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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................03

2 DAS POSSES.......................................................................................................................04
2.1 Aquisição e perda da posse..............................................................................................04
2.2 Aquisição originária da posse..........................................................................................06
2.3 Aquisição derivada da posse............................................................................................07

3 PERDA DA POSSE DAS COISAS....................................................................................10


3.1 Perda da posse dos direitos..............................................................................................14
3.2 Conclusão..........................................................................................................................15

4 JURISPRUDÊNCIA...........................................................................................................17

5 DOUTRINA.........................................................................................................................20
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1 INTRODUÇÃO

A posse e os direitos possessórios estão devidamente regulamentados no CCB, art. 486


a 523, no Livro II, Direito das Coisas, Título I, DA POSSE, onde se trata da própria posse e
sua classificação, da sua aquisição, de seus efeitos, de sua perda e da proteção possessória; no
CPC, as disposições sobre as ações possessórias constam dos art. 920 a 932, fazendo parte do
Livro IV, Procedimentos Especiais, Título I, Procedimentos Especiais de Jurisdição
Contenciosa, Capítulo V, AÇÕES POSSESSÓRIAS e na Lei 9.099/95, no art. 3º, IV.
Ora, sabemos que a posse, que é "o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes ao domínio ", é, antes de tudo, um fato e se comprova, principalmente, pela prova
testemunhal, que tem, nos litígios dela derivados, grande importância, sobrelevando,
geralmente, as demais provas.
Nas paginas seguintes, vamos fazer um rápido análise, à luz do Código Civil
Brasileiro vigente, sobre a perda e a aquisição da posse.
Desta forma, estaremos nos aprofundando no estudo de posse para principalmente utilizar esta
base para poder defender o instituto da posse.
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2 DAS POSSES

2.1 Aquisição e perda da posse

Como meio de facilitar nosso estudo, dividimos e classificamos os modos de adquirir a


posse em originários e derivados. Os primeiros traduzem um estado de fato da pessoa, em
relação à coisa, oriundo de assenhoreamento autônomo, sem a participação de um ato de
vontade de outro possuidor antecedente. Os segundos, derivados, pressupõem a existência de
uma posse anterior, transmitida ou transferida ao adquirente, ou, noutros termos, incidem
numa coisa que passa à sujeição de outra pessoa, por força de um título jurídico.
Quanto a quem pode adquirir a posse (subjetivamente considerada), o art 494 C.C. nos
elenca as possibilidades. Vejamos a seguir cada uma delas com um sucinto análise:

Art. 494. A posse pode ser adquirida:


I - Pela própria pessoa que a pretende.
II - Por seu representante, ou procurador.
III - Por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.
IV - Pelo constituto possessório.
I - Pela própria pessoa que a pretende.

Como o próprio inciso aclara, a posse pode ser adquirida pela própria pessoa que a
pretende sempre quando se encontra no gozo de sua capacidade. Neste caso, o agente,
praticando por si mesmo o ato gerador da relação jurídica possessória, institui a visibilidade
do domínio, tornando-se ipso facto possuidor. Procede à adprehensio física da coisa,
acompanhada da intenção – animus – de possuí-la, constituído este elemento anímico em
incorporação da vontade na relação com a coisa.

II - Por seu representante, ou procurador.

