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Número 2 • Dezembro de 2009 • Mensal

Editorial
“Apontamentos de mais um mês na
A grande Barreira
República...
Acreditar que a Justiça é um pilar do
Estado de Direito Democrático é uma
perversa ingenuidade. Ora, a Justiça,
como ideal desse Estado, é um dos des-
C omo dizia
ontem a
jornalista Hele-
duzem inovação, que exportam os
nossos produtos, regular, com
instrumentos eficazes, as activi-
André Moz Caldas tinos para os quais ele desejavelmente na Garrido no dades bancárias e fazer da justiça
se encaminha. Um destino, pela sua Jornal de Negó- um bem acessível e igual para
natureza, é algo que ainda não se cios: “Hoje há todos. Se formos capazes de pre-
atingiu, não podendo portanto ser pilar de coisa nenhuma. Miguel Teixeira
mais de um mi- encher este ideário com a nossa
Assim, um sentimento de justiça é que funda a democracia. lhão de pessoas, atitude e participação, estaremos
Os titulares do poder democrático - os cidadãos, o povo - têm num país de dez cada um de nós a apoiar a acção
de sentir que existe justiça e segurança, para acreditarem no milhões, que convive directa ou governativa, que a sociedade
sistema e nele participarem. Assim, uma certa ideia de Justiça indirectamente, com o drama de reclama hoje ao Partido Socialista
funda, isso sim, o Estado de Direito Democrático. não ter um rendimento do (PS) a quem endossou responsa-
Contribuindo para alimentar esse sentimento colectivo, tem trabalho e depender do subsídio bilidades acrescidas ao prolongar
de estar o comportamento dos titulares de cargos políticos, do Estado ou da ajuda da família o seu mandato no governo do
bem como dos responsáveis pela Administração Pública. ou de instituições de solidarie- nosso destino comum.
Bem assim, a Administração da Justiça tem um fundamental dade”. Esta é a realidade em que Os últimos dias trouxeram para a
papel de garante. Não podemos sentir-nos judicializados, bem estamos envoltos e cabe-nos a praça pública o casamento entre
como reféns do arbítrio de uma justiça titubeante e indecisa, todos encontrar meios e formas de pessoas do mesmo sexo, assunto
onde não se conhecem as competências e as responsa- ultrapassarmos um drama a que que em breve estará em debate na
bilidades de cada agente. Da mesma maneia, tem de se ninguém deveria estar votado. A Assembleia da República. Até lá
consolidar a igualdade no acesso à justiça. Não só não é grande barreira ao desenvolvi- vamos assistindo ao (eterno e
admissível que só os mais abastados possam sentir-se capazes mento e consolidação do edifício indissociável) conservadorismo
de intervir em processo judicial, como repugna a conclusão democrático de uma sociedade, da direita que reclama um referen-
de que os tribunais estão entupidos com litigância de massas, radica na pobreza, porque ela gera do para esta matéria, procurando
com origem em grandes empresas. situações de atropelo, violência, omitir o referendo maior que se
À esquerda moderna - que compatibiliza sem fantasmas a exploração ou, num resumo gra- realizou a 27 de Setembro. Na
segurança com a ideia de liberdade - cabe trabalhar neste maticalmente menos violento, a base do argumentário da direita
sentido. Em rigor, a atitude governativa do PS neste sector pobreza conduz à supressão dos está a suposta destruição das
tem sido, nada mais nada menos, do que exemplar. Apesar direitos individuais de cada um. famílias, pilar da nossa civiliza-
das ilusões geradas na opinião publicada (e também por ela)
A direita olha para este drama e ção. O que a meu ver se coloca é
de que teria havido um aumento absurdo nas custas judiciais,
reclama caridade, nada mais tonto fundamentalmente uma questão
houve de facto uma política de desjuridicionalização dos
e despropositado, mas que, conve- de igualdade de direitos, de
conflitos, bem como de introdução de metodologias simpli-
nhamos, é a eterna indissociável dignificação da pessoa humana,
ficadas de processo, ainda em regime experimental, com
marca da direita. Cabe-nos a nós, de terminar de vez com a descri-
redução de custas para quem por elas opte. No Processo
homens e mulheres de esquerda, minação, em prol de uma so-
Penal, houve decerto falhas. Tanto assim, que prontamente o
fazer vingar o princípio da soli- ciedade também aqui mais justa e
Governo iniciou a sua análise, com o apoio de especialistas
dariedade e fraternidade, mas mais tolerante.
