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MAR/ABR/MAI - 2010 - Nº 50 1

Expediente
Índice

JUSTIÇA 5 ESPECIAL 14 Think Tank - A Revista da Livre-Iniciativa


Ano XIII - no 50 - Mar/Abr/Mai - 2010

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Arthur Chagas Diniz
Elcio Anibal de Lucca
Alencar Burti
Paulo de Barros Stewart
Jorge Gerdau Johannpeter
Jorge Wilson Simeira Jacob
José Humberto Pires de Araújo
Raul Leite Luna
REFLEXÕES SOBRE O FUNCIONAMENTO O BOM, O MAU E O FEIO Ricardo Yazbek
DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO BRASIL Uma visão liberal do fato Roberto Konder Bornhausen
Luciano B. Timm e Marcos Nóbrega Romeu Chap Chap

CONSELHO EDITORIAL
Arthur Chagas Diniz - presidente
MATÉRIA DE CAPA 15 DESTAQUE 20 Alberto Oliva
Aloísio Teixeira Garcia
Antônio Carlos Porto Gonçalves
Bruno Medeiros
Cândido José Mendes Prunes
Jorge Wilson Simeira Jacob
José Luiz Carvalho
Luiz Alberto Machado
Nelson Lehmann da Silva
Octavio Amorim Neto
Roberto Fendt
Rodrigo Constantino
William Ling
DE COMO BASTIAT E GALILEU EXPLICAM O PROCESSO DE EXTRADIÇÃO
O AQUECIMENTO GLOBAL DE CESARE BATTISTI Og Francisco Leme e
José L. Carvalho Jacy de Souza Mendonça Ubiratan Borges de Macedo
(in memoriam)
DIRETOR / EDITOR

LIVROS 26 Arthur Chagas Diniz


JORNALISTA RESPONSÁVEL
Ligia Filgueiras
RG nº 16158 DRT - Rio, RJ

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PELO FIM DO BANCO CENTRAL PROGRAMA NACIONAL DE
por Rodrigo Constantino INSTITUTOS LIBERAIS
DIREITOS HUMANOS - 3
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SÃO PAULO
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BANCO DE IDÉIAS é uma publicação do Instituto Liberal. É permitida a reprodução
de seu conteúdo editorial, desde que mencionada a fonte.
Leitores
Editorial
Sua opinião é da maior impor-
tância para nós. Escreva para
matéria de capa desta 50ª gamento do Supremo Tribunal Federal,
Banco de Idéias. A edição de Banco de Idéias cobre concedeu a Battisti o asilo político,
um tema de enorme atualidade: o tendo antecipado o julgamento de que
O Tribunal de Contas da União aquecimento global. A questão, teria cometido um crime político. O
reprovou as contas apresentadas segundo muitos, ganhou momentum pré-julgamento de Genro certamente
pela Petrobras para a construção quando naufragaram as economias se lastreou no fato de que Battisti é
de duas refinarias de petróleo e lastreadas no socialismo real. Muitos comunista e tem sua biografia re-
a reforma de uma outra. De uma críticos apontam o homem como cheada de crimes comuns. É essa se-
delas, se não me engano a Abreu responsável por fenômenos tão di- paração entre o crime político e o
Lima, a Petrobras é sócia de ferentes quanto a destruição das crime comum que o autor examina,
Chávez (ou da Venezuela). O TCU geleiras, a extinção de inúmeras agora que o STF encaminhou reco-
recomenda a suspensão de espécies e a contaminação pela mendação ao Presidente da República,
obras porque houve superfatu- excessiva liberação de CO 2 , na pela extradição. O fato de ser um mili-
ramento e coisas de igual jaez. O atmosfera. O prof. José L. Carvalho tem tante político não o exime de prática
Presidente Lula alega que a uma visão peculiar sobre a questão, do crime comum. Se o Presidente agir
paralisação das obras vai causar e suas argumentações são lastreadas tangido pela motivação político-
a demissão de 25 mil pessoas e em Galileu Galilei, que teve que negar afetiva poderá gerar inaceitáveis
causar um prejuízo de R$ 286 sua teoria de que a Terra não era o retaliações no plano internacional.
milhões/mês. Quem tem razão: centro do universo, e Fréderic Bastiat, O terceiro artigo desta edição
o TCU ou o Presidente? um dos ícones do liberalismo, que examina as consequências e contra-
alguns séculos atrás ironizava a dições do funcionamento dos Tribunais
Marli Mendes “criação da escassez”. Esperamos que de Contas no Brasil. Assinam o
São Paulo – SP a valiosa contribuição do prof. José L. trabalho Luciano Benetti Timm e
Carvalho venha a ordenar melhor o Marcos Nóbrega. Eles examinam o
Prezada Marli, discurso, especialmente dos chamados funcionamento dos Tribunais de
“verdes”. O âmago da questão, afirma Contas do Brasil, que está incomo-
O comportamento normal em o autor, não é o de minimizar a dando sobremodo o Poder Executivo,
relação a obras públicas é o emissão de carbono, mas sim como especialmente em um momento em
seguinte: todas as obras sobre desenvolver instituições sociais que que este tem como objetivo principal
as quais o TCU coloca suspeição venham a minimizar seus efeitos a implantação do PAC, carro-chefe da
são suspensas até que os im- levando em conta a escassez de campanha sucessória do Presidente.
passes sejam resolvidos. O que recursos. Lembra ainda que levar a Os autores oferecem um cuidadoso
Lula fez foi mandar – sem con- tese do aquecimento global ao nível exame da estrutura e funcionamento
sultar o Congresso, instância da crença estabelecida e protegida desses órgãos tão pouco conhecidos
obrigatória – incluir no orça- pelas autoridades constituídas é da população e de sua natureza
mento de 2010 o custo da obra um risco semelhante ao que mar- híbrida. A pressa, concluem os autores,
já incorporando o superfatu- ginalizou Galilei. é inimiga da perfeição, e pode ter fins
ramento efetuado pelas em- O processo de extradição de eleitorais ou eleitoreiros. Afirmam que
preiteiras. Nós, liberais, temos a Cesare Battisti tem a marca caracte- o legalismo pode trazer consequências
convicção de que princípios éti- rística de todas as decisões e/ou piores para a população. Sugerem, por
cos são indispensáveis à gestão protelações que, de alguma forma, fim, que o Tribunal de Contas pode
da coisa pública e que o Pre- tangenciam o pensamento oficial da acabar trazendo prejuízos à popu-
sidente, ao aprovar as eventuais esquerda brasileira, ora no poder. O lação condenando irregularidades que
falcatruas, dá cobertura prática autor deste trabalho, o prof. Jacy de atrasem a conclusão de certas obras.
aos desvios havidos na cons- Souza Mendonça, usa seu aprofundado O tema é polêmico, e os liberais,
trução das refinarias. conhecimento jurídico para o exame em princípio, discordam do menos-
Além de tudo, ele só fala em do pedido de extradição feito às prezo ao ético.
quanto vamos perder se as obras autoridades brasileiras pela República NOTAS examina o PL dos Direitos
forem suspensas e não em da Itália. O asilo tem diferentes con- Humanos e vê um contorno particu-
quanto custarão a menos se dicionantes, como assinala o autor em larmente prejudicial à liberdade de
forem devidamente corrigidos os seu texto introdutório sobre o que imprensa e ao direito de propriedade.
equívocos em que as emprei- dispõe a Constituição da República Rodrigo Constantino faz a resenha
teiras incorreram. Federativa do Brasil. A finalidade da do livro End the Fed, de Ron Paul.
mesma é a proteção dos direitos Nesta edição você encontra o
Envie as suas mensagens para humanos e das liberdades funda- resumo do livro A lei e a ordem, de
a rua Rua Maria Eugênia, 167 - mentais do cidadão, e sua motivação Ralf Dahrendorf, efetuada por Roberto
Humaitá - Rio de Janeiro - RJ - é o caráter social e humanitário do Fendt. Encerra a edição o Bom, o Mau
22261-080, ou ilrj@gbl.com.br. problema dos refugiados. O Ministro e o Feio, destacando fatos ocorridos
da Justiça, antecipando-se ao jul- no trimestre em curso.

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Justiça

Reflexões sobre o funcionamento dos


Tribunais de Contas no Brasil
Luciano Benetti Timm1 e Marcos Nóbrega2
Advogado. Pesquisador de Pós-Doutorado em Berkeley. Doutor e Mestre em Direito.
1

2
Pós-Doutorado na Harvard Law School. Doutor e mestre em Direito. Professor Adjunto da UFPE.

uito se tem discutido nos atuação contundente (e em alguns controle quanto ao problema de
M últimos tempos a respeito da casos até extemporânea ou equi- agência (no jargão econômico),
adequação das ações dos Tri- vocada) das Cortes de Contas. isto é, o problema de conflito de
bunais de Contas do Brasil, sobre- Malgrado essa atuação, os interesses que surge entre os
modo o Tribunal de Contas da Tribunais de Contas ainda per- representantes (que ocupam car-
União – TCU. Essas críticas sur- manecem instituições quase des- gos públicos em favor de outros)
gem sobremodo do Poder Exe- conhecidas da população, quer e os representados. Nem sempre
cutivo, incomodado que está com seja quanto a sua composição, os agentes políticos atuarão, uma
as ações fiscalizatórias da Corte suas atribuições ou mesmo a vez eleitos na função executiva, no
de Contas, principalmente no forma e a maneira de impor san- interesse comum. Os gastos por
controle de obras públicas em de- ções. Curioso esse fenômeno, eles feitos precisam, portanto, ser
cisões liminares que acabam sobremodo quando sabemos auditados e fiscalizados. É próprio
suspendendo a execução de um que os Tribunais de Contas são, de um sistema de freios e contra-
serviço com grande repercussão muitas vezes, instituições cente- pesos de um sistema democrático
eleitoral. Embora o caso federal nárias que têm prestado bons ocidental e capitalista.
seja mais emblemático (porque serviços à nação. Isso, no entanto, não significa
mais exposto na mídia), muitos A verdade é que as Cortes de que sejam instituições que não ca-
exemplos existem pelo país de Contas funcionam como um recem de aperfeiçoamento, muito