Seguindo a hipótese elencada no inciso I, porém no caso em que o agente não dispõe
do gozo de sua capacidade civil, considerado incapaz, a posse poderá ser adquirida por seu
representante o procurador. Neste caso, porém na aquisição por via de representante ou de
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procurador, a situação reveste-se de uma certa sutileza, uma vez que o ato aquisitivo é
praticado por uma pessoa, que age numa oxtensiva exteriorização de procedimento normal do
proprietário, e, no entanto, o seu comportamento irá repercurtir na esfera jurídica alheia,
constituindo-se o direito em favor do representante ou mandante. Essa aquisição poderá
obedecer a dois esquemas: No primeiro, o representante, legal ou convencional, adquire a
posse pessoalmente, e transmite-a em seguida ao representado; desloca-se de um para o outro,
ex vi da relação jurídica vigorante, a condição de possuidor. No segundo, o representante
exterioriza um procedimento, mas a affectio tenendi é do representado; a vontade deste é o
elemento integrante do fenômeno aquisitivo, que o completa, realizando a conjunção
necessária dos elementos corpus e animus. Uma observação ocorre, para hipótese do
representante legal do incapaz que não pode exprimir a sua vontade, pelo fato mesmo de o
ser. Nestes casos então, o representado (menor, louco portanto sem poder emitir manifestação
volitiva), justamente por via do seu representante (pai, tutor, curador) se entende que a
vontade deste representante é a do próprio representado, assim sendo ocorre então a aquisição
da posse por via de representante. Destaca-se, entretanto, que a vontade, na aquisição da
posse, é simplesmente natural e não aquela revestida dos atributos necessários à constituição
de um negócio jurídico. Daí, ser possível, tanto ao incapaz realizá-la por si, sem manifestação
de vontade negocial, como ao seu representante adquirir a posse em seu nome.

III - Por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.

Este inciso elenca a possibilidade da aquisição da posse por terceiro, sem mandato
porém sujeitando à necessidade da ratificação. Neste caso, para que alguém adquira a posse
por intermédio de outrem, não se faz mister constitua formalmente um procurador, bastando
que lhes dê esta incumbência, ou que entre eles exista um vínculo jurídico. Assim é que o
jardineiro que vai buscar as plantas, ou a doméstica que recebe a caixa de vinho adquirem a
posse alieno nomine, para o patrão e em nome deste, embora dele não sejam mandatários. Se
se adquire a posse por intermédio de um gestor de negócios, o seu momento inicial será o da
ratificação.

IV - Pelo constituto possessório

(ver nas páginas seguintes nas “formas de aquisição derivada” o item com constituto
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possessória)
2.2 Aquisição originária da posse

CAPÍTULO II
DA AQUISIÇÃO DA POSSE

Art. 493. Adquire-se a posse:


I - Pela apreensão da coisa, ou pelo exercício do direito.
II - Pelo fato de se dispor da coisa, ou do direito.
III - Por qualquer dos modos de aquisição em geral.
Parágrafo único. É aplicável à aquisição da posse o disposto neste Código, artigos 81 a 85.
Nota-se que aqui, no art. 493 do C.C. está representada as FORMAS de aquisição da
posse. Vamos a seguir fazer um rápido análise de cada uma das possibilidades elencadas no
citado artigo.

I - Pela apreensão da coisa, ou pelo exercício do direito.

Inicialmente, vamos a uma breve definição. Sabemos que a apreensão da coisa é a


apropriação dela, realizada por ato unilateral do adquirente, desde que subordinada a certos
requisitos, que enquadram o fato material na sistemática jurídica da teoria possessória. Assim
sendo, deve-se ressaltar que nem toda apreensão induz posse, da mesma forma que nem
sempre a posse exige apreensão. Dentro da teoria de Savigny a apreensão é todo fato gerador
da possibilidade imediata de dispor da coisa, e de excluir dela a ação de terceiro. Porém, já na
doutrina de Jhering, é toda circunstância material que traduz a exteriorizaçào do domínio
(corpus) aliada à affectio tenendi (animus), compondo a conduta do adquirente num
comportamento normal de proprietário. Às vezes a apreensão exige uma conduta mais
evidente do que o mero contato físico, reclamando o deslocamento da própria coisa, como no
caso do tesouro oculto no prédio, que requer o fenômeno jurídico da invenção. Outras vezes, a
apreensão dispensa o contato externo, como no caso das crias de animais, cuja posse é
adquirida independentemente de um contato físico ou de um fato material.
Já a hipótese presente na segunda parte do inciso I, se refere ao exercício do direito. Um claro
exemplo desta situação é o do locatário que passa a ter a posse da coisa locada quando assume
o exercício deste direito. Podemos afirmar que o exercício do direito, que objetivado na sua
utilização ou função, é a manifestação externa de quem efetiva uma conduta ut dominus, e
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equivale à apreensão da coisa. Não basta porém, a mera aptidão abstrata para ser sujeito da
relação jurídica, mas, é indispensável a realização do poder que ele exprime. Igualmente, não
é o exercício de qualquer direito que constitui modo originário de aquisição da posse, porém
daqueles direitos que podem ser objeto da relação possessória (servidão, uso etc.).