de reconhecido mérito, com vista a melhorar o ordenamento
ainda o da igualdade. Neste caso é Ontem fomos muitos os que vi-
jurídico, no que a este sector diz respeito.
o mesmo que dizer, apostar no en- sitaram os feitos de Portugal. Com
É esta esquerda que tem espaço político em Portugal. Enten-
sino formal e não formal, de base mais tropeção aqui e ali, a nossa
dendo com clareza os problemas do país e com criatividade
tecnológica, mas capaz de também selecção de futebol carimbou uma
suficiente para não se deixar absorver pela problemática, mas
apostar nos saberes e tradições da vez mais o passaporte para o
construindo soluções, o Governo tem conseguido levar a água
nossa história e cultura, lutar por Mundial que se vai realizar em
ao seu moinho e o país a um momento de superior civilidade.
um modelo de escola pública, es- 2010 na África do Sul, país que
Contudo, parece que o sistema de Justiça tem procurado
resistir a estas mudanças, colocando areia na engrenagem, truturar e consolidar o serviço acolhe uma vasta e consolidada
multiplicando a sua ineficácia e apodrecendo as estruturas da nacional de saúde, definir um pla- comunidade portuguesa. A nossa
administração judiciária, manchando-as com fugas de infor- no nacional de habitação, apoiar a tendência natural para olharmos
mação, metodologias de investigação menos claras e outros criação de auto-emprego com base tudo como um abismo, foi ontem
epi-fenómenos reveladores de degradação institucional. no microcrédito, alargar a rede uma vez mais contrariada. Assim
Caberia também ao Presidente da República zelar por isto. pública de berçários, creches e saibamos em outras áreas unir as
Não consegue, pelos vistos. Quando julgava, paranoicamente, jardins-de-infância, formar e in- nossas capacidades e vontades
estar a ser escutado, ai Jesus! Afinal não era a ele que o vestir em dirigentes, em pequenas para dessa forma carimbarmos
escutavam. e médias empresas, abrir linhas de também o passaporte do progres-
crédito aos empresários que pro- so e da coesão social.
E agora, Aníbal, então!?”
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Ainda à espera A corrupção não é um problema da Justiça


do Campo Grande
O prolongado Verão com que o ou de Junta para alcatroar caminho ou au-
Aquecimento Global nos brin- torizar licença de construção; participação
dou, deixou patente, de forma de filho, sobrinho ou afilhado em teleno-
particularmente dolorosa, como velas juvenis em resultado de pedido a
a hesitação vai alienando espa- colega, a amigo ou a familiar; ter dado
Álvaro Esteves ços essenciais à qualidade de
Jurista, mestrando do Insti-
emprego aos próprios filhos; fuga aos im-
tuto de Ciências Sociais da vida, furtando-os ao quotidiano postos com apresentação de despesas não
Universidade de Lisboa dos que vivem na freguesia. João Ribeiro elegíveis fiscalmente: apresentação de
“Que se quer do Jardim do Jurista
facturas de jantares de familiares e amigos
Campo Grande?” é uma pergunta tão pertinente hoje para pagamento do empregador (público ou
como há oito anos, quando entrei para a Universidade

N
o passado dia 13 terminou em privado) e queixar-se do défice público: ter
de Lisboa. Poderia ser tantas outras coisas, à semelhan- Doha a III Conferência dos Esta- oferecido cabazes de natal ou garrafas de
ça do que vemos noutras cidades: uma espécie de praia dos Parte da Convenção das Na- vinho e afins a funcionários e agentes da
verde onde o lanche é intercalado com livros, como ções Unidas contra a Corrupção. Só dois administração pública com quem lida como
recentemente se fez no jardim da Biblioteca de Nova jornais nacionais portugueses o noticiaram: utente ou profissionalmente; ter recebido
Iorque ou uma zona de quiosques aonde desceriam os o i numa meia-notícia e o JN num aponta- prendas de empresas ou de marcas, traba-