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Justiça

pelo contrário. Justamente os contraditório e o consenso. Nesse intrínseca quando apenas reporta
avanços das últimas décadas sentido, o poder decisório é dis- ao Parlamento, que deverá co-
apontam para uma necessidade seminado entre os membros da municar ao Executivo as irre-
de sua reformulação, cami- Corte, possibilitando uma decisão gularidades encontradas. Está
nhando para uma reforma insti- que seja fruto de análises mais am- intrínseco no modelo um eleva-
tucional que permita mais trans- plas e discussões mais profundas. díssimo grau de accountability
parência, liberdade e capacidade Nos Tribunais de Contas os que não poderá ser alcançado por
de enforcement. Mas isso seria membros podem impor penali- simples mudanças legislativas.
um tema por demais amplo para dades e sugerir correções para os O nosso modelo de Tribunal de
este breve texto. auditados. Além disso, existem Contas apresenta a louvável pos-
Nesse sentido, este artigo fortes salvaguardas em relação sibilidade de promover a res-
serve, de um lado, para fornecer aos membros dos Tribunais de ponsabilização financeira e impor
uma visão clara do tema, fazendo Contas, que geralmente são sanções àqueles que malversaram
uma clara diferenciação entre os apontados por tempo indeter- os recursos públicos. Trata-se de
dois grandes modelos de controle minado e somente podem ser prerrogativa de grande enver-
existentes: Auditor Geral e Tribu- destituídos mediante processo gadura, que ganha contornos
nais de Contas, observando suas especial ou pela aposentadoria, o especiais na nossa legislação.
vicissitudes quanto à eficiência vis- que gera mais estabilidade Dessa forma, o modelo de
à-vis a legalidade; e, de outro institucional. Tribunal de Contas encontra-se, no
lado, para apreciarmos as prin- Um grande problema do nosso entender, muito mais ade-
cipais características do modelo modelo de Auditor Geral é que é quado para o atendimento dos
brasileiro de como é resolvido o fortemente direcionado para uma parâmetros constitucionais de
problema de agência no âmbito auditoria financeira e o “value of controle dos gastos públicos.
público no Brasil. money”, deixando em segundo
plano a auditoria de conformi- O CONTROLE EXERCIDO
MODELOS DE CONTROLE: dade, a auditoria do atendimento PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS
AUDITOR GERAL E TRIBUNAIS dos parâmetros legais.
DE CONTAS Sabemos que uma das novas Ao tratarmos do tema Con-
vertentes do controle é a auditoria trole da Administração Pública,
O modelo de auditor geral é de desempenho, ou performance em especial do controle externo,
intrinsecamente ligado a um sis- audit, que analisa a eficiência da surge inevitavelmente a figura dos
tema parlamentar de accoun- administração vis-à-vis o cumpri- Tribunais de Contas. Por isso,
tability. Nesse sentido, há a auto- mento de metas. No entanto, em- devemos nos debruçar sobre as
rização das despesas pelo bora essa abordagem seja impor- atribuições desses órgãos autô-
parlamento, essas despesas são tante e cheia de possibilidades, nomos e independentes. O ponto
avaliadas pelo Auditor Geral, que, não podemos olvidar do funda- de partida, como não poderia
então, reporta ao Parlamento suas mental princípio da legalidade, deixar de ser, é a Constituição
conclusões. Feito isso, o Parla- aspecto emblemático da civil law. Federal que, em seu art. 71, es-
mento informa ao Executivo suas Dessa forma, embora pos- tabelece: “O controle externo, a
recomendações e, por fim, o Exe- samos (e devamos) analisar as- cargo do Congresso Nacional,
cutivo responde ao Parlamento. pectos de eficiência e de eficácia será exercido com o auxílio do
A primeira fragilidade do dos gastos públicos, a confor- Tribunal de Contas da União, ao
modelo de Auditor Geral é que ele midade legal é um imperativo qual compete...” (grifo nosso).
é fundamentalmente baseado na constitucional do qual não po- Fica claro que a titularidade do
figura do Auditor Geral. Trata-se demos abrir mão. Assim, acredi- controle externo é do Congresso
de modelo personalístico que não tamos que o modelo de Tribunal Nacional e, por simetria, das
condiz com a tradição plural e de Contas é o mais adequado Assembléias Legislativas, nos Es-
colegiada nas nossas Cortes. Essa para implementar um controle tados, e das Câmaras Municipais,
concentração de responsabili- mais efetivo e de melhor qualidade. nos municípios. Nessa missão
dades abre imensas possibilidades Talvez a maior fragilidade do serão auxiliados pelos Tribunais de
para fragilidade e dificuldades modelo de Auditor Geral seja a Contas. A primeira indagação que
advindas, inclusive, da má escolha sua dificuldade de promover o surge é saber qual a posição
do auditor geral. enforcement de suas decisões, em constitucional dos Tribunais de
O modelo de Tribunal de outras palavras, obrigar que suas Contas. Serão esses Tribunais
Contas, por sua vez, tem tradição recomendações sejam cumpridas. integrantes da estrutura do Poder
colegiada, ensejando o debate, o O modelo apresenta fragilidade Legislativo? Serão prepostos desse

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Justiça

Poder? Ou, por se chamarem modelo tradicional é dos Tribunais desde 1988 não é possível a
Tribunal e julgarem contas, serão de Contas estaduais, fiscalizando criação de Tribunais de Contas
órgãos integrantes da estrutura do as contas do Governo do Estado com jurisdição sobre apenas um
Poder Judiciário? e de todos os municípios daquele município (Tribunal de Contas do
Nenhuma das respostas é Estado. município). Por outro lado, não há
satisfatória. Em primeiro lugar, os De forma paralela a esse qualquer impedimento constitu-
Tribunais de Contas não são modelo, temos situações nas cional para a criação, pelos
hierarquicamente subordinados quais existem o Tribunal de Estados Membros, de Tribunais de
ao Poder Legislativo; não são Contas do Estado (TCE), fisca- Contas com jurisdição sobre
prepostos, subordinados a esse lizando as contas do Governo do todos os municípios do Estado
Poder. Da mesma forma, os Estado, e do Tribunal de Contas (Tribunal de Contas dos Muni-
Tribunais de Contas no Brasil não dos municípios, com jurisdição cípios).
integram a estrutura do Poder sobre todos os municípios do O fator que vai definir se
Judiciário. Vige no nosso país a determinada ação será fiscalizada
estrutura de jurisdição una, ou por este ou aquele Tribunal de
seja, há apenas um Poder Judi- Contas será o da origem dos
ciário. Em outros países, como na
França, temos o sistema de
contencioso administrativo, no
“ Os Tribunais de
Contas são, na
recursos. Se os recursos forem
federais, mesmo que as despesas
sejam feitas em um município, a
qual as decisões das Cortes de verdade, órgãos aplicação dos mesmos ficará a
Contas têm forma de decisão de natureza cargo do TCU. Da mesma forma,
judicial. Não é o nosso caso. No recursos estaduais ou municipais
Brasil, apesar de serem chamados constitucional, determinam a fiscalização pelos
de Tribunal, de serem integrados dotados de Tribunais de Contas estaduais ou
por Ministros (TCU) e de julgarem competências e municipais, onde houver.
contas, não integram o Poder Ju- Quanto ao aspecto da juris-
diciário. São tribunais adminis- atribuições próprias. dição, duas observações devem
trativos, e suas deliberações são São autônomos e ser feitas. Em primeiro lugar,
de natureza administrativa1. independentes e no caso do Distrito Federal a fis-
Os Tribunais de Contas são, calização do Poder Judiciário, do
na verdade, órgãos de natureza não integram, Ministério Público do Distrito
constitucional, dotados de com- especificamente, Federal e dos Territórios é feita pelo
petências e atribuições próprias. a estrutura de TCU. Da mesma forma com os


São autônomos e independentes territórios federais, que também
e não integram, especificamente, nenhum Poder. são fiscalizados pelo Tribunal de
a estrutura de nenhum Poder. No Contas da União.
entanto, possuem forte relação
com o Poder Legislativo, por ser COMPOSIÇÃO
este o titular do Controle externo2. Estado, incluindo a capital. É o
Cumpre lembrar que apesar caso, repetimos, dos estados da Outro ponto importante da
de os Tribunais de Contas não Bahia, Ceará, Goiás e Pará. discussão sobre Tribunais de
possuírem personalidade jurídica Uma terceira e excepcional Contas se refere à sua forma de
própria, possuem capacidade situação ocorre nas cidades do composição. O art. 73 da Cons-
judiciária, que corresponde à Rio de Janeiro e de São Paulo. tituição Federal estabelece os
faculdade de atuar ativa ou pas- Essas cidades contam com um critérios para escolha de ministros
sivamente em Juízo3. Tribunal de Contas exclusivo, com do TCU, que serão em número de
Atualmente, no Brasil, temos jurisdição apenas municipal. Os nove. Poderão ser ministros do
44 Tribunais de Contas, distri- demais municípios dos Estados do TCU brasileiros que preencham os
buídos da seguinte forma: O Rio de Janeiro e de São Paulo, bem seguintes requisitos:
Tribunal de Contas da União com os Governos estaduais, serão
(TCU); 27 Tribunais de Contas fiscalizados pelos Tribunais de I. mais de 35 e menos de 65
estaduais; 2 Tribunais de Contas Contas estaduais. anos de idade;
do Município (cidades de São A Carta Magna, em seu art. II. idoneidade moral e repu-
Paulo e Rio de Janeiro) e 4 Tri- 31, § 4º, veda a criação de tação ilibada;
bunais de Contas dos Municípios Tribunais, Conselhos ou órgãos de III. notórios conhecimentos
(Bahia, Ceará, Goiás e Pará). O Contas Municipais. Dessa forma, jurídicos, contábeis, econômicos

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Justiça

e financeiros ou de administração
pública;
IV. mais de dez anos de exer-
cício de função ou de efetiva
atividade profissional que exija os
conhecimentos mencionados no
inciso anterior.

Cumpre lembrar que para ser


nomeado para o cargo de
Ministro do TCU não é necessário
ter formação superior nas quatro
especialidades aqui transcritas:
direito; economia; administração
de empresa e contabilidade. Pode
ter qualquer outra formação, no
entanto deverá ter notórios
conhecimentos nessas áreas.
As vagas serão distribuídas da
seguinte forma: seis pelo Con-
gresso Nacional e três pelo
Presidente da República. As vagas
do Congresso Nacional não são
exclusivas de parlamentares, ou
seja, surgida a vaga a ser preen- O STF tem decidido que a composição correta deverá ser de quatro conselheiros escolhidos
pela Assembléia Legislativa e três escolhidos pelo Governador de Estado.
chida pelo Congresso Nacional,
este deverá abrir prazo para
qualquer cidadão, que preencha sete conselheiros. Cabe indagar No Tribunal de Contas esta-
os requisitos constitucionais, qual o critério para a escolha dos dual, composto por sete conse-
pleitear a vaga. mesmos. lheiros, quatro devem ser esco-
Cabe ao Presidente da Repú- Por óbvio, os critérios serão os lhidos pela Assembléia Legislativa
blica a escolha para as três vagas mesmos daqueles estabelecidos e três pelo Chefe do Poder
restantes, com aprovação do Se- para o TCU. Muda apenas o Executivo estadual, cabendo a
nado Federal, mediante Reso- número de vagas destinado ao este indicar um dentre auditores
lução. Elas serão preenchidas, Poder Legislativo e ao chefe do e outro dentre membros do
nesta ordem, por auditores; Poder Executivo. O STF tem de- Ministério Público, e um terceiro
membros do Ministério Público cidido que a composição correta à sua livre escolha.
junto ao Tribunal de Contas e, a deverá ser de quatro conselheiros Os ministros (e os auditores
terceira vaga, de livre escolha do escolhidos pela Assembléia Legis- quando em substituição aos
mandatário maior da Nação. lativa do Estado e três conselheiros mesmos) terão as mesmas ga-
Caso não existam cargos ocu- escolhidos pelo Governador de rantias, impedimentos, venci-
pados nem de auditor nem de Estado. Neste último caso, uma mentos e vantagens de um
ministério público junto ao vaga, escolhida entre auditores; Ministro do Superior Tribunal de
Tribunal, caberá ao Presidente da outra, entre membros do Minis- Justiça. O auditor, quando não
República escolher três nomes tério Público junto ao Tribunal de estiver substituindo o ministro,
para ocupar a vaga de ministro Contas; e, por fim, uma terceira terá as mesmas garantias e
ao seu livre arbítrio. vaga, à sua livre escolha. Caso impedimentos do juiz do Tribunal
O modelo de escolha se re- não existam cargos preenchidos Regional Federal.
produz nos estados e municípios de auditor e procurador, as três
por força do disposto no art. 75 vagas ficarão para livre escolha do ATRIBUIÇÕES
da Constituição Federal, que es- Governador de Estado. A po-
tabelece que o modelo da União lêmica quanto à composição dos Como o Tribunal de Contas é
deverá ser reproduzido, no que Tribunais de Contas estaduais foi um órgão de relevância consti-
couber, aos demais entes fede- pacificada pela edição da Súmula tucional, a própria Constituição
rados. Os Tribunais de Contas nº 653 do Supremo Tribunal estabelece as suas atribuições.
estaduais serão compostos por Federal, que estabelece: Vejamos as mais relevantes.

