desse paradigma, a autora relata um estudo focado no “processo, uma descrição diacrônica
das mudanças na linguagem através do tempo” (ibid). O estudo faz uma análise longitudinal de
conversas casuais de uma comunidade discursiva acadêmica formada por alunos do curso de
mestrado em Lingüística Aplicada da Universidade de Edinburgh. Cutting reduz o modelo de
Eggins & Slade (1997) e trata todos os quatro tipos de ‘apreciação’ dentro de um único modelo,
que leva em consideração três tipos de atitude: atos de fala neutros, positivos e negativos. Cutting
também analisa e descreve os tipos de atos de fala encontrados em cada tipo de atitude. A tabela
1 abaixo resume o modelo de atos de fala usado pela autora:

Atitude Neutra Positiva Negativa


Para consigo I work I work well I work badly
Para com os
interlocutores / You work You work well You work badly
a comunicação I see I agree I don’t agree
Para com uma
terceira pessoa / He works He works well He works badly
situação It is this It is good It is bad
Tabela 1: Atos de fala de expressão de atitudes (Cutting, 2001:1213)

2 Um exemplo citado pelos autores é A: “I hope I haven’t been too boring.” / B: “Not at all.”
Outro ponto importante, analisado pela autora, foi a ocorrência de contaminação, isto é,
o aumento gradativo dos atos de fala expressando atitudes não-neutras (positivas e negativas)
com o decorrer do tempo. Segundo Cutting (ibid, p. 1231), isso acontece porque “a escolha dos
atos de fala por parte do falante depende dos atos de fala utilizados no discurso imediatamente
precedente.” Segundo a autora, Giles (1979) sustenta que os indivíduos alteram seu estilo
conversacional para que fique parecido com o estilo de seus interlocutores, e Tannen (1984)
afirma que os atos de fala expressam estratégias de envolvimento e ‘rapport’. Assim, a escolha de
atos de fala que transmitam as mesmas atitudes transmitidas pelos atos de fala de seus
interlocutores é uma estratégia do falante em busca de apoio e coesão com o resto do grupo. Esta
escolha sugere que alguns atos de fala talvez sejam usados para demonstrar solidariedade e para
que o falante sinta-se membro do grupo.
Aqui, encontramos mais uma possibilidade de conexão entre os estudos da esperança e a
Análise do Discurso. Sillito (2005) argumenta que a esperança está relacionada à mudança e ao
crescimento pessoal. Para a autora, pesquisadores e professores envolvidos em propostas de
educação para a mudança teriam muito a ganhar com o uso explícito de um vocabulário e/ou de
histórias relacionadas com esperança. Isso é possível exatamente porque o vocabulário e as
histórias de esperança contaminam os corações e as mentes de nossos interlocutores. Em sua
pesquisa com alunos e professores de inglês como segunda língua no Canadá, Sillito mostrou que
os participantes sentiram-se pessoalmente empoderados pela troca de reflexões, histórias e
imagens de esperança.
Dessa forma, é possível pensar que uma comunidade discursiva pode se tornar mais
esperançosa pelo uso explícito e contínuo de atos de fala que transmitam atitudes positivas de
esperança. Larsen (2005) afirma que esperança e desesperança comumente co-existem na fala dos
indivíduos. Obviamente, então, o contrário também pode ocorrer, isto é, o uso contínuo de atos
de fala que transmitam atitudes negativas de desesperança pode ajudar a tornar uma comunidade
discursiva menos esperançosa e com menos fé num futuro melhor.
Assim, um dos objetivos deste trabalho é sugerir que uma comunidade discursiva pode
ser contagiada pelo uso de atos de fala que transmitam atitudes de esperança. Para isso, é preciso
que atos de fala de atitudes positivas sejam explicitamente escolhidos e usados, com o objetivo de
contaminar toda a comunidade.