estudantes da cidade universitária para beber uma mento de agenda tipo “Amanhã acontece”. lhando em áreas onde a respectiva opinião
limonada e, quem sabe..., estudar. Não é inacreditável? Será hipersensibili- ou o desempenho de funções tende a in-
Tal como vivemos de costas voltadas para o rio, cada dade minha? Na semana em que todos fluenciar a notoriedade e importância dessa
margem do Jardim se desinteressa daquele conjunto tiveram opinião sobre corrupção não houve empresa ou dessa marca; utilização de ates-
verde amorfo. Mero separador de faixas, ele é, ainda, sequer uma qualquer espécie de jornalista tado médico passado por razões alternativas
um ponto de passagem para dentro e para fora de que fizesse uma peça de fundo sobre a cor- à condição médica; etc...
Lisboa, raramente um destino senão para aqueles que, rupção e os instrumentos que estão a ser Muitos entenderão que estas questões são
apesar da poluição, teimosamente insistem em ali internacionalmente discutidos para a elimi- fundamentalmente da esfera privada, entre
correr, andar de bicicleta ou jogar às cartas. Mas nar? Não dava jeito ao argumento “só em entidades privadas, e que nenhuma envolve
dificilmente poderia ser doutra forma: a indefinição Portugal” (argumento que confesso ter usa- suborno, pagamento de dinheiro. Pois, mas
das políticas públicas desabituou-nos a usufruir do no passado e que agora renego em abso- essa é a raiz da corrupção. A essência da
daquilo que é nosso e já nem a pertença se reclama. luto)? corrupção não é o favorecimento na repar-
Noutros quadrantes, a claustrofobia urbana exige Este exemplo é a expressão máxima do tição de dinheiros públicos ou no facilitar
jardins nos terraços dos prédios, único espaço dispo- nosso fechamento. Num país de Diáspora de acesso a poder público. A essência da
nível. Mas no Campo Grande, para além do Jardim os que acabam por ficar tendem a fechar a corrupção é a falta de cultura de igualdade,
que dá o nome à freguesia, resta o privilégio de se ter realidade no seu espaço útil de conheci- a falta de respeito pelo próximo, a falta de
um jardim à entrada de casa e um quintal nas traseiras. mento e de domínio pessoal - agarradinhos consciência colectiva, o exercício despudo-
Assim se vive no Bairro das Caixas. Essa vida que se ao emprego, ao vínculo, à avença ou ao rado de posição social e a protecção sem
faz na rua – a do banco de jardim, da mesa posta lá círculo de confiança. O que mais me sur- critério dos que favorecem a construção de
fora para um jantar com amigos e onde cabe o vizinho preendeu foi a relativa facilidade com que redes de poder (redes em sentido circense,
que entretanto chega ou a da pequena horta que se praticamente todos os comentadores, os das que nos evitam as quedas do trampo-
planta – faz parte do moderno e não é um resquício do casados, os nomeados, os avençados, os lim). Há corrupção intensa porque o verda-
passado, a ser suplantado a prazo por “modernices”, amantizados e os vinculados reconheceram deiro poder e a riqueza continuam captu-
quais bibelots em ponto grande que ninguém sabe o a corrupção como um mal endémico do rados por uma minoria hereditária. O que
que significam. Esse passado, que se quer presente, país. Coloca-se um problema matemático: potencia a corrupção é o fechamento desse
encerra a promessa da tão discutida qualidade de vida se todos o reconhecem como sendo um mal poder, dessa riqueza e de informação por
que filósofos, arquitectos e académicos proclamam. É, generalizado quanto vale o “generalizado e meia dúzia de famílias (em sentido lato) e
por isso, urgente a requalificação à escala humana endémico” e quanto valem os que o “reco- de grupos privilegiados que persistem
daqueles espaços escondidos, uma planificação que nhecem”. Convém, por essa razão, estabe- numa reprodução social não-redistributiva.