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Justiça

a) emissão de Parecer Prévio aprovação no Juízo político, ou amplo. É bom lembrar que esse
(art. 71, I) seja, no Poder Legislativo. Assim, dispositivo constitucional foi alte-
mesmo que haja a aprovação no rado pela Emenda Constitucional
É sabido, por força de dis- Poder Legislativo, o gestor con- nº 19, que acrescentou a expres-
positivo constitucional (art. 84, tinuará obrigado a ressarcir são “qualquer pessoa, física ou
XXIV, CF), que o Presidente da valores aos cofres públicos. jurídica”, para não deixar dúvida
República tem o dever de prestar Situação um pouco diferente sobre a amplitude do controle.
anualmente ao Congresso Nacio- se dá no caso das contas dos O art. 70, II da Constituição
nal, em um prazo de 60 dias a Prefeitos. Nessa situação, os pa- Federal deixa bem claro que, entre
contar da abertura da sessão receres prévios serão elaborados as competências próprias dos
legislativa, as contas referentes ao pelo Tribunal de Contas do Mu- Tribunais de Contas, está a de
exercício anterior. E, a partir daí, nicípio ou pelo Tribunal de Contas julgar as contas dos adminis-
os Tribunais de Contas têm dos Municípios, onde houver (CF, tradores e demais responsáveis
competência constitucional para art. 31, § 1º). Não havendo uns por dinheiros, bens e valores
emitir parecer prévio sobre essas ou outros, a atribuição será do públicos da Administração direta
contas, cabendo ao Poder Le- TCE. As contas serão julgadas e indireta, incluídas as fundações
gislativo promover o referido pelas respectivas Câmaras Mu- e sociedades instituídas e man-
julgamento. Embora a com- nicipais. tidas pelo Poder Público federal,
petência de julgamento das Somente no caso municipal o e as contas daqueles que derem
contas seja do Poder Legislativo, parecer prévio do Tribunal de causa a perda, extravio ou outra
somente poderá fazê-lo diante do Contas terá uma força parcial- irregularidade de que resulte
parecer prévio do Tribunal de mente vinculante, pois só deixará prejuízo ao Erário.
Contas que, portanto, reveste-se de prevalecer por decisão de dois Mais uma vez lembramos a
de peça obrigatória. terços (2/3) dos membros das grande abrangência do modelo.
Quanto à emissão de parecer Câmaras Municipais (CF, art. 31, Errado pensar que se submete ao
prévio, Mileski4 observa que: § 2º). Trata-se de quórum quali- controle das Cortes de Contas
A emissão de parecer prévio ficado e, em certas circunstân- apenas o ordenador de despesas.
pelo Tribunal de Contas envolve cias, difícil de ser obtido. Este, segundo o § 1º do art. 80
uma função opinativa e de do Decreto-lei nº 200/67, “é toda
assessoramento ao Poder Legis- b) julgamento de contas e qualquer autoridade de cujos
lativo. Nessa circunstância, o (art. 70, parágrafo único e atos resultarem emissão de
parecer prévio não vai além de 71, II) empenho, autorização de paga-
uma apreciação técnico-opi- mento, suprimento ou dispêndio
nativa sobre o desempenho Inicialmente cabe definirmos de recursos da União ou pela qual
governamental na execução do “contas” como o conjunto de esta responda”. Na verdade, todo
seu plano de governo, com- documentos públicos que eviden- aquele que guarde, administre,
petindo ao Parlamento proferir o ciarão a aplicação de recursos gerencie dinheiro público,
julgamento político sobre a públicos diante dos registros de inclusive os ordenadores de
gestão analisada... sua movimentação. Além disso, despesa, deverá submeter-se ao
O parecer prévio é uma as contas também deverão refletir controle dos Tribunais de Contas.
decisão proferida pelo Tribunal de os ingressos públicos, sobretudo Também cabe lembrar que
Contas sobre as contas pres- as receitas públicas e qualquer quando os chefes do Poder
tadas anualmente pelo chefe do ato ou fato que tenha repercussão Executivo praticam atos, como os
Poder Executivo. O julgamento na gestão fiscal. citados acima, e para os quais
dessas contas é efetuado pelo A Constituição Federal define, incidirá o controle, terão suas
próprio Poder Legislativo. Não há no parágrafo único do art. 70, ações julgadas pelas Cortes de
caráter vinculante desse parecer que deverá prestar contas qual- Contas. Sendo assim, seus atos
prévio. Nada impede, portanto, quer pessoa, seja física ou serão apreciados no Juízo político
que o parecer prévio aponte pela jurídica, pública ou privada, que (Poder Legislativo) e também pelos
rejeição de contas e as mesmas utilize, arrecade, guarde, gerencie Tribunais de Contas.
venham a ser aprovadas na Casa ou administre dinheiros, bens e Muito embora o texto cons-
Legislativa. No entanto, é bom valores públicos ou pelos quais a titucional utilize a expressão julgar,
lembrar que irregularidades União responda, ou que, em nome não se trata, apesar de algumas
decorrentes de dano ao Erário, desta, assuma obrigações de importantes opiniões contrárias5,
multa ou mesmo indícios de natureza pecuniária. Vê-se que o de uma função jurisdicional, e
ilícitos penais não são ilididas pela leque do controle é bastante também não confere às decisões

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Justiça

proferidas pelos Tribunais de Assim, vemos cargos de enge- Trata-se, nesse caso, de uma
Contas força de decisão judicial. nheiro, advogado, médico, tare- melhoria posterior, não sendo
Trata-se de uma deliberação de feiro, coveiro, merendeiro... enfim, necessária, portanto, a reapre-
natureza administrativa, que pode toda sorte de cargos comissionais ciação pelo Tribunal de Contas.
ser revista em sede judicial. que, na verdade, são cargos de O mesmo não ocorre quando
natureza efetiva. Isso é feito com há mudança na fundamentação
c) Apreciar os atos de ad- o objetivo claro de burlar a legal do ato de aposentadoria.
missão de pessoal (art. 71, III) obrigatoriedade de concurso Suponha um ato de aposen-
público. Nesses casos, pode e tadoria colocando o servidor em
Esta é uma das mais impor- deve agir o Tribunal de Contas em inatividade mediante invalidez
tantes atribuições dos Tribunais de respeito à própria economicidade permanente. Posteriormente, a
Contas, conforme dispõe o art. Administração republica a por-
71, III, que determina que o taria aposentatória, desta feita

“Quanto
Tribunal de Contas deverá conferindo ao servidor aposen-
à exclusão tadoria por tempo de serviço.
apreciar, para fins de registro, da apreciação Trata-se, nesse caso, de uma
a legalidade dos atos de mudança na fundamentação
admissão de pessoal, a qual- das nomeações legal do ato, devendo, portanto,
quer título, na Administração para cargos ser apreciada pelo Tribunal de
direta e indireta, incluídas as Contas.
fundações instituídas e man- comissionados, Ressalvadas as hipóteses nas
tidas pelo Poder Público, a ideia é que o TC quais não incidirá a apreciação
excetuadas as nomeações para dos Tribunais de Contas, cabe a
cargo de provimento em comis-
não aprecie tais análise das admissões, aposen-
são, bem como a das conces- nomeações porque tadorias, pensões e reformas.
sões de aposentadorias, refor- são de absoluta Quanto às admissões, importante
mas e pensões, ressalvadas as lembrar que o conceito é bastante
melhorias posteriores que não discricionariedade abrangente, devendo ser apre-
alterem o fundamento legal do do gestor. No ciadas pelos TCs tanto as nomea-
ato concessório. ções para cargos efetivos como
entanto, em casos as admissões para empregos
Trata-se de um controle abran- extremos o Tribunal públicos e as contratações tem-
gente porque abarca os atos de
admissão, concessão de aposen-
tadoria, reformas e pensões, estes
poderá atuar.
” porárias por excepcional interesse
público (CF, art. 37, IX).
As aposentadorias corres-
pondem a atos administrativos
todos para fins de registro nas
Cortes de Contas. Ficaram de que transferem os servidores para
fora desse controle as nomeações e ao princípio constitucional da a inatividade remunerada. O mes-
para cargos comissionados e as moralidade. mo se dá em relação à reforma,
melhorias posteriores a que o Também não serão apreciados que é uma nomenclatura espe-
servidor vier a fazer jus. pelos Tribunais de Contas os atos cífica para os militares. As
Quanto à exclusão da apre- que caracterizam melhorias pensões, por seu turno, corres-
ciação das nomeações para posteriores das aposentadorias já pondem a proventos devidos ao
cargos comissionados, a ideia é concedidas. A Constituição ga- cônjuge do servidor falecido.
que o TC não aprecie tais nomea- rante que as transformações, Por fim, resta lembrar a po-
ções porque são de absoluta reclassificação, mudanças de no- lêmica existente quanto à natureza
discricionariedade do gestor. No menclatura em cargos públicos do ato de aposentadoria diante do
entanto, em casos extremos o atingem, por igual, os inativos. controle exercido pelos TCs.
Tribunal poderá atuar. Cito Assim, por exemplo, o Auditor da Seriam os atos de aposentadoria
situações nas quais são criados e Receita Federal (antigo AFTN) atos simples e ou atos com-
providos vários cargos comis- passou a chamar-se Auditor plexos? Caso sejam da primeira
sionados com absoluta desco- Federal da Receita Federal (AFRF). espécie, a atuação do Tribunal de
nexão com o comando constitu- Os inativos passaram a também Contas em nada obstará à
cional que reza que tais cargos ser submetidos à nova nomen- perfeição do ato, tendo apenas
devam ser preenchidos somente clatura. Caso ocorra aumento uma natureza declaratória. Caso
para funções de assessoramento, para o referido cargo, os inativos seja considerado complexo, o ato
direção e chefia (art. 37, V). também gozarão do benefício. somente será perfeito e acabado,

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Justiça

pronto, portanto, para gerar autoridade responsável pelo de empresas supranacionais


efeitos jurídicos, depois da gasto. Caso a referida autoridade deverão, tais empresas, sofrer
apreciação pelas Cortes de não apresente defesa ou, se fiscalização dos Tribunais de
Contas. Esta última hipótese nos apresentá-la, for considerada Contas. Por óbvio, essa fisca-
parece a mais correta, pois insuficiente, deverá ser acionado lização ficará adstrita à parcela do
privilegia as atribuições dos o Tribunal de Contas para no patrimônio dessas empresas cuja
Tribunais de Contas estabelecidas prazo de 30 dias pronunciar-se a propriedade pertence aos Entes
na Constituição Federal. respeito. E mais: caso a Corte de Federados.
Contas entenda que a despesa é Outra importante função
d) inspeções e auditorias irregular e a Comissão Perma- constitucional dos Tribunais de
(art. 71, IV) nente considere o dano irrepa- Contas é a de fiscalizar os recursos
rável, deverá a referida Comissão transferidos aos entes federados.
Outra importante atribuição propor ao Congresso Nacional a Quanto a isso, são necessárias
dos Tribunais de Contas é a sustação da despesa. algumas observações. Primeira-
realização de auditorias e mente, é sabido que a Cons-
inspeções. As inspeções são e) poder de representação tituição, ao passo que estabelece
procedimentos efetuados pelas (art. 71, XI) as competências tributárias dos
Cortes de Contas com o objetivo entes federados (arts. 145 a 156),
de suprir lacunas, dúvidas, bem Vimos em tópico anterior que também estatui um mecanismo de
como apurar denúncias e demais um dos princípios fundamentais transferências com o intuito de
procedimentos de caráter mais estabelecidos na Constituição de minimizar as desigualdades
célere. As auditorias, por sua vez, 1988 é o chamado direito de regionais diminuindo a distância
representam uma atuação sis- petição (petition right), que entre o estado ótimo, ideal, de
tematizada, seguindo rigores garante, em seu art. 5º, XXXIV, “a”: eficiência e eficácia do sistema de
legais preestabelecidos e que “o direito de petição aos Poderes arrecadação concebido e o
representam uma visão abran- Públicos em defesa de direitos ou quanto, de fato, consegue ser
gente do órgão auditado quanto contra ilegalidade ou abuso de arrecadado. São esses meca-
aos aspectos contábeis, finan- poder”. Dessa forma, derivando nismos que estão contemplados
ceiros, patrimoniais e de gestão desse direito fundamental temos na Constituição Federal (arts. 157
(art. 71, IV). a figura da representação que, em a 162) e que correspondem ao
No que se refere a auditorias e última instância, significa “dar chamado federalismo fiscal.
inspeções, a Constituição Federal conhecimento” a determinada Dessas transferências consti-
lembra que somente por iniciativa autoridade de algum fato. tucionais as mais importantes são
própria ou por solicitação do Os Tribunais de Contas têm, os Fundos de Participação, que
Poder Legislativo o TC poderá portanto, o dever de representar correspondem à redistribuição de
promover auditorias e inspeções. aos poderes e órgãos competentes parte das receitas do Imposto de
Tal dispositivo constitucional sobre irregularidades detectadas Renda (IR) e do Imposto sobre
apenas reforça a dimensão no curso de suas auditorias e Produtos Industrializados (IPI) para
autônoma das Cortes de Contas. inspeções. Como exemplo, os Estados (FPE) e para os
É bom lembrar que não há res- podemos citar o envio de cópias Municípios (FPM). Essas receitas
paldo constitucional para um dos processos de auditoria ao são tão relevantes que o cálculo
único parlamentar solicitar as Ministério Público quando dessas transferências deverá ser
referidas auditorias e inspeções. constatados indícios de ilícitos fiscalizado pelo TCU, conforme de-
Tal solicitação terá que ser feita por penais. termina o art. 161 da Constituição
órgão colegiado do Poder Legis- Federal. Também serão fisca-
lativo para que seja efetivada. f) apreciar contas de em- lizados, segundo o art. 159 da
A Constituição Federal, no art. presas supranacionais e fisca- Constituição Federal:
72, estabelece uma outra forma lizar a transferência volun-
de colaboração entre o Poder tária de recursos para os • Fundos de compensação
Legislativo e os Tribunais de entes federados (art. 71, V, VI) pelas exportações de produtos
Contas. Diz o referido dispositivo industrializados (IPI – expor-
que caso haja indícios de despesas Como sabemos, a regra é que tação);
não autorizadas, deverá a todo e qualquer recurso público
Comissão Mista Permanente de deve ser fiscalizado. Sendo assim, • Fundos constitucionais de
Deputados e Senadores (CF, art. caso a União, os Estados, o financiamento do Norte, Nor-
166, § 1º) assinar prazo de cinco Distrito Federal ou mesmo os deste e Centro-Oeste (FNO,
dias para as justificativas da Municípios participem do capital FNE e FCO);

