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Edipo e Linguagem – O falo e a fala

Pedro Heliodoro de Moraes Branco Tavares, Dr.


Psicanalista – Psicólogo [CRP 12/04085]
Doutor em Psicanálise e Psicopatologia – Université Paris VII – Denis Diderot
Doutor em Teoria Literária – Universidade Federal de Santa Catarina

Tel. (48) 9991 14 30

pedrohmbt@hotmail.com

Publicado originalmente em Psicologia: Vivência e Produção, Lages, v. 02, p. 01-05,


2004.

Resumo: O presente artigo pretende discutir e introduzir os conceitos de Édipus e


Falo na teoria psicanalítica. Sendo estes alguns dos mais populares dos termos
freudianos, assistimos freqüentemente como seus sentidos são distorcidos tanto
pela apreensão do senso comum quanto por aqueles que acreditam compreende-
los. O maior e mais comum dos erros tentar entender esses conceitos carcterisando-
os biologicamente. O que tentamos mostrar, contudo, é que o melhor modo de
interpretação está em seus aspectos culturais e estruturais sendo assim a
referência lingüística uma boa alternativa para nossas proposições.

Abstract: The present article intends to discuss and introduce the concepts of
Oedipus and Phallus in the psychoanalytical theory. As they have been some of the
most popular of the Freudian terms, we often see how twisted and misunderstood
they are as well by the common sense as by people who believe to know about it.
The greatest and most common error is to try to understand those concepts as
biologically characterized. What we try to show, however, is that the best way of
interpretation is by its cultural and structural aspects been so the linguistic reference
a good alternative for our propositions.
Um pedaço de carne, uma libra de carne, o filhote do homem, tais são
designações comumente ouvidas no meio lacaniano quando se fala da criança na
primeira infância, o infans. Evidentemente não são denominações generosas,
parecem mais designar algo digno de indiferença, uma tabula rasa. Certamente não
se trata disso, mas sim de dizer que esta criança não ascendeu à linguagem, à
condição de ser falante. Não tratar-se-ia ainda de um parlêtre, ou fala-ser, para usar
o neologismo de Lacan.

A linguagem, porém, não é algo a ser meramente aprendido ou absorvido


como um be-a-bá. A sua apropriação, para a psicanálise, menos tem a ver com
processo cognitivo do que uma operação psíquica. “É através da linguagem que a
criança ingressa na cultura, na ordem das trocas simbólicas, rompendo o tipo de
relação dual que mantinha com a mãe” (GARCIA-ROZA, 1992). Relação na qual se
esboçara algo chamado de lalangue, uma língua da lalação que só marca um
dualismo simbiótico mãe-criança. Mas para que a criança possa se tornar um sujeito
é necessário que ela perceba a dimensão do terceiro, da barra que separa a criança
da mãe mostrando haver um código, uma lei que lhes transcende. “Esse momento
corresponde à entrada do pai em cena e conseqüentemente à formação da família:
é o momento do Édipo” (Idem).

O Édipo, segundo Lacan, não é complexo e sim mito, sendo complexo o de


castração, uma fez que é em torno do significante “falo” que este se desenrola. O
mito grego, celebrizado pela tragédia de Sóflocles, entra para a Psicanálise já em
certas observações de Freud na Interpretação dos Sonhos, e é a partir daí teorizado.
Este conceito que é por Freud apresentado como uma espécie de romance familiar
do neurótico é realmente reformulado por Lacan, que o apresentará baseado numa
dinâmica cultural-estrutural onde o que resta de fixo são somente as funções-lugares
e seus tempos “numa dialética cujas principais alternativas são ser ou não ser o falo,
ter ou não tê-lo - e cujos três tempos se centram no lugar ocupado pelo falo no
desejo dos três protagonistas” (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001).

Ao sair do estádio do espelho, primeiro tempo, a criança ainda se encontra


numa relação de indistinção quase fusional com a mãe. “Esta relação fusional é
suscitada pela posição particular que a criança mantém junto à mãe, buscando
identificar-se com o que supõe ser o objeto de seu desejo”. (DOR, 1992) A criança é
ai desejada e ela é também falada.
Poderíamos nos valer deste trocadilho: ela é falada, pois a mãe fala por ela, a
mãe inocula significantes na criança, significando seus movimentos, seus balbucios.
Ela é também falada, feita falo, pois se articula como aquilo que imaginariamente
completaria sua mãe. A satisfação das necessidades da criança pela mãe, a coloca
em situação de se fazer objeto do que é suposto faltar à mãe. Este objeto suscetível
de preencher a falta do outro, é exatamente, o falo.