respeite as necessidades dos seus habitantes e potencie lecer regras, exigindo-se aos senhores A corrupção existe porque a sociedade
o convívio entre todos, dos mais antigos aos mais comentadores, casados, nomeados, aven- ainda não é suficientemente aberta e porque
novos, pondo fim ao desalinho e degradação que em çados, amantizados e vinculados que se não gera igualdade.
nada dignifica o bairro. abstenham de falar de corrupção caso te- Não se atrevam a acantonar a corrupção nos
A qualidade de vida existe na proximidade dos laços, nham participado em episódios semelhan- Partidos ou em determinados perfis de fura-
nas mercearias do bairro, no quiosque onde todos os tes aos seguintes exemplos hipotéticos: vidas. Os que dominam sempre cultivaram
dias se compra o jornal. E nos pequenos espaços que primeiro emprego para filho ou filha em esses fura-vidas (estes são meros instrumen-
urge requalificar a favor da comunidade. Não bastam, empregador público ou privado e cuja tos do poder e mais não são que vigaristas
certamente, uns canteiros. A qualidade de vida não se decisão dependeu de amigo, de ex-colega tampão do trabalho sujo). Não nos façam rir
mede em altura nem se constrói à sombra de edifícios de escola, ou ex-colega de universidade; defendendo que os poderosos deste país são
megalómanos, embora pareça cada vez mais mega- acesso a informação privilegiada tendente os políticos, os Godinhos, os Penedos ou os
lómano o projecto de devolver as cidades aos seus a criar condições de vantagem na bolsa, Varas. Não insultem a nossa inteligência.
habitantes, cravadas de condomínios privados naquilo num concurso público ou na identificação O combate à corrupção faz-se nas escolas,
que se quer comum. Assim nos tornamos estrangeiros, de especiais necessidades de consultoria em no exercício de todas as profissões liberais
marginais aos problemas, para que pesem menos no entidades públicas e privadas: pedidos a jor- e nas decisões dos Conselhos de Adminis-
coração de todos nós. O provérbio “Longe da vista, nalistas amigos para referenciar outros tração. Faz-se na educação dos nossos
longe do coração” sempre significou o esbater de amigos, restaurantes de amigos ou um puto filhos. Melhor sociedade gera necessaria-
solidariedade e nunca a resolução de problemas. giro que conheceram: facilitar de patrocí- mente melhores políticos e melhor Estado.
O Campo Grande aguarda a modernidade, enquanto nios para eventos de amigos ou familiares O caminho para eliminar a corrupção é o
Lisboa espera pelo Campo Grande. É isto que sinto (de empresas privadas para eventos priva- exercício diário da igualdade e a exigência
quando penso na freguesia onde habito e naquilo que dos; de entidades públicas para eventos por um Estado que combata dinamicamente
pode oferecer a Lisboa. privados); pedido a Presidente de Câmara as desigualdades.