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Justiça

Temos também as novas O inciso VIII do art. 71 esta- contrato irregular, o Tribunal de
repartições de receitas, acres- belece que o Tribunal de Contas, Contas inicialmente comunica aos
centadas, no mesmo art. 159, pela ao verificar ilegalidade de ato Poderes Legislativo e Executivo, e
Emenda Constitucional nº 42 administrativo, determinará as caso esses Poderes, em um prazo
(Reforma Tributária), a saber: providências cabíveis e assinará de 90 dias, nada façam, o Tribunal
prazo para que o órgão ou de Contas decidirá a respeito.
Art. 159. A União entregará: entidade as adote. Se a Adminis-
tração não atender, o próprio DECISÕES DOS TRIBUNAIS
(...) Tribunal de Contas poderá sustar DE CONTAS
a execução do ato impugnado,
III – do produto da arrecadação comunicando tal decisão à Os Tribunais de Contas, por
da contribuição de intervenção Câmara dos Deputados e ao serem tribunais administrativos,
no domínio econômico prevista Senado Federal. proferem decisões de caráter
no art. 177, § 4º, vinte e cinco A providência será diferente administrativo6. Logo, fazem coisa
por cento para os Estados e o quando se tratar de contrato julgada na esfera administrativa,
Distrito Federal, distribuídos na administrativo (art. 71, § 1º). conquanto possam ter suas de-
forma da lei, observada a Neste caso a sustação será cisões reapreciadas na esfera
destinação a que refere o inciso adotada pelo Congresso Nacio- judicial. Isso se dá, conforme já
II, c, do referido parágrafo. nal, que solicitará de imediato ao vimos, pelo fato de o Brasil adotar
Poder Executivo as medidas o denominado sistema inglês, ou
§ 4º Do montante de recursos cabíveis. No entanto, se no prazo sistema de jurisdição única. Por
de que trata o inciso III que de 90 dias o Congresso Nacional este sistema, todos os litígios são
cabe a cada Estado, vinte e ou o Poder Executivo não tomar resolvidos, com caráter de defini-
cinco por cento serão desti- as providências, o Tribunal de tividade, pelo Poder Judiciário. O
nados aos seus Municípios, na Contas decidirá a respeito. princípio da inafastabilidade da
forma da lei a que se refere o É importante perceber a Jurisdição ou princípio de
mencionado inciso. diferença marcante existente no jurisdição única encontra-se na
caso de atos e de contratos Constituição da República, art.
Além das transferências cons- irregulares. No primeiro caso, o 5º, XXXV, que afirma que “a lei não
titucionais, temos as chamadas Tribunal susta o ato e somente excluirá da apreciação do Poder
transferências voluntárias que depois comunica sua decisão ao Judiciário lesão ou ameaça a
correspondem a repasses de Poder Legislativo. No caso de direito”.
recursos sem caráter obriga-
tório. A maioria dessas trans-
ferências é feita através de con-
vênios, no entanto não é a única
forma de fazê-lo. Qualquer
ajuste, acordo que determine
uma transferência não obriga-
tória deverá ser apreciado pelas
Cortes de Contas.

g) Aplicação de sanções
(art. 71, VIII, IX e X, §1º)

É um ponto importante que diz


respeito à atuação dos Tribunais
de Contas. Muitas são as possibi-
lidades, como as estabelecidas
pela Lei de Responsabilidade Fiscal
(Lei Complementar nº 101/00) e
a Lei de Crimes Fiscais (Lei nº
10.028/00), no entanto, fica-
remos adstritos àquelas ações
explicitadas na Constituição Em se tratando de contrato administrativo (art. 71, § 1º), a providência será diferente.
Federal. Neste caso a sustação será adotada pelo Congresso Nacional.

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Justiça

Outro ponto importante a Os agentes públicos reclamam da aplicação da lei, até porque
discutir é a eficácia das decisões porque a atuação dos referidos nossas regras do Direito Admi-
dos Tribunais de Contas. A própria órgãos acaba criando óbices à nistrativo são muito burocráticas
Constituição Federal (art. 71, § sua gestão. Mas, partindo do e legalistas. Temos um Direito
3º) estabelece que “as decisões do princípio do inevitável risco do Administrativo do século XIX.
Tribunal de Contas de que resulte problema de agência (conflitos de Devemos também lembrar
imputação de débito ou multa interesse entre administradores aqui de Gary Becker, ganhador
terão eficácia de título executivo”. públicos e eleitores), a presunção do Nobel de Economia com sua
Esse dispositivo foi de grande é de adequação do compor- teoria econômica do criminoso. O
importância, porque conferiu às tamento dessas Instituições. A criminoso é sempre o reflexo de
decisões dos TCs maior efetivi- pressa é inimiga da perfeição, uma ponderação entre a pena, a
dade. Por esse dispositivo, fica e pode até ter fins eleitorais ou probabilidade de ser pego e o
claro que o erário credor poderá “eleitoreiros”. Uma obra super- benefício auferido pelo criminoso.
ingressar em juízo para receber a O que os Tribunais de Contas
quantia imputada pela decisão do estão fazendo, em outras pa-
Tribunal de Contas. Pelo fato de lavras, é aumentar o preço do
essa decisão ter eficácia de título
executivo extrajudicial não será
necessário ingressar com pro-
“OsContas
Tribunais de
podem
ilícito administrativo. O problema,
como dizia Aristóteles, é achar o
meio-termo, a prudência. Os
vícios estão sempre nas ex-
cesso de conhecimento, podendo,
portanto, o erário ingressar pron-
também tomar tremidades. Algumas obras devem
tamente com uma ação de exe- decisões em ser imediatamente suspensas,
outras não.
cução.
A decisão do Tribunal de Con-
caráter de Por fim, são todos temas para
tas que impute débito ou multa é urgência, suspen- reflexão que certamente impulsio-
imprescritível, pois, por força do narão os operadores do con-
art. 37, § 5º da Constituição
dendo a execução trole público para posições mais
Federal, as ações de ressarci- de um contrato adequadas visando ao interesse
mento ao erário são imprescri- coletivo, ponderando a mera
tíveis.
público, por conformidade da lei com a
Os Tribunais de Contas po- exemplo, quando busca de melhores padrões de
dem também tomar decisões em eficiência.
há risco de lesão

caráter de urgência, suspendendo
a execução de um contrato ao erário.
público, por exemplo, quando há
risco de lesão ao erário. REFERÊNCIAS
1
Alguns autores vêem nas Cortes de
faturada pode custar três vezes Contas algumas atribuições tipicamente
CONCLUSÕES mais. judiciais, como, por exemplo, Jacoby
Fernandes e Seabra Fagundes.
O que esses Tribunais devem 2
“O Tribunal não é preposto do Le-
Compreendida a estrutura e atentar é para que um eventual gislativo. A função que exerce recebe-a
o funcionamento desses órgãos legalismo não venha a trazer diretamente da Constituição, que lhe
tão pouco conhecidos da po- consequências piores para a define as atribuições” (STF - Pleno - j.
29.6.84, in RDA 158/196).
pulação e de natureza bastante população. Afinal, será que é me- 3
Para uma análise profunda das
híbrida, podemos dizer que diante lhor ficar sem estradas, sem atribuições dos Tribunais de Contas, ver
do papel exercido pelos Tribunais hospitais até que se julgue um PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e
de Contas de fiscalização da processo? Controle Externo. 2. ed. Rio de Janeiro:
Ed. Impetus, 2002.
gestão pública é difícil acreditar Aqui a análise de custo/be- 4
MILESKI, Helio Saul. O Controle da
que alguém seriamente defenda nefício pode ser proveitosa. Como Gestão Pública. São Paulo: Ed. Revista
sua extinção. Onde sua atuação dizia o jurista norte-americano dos Tribunais, 2003. p. 267.
acaba gerando mais controvérsia Oliver Holmes, ao tomar decisões
5
JACOBY, Jorge Ulisses. Tribunais de
Contas do Brasil: jurisdição e competência.
é no caso de decisões que sus- legais precisamos fazer opções. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2003. p. 138.
pendem obras. A questão é saber Ponderar o que ganhamos e o que 6
Essa opinião não é unânime, embora
se o prejuízo à coletividade é maior perdemos. E deveria entrar na seja majoritária. Para uma respeitada
ou menor com a suspensão de equação dos julgadores as con- opinião contrária, ver Jacoby Fernandes.
uma obra. sequências para a coletividade

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Especial
Uma visão liberal do fato

esmascarou-se a posição ertamente o mais nefasto negativa de que Lulla já


D do Presidente da República C ocorreu com a apresentação A lançou como candidata à sua
quando, tentando explicar a ao Congresso do Projeto de Lei sucessão a ex-guerrilheira Dilma
preferência do Brasil pela compra nomeado como Direitos Humanos. Rousseff esbarra com evidências de
dos 36 aviões de caça alegando Há no projeto concebido por toda natureza. Desde as
uma parceria estratégica com a sindicalistas, funcionários públicos “inaugurações” de lançamento de
França, escolheu a mais cara das e empregados de ONGs uma pedras fundamentais até a entrega
três propostas. Sem aguardar o combinação letal que, a título de pequeno número de casas
parecer da Comissão da de defesa dos direitos humanos, populares, Lulla carrega a
Aeronáutica que acabou por objetiva reduzir drasticamente candidata. Questionado pela
classificar o Rafale (francês) atrás o direito à informação, via oposição como um lançamento
dos seus concorrentes, Lulla censura, e do direito de antecipado da ministra, em pleno
justificou-se apenas com uma propriedade, consagrando as gozo de suas funções, o Supremo
parceria estratégica com os invasões de terra e temas variados Tribunal Eleitoral, órgão máximo do
franceses. Como a mentira tem que vão até a Lei da Anistia. sistema, não vê nenhuma evidência
pernas curtas, a primeira ocasião No caso da censura, o Projeto disso. Acha que Lulla está andando
de apresentar-se no cenário de Lei prevê a subordinação dos dentro da lei e que ele não está
internacional como parceiros foi órgãos de imprensa (especialmente lançando Dilma candidata e,
frustrada. O enriquecimento do a televisão) a um Conselho Social. portanto, não incorre em crime
urânio iraniano para 20% havia Entre os capítulos que integram o eleitoral. Aliás, a impunidade e o
sido negociado pela comunidade PL há um item que gera desprezo de Lulla por opiniões que
internacional e aceita pelo país desassossego na sociedade contrariam seus interesses são
dos aiatolás como uma operação brasileira: a revisão da Lei da notórios. A seleção do evento mais
a ser realizada no exterior. A Anistia. Dita revisão objetiva feio do trimestre foi difícil, porque
aceitação do Irã não passou de exclusivamente atingir crimes de concorria com o mensalão do
uma manobra dilatória. O bom tortura, passando por cima de Arruda e da Câmara distrital de
de tudo é que isso torna claro crimes de assassinato, assalto e Brasília com suas meias, bolsas e
que a seleção dos Rafale se deu sequestro que continuariam a ser cuecas repletas de dinheiro vivo
não por razões estratégicas, mas abrangidos pela referida Lei de em gravações que não foram
por razões “comerciais”. Como Anistia. A agressão ao direito contestadas pelos acusados.
se sabe, a França, no recente de propriedade se inicia na Outro fato que mereceria, em
episódio, declarou-se a favor obrigatoriedade de proprietários condições normais, o galardão de
da aplicação de sanções, e o de terra (pessoas físicas e jurídicas) mais feio foi o calendário de viagens
Brasil, de mais conversações. serem obrigadas a negociar oficiais do Ministro da Justiça, Tarso
De conversa em conversa os com invasores em quaisquer Genro, que por nossa conta iniciou
aiatolás estão cada vez mais circunstâncias, sendo-lhes campanha como candidato no
perto da possibilidade de produzir vedado o direito a mandatos Rio Grande do Sul (74% de suas
armas nucleares. O Brasil não de reintegração de posse viagens oficiais se destinaram ou
acredita nisso, ou quer entrar antes de uma negociação passaram pela capital gaúcha).
no mesmo caminho. sem prazo definido.