II - Pelo fato de se dispor da coisa, ou do direito.

Neste caso, compreende-se pelo simples fato do possuidor poder dispor da coisa ou do
direito, induz compreender que o mesmo exterioriza ter adquirido a posse pois que dela pode
dipor livremente. Seguindo a idéia do exercício do direito, está a disposição do direito.
Aparentemente, há contradição entre a disposição do direito e a aquisição da posse, pois que
aquela faz pensar antes em uma demissão do que em imissão. Mas, o que se quer salientar é
que, na idéia de disposição – abutere – está contida uma faculdade inerente ao domínio (ius
utendi, fruendi et abutendi), e, pois, a disposição é uma atitude de conduta normal do
proprietário.Ressalva-se porém que em qualquer caso, a coisa ou o direito hão de ser
suscetíveis de apossamento. As que estão fora de comércio _ res extra commercium _ por
força da lei não podem ser objeto de posse, ainda que apropriadas (apreensão), porque a
ninguém é lícito exercer sobre elas a affectio tenendi. Aos direitos de crédito, por escaparem
ao alcance da posse (v. n. 285, supra), não se estende a aquisição pelo exercício ou pela
disposição.

2.3 Aquisição derivada da posse

III - Por qualquer dos modos de aquisição em geral.


Parágrafo único. É aplicável à aquisição da posse o disposto neste Código, artigos 81 a 85.