3

A ilegitimidade de um governo de Assembleia


do PSD, porque não tem essa prática nem registada em Portugal, à instabilidade polí-
essa experiência, governar em minoria. O tica de um “Governo de Assembleia” de
principal partido da oposição está neste natureza hostil. As decisões da coligação
momento, decapitado e sem rumo político, negativa que nos quer governar estão a
a viver uma experiência em que não com- resultar num aumento do serviço da dívida
preende a legitimidade do governo. E por que agravará o défice orçamental. Gerando
Carlos Santos
isso a põe em causa a cada passo, juntando- novo erro de apreciação sobre a atitude de a
-se aos mais improváveis aliados. oposição ter contribuído para reduzir o dé-
A mentira que foi propagandeada a partir de fice: além de ter cortado receitas, empolou
27 de Novembro, quanto à oposição ter despesas com os juros da dívida. Num mo-
impedindo o governo de aumentar impostos mento em que a ortodoxia do BCE se prepa-

O
cenário de instabilidade política foi
profundamente agravado no passa- é uma fraude. A oposição, objectivamente, ra para voltar, em mais um erro clamoroso.
do dia 27 de Novembro. Tal como
António Guterres, em 1995 e em 1999, José
Sócrates tem um governo com apoio
minoritário na Assembleia da República. A
diferença é que se em 1995 se dizia que um
voto conjunto das oposições contra a ban-
cada do partido do governo era improvável,
a passada Sexta demonstrou, por razões de
puro manobrismo político, que a coligação
negativa existe. O impensável, leia-se, a
votação em síntonia das bancadas do BE, da
CDU, do PPD e do PP impôs projectos de
lei ao governo que, para além de contraria-
rem o que qualquer um destes partidos viabilizou a descida das receitas fiscais, ao Basta ler o Financial Times, para perceber o
defende (no caso da extrema esquerda, ata- aprovar, por exemplo a extinção do paga- risco de contágio da crise do Dubai, que já
cando os direitos sociais dos trabalhadores mento especial por conta. Mais do que im- se repercute no Egipto. E para ler que as
ao impedir o novo Código Contributivo; no pedir subidas de receita, forçaram descidas bolsas reagiram em queda à recusa do
caso da direita populista e neoliberal vo- de receita. Num gesto de total irresponsa- governo em assumir as dívidas da Dubai
tando contra a redução do défice que tanto bilidade. A mesma oposição que criticou World porque perceberam que a motivação
propalam, designadamente ao terminar com José Sócrates por ouvir todos os partidos era falta de dinheiro. Os animal spirits que
o Pagamento Especial por Conta, ademais para uma eventual coligação, é que faz os liberais, que defenderam a ausência deste
uma medida importante no combate à agora ela mesma uma coligação da extrema bail out, ainda não percebem. Num cenário
fraude e evasão fiscal), agridem objecti- direita à extrema esquerda. Legitimando as de contágio, com a maior exposição nos
vamente a legitimidade do poder. O governo consultas do PM, que tanto criticou, bancos germâncos, franceses e ingleses, eu
está na situação insólita de se ter que Conviria, contudo, que se apercebessem que apostaria que o BCE se vai arrepender de
confrontar com um programa definido caso não estão a oferecer ao país condições de retirar facilidades de liquidez.
a caso pela convergência das oposições no governabilidade: não podem impôr um pro- Começam a emergir os grupos e os “com-
bota-abaixismo e na terra queimada. Parti- grama a um governo, e depois resposabilizá- promissos Portugal” com a ladaínha do cos-
dos que foram do arco da governabilidade, lo pelas consequências. E não seria pior se tume: cuidado com a despesa pública! O
como o PPD e o PP estão, entrincheirados soubessem o impacto que a incapacidade da governo tem de ouvir a oposição! De que
na mesma bancada radical que trotskistas e oposição em ser mais do que... oposição, já adiantou?