MAR/ABR/MAI - 2010 - Nº 50 14
Matéria de Capa

De como Bastiat e Galileu explicam


o Aquecimento Global
José L. Carvalho
Professor Titular de Economia do Instituto de Ciências Econômicas e Gestão da Universidade Santa Úrsula.

fato que a temperatura da longas (infravermelho) que não A tese antropocêntrica do efeito
É terra vem aumentando. É atravessam a atmosfera, opaca a estufa só tomaria corpo a partir
também um fato que a tempe- essas ondas longas por ser com- do início da década de 1950 em
ratura da terra tem passado por posta de muitos gases e de vapor decorrência do aumento das
longos períodos de elevação e de d’água. Dessa forma a tempe- temperaturas da terra ao longo
declínio. Tão importante quanto ratura da superfície da terra torna- das décadas de 1920 e 1930.
esses dois fatos é o conhecimento se propícia à vida como a conhe- Entretanto, com a redução das
científico acumulado que iden- cemos. temperaturas do globo ao longo
tifica no Sol e nos oceanos os prin- Em 1896, o químico sueco e dos anos 1960 e 1970 essa tese
cipais agentes de tais flutuações. detentor do Prêmio Nobel de perdeu momentum, mas seus
Em 1827, o matemático francês Química de 1903, Svante August defensores não. Se não foi você,
Jean-Baptiste Joseph Fourier pu- Arrhenius, publicou um artigo no foi seu avô, como na fábula do
blicou um artigo no qual iden- qual atribuía à ação do homem, lobo e do cordeiro; os antro-
tificava o efeito estufa: a radiação pela emissão de CO2, a amplia- pocêntricos identificaram na po-
solar atravessa a atmosfera, a ção do efeito estufa natural. Em luição do ar a ação humana res-
qual é transparente à radiação de seus cálculos Arrehnius sugere que ponsável pela redução na tem-
ondas curtas (radiação brilhante) se a quantidade de dióxido de peratura da terra por bloquear a
e atinge a crosta terrestre; o calor carbono na atmosfera fosse multi- incidência dos raios solares sobre
da radiação é absorvido pela terra plicada por dois a temperatura da a superfície da terra, apesar de
e pelas águas, refletindo ondas terra aumentaria em cerca de 5C. toda evidência científica contrária.

MAR/ABR/MAI - 2010 - Nº 50 15
Matéria de Capa

Com a elevação das temperaturas brando a quantidade de CO 2 tinuamente divulgados na me-


da terra a partir da década de registrada na atmosfera antes da dida em que sejam relevantes
1980, uma nova e mais poderosa revolução industrial, a tempe- para a tomada de decisões. Isso
ofensiva antropocêntrica entrou ratura da Terra se elevaria de talvez explique em parte a maior
em cena por obra das Nações 1,9ºC a 5ºC, dependendo das concentração de recursos em
Unidas: Painel Intergovernamental hipóteses adotadas. Simulações pesquisas que têm por objetivo
sobre Mudanças Climáticas, ou mais recentes ampliaram ainda identificar na ação humana as
IPCC (Intergovernmental Panel on mais esse intervalo: 1,1ºC a causas do efeito estufa, bem
Climate Change). 6,4ºC. Se atribuirmos às previsões como a pouca divulgação dos
O IPCC foi estabelecido em sobre a temperatura da Terra a estudos científicos contrários à
1988 para avaliar as informa- mesma importância que damos tese antropocêntrica.
ções científicas, tecnológicas e às previsões de inflação, como Já o segundo relatório de
socioeconômicas relevantes para você julgaria um modelo que 1995, preparativo para a reu-
compreensão do risco das mu- sugerisse que a inflação no Brasil nião de Quioto, enfatizava que a
danças climáticas induzidas pela para este ano se situaria entre análise das evidências sugere
ação humana. Com esse objetivo, 1,1% e 6,4%? uma influência discernível da ação
o que aconteceria com o IPCC se Embora eivados de se, mas e humana sobre o clima global. A
seu relatório concluísse que a ação ou, os resultados obtidos com os essa altura, a mídia já havia
humana não afeta significan- modelos GCM apresentados pelo transformado o efeito estufa em
temente o clima da Terra? Se- IPCC têm se tornado, por força aquecimento global (global
gundo divulgado, o Painel foi da exacerbada exploração pela warming) e atribuído ao homem,
composto por mais de 2500 mídia, o argumento mais forte pela emissão de gases que
cientistas e técnicos especialistas para sustentar a hipótese antro- contribuem para o efeito estufa
de mais de 60 países, abran- pocêntrica do efeito estufa, a (CO2, CH4, N2O, HFCs, PFCs e
gendo os campos de climatologia, despeito da afirmação de muitos SF 6), a responsabilidade pelo
ecologia, economia, medicina e cientistas de que tais modelos não aumento da temperatura da
oceanografia. Seu primeiro rela- são capazes de associar os au- Terra.
tório de 1990 foi amplamente mentos previstos para a tempe- Se não há fortes evidências de
questionado por cientistas, não só ratura do globo à ação humana. que o homem tem causado o
quanto aos dados utilizados, os Um bom exemplo desse fato pode aumento na temperatura da
quais entre outros problemas não ser extraído dos resultados de uma Terra, o qual vem sendo registrado
consideravam a temperatura dos pesquisa realizada em 1997 pelo desde os anos de 1980, por que
oceanos, mas também quanto aos Citizens for a Sound Economy os mais variados governos dos
modelos utilizados nas simu- Foundation (CSE). Em consulta a diversos países têm adotado
lações. climatologistas americanos, nove políticas, ainda que tímidas, mas
Os modelos usados nas si- de cada dez afirmaram que sobre a custos elevados, para a redução
mulações, identificados como o aquecimento global as evi- das emissões de CO 2 ? Para
Modelos Globais de Circulação dências científicas apontam para compreendermos essa questão
(GCM – Global Circulation causas naturais, e que no atual nos valemos de um ramo da
Models), estão sujeitos a muitas estágio a ciência é incapaz de ciência econômica, a escolha
hipóteses, devido à complexidade isolar e medir a variação da pública, que tem como expoente
dos fenômenos que condicionam temperatura global causada pela James Buchanan, detentor do
o clima na Terra. Embora a im- ação do homem. Prêmio Nobel de Economia de
posição de hipóteses restritivas É importante registrar que o 1986.
seja necessária em simulações por primeiro relatório do IPCC Em uma sociedade demo-
meio de modelos, quanto melhor advogou não só sua perenidade, crática, os atores das políticas
o modelo represente a realidade, mas também por mais recursos ao públicas são basicamente os
menores serão os impactos sobre sugerir que são necessárias ações eleitores, os políticos, a mídia e a
os resultados decorrentes de mu- que visem completar as lacunas burocracia governamental. Os
danças nas hipóteses simplifica- de informação e compreensão eleitores, como seres humanos,
doras. Assim, modelos que repre- quanto às causas de o aque- buscam seus próprios interesses
sentem razoavelmente o complexo cimento global decorrer da ação e pressionam seus representantes
fenômeno analisado apresentam humana. Entretanto, sobre a com demandas que lhes propor-
resultados estatisticamente ro- importância dos avanços da cionem benefícios. Por sua vez, os
bustos como um indicador de sua ciência há uma preocupação políticos também procuram
representatividade. As primeiras explícita com a necessidade de satisfazer seus próprios interesses,
simulações feitas pelo IPCC com intervir: é imperativo que os mas têm que, necessariamente,
modelos GCM indicam que do- avanços científicos sejam con- satisfazer parte das demandas

MAR/ABR/MAI - 2010 - Nº 50 16
Matéria de Capa

uma ação governamental por


meio de regulamentação, fiscali-
zação, monitoramento e impos-
tos. Como qualquer ser humano,
o burocrata age em seu próprio
interesse. Por acreditar na impor-
tância de sua tarefa, procura
obter verbas para seu ministério,
departamento ou agência, au-
mentar seu pessoal e ampliar seu
poder de regulamentação. Maior
orçamento implica maior poder
político. Quanto mais premente
for o chamado problema de
aquecimento global, mais aten-
ção o problema demandará das
autoridades públicas e, em con-
sequência, mais poder político
deverá ser atribuído aos órgãos e
agências governamentais respon-
sáveis pelo ambiente.
A disputa pelo poder político
inevitavelmente provocará uma
disputa entre órgãos do governo.
Somos bombardeados diariamente com notícias sobre tragédias ambientais.
Essa disputa emerge clara na
função reguladora. Isso tem
dos eleitores, pois do contrário tados. A informação é transmitida ocorrido com frequência na área
não serão eleitos. A mídia informa como verdade, se assim não fosse econômico-financeira (Bacen ×
a todos, mas tem também seus não deveria ser veiculada. Para CVM; Bacen × Cade), e não tem
próprios interesses, condicionados atender aos seus próprios inte- sido diferente na área ambiental
a informar a verdade ou aquilo resses, a mídia procura atrair o (agricultura × ambiente; infra-es-
que se pressupõe verdade. A bu- público com informações sensa- trutura × ambiente; urbanização
rocracia governamental, consti- cionalistas: notícias ruins vendem × ambiente). Com o destaque
tuída de servidores públicos, jornais e atraem telespectadores, das questões ambientais, os
também tem seus próprios in- mas explicações científicas dificil- conflitos entre os órgãos do
teresses. Alguém poderia lembrar mente o farão! Assim, somos governo (nas três esferas) têm se
que existem empresas e socie- bombardeados diariamente pelos tornado mais frequentes e o
dades civis (ONGs) que pressio- meios de comunicação com tra- açodamento da disputa pelo
nam o setor público por benefícios gédias ambientais, com comen- poder político tem se agravado
específicos. Entretanto, tanto tários e entrevistas que objetivam pelo uso intensivo da mídia por
empresas quanto ONGs são nos orientar sobre o que é politi- parte dos interessados. As boas
apenas contratos, e são pessoas camente correto em relação à intenções da burocracia, convicta
(eleitores) que conduzem seus mãe Terra. O politicamente cor- da importância de sua tarefa,
destinos. Assim, os interesses das reto propalado e insistentemente acabam por sucumbir à disputa
empresas e das ONGs se con- apresentado pela mídia afeta pelo poder político. Tal disputa
substanciam nos interesses das todos os membros da sociedade, alimenta as previsões catastróficas
pessoas responsáveis pelo destino em particular os políticos, que difi- sobre as questões ambientais que
de tais organizações. cilmente se manifestarão usando estão na pauta da mídia, favo-
A mídia tem cooperado para a racionalidade econômica, a recendo o florescimento de uma
exacerbar a preocupação das favor de atividades econômicas cultura ambientalista, a qual
populações com o chamado emissoras de CO 2 para não identifica a ganância do homem
aquecimento global. Por razão de serem taxados de insensíveis e como a fonte principal dos
ofício divulgam resultados cien- destruidores do planeta. problemas ambientais. A ga-
tíficos de maneira simples e de Para a burocracia governa- nância humana se manifesta,
modo a impressionar o leitor ou mental é importante que o segundo essa visão ambientalista,
telespectador, não se interessando chamado aquecimento global tanto internamente quanto inter-
pelos detalhes técnicos e pelas resulte da ação do homem, pois nacionalmente, pela economia de
limitações científicas dos resul- dessa forma há justificativa para mercado. Isso explica porque as