Ora, neste caso, são os modos de aquisição em geral (art. 81 a 85 C.C. “ATOS
JURÍDICOS”). Sejam eles atos inter-vivos (compra e venda, doação, em pagamento etc.) ou
causa-mortis (herança, legado). Destaca-se ainda para a aquisição da posse através dos atos
jurídicos, deve-se observar os preceitos relativos a capacidade do agente e objeto lícito.
Quanto a forma é livre, exigindo-se apenas que a aquisição não se reiscinda dos viços
da violência, clandestinidade ou precaridade.
Estes atos podem ser classificados como modo de Aquisição derivada, pois ocorre
quando uma pessoa recebe a posse de uma coisa, à ela transmitida por outro possuidor. Esta
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aquisição diz-se também por ato bilateral, em contraposição à originária, que se perfaz
unilateralmente.
De modo geral, como modelo de aquisição derivada, o ato mais frequente é a tradição.
Na sua acepção mais pura, ela se manifesta por um ato material de entrega da coisa, ou a sua
transferência de mão a mão, passando do antigo ao novo possuidor. Para tal, não é necessária
uma “declaração de vontade”em sentido técnico, bastando a intenção do tradens e do
accipiens convergindo no mesmo fim, como na hipótese do menor entregar ao menor. Mas
nem sempre a tradição se completa com tal simplicidade, ora porque o objeto, pelo seu
volume ou pela sua fixação, não se compadece com o deslocamento -loco movere-, ora
porque não há necessidade da remoção. Em qualquer caso, entretanto, pode haver traditio de
aspectos variados.
Afora a tradição real, no pressuposto da transposição ou remoção da coisa, e sua
passagem de mão a mão – de manu in manum translatio possessionis, conhece o direito a
tradição simbólica, a traditio longa manu, e ainda a traditio brevi manu. Basta ao possuidor de
uma casa fazer a entrega de suas chaves a outrem para que se considere transmitida a posse do
próptrio imóvel (tradição simbólica).
Lembra-se ainda, que não é necessário, igualmente, e às vezes nem é possível mesmo,
que o adquirente ponha a mão na própria coisa, como uma fazenda de grande extensão, que
não pode percorrer inteira, para considerar-se imitido na sua posse. Contentava-se o Direito
Romano com a sua exibição –in conspectu posita – e também o direito moderno satisfaz-se
em que seja colocada à disposição do accipiens. Se ninguém a detém, efetua-se a tradição de
longa mão – traditio longa manu. A tradição, como modalidade de aquisição derivada,
abrange qualquer dessas modalidades, e não apenas a tradição real.
Outra forma de aquisição derivada, é o Constituto possessório que é uma técnica
proveniente dos Romanos que, muito apegados aos critérios formais, preferiam contornar a
rigidez dos princípios a com eles transigir. Quando uma pessoa tinha a posse de uma coisa, e,
por título legítimo, a transferia a outrem, não requeria o direito que materialmente se
entregasse, porém contentava-se com o fato de que o transmitente, por ato de vontade,
deixasse de possuir para si mesmo, e passasse a possuir em nome do adquirente, e para este:
Quod meo nomine possideo, possum alieno nomine possidere; nec enim muto mihi causam
possessionis, sed desino possidero et alium possessorem ministerio meo facio. O alienante
conserva a coisa em seu poder, mas, por força de uma cláusula do contrato de alienação, passa
à qualidade do possuidor alteno nomine, possuidor para outra pessoa. Esta, então, por força da
cláusula constituti, adquire a posse convencionalmente. O constituto possessório em
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consequencia, é um modo derivado de aquisição e, tão frequentemente usado no trato dos