marxistas-leninistas. Insólito! teve consequências sobre a apreciação O Tratado de Lisboa, agora em vigor, apre-
O problema é essencialmente cultural. Por externa do risco político do investimento em senta uma oportunidade nova: a possibili-
um lado, em 1995 não existia um grupo de Portugal. Ao contrário do que defendeu o dade de a União Europeia, agora dotada de
deputados com natureza de contra poder, deputado do CDS, Michael Seufert, com personalidade jurídica se endividar para fi-
que não procuraram a melhoria efectiva das manifesto gáudio, os juros suportados pelas nanciar Estados Membros. O risco associa-
condições de vida dos seus eleitores: o BE. famílias portuguesas não teve nada a ver do a esse endividamento seria uma média
Se analisarmos os últimos 30 anos da nossa com crowding out em que o investimento ponderada dos riscos dos Estados, signifi-
vida democrática, constatamos um factor público gerasse escassez de capitais para os cando uma descida de juros para a maioria
chave, mais importante, que tem passado privados, porque a liquidez disponível é ele- dos países. Resta saber se haverá capacidade
sem o devido destaque: desde os tempos da vada. Se os juros suportados pelas famílias e vontade política para o fazer.
AD, nunca o PSD governou, com interregno são bem superiores à Euribor, isso resulta de Da oposição em Portugal já se sabem que
do 1.º governo de Cavaco Silva (1985-87), práticas bancárias predatórias, assentes na não vê os problemas reais, não ouve pro-
sem ser em maioria absoluta: de um só par- subida sistemática de spreads para manter postas que partam do governo e não apre-
tido ou em coligação. Foi assim com a AD, margens de rentabilidade. Suponho, contu- senta ideias próprias, a não ser a negação das
foi assim com o Bloco Central (enquanto 2.º do, que para os liberais as práticas predató- do governo. A UEM tem funcionado com
partido), foi assim em 80% do cavaquismo, rias de mercado sejam legítimas. base no mesmo paradigma. Vejamos se a
e foi assim nos governos Barroso-Portas, e Michael Seufert devia ler a notícia, que UE consegue ser mais forte, e não caír no
Lopes-Portas. Não está no código genético associa precisamente uma subida do risco quarto dos símbolos acima.
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O novo Governo tiva. Além da capacidade de colocar as vista profissional serão mais-valias nas
contas em ordem na primeira fase do seu pastas que ocupam. Lembro-me de Helena
mandato, tarefa que para muitos seria André, que possui um curriculum invejável
impossível, chegados à altura da crise, que enquanto sindicalista, e que vai ser uma
mais uma vez reafirmo internacional, soube grande ajuda numa pastas mais importantes
dar uma resposta rápida e, até dados em para a busca de soluções na saída da crise
contrário, eficaz. Não nos podemos esque- em que nos encontramos. Temos ainda
Tiago Duarte
cer que somos dos poucos países da União Isabel Alçada, pessoa que muito admiro
Europeia (EU) que tem previsto cresci- pessoalmente, e que possui as competências
mento económico. Bem sei que é reduzido, técnicas e políticas para abraçar uma das
mas mais vale crescer pouco, do que não pastas mais “quentes”, neste e em qualquer
crescer nada, ou até mesmo decrescer Governo. Saúdo o facto de se continuar
o resultado das eleições de 27 de

A Setembro, ao contrário do que


alguns querem parecer crer, deu
uma vitória ao Partido Socialista (PS). Por
economicamente, situação que poderia
levar a uma crise, esta sim, sem precedentes
em Portugal. O seu novo mandato irá ser
marcado pelo apoio aos sectores que mais
com a avaliação dos professores, e que o
diálogo com estes seja feito de uma forma
eficaz. O Ministério do Ambiente, uma área
que me é particularmente chegada, e que
isso mesmo é que estamos perante uma precisam de ajuda para se desenvolver, e conta com Dulce Pássaro, será, muito pro-
maioria relativa e nunca perante um gover- pela simplificação da máquina contributiva vavelmente, uma das boas surpresas deste
no minoritário. De acordo com a nossa do Estado, melhorando as situações de Governo. António Serrano na Agricultura é
Constituição, o partido mais votado foi divida ao Estado, e deste a terceiros.