3. Desenho da pesquisa

Esta seção relata uma pesquisa tentativa feita com base no estudo desenvolvido por
Cutting (2001). Embora Cutting tenha sugerido o uso de abordagens diacrônicas e longitudinais
para o estudo da linguagem de grupos sociais, este é um estudo que ainda utiliza um ponto de
vista sincrônico para a análise da linguagem, ou seja, os dados foram coletados em um único
momento previsto no projeto da pesquisa e foram analisados sem considerar a existência de
possíveis mudanças na linguagem dos participantes.
A pesquisa teve por objetivo analisar as atitudes expressas nos atos de fala presentes em
narrativas de esperança coletadas de um grupo de alunos que participaram de um curso de
formação de professores na Faculdade de Letras da UFMG, durante o segundo semestre de 2006.
Participaram do curso 26 alunos, mas apenas 18 deram permissão para que suas narrativas fossem
utilizadas como fonte de dados para a pesquisa.3 A maioria dos participantes eram alunos
preparando-se para tornarem-se professores, porém alguns já eram professores experientes de
inglês em escolas locais e institutos de idiomas.
Durante o curso, os alunos fizeram leituras sobre temas relacionados à educação
continuada do professor de língua estrangeira e realizaram seminários e discussões a respeito dos
textos propostos, além de abordarem temas propostos pelos próprios alunos. O objetivo das
leituras, seminários e discussões era motivar a reflexão e chamar atenção para temas importantes
3 A identidade dos participantes será preservada, citando-se apenas as iniciais de seus nomes.
relacionados à profissão professor como um todo, mas especialmente relevantes para professores
no contexto brasileiro. Os alunos também realizaram outras atividades, como observação de aulas
e um mini projeto de Pesquisa Ação, mas essas atividades não foram diretamente relevantes para
os objetivos desta pesquisa e, por isso, não serão discutidas aqui.
Ao final do curso, os alunos fariam um teste final. Para manter uma coerência com os
objetivos do curso, foi utilizada uma atividade reflexiva, ao invés de um teste formal. Como a
atividade não objetivava testar conhecimentos adquiridos durante o curso, mas sim elicitar
reflexões sobre as discussões e os temas do curso, foi permitido que os alunos respondessem à
atividade por escrito em casa. Essa atividade continha perguntas reflexivas relacionadas aos temas
discutidos no curso, incluindo o mini projeto de Pesquisa Ação, mas também algumas perguntas
baseadas no trabalho de Miller & Larsen (2006), formuladas para elicitar as narrativas de
esperança dos participantes. As perguntas também tinham por objetivo elicitar o uso explícito de
idéias e linguagem relacionadas à esperança.4 As perguntas foram as seguintes:

- What stories from your life experience give you hope for being a teacher? What experiences at
the university help you have hope for being a teacher? What experiences support your hopes for
teaching? What experiences threaten your hope?
- Thinking about the topics that were discussed during the semester, what do you hope that being
a teacher will mean to you and to your (future) students?
- In face of all the problems that our country is going through nowadays, and also thinking about
the problems specifically related to the teaching profession, how do you hope to contribute to
your profession?

As respostas resultantes dessas perguntas passaram a constituir os dados desta pesquisa.


As narrativas resultantes da atividade reflexiva final foram analisadas seguindo o modelo de
Cutting (2001). Para proceder a essa análise, foram formuladas as seguintes perguntas de
pesquisa: (a) Que atitudes em relação à profissão professor os participantes expressam em suas
narrativas? e (b) Que atos de fala específicos os participantes usam para expressar essas atitudes?5
Foram analisados 398 trechos das narrativas de esperança dos participantes, o que
resultou num estudo qualitativo que revelou tanto os tipos de atitude dos participantes em
relação à profissão quanto os atos de fala utilizados para expressar essas atitudes. A próxima
seção apresenta e discute os resultados dessa análise.6

4. Resultados

Como explica a nota 5, os dados desta pesquisa constituem dados de linguagem escrita.
Christianson (2004) argumenta, citando Johnson (1992), que estudos sobre as funções dos atos
de fala em textos escritos são raros e difíceis. Tenta-se aqui, então, proceder a uma discussão de
atos de fala escritos sobre experiências e histórias de esperança dos participantes da pesquisa.
Seguindo uma nomenclatura mais coerente, conforme sugerem Sinclair & Coulthard (1975) e
Tsui (1994), passaremos a falar em atos de discurso.
A partir da análise dos trechos das narrativas de esperança, e seguindo o modelo de
Cutting (2001), foram identificados três tipos de atitudes dos participantes em relação à profissão