negócios, que se emprega como fórmula tabelioa, inserta mecanicamente em toda escritura
translativa da propriedade.
Em qualquer caso de tradição convencional (tradição simbólica, traditio brevi manu,
constituto possessório) é requisito a validade da declaração de vontade; a convenção nula não
transmite a posse.
16042082 – JCCB.494 JCCB.494.IV CIVIL – POSSE – CONSTITUTO POSSESSÓRIO –
AQUISIÇÃO FICTÍCIA (CC, ART. 494 – IV) – REINTEGRAÇÃO DE POSSE –
CABIMENTO – COMODATO VERBAL – NOTIFICAÇÃO – ESCOAMENTO DO
PRAZO – ESBULHO – ALUGUEL, TAXAS E IMPOSTOS SOBRE O IMÓVEL DEVIDOS
– RECURSO PROVIDO – I – A aquisição da posse se da também pela cláusula constituti
inserida em escritura pública de compra-e-venda de imóvel, o que autoriza o manejo dos
interditos possessórios pelo adquirente, mesmo que nunca tenha exercido atos de posse direta
sobre o bem. II – O esbulho se caracteriza a partir do momento em que o ocupante do imóvel
se nega a atender ao chamado da denúncia do contrato de comodato, permanecendo no imóvel
após notificado. III – Ao ocupante do imóvel, que se nega a desocupá-lo após a denúncia do
comodato, pode ser exigido, a título de indenização, o pagamento de aluguéis relativos ao
período, bem como de encargos que recaiam sobre o mesmo, sem prejuízo de outras verbas a
que fizer jus. (STJ – REsp 143707 – RJ – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira –
DJU 02.03.1998 – p. 102)
32030803 – JCCB.493 JCCB.493.IV DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DIREITO CIVIL –
IMÓVEL ALIENADO POR ESCRITURA PÚBLICA. CONSTITUTO POSSESSÓRIO.
AÇÃO CONTRA O DETENTOR. BENFEITORIAS. DIREITO À INDENIZAÇÃO OU DE
RETENÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONSTRUÇÃO EM TERRENO ALHEIO.
DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL COM DESFAZIMENTO DAS CONSTRUÇÕES. AÇÃO
PROCEDENTE. RECURSO IMPROVIDO – I – Comete esbulho possessório aquele que se
recusa a demitir-se de sua posse, alegando haver adquirido o imóvel de outrem, diante de
posse adquirida pelo constituto possessório (Código Civil, art. 493, IV). Estando diante de
uma posse adquirida pelo constituto possessório, porque o imóvel foi alienado por escritura
pública, com imissão na posse e cláusula constituí, cabe ação possessória contra terceiro que o
ocupa, sem relação jurídica com o adquirente e que se opõe à transferência da posse,
cometendo, assim, esbulho. II – As construções só devem ser indenizadas se elas
aproveitarem ao proprietário do solo. Não seria justo nem jurídico obrigar o proprietário do
terreno, que o teve invadido por outrem, a aceitar as construções não úteis para ele e ainda ter
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que ressarcir o antigo possuidor. (TJDF – AC 4759298 – (Reg. 98) – 3ª T.Cív. – Rel. Des.
Nívio Gonçalves – DJU 05.08.1998)
Como forma de aquisição da posse através de ato jurídico de causa mortis, citamos o
exemplo quando a posse passa aos herdeiros no momento da abertura da sucessão, neste caso
a posse adquire-se, ope legis, e sem necessidade de que haja qualquer ato seu (Cód. Civil art.
1572).
Na transmissão mortis causa, ficando o herdeiro no lugar do defunto, continua a
mesma posse, que era a deste, com os mesmos vícios e as mesmas qualidades, como efeito
direto da transmissão hereditária. O sucessor universal continua de direito a posse de seu
antecessor (Código Civil, art. 496).
Quando, porém, a aquisição ocorre a título singular (compra e venda, doação, dação
em pagamento, constituição de dote), o adquirente, recebendo embora uma posse de outrem,
começa a sua como estado de fato novo. Permite-lhe a lei, entretanto, unir à sua posse a do
seu antecessor (Cód. Civil, art. 496, segundo membro). Ele não é um continuador na posse
antiga, mas constitui para si uma posse nova. Como o tempo é fator importante no
desenvolvimento dos seus efeitos, pode haver conveniência, para o possuidor adquirente, em
adicionar o tempo de sua posse ao daquele que fez a sua transmissão, estendendo-a por um
tempo pretérito, anterior ao ato aquisitivo. É uma faculdade e não uma consequência
necessária da aquisição derivada. É um poder conferido ao accipiens e não uma imposição, é
um direito e não uma obrigação. O adquirente, unindo a sua posse à do antecessor, realiza a
acessão de uma à outra. Mas se o accipiens (seja comprador, seja locatário) está de má fé no
momento da aquisição, não lhe será lícito invocar a boa fé do antecessor, para qualificar a
própria posse.
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3 PERDA DA POSSE DAS COISAS

CAPÍTULO IV
DA PERDA DA POSSE
Art. 520. Perde-se a posse das coisas:
I - Pelo abandono.
II - Pela tradição.
III - Pela perda, ou destruição delas, ou por serem postas fora do comércio. (Redação dada
ao inciso Dec. Leg. nº 3.725, de 15.01.1919)
IV - Pela posse de outrem, ainda contra a vontade do possuidor, se este não foi manutenido,
ou reintegrado em tempo competente.
V - Pelo constituto possessório.
Parágrafo único. Perde-se a posse dos direitos, em se tornando impossível exercê-los, ou não
se exercendo por tempo que baste para prescreverem.
A teoria da perda da posse está fundamentalmente estruturada na decorrência da
aplicação dos princípios que integram a sua composição doutrinária. Sendo a posse a
visibilidade da propriedade, perde-a o possuidor que não guarda a conduta, em relação à
coisa, análoga, à do proprietário. Sendo os dois elementos – corpus e animus – essenciais à
posse, dar-se-á a perda corpore et animo, ou então solo corpore ou solo animo, conforme
desapareça um deles.Tornou-se hoje ocioso indagar em cada caso, se a perda ocorreu muma
ou noutra hipótese. O que tem relevância é positivar a causa da perda, ou a circunstância
fática, em virtude da qual se perde a posse.
Perde se a posse das coisas:

I - Pelo abandono.