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Matéria de Capa

soluções apresentadas para os renda, dos consumidores que distribuir entre os membros da
problemas ambientais, em parti- mais valorizam o bem racionado comunidade afetada pela poluição
cular para o chamado problema para os que menos valorizam o direitos de poluir passíveis de
do aquecimento global, são im- bem. O objetivo original do serem negociados pelos indiví-
positivas. Um momento – alguém racionamento é o de permitir que duos com os emissores de po-
poderá argumentar –, e o mer- todos tenham acesso ao bem, luentes. Desse modo, teríamos um
cado de carbono? que por alguma razão teve sua mercado de direitos de poluir, e
O chamado mercado de oferta drasticamente reduzida, a todos os que vendessem seus
carbono emergiu dos limites de um preço fixado e, por algum direitos estariam sendo com-
emissões formulados no Protocolo critério, considerado justo. Outra pensados monetariamente pelas
de Quioto. Assim, para cumprir arbitrariedade desse sistema é que inconveniências da poluição. A
o protocolo a União Européia sua implantação exige um critério literatura especializada apresenta
implementou em 2005 o Sistema de distribuição desses talões. Não algumas elaboradas propostas
Europeu de Comércio (European vamos elaborar sobre os pro- nesse sentido, mas esse tipo de
Trade System – ETS), com- blemas e as arbitrariedades de um solução não se aplica ao cha-
preendendo cerca de 12.000 sistema de racionamento por mado aquecimento global, pois se
grandes emissores de CO2, os talões. O que pretendíamos com trata de uma solução para
quais são responsáveis por cerca esse paralelo era, simplesmente, problemas locais de poluição.
de 50% de todas as emissões chamar a atenção para o fato de Entretanto, emissões de CO 2
européias. Nesse sistema, os go- que racionamento por talões especialmente concentradas em
vernos estabelecem um limite de transferíveis, embora superior ao áreas urbanas afetam a saúde das
poluentes – no caso do chamado racionamento por talões não pessoas aqui e agora, e há evi-
aquecimento global a referência transferíveis, apenas produz uma dências científicas claras desse
é a emissão de CO2 – que as redistribuição de renda. O cha- fato. Porém, tal aproximação do
empresas podem emitir pela mado mercado de carbono problema não envolve acordos
concessão de licenças individuais. contém mais arbitrariedades (o internacionais e toda parafernália
Tais licenças podem ser livremente total de emissões é definido) que burocrática a eles associada.
compradas e vendidas pelas o racionamento, e gera um pro- Atribuir ao governo a deter-
empresas. A ideia é estimular a cesso de distribuição de renda minação do total de emissões
introdução de novas tecnologias entre as empresas participantes pode gerar, como no caso
que venham a reduzir o nível geral cuja intensidade depende da dis- europeu, problemas que acabam
de emissões. Assim, as empresas tribuição inicial das permissões. por eliminar os incentivos para a
que a um custo mais baixo pu- Há muito os economistas vêm adoção de novas tecnologias
derem reduzir suas emissões para apresentando e discutindo so-
nível inferior ao de sua licença po- luções para a incorporação de
derão vender, a outras empresas custos impostos a terceiros, os
tecnologicamente incapazes de quais, devido a impropriedades na
reduzir suas emissões, os créditos caracterização dos direitos de
de emissão conseguidos pela propriedade, não podem ser
redução alcançada. Note que as imputados aos agentes sociais que
pessoas afetadas pela poluição geram tais custos. Embora mi-
não participam do processo. metizando o funcionamento de
Definido o total de emissões, o um mercado, tais soluções apre-
direito de poluir é distribuído entre sentam um problema de cons-
as empresas poluidoras. Como os tituição. Em um mercado livre, a
direitos de poluir são transferíveis, quantidade total do bem transa-
o sistema funciona como o velho cionado é determinada pelos
racionamento com talões trans- desejos individuais de vendedores
feríveis, onde os consumidores e compradores. No caso do
pagam dois preços pelo bem chamado mercado de carbono,
racionado: o preço fixado em esse total há que ser determinado
moeda corrente e um talão de por um poder exógeno ao
racionamento por unidade. É sa- mercado, em geral o governo,
bido que um sistema de racio- como no caso das emissões de
namento com talões transferíveis, CO2 na Europa. Não precisaria
desconsiderado o custo de admi- ser assim. Como as pessoas são Bastiat: irracionalidade econômica
nistração do sistema, provoca as maiores interessadas na re- da proteção do governo a atividades
apenas uma transferência de dução da poluição, bastaria econômicas.

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Matéria de Capa

redutoras de emissões de CO2. muitos economistas têm sugerido


Governos operam no sistema a aplicação de um tributo para
político e, por isso, mesmo as contornar o problema da emissão
decisões de governo estão sujeitas de gases de efeito estufa. A
às pressões políticas e econômicas racionalidade desse tributo foi
de grupos. Assim, o limite total de sugerida, no século XIX, por Pigou.
emissões, uma decisão de go- Como os responsáveis pelas
verno, varia não conforme os emissões não arcam com os
desejos de compradores e ven- custos que tais emissões impõem
dedores, como ocorre em um à coletividade, o custo da ativi-
mercado livre, mas sim conforme dade que gera tais emissões é
as pressões políticas das em- maior para a sociedade, se
presas, dos ecologistas, da mídia, comparado ao custo incorrido
dos eleitores em geral, da bu- pelo emissor. A imposição de um
rocracia governamental e até de tributo tornaria o custo privado
organizações internacionais. (custo de produção mais o
Flutuações nos limites de emissões imposto) igual ao custo social
afetam o preço da permissão dessa atividade. Tal solução não
para emitir CO2, aumentando os é isenta de problemas. Como
riscos de investimentos em tec- determinar a alíquota do im-
nologias que venham a reduzir tais posto? Como será afetado o bem-
emissões. Isso, talvez, explique o estar das pessoas, uma vez que o Galileu: contra a crença estabelecida e
fracasso do sistema europeu na tributo necessariamente reduzirá protegida pelas autoridades
constituídas.
geração de investimentos de o volume de bens produzidos? Por
longo prazo que contribuam para outro lado, os defensores do
a redução das emissões. Em maio imposto sugerem que a receita ções nas temperaturas registradas
de 2006, vários governos da tributária produzida por sua im- na Terra e a atribua às emissões
União Européia ampliaram o total posição poderia ser usada no de CO2 geradas pelas atividades
de emissões em 66 milhões de financiamento de tecnologias que econômicas. Mas, a quem tal
toneladas de CO2. Evidentemente viessem a reduzir emissões no concessão governamental bene-
que esse aumento afetou o preço futuro. Essa discussão nos remete ficia? Já listamos alguns grupos
do crédito de emissões, de modo ao âmago da questão: o pro- de interessados, mas sem dúvida
que em fevereiro de 2007 uma blema não é o de minimizar as os cientistas que pesquisam o
quota para emitir uma tonelada emissões, mas sim como desen- chamado aquecimento global, os
de CO2 era transacionada por volver instituições sociais que participantes do emergente mer-
menos de um euro. Pouco tempo venham a minimizar seus efeitos cado de carbono (segundo o
depois os limites de emissões levando em conta a escassez de Banco Mundial esse mercado teria
foram revistos para baixo, fazendo recursos. movimentado cerca de US$ 64
com que o preço dos créditos de Ora, argumentará o leitor, o bilhões em 2007), a burocracia
carbono se elevasse. Com a crise que Bastiat e Galileu têm a ver internacional e os empregados das
financeira de 2008, a demanda com toda essa discussão? Muito, organizações que defendem a
por créditos se reduziu em de- meu caro leitor, muito. Bastiat, tese antropocêntrica do chamado
corrência da redução na atividade com um exemplo extremo, ilustrou aquecimento global. Galileu
econômica, e o preço do crédito a irracionalidade econômica da explica o que vem ocorrendo em
se elevou, girando em torno de 13 proteção do governo a atividades decorrência da compreensão dos
euros ao final de 2009. A econômicas. Em seu artigo A fatos à luz de Bastiat. A tese antro-
volatilidade dos preços dos Petição, apresentou o pedido de pocêntrica do chamado aque-
créditos de carbono decorrente de proteção econômica da indústria cimento global tornou-se um
mudanças impostas pelo governo de velas e similares contra a dogma de fé, e Galileu demons-
ao total de emissões, e não concorrência desleal do Sol, que trou ao mundo o que significa ir
decorrente de flutuações de oferecia seu produto, luz, a preço contra uma crença estabelecida e
mercado, é o principal problema zero. Não é exatamente o que protegida pelas autoridades
para o chamado mercado de fazem os defensores da tese constituídas. Ao herege a morte,
carbono. antropocêntrica do chamado não necessariamente a morte
Devido à variação no total de aquecimento global? Querem física, mas a financeira e intelec-
permissões para emitir e a con- que os governos retirem do Sol tual, uma vez que hoje, supos-
centração de poder no agente (juntamente com os oceanos) a tamente, somos mais civilizados
governamental que fixa esse valor, responsabilidade sobre as flutua- que então.

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Destaque

O processo de
extradição de
Cesare Battisti
Jacy de Souza Mendonça
Titular da Ordem do Mérito Judiciário
do Trabalho, no grau de Comendador, e
Professor Emérito da Escola do Comando
do Estado Maior do Exército - RJ.

O SISTEMA JURÍDICO
BRASILEIRO E A EXTRADIÇÃO
DE CESARE BATTISTI

Constituição da República
A Federativa do Brasil dispõe
que não será concedida extra-
dição de estrangeiro por crime
político ou de opinião (art. 5º, LII).
Esta regra, adotada por quase
todas as nações, foi incluída pela
ONU na Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948:
Todo ser humano, vítima de per-
seguição, tem o direito de pro-
curar e de gozar asilo em outros
países. 2. Este direito não pode
ser invocado em caso de per-
seguição legitimamente moti-
vada por crimes de direito
comum ou por atos contrários
aos objetivos e princípios das
Nações Unidas (art. XIV – 1); foi
objeto também da Convenção de
1951 da ONU, relativa ao Es-
tatuto dos Refugiados, segundo
a qual nenhum dos Estados
membros expulsará ou recha-
çará, de maneira alguma, um
refugiado para as fronteiras dos
territórios em que sua vida ou sua
liberdade seja ameaçada em
virtude... das suas opiniões
políticas (art. 33, §1º). A fina-
lidade desta norma é a proteção
dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais do ci-
dadão; sua motivação é o caráter
social e humanitário do problema
dos refugiados.

