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A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Maria Thereza Tosta Camillo


Pós-Graduanda em Direito Constitucional
Trabalho apresentado como exigência para a disciplina
Constituição e Relações Jurídicas Privadas.

1. INTRODUÇÃO

A necessidade de construção de uma doutrina acerca da eficácia


horizontal dos direitos fundamentais surgiu no contexto contemporâneo iniciado
no pós-guerra, tendo crescido em relevância ao fim da guerra fria. A evolução da
humanidade nas últimas décadas, com a crescente complexidade das relações
sociais, levou ao estudo dos direitos fundamentais em sua aplicação horizontal, ou
seja, entre particulares. O presente trabalho apresenta uma breve e geral
apreciação crítica do assunto.
Com essa finalidade, será empreendida pesquisa bibliográfica, com
destaque para os textos-base da disciplina de Constituição e Relações Jurídicas
Privadas, a fim de oferecer um breve panorama sobre o tema.
O estudo encontra relevância diante da crescente constitucionalização
das relações privadas, tendência na pós-modernidade. Torna-se essencial, para o
intérprete, a busca de compatibilização da aplicação dos direitos fundamentais nas
relações entre particulares com a autonomia privada que está na base destas
relações.

2. A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O tema da eficácia dos direitos fundamentais nas relações de direito


privado, embora controverso, toma importância diante da crescente complexidade
das relações sociais e do fenômeno conhecido como “constitucionalização do
direito”, que é o reconhecimento da Constituição como eixo axiológico de um
ordenamento, e como norma de caráter jurídico, dotada de coercibilidade e de
imperatividade.
O conceito de eficácia horizontal traz em si embutido a ideia de
oponibilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas, ou seja, não
somente nas relações Estado-Cidadão, mas também entre particulares. Isto
significa falar em eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações
privadas como verdadeiros direitos subjetivos oponíveis entre particulares,
invocados diretamente da Constituição.
O debate, inaugurado com o emblemático caso Lüth (no qual o
Tribunal Constitucional Alemão decidiu pela aplicação do direito fundamental de
liberdade de expressão, ainda que se tratasse de uma relação entre particulares),
ainda está longe de alcançar um consenso, principalmente no que se refere à
forma de incidência dos direitos humanos nas relações de direito privado 1.
Quanto à aplicação das normas constitucionais no âmbito das relações
privadas, há diversas correntes doutrinárias. Será abordada neste estudo a teoria
do state action2, a teoria dualista ou teoria da eficácia indireta e mediata dos
direitos fundamentais; e a teoria monista ou teoria da eficácia direta e imediata
dos direitos fundamentais.
A teoria do state action, que prevalece no direito norte-americano,
nega a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, pois considera
que o único sujeito passivo de tais direitos seria o Estado3. Tal teoria contraria o
princípio da supremacia da constituição, pois, no caso de desigualdade fática entre
particulares, o princípio da dignidade humana estaria ameaçado.
A teoria da eficácia mediata implica no reconhecimento de uma
liberdade que impede que as normas essenciais tenham reflexos diretos nas
relações privadas, o que resultaria em um domínio do ramo constitucional sobre o
civil. Com isso, quer-se dizer que, nas relações particulares, esses direitos devem

1
APOSTILA DE CONSTITUIÇÃO E RELAÇÕES JURÍDICAS PRIVADAS. Artigo Científico.
Disponível, pela diretoria de educação a distância da Universidade Estádio de Sá, da disciplina Teoria
Constitucional Contemporânea, do Curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional, acesso em
20.02.2010. Aula 4.
2
ROCHA, Viviane Pereira. Eficácia Horizontal dos direitos fundamentais. Revista dos Estudantes da
Faculdade de Direito da UFC, a 1, v 2, mai/jul 2007.
3
ROCHA, op. Cit.
ser relativizados em favor da autonomia privada, podendo os indivíduos decidir
livremente entre si4.
Isso não significaria dizer, no entanto, que a liberdade dos cidadãos e
a autonomia do direito privado seriam absolutas. Segundo os que advogam a tese
da eficácia mediata (teoria dualista), para que houvesse uma aplicação das normas
fundamentais nas relações privadas após um processo de transmutação5. Tal
processo pressupõe a existência da Constituição como um sistema de valores,
centrada especialmente no princípio da dignidade da pessoa humana, valores esses
que se irradiam no âmbito das relações particulares por intermédio de suas
cláusulas gerais e conceitos indeterminados, comumente denominados de portas
de entrada.6
Caberia, assim, antes de tudo ao legislador privado a tarefa de
estabelecer uma “ponte” que tornasse os valores constitucionais compatíveis com
relações privadas. Ao judiciário, portanto, restaria a função de integrar as
cláusulas indeterminadas criadas pelo legislador e, apenas em casos excepcionais,
quando houvesse lacunas no ordenamento privado e inexistisse cláusula geral ou
de conceito indeterminado, é que seria permitida ao juiz a aplicação direta das
normas essenciais nas lides entre particulares7. Como exemplo de cláusulas gerais
a serem interpretadas, pode-se citar ”função social”, “boa-fé”, “bons costumes”.
A corrente monista, que defende a aplicação direta e imediata dos
direitos fundamentais na seara privada, argumenta que os particulares estão
vinculados diretamente aos direitos fundamentais em virtude dos mesmos
constituírem normas válidas para todo o ordenamento, gozando de força
normativa, não se podendo aceitar que o direito privado esteja à margem da ordem
constitucional8.