4 As perguntas foram formuladas em inglês, já que se tratava de um curso de formação de professores para alunos da
licenciatura em inglês da Faculdade de Letras da UFMG.
5 Como as respostas às perguntas da atividade reflexiva final foram dadas por escrito, os dados relevantes constituem

narrativas escritas das experiências e histórias de esperança dos participantes. Portanto, este é um estudo de atos de
fala escritos.
6 Assim como as perguntas utilizadas na atividade reflexiva, também as narrativas, ou seja, os dados para essa análise

foram coletados em inglês, conforme explica a nota 4. Por motivos óbvios, os dados não foram traduzidos para a
análise, pois não seriam mais dados espontâneos. Além disso, a análise seria feita a partir de uma produção traduzida
e não a partir da produção original dos alunos.
professor: atitude neutra, atitude positiva ou atitude negativa. A atitude dos participantes foi
considerada neutra quando os atos de discurso utilizados nas narrativas não apresentavam
nenhuma marca explícita de apoio ou crítica. A atitude foi considerada positiva quando os atos de
discurso utilizados apresentavam marca explícita de apoio ou exaltação, e negativa quando os atos
de discurso apresentavam marca explícita de crítica ou reprovação.
Foram também analisadas as funções dos atos de discurso utilizados pelos participantes
para expressar cada tipo de atitude. Atitudes neutras eram expressas por atos de discurso
relativamente desprovidos de avaliação. Atitudes positivas expressavam satisfação para com a
profissão e atitudes negativas expressavam insatisfação com a profissão. A tabela 2 abaixo
apresenta todos os atos de discurso utilizados para cada um dos três tipos de atitude:

Atitude Neutra Atitude Positiva Atitude Negativa


(sem avaliar) (expressando satisfação com a (expressando insatisfação com
profissão) a profissão)
- Informar - Avaliar um fato positivamente - Admitir / reconhecer
problemas
- Esclarecer - Dar um comando - Avaliar um fato negativamente
- Exemplificar - Descrever - Contradizer / contrapor
- Explicar - Exemplificar - Exemplificar
- Narrar um fato ou história - Explicar - Explicar
(sem avaliar)
- Opinar - Expressar Esperança - Expressar medo de situações
futuras
- Sugerir uma estratégia ou - Expressar intenções, planos, - Expressar preocupação ou
uma possibilidade vontades, necessidades e frustração
desejos
- Informar uma decisão - Informar
- Justificar - Justificar
- Narrar um fato ou historia - Lamentar
positivamente
- Opinar - Mencionar um ponto de vista
contrário
- Reafirmar - Opinar
- Reportar a fala de outra pessoa - Perguntas Retóricas
- Responder perguntas
Tabela 2: Atos de discurso de expressão de atitudes em relação à profissão professor
utilizados nas narrativas de esperança.

É possível perceber, pela tabela 2 acima, que várias funções dos atos de discurso
aparecem em dois ou mais tipos de atitude. Isso acontece porque uma mesma função
comunicativa pode ser utilizada com vários graus avaliativos que podem, assim, transmitir
atitudes neutras, positivas ou negativas.
Embora este não seja um estudo quantitativo, notamos também um relativo desequilíbrio
na quantidade de funções comunicativas utilizadas para expressar os três tipos de atitude: para
expressar atitudes neutras, foram utilizados apenas sete tipos de funções comunicativas
diferentes, ou seja, sete atos de discurso diferentes. Já para expressar atitudes positivas e
negativas, os participantes utilizaram respectivamente treze e quatorze tipos de funções
comunicativas diferentes. Isso pode ser explicado porque, como reconhece Cutting (2001), uma
atitude totalmente neutra e desprovida de avaliação pode ser realmente rara de ocorrer, já que
nossa linguagem está necessariamente impregnada de nossos valores pessoais, sociais e culturais.
Os dois outros tipos de atitude não apresentaram um desequilíbrio relevante no que se refere à
quantidade de funções comunicativas utilizadas pelos participantes. Ainda assim, pode-se dizer
que o pequeno aumento no número de funções comunicativas expressando atitudes negativas
pode ser resultante do atual quadro de caos que se apresenta para a profissão professor no Brasil.
Abaixo, são apresentados três excertos das narrativas de esperança produzidos pelos
participantes desta pesquisa. Cada excerto se refere a um tipo de atitude: atitude neutra, positiva e
negativa. Como os dados coletados se referem a narrativas de experiências de esperança, foram
selecionados, como exemplos, excertos que representavam o ato do discurso com força
ilocucionária de ‘narrar’.
O excerto abaixo exemplifica um ato do discurso de atitude neutra:

“I am already a teacher, but I know clearly what motivated me to become one in the
first place. There have been a good number of teachers in my family, both male and
female and covering from elementary to high school to college teaching. That began in
the South of Minas Gerais in small towns like Bom Jardim de Minas and Aiuruoca. As
the family progressed, moving to Belo Horizonte back in the 1930’s was just a natural
and necessary step to further their skills.” (L.R.)
Tipo de atitude: Neutra
Tipo de ato do discurso: Narrar um fato ou história (sem avaliar)

Embora possam ser identificados, nesse excerto, alguns vocábulos que transmitem traços
de atitudes positivas, como “motivated”, “good number”, e “progressed”, esses não se referem
diretamente à profissão professor. Além disso, como já discutido, um ato do discurso totalmente
desprovido de coloração atitudinal é muito raro. O excerto acima representa, assim, um ato do
discurso relativamente neutro, em comparação com os demais excertos. Por isso, foi considerado
como um ato de discurso de atitude neutra. Compare-se com o excerto abaixo, que representa
um ato do discurso de atitude positiva:

“I had never thought of teaching until I started studying English and later, (I was)
invited to become a tutor at the language institute I studied. This opportunity made me
see that teaching was a great area in which you share experiences and deal with human
beings in the most different ways. You teach, but you also learn a lot.” (R.P.)
Tipo de atitude: Positiva
Tipo de ato do discurso: Narrar um fato ou história (positivamente)

O excerto acima inicia-se com um trecho que foi classificado como um ato do discurso de
atitude neutra (I had never ... institute I studied.). Esse trecho foi incluído aqui apenas para
facilitar a compreensão do trecho seguinte, que realmente nos interessa. No trecho sublinhado, é
possível perceber uma atitude realmente positiva em relação à profissão professor. O restante do
trecho também denota atitudes positivas, embora já não tão claramente. Em contraposição, o
excerto abaixo mostra um exemplo de atitude negativa em relação à profissão:

“However, there are some things that threaten my hopes for teaching. My sister is a
teacher and she invited me for a party with her colleagues from school. At the party,
teachers were all discussing about their work conditions. The fact is that they were all
working for a school which does not pay them properly. The worst is that they have no
contract with the school they work for. I got really shocked. They were all blaming
themselves for the situation they got into. Many of them were also talking about
changing career. I felt really very sorry.” (L.I.)
Tipo de atitude: Negativa
Tipo de ato do discurso: Narrar um fato ou história (negativamente)

Nesse excerto, o participante narra uma situação que ameaça sua esperança na profissão
que escolheu. Os trechos sublinhados exemplificam esse tipo de atitude negativa em relação à
profissão professor.

5. Considerações finais
A pesquisa sobre esperança mostra que atitudes de esperança trazem esperança para a
vida e as relações interpessoais de todos os envolvidos num processo chamado de
“contaminação”. Este trabalho estudou alguns atos do discurso de esperança nas narrativas
escritas de professores de inglês em formação. Contudo, Cutting (2001) critica a sincronicidade
com que tradicionalmente são realizados estudos dessa natureza e sugere uma abordagem
longitudinal para tais estudos. Embora este trabalho tenha se baseado no modelo idealizado por
Cutting, muitas das sugestões da autora não puderam ser seguidas por vários motivos. A coleta de
dados foi realizada de forma sincrônica, contrariando a sugestão da autora e, por isso, não foi
possível observar a possibilidade de contaminação no discurso dos participantes. Sugere-se,
então, que novos trabalhos sejam realizados para se investigar atos do discurso de esperança
longitudinalmente, a fim de se verificar a possibilidade de “contaminação” de atitudes de
esperança no discurso dos participantes da comunidade discursiva.

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*Publicado nos Anais do III Simpósio Internacional sobre Análise do Discurso. Belo Horizonte: UFMG, 2008. 1 CD-Rom.

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