MAR/ABR/MAI - 2010 - Nº 50 20
Destaque

Considera-se refugiado po- Nas relações internacionais, é submetidas a processo penal ou


lítico a pessoa que, temendo ser usual que Estados celebrem tra- para a execução de uma pena
perseguida por motivos de raça, tados bilaterais, destinados a re- restritiva da liberdade pessoal
religião, nacionalidade, grupo gulamentar direitos e obrigações (art. I); do documento consta
social ou opiniões políticas, en- de refugiados políticos, a possi- também que não será concedida
contra-se fora do país de sua bilidade de serem extraditados e o a extradição se o fato pelo qual
nacionalidade (Convenção da processo adotado na execução é pedida for considerado, pela
ONU de 1951, § 1º, c). Distin- dessa medida. No Brasil esses parte requerida, crime político
gue-se de foragido (não bene- tratados, uma vez homologados (art. III, e).
ficiário da regra): aquele que pelo Congresso, têm força jurídica Não é o que ocorre em todos
cometeu crime grave de direito equivalente a leis especiais internas, os Estados, mas, pelo nosso
comum, fora do país de refúgio, prevalecendo sobre as demais leis. sistema legal, a apreciação do
antes de ser admitido como re- Em alguns países, essa equiva- caráter da infração praticada
fugiado (Convenção da ONU de pelo extraditando – se crime
1951, art. 1º, §6º, b). O temor comum ou político – cabe
de perseguição a que se refere a
Convenção deve ser comprovado
e resultar de séria ameaça atual
“ Explicitando o
direito dos
exclusivamente ao STF (Lei nº
6.815, art. 77, § 2º), ao qual
incumbe também processar e
de perseguição política (não de refugiados à não julgar originariamente a extra-
antigas ou aparentes ameaças). extradição, a dição solicitada por Estado
Um dos privilégios dos refugiados estrangeiro (Constituição Federal,
políticos no país em que se en- legislação federal art. 102, I). Nenhuma extradição
contram é não serem extra- infraconstitucional será concedida, então, sem
ditáveis, benefício não assegurado afirma que, em prévio pronunciamento do Ple-
aos foragidos (Convenção da princípio, em tempo nário do STF sobre sua legalidade
ONU de 1951, art. 33, §2º). e procedência, não cabendo
A proteção ao refugiado po- de paz, qualquer recurso dessa decisão (Lei nº
lítico é aplicação prática do prin- estrangeiro poderá 6.815, art. 82, § 3º). Ou seja, o
cípio relativo à proteção da entrar e permanecer STF decide, de forma soberana,
liberdade individual em face da se o fato caracteriza crime co-
decisão arbitrária dos poderosos. no Brasil e dele sair, mum (que possibilita a extradição)
resguardados os

No Brasil, é competência ou crime político (que não a
privativa da União legislar sobre interesses nacionais. permite), e não concederá a ex-
extradição e expulsão de estran- tradição quando o fato constituir
geiro (Constituição Federal, art. crime político (Lei nº 6.815, art.
22, XV). Explicitando o direito dos 77, VII).
refugiados à não extradição, a lência e precedência na hierarquia Em que pese ao silêncio da
legislação federal infraconstitu- das leis decorrem de norma ex- Constituição Federal e da legis-
cional afirma que, em princípio, pressa; no Brasil, são reconhe- lação, entende o STF, apoiado em
em tempo de paz, qualquer es- cidas pelo Supremo Tribunal doutrinadores pátrios, que, se
trangeiro poderá entrar e per- Federal (STF) como resultado de reconhecer a natureza comum
manecer no Brasil e dele sair, res- interpretação do texto constitu- do delito praticado pelo extra-
guardados os interesses nacio- cional. ditando, cabe ao Presidente da
nais (Lei nº 6.815, de 19/08/ Em 17 de outubro de 1989 o República decidir sobre sua
1980); prevê a existência de Brasil celebrou com a Itália um entrega ou não às autoridades do
estrangeiros perseguidos políticos tratado sobre extradição, segundo país de origem. Concedida a
e disciplina a concessão de asilo o qual cada uma das partes extradição, pelo Presidente da
a eles, definindo mais o que lhes obriga-se a entregar à outra, República, o fato é comunicado,
é vedado fazer no país (Lei nº mediante solicitação, segundo as através do Ministério das Rela-
6.815, art. 28, e Decreto nº normas e condições estabelecidas ções Exteriores, à Missão Diplo-
86.715, de 10/12/1981, art. no presente tratado, as pessoas mática do Estado requerente
56). A Lei nº 9.474, de 22/07/ que se encontrem em seu ter- que, no prazo de sessenta dias
1997, define os mecanismos ritório e que sejam procuradas da comunicação, deverá retirar
para a implementação do Estatuto pelas autoridades judiciais da o extraditando do território
dos Refugiados. parte requerente, para serem nacional (Lei nº 6.815, art. 86).

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Destaque

Este rito não é aplicável na hi- da Itália e de ações criminosas pela participação preponderante
pótese de urgência resultante de comuns. Desde cedo participou no assassinato de quatro pessoas
interesse nacional, caso em que de movimentos políticos de (uma assassinada com um tiro
a extradição é cumprida imedia- esquerda, como a Lotta Continua pelas costas; um açougueiro
tamente; se o extraditando estiver e a Autonomia Operaria; sua morto por vingança por ter
respondendo a processo-crime ou atividade mais significativa foi, no matado o colega do extraditando
tiver sido condenado no Brasil por entanto, no movimento dos que tentara roubá-lo; um joa-
crime punível com pena privativa Proletarios Armados pelo Co- lheiro morto em emboscada, e
de liberdade, a extradição será munismo (PAC), que tinha por um jornalista), todos com o
executada somente depois da objetivo assaltar, para garantir o objetivo de conseguir dinheiro. Em
conclusão do processo ou do sustento do grupo na expro- 1985 voltou a Paris, beneficiado
cumprimento da pena (Lei nº priação dos capitalistas. Sua por uma legislação protetora de
6.815, art. 89). primeira prisão foi em 1972 (aos extremistas italianos arrepen-
É à luz dessas regras que deve 18 anos, portanto), por furto; em didos. Um pedido de extradição
ser apreciado o pedido de 1974 foi condenado a 6 anos de dirigido então pelo governo da
extradição de Cesare Battisti prisão por assalto a mão armada; Itália à França levou-o de volta ao
formulado pelo governo da Itália, libertado em 1976, foi preso presídio, provisoriamente; mas o
de onde se encontra foragido, e novamente em 1977; em 1979, pedido do governo italiano foi
onde foi condenado, em última foi sentenciado a 12 anos de negado por duas vezes e, graças
instância, à prisão perpétua, prisão pela participação em a isso, ele readquiriu a liberdade
temporariamente sem direito grupo armado, assalto e recep- e continuou vivendo em Paris com
sequer a banho de sol. tação de armas. Em 1981 fugiu a esposa e duas filhas. Em 2004,
da prisão e foi para Paris, viver na já escritor reconhecido, enfrentou
CESARE BATTISTI clandestinidade; de Paris foi para novo pedido de extradição do
o México, onde participou de governo italiano, desta vez ana-
O extraditando nasceu, no atividades literárias e jornalísticas. lisado e acolhido pelo Conselho
ano de 1954, em família comu- Enquanto se encontrava no de Estado da França, que en-
nista de três gerações (ele, o pai e México, foi julgado à revelia e tendeu inexistir crime de caráter
o avô). Sua biografia é empapada condenado à prisão perpétua político e, por isso, autorizou sua
de atividades na esquerda política pelo Tribunal do Júri de Milão, extradição; na iminência de ser
preso, fugiu novamente, desta vez
para o Brasil, utilizando passa-
porte falsificado. Aqui não soli-
citou asilo político, preferindo
viver dois anos na clandestinidade
(o asilo político foi pedido depois
de preso, como estratégia de
defesa). Na Itália, o processo
criminal contra ele correu à revelia
e, com fundamento em inúmeras
provas, dentre as quais depoi-
mento de testemunhas, perícias e
confissão de seus comparsas, um
dos quais estimulado pelas
vantagens da delação premiada,
foi condenado à prisão perpétua,
por homicídio e roubo.
Reconhece ele esse passado,
mas alega que abandonou a
violência política em 1978, após
o sequestro e a morte de Aldo
Moro. Nega, porém, a partici-
pação nos homicídios objeto das
condenações judiciárias.
No Brasil está respondendo a
Por iniciativa da Interpol, Cesare Battisti foi detido no Rio de Janeiro, em 2007. processo, no Rio de Janeiro, por

MAR
AR/ABR
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Nº 50 22
Destaque

falsificação e uso de passaporte ANÁLISE DA DECISÃO o Procurador Geral da República,


falso. Por iniciativa da Interpol, foi DO STF o móvel político não autoriza a
detido no Rio de Janeiro, em prática de homicídios preme-
2007. Solicitou, então, asilo po- Há circunstâncias que dificul- ditados e de violência contra
lítico, que lhe foi negado, em tam a decisão do caso, em es- quem quer que seja, (...) o
primeira instância, pelo Conselho pecial o fato de o extraditando ser elemento subjetivo exclusiva-
Nacional para os Refugiados; extremista político de esquerda, mente não legitima a classificação
obteve êxito, todavia, em recurso ter sido julgado à revelia pela dos fatos como crimes políticos.
ao Ministro da Justiça, que, em Justiça italiana e do processo ter Ele confessou que praticou os
2009, lhe concedeu o status de constado depoimento de co-réu delitos com o propósito de obter
refugiado político. fruto de delação premiada. recursos para o grupo a que
Extremista ele era, e o arre- pertencia – o PAC. Seu objetivo
A DECISÃO DO STF pendimento a posteriori não não foi, pois, atuar contra o
invalida essa qualificação; ao Estado ou suas instituições, mas
Pretendeu-se no processo que contra pessoas que podiam
o reconhecimento da condição facilitar-lhe a obtenção de re-


de refugiado pelo Ministro da cursos. Outros comparsas, no
Justiça obstaria o seguimento de A extradição PAC, ocupavam-se com os crimes
qualquer pedido de extradição solicitada pelo políticos. Se o PAC aplicava depois
baseado nos fatos que funda- os recursos por ele conseguidos
mentaram a concessão do re- governo da Itália para fins políticos, é outra etapa
fúgio. Afirmou-se que a matéria foi finalmente que não tem o condão de qua-
seria inapreciável pelo Poder autorizada pelo lificar, abrigar, muito menos
Judiciário, mesmo pelo STF, inocentar a primeira. Trata-se, no
conforme o art. 33 da Lei 9.474, STF, por cinco votos caso, no máximo, de crime de
de 22 de julho de 1997. Quatro contra quatro, tendo natureza complexa: comum e
Ministros do STF acolheram essa em vista que os político, no qual o fato principal
tese, rebatida com a simplicidade (os homicídios) constitui infração
característica da Min. Ellen Grace
crimes imputados ao da lei penal comum que, por-
ao lembrar que, de acordo com a extraditando não tanto, não impedirá a extradição
Constituição, nenhum ato poderá tiveram conotação (Lei nº 6.815, art. 77, §1º).
ser excluído da apreciação do política e não foram As circunstâncias de ser o
Poder Judiciário (CF, art. 5º, extraditando extremista político e
alcançados pela também assassino contumaz não


XXXV), por sinal, único com com-
petência para apreciar o caráter prescrição. podem ser conectadas pelo
da infração – se crime comum intérprete a posteriori, quando elas
ou político –, processar e julgar não eram conexas ao tempo da
originariamente a extradição prática delituosa. O extraditando
solicitada por Estado estran- contrário, confirma-a: ao tempo é um extremista político que
geiro (Constituição Federal, art. dos fatos, era um ativista de praticou vários crimes comuns.
102, I). esquerda. Mas a condição de É fácil também perceber a
A extradição solicitada pelo extremista político não determina natureza dos crimes por ele
governo da Itália foi finalmente que todos os atos por ele praticados a partir de sua mo-
autorizada pelo STF, por cinco praticados tenham que ser tivação ao pedir extradição: não
votos contra quatro, tendo em forçosamente considerados de a deseja por temer ser perse-
vista que os crimes imputados ao natureza política. O político, assim guido, em seu país, por motivos
extraditando não tiveram cono- como qualquer cidadão, pode de raça, religião, nacionalidade,
tação política e não foram praticar e, de fato, pratica atos de grupo social ou opiniões políticas
alcançados pela prescrição. A natureza não política; pode – o que justificaria a negativa da
extradição foi condicionada, cometer crimes políticos e crimes extradição – mas para fugir à
entretanto, à limitação da pena comuns. prisão a que foi condenado pela
privativa de liberdade a 30 anos, Mesmo se o fim último de sua prática de crime comum. Exata-
máximo permitido pela legislação ação tivesse sido político, ela, em mente a distinção inicial entre
brasileira. O Presidente da Repú- si mesma, pode ter tido outra refugiado político e delinquente
blica ficou autorizado, assim, a finalidade, e, portanto, outro comum. Os processos criminais
executar a extradição. caráter. Com muito acerto afirmou nos quais foi condenado à pena