Perde-se a posse através do Abandono que caracteriza a perda da coisa corpore et


animo, de vez que, por ele, o possuidor se despoja dela, voluntariamente, demitindo de si o
estado de fato que reflete a conduta normal do proprietário. Há desaparecimento da condição
de assenhoreamento, acompanhado da intenção contrária à situação possessória.
O elemento animus nem sempre é fácil de se apurar e comprovar na ausência de
declaração expressa do que abdica. Um locatário desocupa a casa onde morava; o proprietário
de apartamento na zona de praia deixa-o fechado e sem utilização durante os meses de
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inverno: aparentemente, são duas condutas iguais, porque em ambas o possuidor deixa a coisa
sem utilização; mas diferem em que, no primeiro caso, a intenção de abandono com renúncia
à posse decorre do rompimento da cadeia de atos que implicam na conduta análoga à do
proprietário –neglecta atque omissa custodia; no segundo, o não uso é uma forma de exercer o
direito, porque, pela sua finalidade natural, a casa de praia não é usada no inverno.
Desta forma, fica então diferenciado que a coisa perdida ou esquecida não é a mesma
coisa que a coisa abandonada, pois nesse caso, é necessário a vontade do agente em expulsar a
coisa da esfera do seu patrimônio.
Contudo, lembra-se ainda que pode perder-se a posse por abandono do representante,
da mesma forma, e pelos mesmos motivos, que por via de representante se adquire. Mas
somente se reputa perdida, em verdade, se o possuidor, ciente da infidelidade do mandatário,
ou preposto, abstém-se de reavê-la, ou é repelido ao tentar fazê-lo.

II - Pela tradição.

Outra forma da perda da posse é a Tradição –A traditio é, também, uma perda da posse
corpore et animo, ou somente animo, conforme o caso. Como já foi visto, é um meio
aquisitivo, seja real (ocorre efetivamente) ou simbólica (através de um terceiro), seja brevi
manu ou longa manu. E como é ação do tradens a causa acquisitionis, esta mesma ação gera a
demissão da posse, e sua consequente perda. É uma perda por transferência, porque
simultaneamente adquire-a o accipiens, e nisto difere do abandono, em que se consigna
unilateralmente a renúncia, sem a correlata imissão de alguém na posse da couisa derelicta.
Vale lembrar que equivalente a uma tradição, para os imóveis, é a inscrição do título no
registro respectivo, que tem o mesmo efeito translatício da posse.
Assim sendo, o apontamento principal é que então para haver a Tradens é necessário a
intenção das duas partes, a de quem recebe a posse e a de quem perde a posse.

III - Pela perda, ou destruição delas, ou por serem postas fora do comércio. (Redação dada
ao inciso Dec. Leg. nº 3.725, de 15.01.1919)

Também perde-se a posse pela perda da própria coisa, e consequente subtração sua ao
senhorio da pessoa. Mas é preciso ressalvar que nem sempre pelo fato de se achar ela fora
daquela dominação, automaticamente haja privação de sua posse. Perdida a coisa, nem
sempre se acha desapossado o titular. Tendo em vista a sua destinação econômica, que
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sobreleva na doutrina de Jhering, a diligência do possuidor para recuperá-la e o seu interesse