Nesse primeiro momento do Édipo, a criança é, pois, o falo, isto é, o desejo


do desejo da mãe; ela se identifica com a mãe identificando-se com o objeto do seu
desejo. É nesse sentido que a criança não pode ser vista como um sujeito, mas
como a falta, ou, melhor ainda, como o complemento da falta da mãe (GARCIA-
ROZA, 1992).

A criança está diretamente alienada pela problemática fálica sob a forma da


dialética do ser: ser ou não ser o falo. Só existe relação fusional com a mãe na
medida em que nenhum elemento terceiro parece mediar a identificação fálica da
criança com a mãe. A relação está ainda centrada no registro do Imaginário,
portanto, longe de qualquer domínio da linguagem, que se inaugurará pelo, ou a
partir do registro do Simbólico.

O surgimento da oscilação dialética entre ser ou não ser o falo anuncia o


segundo momento do Édipo, que é marcado, ai sim, pelo advento do Simbólico. É o
momento no qual a criança é inserida no registro da castração pela “intrusão”
paterna na relação mãe-criança. É o surgimento deste terceiro na relação que vai
fazer possível o terceiro registro da experiência. Terceiro em relação ao Real e ao já
mencionado Imaginário.

A intrusão paterna na relação mãe-criança-falo se manifesta em registros


aparentemente distintos: a interdição, a frustração e a privação. A coisa complica-se
ainda mais quando se revela que a ação conjugada do pai, simultaneamente
interditor, frustrador, privador, tende a catalisar sua função fundamental de pai
castrador (DOR, 1992).

É isso o que leva Lacan a introduzir o conceito de metáfora materna, algo que
se funda pelo significante fundamental: O Nome-do-Pai “A função do pai no
complexo de Édipo é ser um significante que substitui o primeiro significante
introduzido na simbolização, o significante materno” (LACAN, 1998). E é esse
significante que substitui o Desejo da Mãe, articulado doravante com um terceiro.

Do ponto de vista da criança, o pai intervém apresentando-se a ela como


tendo direito à mãe. A criança é, pois, intimada a questionar sua identificação fálica
e, ao mesmo tempo, renunciar a ser o objeto do desejo da mãe. Do ponto de vista
da mãe, o pai a priva do falo que ela supostamente tem sob a forma de criança
identificada com o objeto de seu desejo. (DOR, 1992)

Essa dupla privação vai permitir à criança ter acesso à Lei do Pai. No entanto,
esse pai não é ainda inteiramente revelado, seu aparecimento se faz através do
discurso da mãe, que o reconhece como homem e como representante da Lei. É,
mediado pelo discurso da mãe, que o pai exerce sua proibição, função essa, que
Lacan denominou Nome-do-Pai ou metáfora paterna. Necessário dizer, é a mãe e só
ela quem teria a prerrogativa de atribuir ao pai uma posição tal. É a partir daí a
criança começa a se deparar com a falta: algo falta à mãe que ela busca no pai.
Essa falta começa a esboçar o desejo, que na linguagem passa pelas operações de
troca, de substituições.

O pai não é visto como representante da lei, mas como a própria lei, como
aquele que interdita e desloca o desejo da mãe. O segundo momento do Édipo
demarca a passagem do Imaginário ao Simbólico.

Ao ser mediado pelo discurso da mãe e, portanto, reconhecido e aceito


por ela como homem e como representante da lei, o pai passa ser
aquele que limita o poder da mãe, produzindo a disjunção mãe-fálica /
criança-falo. É somente através dessa castração simbólica que a
criança pode constituir-se como um Eu. (GARCIA-ROZA, 1992)

A lei paterna assim como a falta materna, vão remeter a dois pontos
fundamentais da linguagem, a ordem ou a sintaxe, e as trocas manifestas na
metáfora e na metonímia, operações que Lacan identifica como respectivamente
correlatas às operações de condensação e deslocamento, elementos fundamentais
da teoria freudiana do inconsciente.