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Destaque

de prisão perpétua não servem


como prova de que esteja, no
momento, sofrendo perseguição
política.
Para obstar a extradição, diz-
se vítima de injustiça, quando, na
verdade, é foragido da Justiça;
suscita também agravos ima-
ginários de perseguição política,
alegando que um poder oculto, à
época, em seu país, influenciava
as condenações (voto do Min.
Peluso). Essa perseguição no
passado não foi comprovada e,
mesmo que verdadeira, não seria
atual, não podendo, portanto,
A extradição de Cesare Battisti foi condicionada à limitação da pena privativa a 30 anos.
beneficiá-lo.
É absolutamente certo que
juízes e tribunais italianos, naquela Alega também o extraditando produzir as provas que o bene-
época, eram motivados pelo que a legislação italiana à época ficiariam. Mas em nada deve
objetivo de coibir com rigor ações era truculenta contra os acusados beneficiá-lo o fato de ter sido
subversivas da ordem, que tinham de terrorismo e prescrevia penas condenado à revelia, pois ficou
chegado ao extremo de sequestrar exageradas, e que o clima social revel por opção; preferiu a fuga e
e matar um ex-Primeiro Ministro. lhes era profundamente adverso, a liberdade na clandestinidade a
Os juízes e promotores atuavam mas, na verdade, naquela época, submeter-se ao processo e ao
em consonância com o anseio da a Itália não estava sob regime de julgamento público, como fizeram
sociedade italiana de livrar-se dos exceção; ao contrário, era dirigida seus companheiros. Mesmo revel,
desordeiros políticos. Esse am- por um governo de centro- contou com defesa que se es-
biente inspirou, por certo, o esquerda; e, além disso, o extra- forçou, na medida de suas pos-
julgamento condenatório, princi- ditando não foi condenado por sibilidades, visando a defendê-lo
palmente por ter sido prolatado sua atuação política, e sim pela e preservar sua liberdade, e cons-
pelo júri popular. Ora, todos os prática de crimes comuns. tituiu até advogado de sua
juízes, em todos os lugares do Alega ainda que a Justiça confiança para conduzir a defesa.
mundo, a qualquer tempo, que- italiana, inspirada por esse qua- Seus comparsas, processados,
rendo ou não, consciente ou dro, era levada a condenações julgados e condenados pelos
inconscientemente, agem influen- injustas, amparadas pela delação mesmos fatos, ao mesmo tempo
ciados pelo espírito dominante na premiada. Critica, então, a preca- em que confessavam os delitos
sociedade em que vivem no riedade dos depoimentos con- estavam depondo contra ele
momento em que julgam. É o que denatórios, resultantes dessa simplesmente porque ele esteve
se dá também, nesse momento, delação. Mas, de fato, apenas um também envolvido nos aconte-
no julgamento brasileiro sobre a dos quatro co-réus valeu-se dela, cimentos; mas cumpriram as
extradição: metade dos agentes enquanto todos relataram a par- penas a que foram submetidos.
do processo deixou-se levar pelo ticipação ativa do extraditando Por isso, hoje, todos protestam
interesse de coibir a prática cri- nos fatos. Além disso, a delação contra a liberdade de que ele frui.
minal e a outra metade preo- premiada, que nasceu na Itália, O extraditando nem tentou
cupou-se em proteger o extra- sob inspiração norte-americana, justificar sua conduta nos homi-
ditando, exclusivamente por ser revelou-se instrumento eficaz no cídios, demonstrando erro das
um extremista político. Essa divisão combate à delinquência; da Itália, decisões judiciais. Sobre isso, que
corresponde à divisão da socie- sua utilização espalhou-se pelo era o mais importante, silenciou.
dade brasileira de hoje, na qual mundo, sendo hoje praticada Mas, mesmo que tivesse razão
extremistas políticos de esquerda também no Brasil. Não merece, nessa alegação, não caberia ao
convivem com extremistas de assim, os agravos do extradi- STF corrigir a decisão da Justiça
direita, sem que haja clara opção tando. italiana.
da sociedade por uma dessas Alega mais que foi julgado à O que facilita, ou deveria fa-
direções. revelia e, por isso, não pôde cilitar, a decisão brasileira é que

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MAR BR/M
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2010 -- NNºº 50
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Destaque

os delitos pelos quais ele foi pelo Brasil com a Itália. Deverá,
condenado foram julgados pela sim, aguardar a conclusão do
Justiça italiana e qualificados por
ela, em última instância, como
crimes comuns. O mesmo que fez
processo-crime a que responde
o extraditando no Rio de Janeiro A Suécia depois
a Justiça francesa quando os
apreciou. Parece, por isso, que a
e, se for o caso, o cumprimento
da pena dele resultante. Depois
disso, o descumprimento da
do modelo sueco
função constitucional do STF obrigação de extraditá-lo sujei- de Mauricio Rojas
poderia esgotar-se no reconhe- taria o País a graves conse-
cimento de que, de acordo com a quências. Em primeiro lugar,
decisão da Justiça italiana, trata- levaria a Itália a denunciar o
se de crimes comuns, que au- tratado celebrado com o Brasil,
torizam a extradição, isto é, ruptura diplomática com possível
acolher a decisão judiciária repercussão sobre outros in-
italiana e não ignorá-la, porque o teresses dos dois países; e são
STF não pode assumir o papel de inimagináveis as represálias
órgão revisor das decisões pro- internacionais contra o Brasil pelo
latadas em última instância pela eventual descumprimento de
Justiça italiana e tentar modificá- tratado livremente celebrado. Os
las, o que caracterizaria inter- demais países que mantêm
venção indevida nas instituições tratados com o Brasil poderiam
soberanas de um país amigo. Foi colocar em dúvida o cumpri- R$ 15,00
exatamente o que afirmou a Min. mento futuro das obrigações
Ellen Grace, lembrando a neces- assumidas por parte deste e
sidade de respeito às soberanias tomar a iniciativa de revogar seus
internacionais: não podemos tratados ou não renová-los no Esse livro mostra o que
revisar os atos judiciários de vencimento, quando a prazo aconteceu com o modelo de
outros Estados, disse ela. Para determinado. A Convenção de
comprovar o acerto de tal asser- Viena sobre o Direito dos Tra- welfare state implantado
tiva, basta imaginar-se a situação tados, de 27 de janeiro de 1980, naquele país. Originalmente
inversa: admitiríamos, sem drás- viria em apoio às represálias: a socialista, Rojas assistiu à
tica reação, que algum tribunal violação substancial de um
estrangeiro quisesse rever deci- tratado bilateral por uma das debacle do famoso modelo sueco
sões de nosso Poder Judiciário? partes autoriza a outra parte a da economia do bem-estar e às
Em suma, os crimes pelos invocar a violação como causa
quais foi condenado o extradi- alterações que se sucederam,
de extinção ou suspensão da
tando são de natureza comum, execução do tratado (art. 60). desmascarando a derradeira
como reconheceu a Justiça ita- E esta Convenção, que equivale utopia da esquerda no mundo.
liana, única competente para a um tratado, foi assinada pelo
julgá-los. Se houve erro ou in- Brasil (inspirada no pacta sunt
justiça nessa decisão, pode ele servanda dos romanos) e dispõe Esta e mais 80 obras
pleitear, lá na Itália, a revisão do que todo tratado em vigor obriga
julgado; não no Brasil. as partes e deve ser cumprido estão à venda no
por elas de boa-fé (art. 26). Além Instituto Liberal
A EXECUÇÃO DA MEDIDA do mais, como o Tratado passou
a integrar a ordem jurídica in-
Ao contrário do que afirmou o terna, a valer como lei, seu des-
Min. Joaquim Barbosa em seu cumprimento pelo Presidente da
voto, acompanhado por alguns República poderia ser carac-
colegas, o Presidente da República terizado como crime de preva-
não tem poder discricionário ricação: retardar ou deixar de
relativamente a executar ou não praticar, indevidamente, ato de
a extradição. Está obrigado a ofício, ... para satisfazer interesse Peça pelo site:
determiná-la, de acordo com o ou sentimento pessoal (Código www.institutoliberal.org.br
Tratado de Extradição firmado Penal, art. 319).

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Livros

Pelo fim do Banco Central


Resenha do livro End the Fed, de Ron Paul - Grand Central Publishing, 2009.

oucos defendem tanto a li- papel-moeda. Thomas Jefferson e bém. Os políticos precisavam
P berdade quanto Ron Paul, e Thomas Paine consideravam-no um apenas sonhar com inúmeros
uma de suas principais bandeiras inimigo das liberdades individuais. projetos ambiciosos, já que a
é a extinção do Fed, o Banco A própria origem do Fed inflação poderia ser usada como
Central americano. Em End the aponta nessa direção: um grupo fonte de recursos. A analogia de
Fed, os argumentos morais e de poderosos banqueiros, aliado Ron Paul é com um adolescente
econômicos contra essa máquina ao governo, decidiu criar um irresponsável com uma linha
de inflação merecem profunda Banco Central para atuar como ilimitada de crédito, e imune ao
reflexão. O Fed é um agente le- emprestador de última instância. império da lei. Isso seria o governo
galizado de falsificação de moeda, Em outras palavras, agora seria com um Banco Central a seu
mas poucos aceitam questionar a possível privatizar os lucros e dispor. Enquanto as impressoras
necessidade de sua existência. Ron socializar os prejuízos. A política de papel-moeda estiverem à
Paul vai direto ao ponto, sem medo disposição dos governos, elas
de mexer com poderosos grupos serão usadas para todo tipo de
de interesse. abuso.
O grande poder do Fed vem Mesmo alguns defensores do
de um fato simples: ele tem ca- livre-mercado acham que o
pacidade de criar nova moeda do monopólio do governo sobre a
nada. Esse é um poder de criar moeda é uma necessidade. Mas
ilusões, de postergar ajustes a taxa de juros não deixa de ser
necessários, de hipotecar o fu- um preço, e um dos mais impor-
turo. O Fed tem o poder de criar tantes da economia: ele equilibra
bolhas, que inevitavelmente irão oferta e demanda por capital.
estourar. A criação de Bancos Como acreditar que um grupo de
Centrais sempre andou de mãos burocratas será capaz de planejar
dadas com o expansionismo a economia de cima para baixo?
estatal. As guerras foram fatores Essa é justamente a função do
fundamentais no seu surgimento, Fed ao definir as taxas de juros e
pois os governos não conseguiam controlar a emissão de moeda.
mais se financiar através de im- atual do Fed não deixa margem Por que pessoas inteligentes acre-
postos e emissão de dívida. O a dúvidas: os bilionários planos ditam que a prosperidade pode
imposto inflacionário, bem mais de resgate salvam os banqueiros ser criada através da simples ex-
sutil e disfarçado, foi a solução de Wall Street à custa dos pansão monetária?
encontrada. pagadores de impostos. Em Roberto Campos ajudou a
Alguns tomam como certa a contrapartida, o governo vai criar o Banco Central do Brasil,
necessidade de um Banco Cen- exigindo o aumento de controle mas parece ter se arrependido
tral, e consideram coisa de ma- sobre o setor financeiro, de- depois. Ele escreveu: “Concebido
luco defender sua extinção. En- cidindo até sobre os bônus dos como um Anjo Gabriel, o Bacen
tretanto, vários foram os econo- executivos. Um problema criado virou um Frankenstein”. Quando
mistas que compreenderam os pelo próprio Fed – a bolha perguntavam se ele era a favor da
perigos do monopólio da emissão especulativa – acaba gerando “independência” do Bacen, ele
de moeda nas mãos do governo. como “solução” mais poder no respondia: “Será que o monstro
O Prêmio Nobel Hayek, por exem- governo. deve existir?” Eis a questão.
plo, defendia um mercado de Ron Paul mostra como a exis-
moedas privadas. Os “pais tência do Fed serviu como loco-
motiva do crescimento do por Rodrigo Constantino
fundadores” dos Estados Unidos Economista e escritor
também eram céticos quanto ao governo em outras áreas, tam-

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