4
GONÇALVES FILHO, Edilson Santana. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Disponível
em http://www.lfg.com.br. Publicado em 09 de outubro de 2008. Acesso em 23.01.2010.
5
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria Geral dos Direitos
Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10ed. Porto Alegre: Do Advogado, 2009, p. 379.
6
GONÇALVES FILHO, op. Cit.
7
Idem.
8
SARLET, , op. Cit., p.379.
De acordo com a mesma corrente, os efeitos dos direitos fundamentais
são imediatos e diretos, incidindo na situação em concreto sem necessidade de
cláusulas gerais ou portas de entrada. No entanto, mesmo os defensores da
aplicação direta reconhecem que verificação dessa aplicabilidade deve ser feita in
concreto, estando adstrita às peculiaridades de cada norma de cunho fundamental.
Ademais, admitem a existência de especificidades nesta incidência, assim como a
necessidade de ponderar o princípio aplicado com a autonomia privada dos
envolvidos9.
A proposta de STEINMETZ, comentada por SILVA, é a de
ponderação de princípios, recorrendo ao princípio da proporcionalidade. Sua
premissa é de que tanto os direitos fundamentais quanto a autonomia privada são
mandamentos de otimização, ou seja, têm estrutura de princípios nos termos
definidos por ALEXY, e que, portanto, deveria seguir a mesma linha mestra que
dirige a compatibilização de direitos fundamentais em caso de colisões entre
eles10.
Ao buscar aplicar os direitos fundamentais na esfera privada, é
importante observar que nesta ocorrem situações de desigualdade fática, não
podendo ser toleradas ações que atentem contra o conteúdo em dignidade da
pessoa humana dos direitos fundamentais11.
Na ausência de desigualdade, ou seja, tratando-se de particulares em
condições de relativa igualdade, em princípio prevalece a liberdade de contratar e
a autonomia privada, aceitando-se a eficácia direta somente em caso de violação
da dignidade da pessoa humana, ainda que seja para proteger a pessoa de si
mesma12.
Há de se ressaltar, ainda, que a aplicação direta dos direitos
fundamentais nas relações privadas não exclui os efeitos mediatos desses mesmos
direitos, através da ação do legislador.

9
GONÇALVES FILHO, op. Cit.
10
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais e Relações entre Particulares. Revista de Direito
GV, v1, n1, p. 173-180, Mai 2005.
11
SARLET, op. Cit., p.379.
12
SARLET, op. Cit., p.381-382.
O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a eficácia direta dos
direitos fundamentais às relações privadas, independentemente de qualquer
atividade legislativa, conclui LIMA13, após comparar as pesquisas
jurisprudenciais e comentários de SARMENTO, MENDES e GORZONI. O autor
observa, no entanto, que a Suprema Corte aplica a vinculação direta sem
aprofundar-se na fundamentação doutrinária.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo revela que os direitos fundamentais são vistos como


garantia de justiça, tendo atingido um nível de reconhecimento social em que é
praticamente unanime a aceitação de sua aplicação ao direito privado.
Debate-se, ainda, na doutrina, a forma de aplicação desses direitos,
havendo uma preferência dos doutrinadores – e da Suprema Corte – pela
aplicação direta, vista como proteção da dignidade da pessoa humana, em especial
em situações de grande desigualdade fática.
Ademais, pelo fenômeno de constitucionalização do direito
infraconstitucional privado, podem-se verificar os direitos fundamentais
irradiando seus efeitos no âmbito das relações entre particulares.
Em verdade, tanto a vinculação direta quanto a indireta ocorrem na
prática, não sendo mutuamente excludentes. No entanto, faltam critérios
hermenêuticos claros e precisos para que o intérprete analise as controvérsias e
possa aplicar com segurança os direitos fundamentais. O próprio Supremo
Tribunal Federal, por exemplo, aplica a vinculação direta de forma implícita, sem
uma sólida fundamentação.
Dessa forma, é possível concluir que não se pode prescindir de
maiores debates sobre o assunto, devendo os doutrinadores pátrios buscarem
parâmetros seguros de aplicação dos direitos fundamentais, de forma que estes
atendam à expectativa da sociedade quanto à garantia de justiça, sem abolir de

13
LIMA, Henrique. Efeitos horizontais dos direitos fundamentais . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n.
1812, 17 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11392>. Acesso em: 23
jan. 2010.
todo a liberdade de contratação e a autonomia privada, sem as quais a sociedade
civil se veria engessada em seu progresso.

4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves; Direitos Humanos Fundamentais. 6ed.


São Paulo: Saraiva, 2004.

GONÇALVES FILHO, Edilson Santana. A eficácia horizontal dos direitos


fundamentais. Disponível em http://www.lfg.com.br. Publicado em 09 de outubro
de 2008. Acesso em 23.01.2010.

LIMA, Henrique. Efeitos horizontais dos direitos fundamentais . Jus Navigandi,


Teresina, ano 12, n. 1812, 17 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=11392>. Acesso em: 23 jan. 2010.

ROCHA, Viviane Pereira. Eficácia Horizontal dos direitos fundamentais. Revista


dos Estudantes da Faculdade de Direito da UFC, a 1, v 2, mai/jul 2007.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria


Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10ed. Porto
Alegre: Do Advogado, 2009.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais e Relações entre


Particulares. Revista de Direito GV, v1, n1, p. 173-180, Mai 2005.

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APOSTILA DE CONSTITUIÇÃO E RELAÇÕES JURÍDICAS PRIVADAS.


Artigo Científico. Disponível, pela diretoria de educação a distância da
Universidade Estádio de Sá, da disciplina Teoria Constitucional Contemporânea,
do Curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional, acesso em 20.02.2010

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