A partir de um terceiro momento há o declínio do Édipo, a criança ingressará


na ordem simbólica e aceitará a lei, compreendendo que nem seu pai nem ela
mesma são ou detém o falo. A criança deixa a problemática do ser para aceitar
negociar a problemática do ter. O pai não é mais aquele que priva a mãe do objeto
de seu desejo, ao contrário, ele é detentor meramente suposto do falo. A criança,
bem como a mãe, encontra-se inscrita na dialética do ter: a mãe que não tem o falo
pode desejá-lo naquele que supostamente o detém, e a criança, igualmente
desprovida, poderá também cobiçá-lo lá onde ele se encontra.

A dialética do ter convoca, assim, o jogo das identificações. Segundo o sexo,


a criança se inscreverá diferentemente na lógica identificatória mobilizada pelo jogo
fálico. O menino, que renuncia a ser o falo materno, identifica-se com o pai que
supostamente o teria. A menina depara-se com a dialética do ter sob a forma do não
ter, encontrando, assim, uma identificação possível com a mãe.

A reposição do falo em seu devido lugar é estruturante para a criança,


seja qual for seu sexo, a partir do momento em que o pai, que
supostamente o tem, tem preferência junto à mãe. Tal preferência, que
atesta a passagem do registro do ser ao ter, é a prova mais manifesta
da instalação do processo da metáfora paterna e do mecanismo
intrapsíquico que lhe é correlativo: o recalque originário. (DOR, 1992)

Em termos do inconsciente a metáfora paterna possibilitará o ingresso no


mundo da linguagem através dos mecanismos de metáfora no sentido da
condensação e a metonímia no sentido do deslocamento. É através da linguagem
que a criança vai procurar substitutos ou porções deste falo na cultura junto aos
outros sujeitos, fora do triângulo edípico.

O falo, esse significante que tão erroneamente se identifica em apreensões


apressadas da teoria psicanalítica com o “pênis”, sua primeira matriz imaginária,
tem, como pudemos identificar, na teoria, a função de marcar o jogo de presença e
ausência tão próprio do Simbólico, uma vez que no Real - registro que não tivemos
aqui a oportunidade de trabalhar – nada faltaria. E isso nos ajuda a entender o
absurdo de achar que a Psicanálise atribuiria uma falta na mulher e uma completude
ou excesso no homem. Em nenhum deles, pela apreensão do registro do Real, algo
faltaria. Mas, como a própria psicanálise nos ensinou a ouvir a criança como pai do
homem, nas fantasias do estádio fálico não é assim que o sujeito apreende a
realidade.
Tampouco caberia pensar que os lugares edípicos se ligariam
inequivocamente às figuras parentais do ponto de vista biológicos ou adotivos. Em
psicanálise fala-se antes de funções paternas ou maternas, podendo essas serem
tanto invertidas entre os genitores como também exercidas pelas mais insuspeitas
pessoas ou instituições na experiência de um sujeito. Esse foi, afinal de contas, o
grande aprendizado que Lacan teve ao aproximar a psicanálise da antropologia
estruturalista de Lévi-Strauss e da lingüística de Saussure e Jakobson.

Cabe ressaltar que esse significante fundador, o falo, na medida em que


remete a um jogo de báscula, de presença e ausência, impele o sujeito a falar para
dar conta de expressar essa falta e procurar revesti-la de sentido. A interdição
marcada pela metáfora paterna é o que incita a humanidade a procurar um meio de
regulamentação extra-edípico, não incestuoso. E isso só é possível por um jogo de
substituições regulamentados por um código: a linguagem.

É através da apreensão singular que o sujeito faz dessa linguagem – a fala –


que ele busca seu lugar na cultura, no universo das trocas simbólicas. Não à toa é
esse também o instrumento de trabalho da psicanálise que é buscada quando algo
nisso começa a claudicar.

BIBLIOGRAFIA

DOR, Joël. Introdução à leitura de Lacan. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas,

1992.

LACAN, Jacques. As formações do inconsciente, livro 5, Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 1998.

LAPLANCHE & PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins


Fontes, 1997.

QUINET, Antônio. As 4+1 condições da análise. 6ª ed. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar, 1997.

GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. 16a ed. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Editor, 1992

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