chamado a formar Governo e a apresentar O Ministro Viera da Silva, mudando de
os “actores” dos próximos quatro anos, pasta neste mandato, irá conseguir dar as
embora alguns digam que este não vai durar garantias necessárias à Economia como dão
nem dois. Além de não ser especialista em ao Trabalho e Solidariedade Social. É
política, não consigo fazer futurologia competente, sério, e possui um dever de
quanto à duração de um Governo, até estado ao alcance de poucos. Junte-se ainda
porque a sua duração está muitas vezes como Ministros “resistentes” Pedro da
dependente de factores externos, que não Silva Pereira na Presidência, Rui Pereira na
podem ser contabilizados nesta fase em- Administração Interna, Ana Jorge na
brionária. Posso, isso sim, e dentro das Saúde, Augusto Santos Silva na Defesa e
minhas capacidades, opinar sobre a compo- Mariano Gago no Ensino Superior, todos
sição do novo Executivo. eles com provas dadas. Como se costuma
Quando foram apresentados os novos Mi- dizer, em equipa que ganha não se mexe.
nistros, muitos dos especialistas em política, Os restantes Ministros são caras novas,
que quase diariamente se repartem em pro- umas mais novas que outras é certo, mas uma aposta segura, e António Mendonça
gramas televisivos semelhantes nos dife- ainda assim, no meu entender, trata-se de trará uma serenidade importante na pasta
rentes canais, vieram dizer que estamos mudanças para melhor em quase todas as das Obras Públicas, a que se junta compe-
perante um Governo que vai seguir o pastas. Por um lado, Ministros com provas tência na área económica, que será neces-
mesmo tipo de políticas que segue há dadas e que dispensam apresentação, como sária ter nas grandes obras que levaremos a
quatro anos. Mas como este Governo ga- são o caso de Alberto Martins na Justiça, e cabo. Por último, a Ministra da Cultura, e
nhou, provavelmente este factor, ao con- Jorge Lacão nos Assuntos Parlamentares, aqui os últimos não são os menos impor-
trário do que se tenta dar a entender, até pastas que se prevêem que sejam das que tantes. O seu passado na Orquestra Metro-
pode ser positivo. Significa isto que o mais tempo vão consumir aos seus titulares, politana de Lisboa é um bom indicativo do
Governo vai governar de acordo com um e que serão uma das chaves do sucesso do trabalho que pode vir a realizar.
programa eleitoral (coisa cada vez mais rara novo Governo. Antes de referir os novos Apenas termino dizendo que este novo
diga-se), e que em muitos casos pretende Ministros, que aparentemente suscitam Governo reúne uma equipa que está prepa-
dar continuidade a uma linha que foi mais dúvidas, por não possuírem um passa- rada para enfrentar os grandes desafios que
iniciada em 2005. do político tão activo como os até agora se aproximam. O seu trabalho apenas no
Para tornar a análise o mais simples possí- falados, permitam-me notar a excelente fim pode ser avaliado, mas será igualmente
vel, vou dividir a análise a este novo Gover- decisão de colocar na Secretaria de Estado avaliado o trabalho dos outros “actores” que
no apenas tendo em linha os Ministros que da Presidência do Concelho de Ministros compõem a nossa democracia. A respon-
o compõem. Transitam do anterior Governo João Tiago Silveira, prova mais do que sabilidade não pode ser apenas do Governo,
Ministros que considero que foram dos óbvia que neste Governo se premeia a também tem que ser da oposição. Dos
melhores que passaram pelas respectivas competência e o bom trabalho. primeiros, pelo programa apresentado sabe-
pastas. São exemplo o Ministro Teixeira Nas restantes pastas do novo Executivo, mos o que esperar, os segundos veremos o
dos Santos, que teve um mandato marcado foram escolhidas pessoas que do ponto de que pretendem fazer.
por duas fases distintas, e directamente
relacionadas com a crise internacional, e Jornal Oficial da Secção de Alvalade do Partido Socialista
que sempre soube dar uma resposta posi- Director: Paulo Ferreira • Sub-director: André Moz Caldas

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