em reave-la mantêm viva a relaç!ão jurídica da posse, não obstante faltar o contato material
com o objeto. A própria inação transitória não é incompatível com a posse, como no exemplo
daquele que perde a sua carteira dentro de sua própria casa e, nem pelo fato de omitir-se na
sua procura imediata, infere-se que tenha deixado de ser possuidor dela. A razão está em que,
se a posse se não adquire solo animo, o princípio de tutela jurídica admite que se conserve
solo animo, desde que coexistam a vontade de mantê-la e o fato de continuar a coisa à
disposição do possuidor como, aliás, já o concebia o Direito Romano: Sed si solo animo
possideas, licet alius in fundo sit, adhuc tamen possides.
Para que se dê, neste caso, a perda da posse, cumpre esteja perdida a coisa,
efetivamente, que por não envidar o possuidor recuperá-la quer por Ter outra pessoa
adquirindo a sua posse. Considera-se, ainda, perdido o objeto, quando se acha em lugar
inacessível, como a jóia que cai no fundo do mar: sabe-se onde está, mas não se alcança para
retirar.
Pela destruição. Aclara-se que a destruição da coisa ou seu Perecimento, são
expressões equivalentes e pode ocorreer em três circunstâncias:– Perecendo o objeto,
extingui-se o direito, conforme já ficou visto (v. n. 81, supra, vol. I), seja quando:
a) Quando a coisa perde as qualidades essenciais à sua utilização, ou seja, desaparece na
sua substância (morte do animal, incêndio da casa), seja, como se dá, por exemplo,
com o trecho de praia, antes usado e construído, mas depois submerso
permanentemente. Destruição existe, ainda,
b) Quando se confunde de maneira a não poder mais distinguir-se, ou seja, na
transformação que desfigura a coisa, impossibilitando a sua distinção em relação a
outra, como se dá nos casos de confusão, comissão, adjunção, avulsão. Pode ocorrer
por ato voluntário ou acidental.
c) Quando fica em lugar de onde não pode ser retirada, ou seja,. quando se acha em lugar
inacessível, como a jóia que cai no fundo do mar: sabe-se onde está, mas não se
alcança para retirar.
Porém, aclara-se que em todos esses casos, dá-se solo corpore a perda da posse. Mas a
sua danificação não implica em perda, pois que, prejudicada embora, ou economicamente
aviltada, a coisa preenche a sua destinação, permitindo que a posse sobreviva ao fato danoso.
E ainda é motivo de perda da posse a “Coisa fora do comércio”- Perde-se, ainda, a
posse se a coisa é posta fora do comércio.Visto não ser possível que o ato aquisitivo tenha por
objeto as res extra commercium, aquelas que antes eram assenhoreadas deixam de ser hábeis à
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posse em consequência do ato que as retira da dominação particular,rompendo-se a relação


possessória. Mas isto nem sempre, pois que a inalienabilidade é frequentemente compatível
com a cessão de uso ou posse alheia.

IV - Pela posse de outrem, ainda contra a vontade do possuidor, se este não foi manutenido,
ou reintegrado em tempo competente.

Perde-se ainda a posse pela “Posse de outrem” – Neste caso, ocorre a perda solo
corpore, o esbulho por terceiro, que passa, contra a vontade do outro, a possuir a coisa. Como
já observamos anteriormente, é da essência da posse a exclusividade. Portanto, a tomada de
posse por um importa, necessariamente, na sua perda pelo anterior. Não tem, aliás, outro
alcance senão readquirir a posse perdida o interdito recuperandae possessionis.

V - Pelo constituto possessório.

Outra forma da perda da posse é o Constituto possessorio –Importa na perda da posse


solo animo, uma vez que o possuidor, por via da cláusula constituti, altera a relação jurídica,
e, mudando o elemento intencional (animus), passa a possuir nomine alieno, aquilo que
possuía para si mesmo.A sua conduta, em relação à coisa, materialmente não se altera,
conservando-a corpore; mas a affectio tenendi extingue-se em relação a ele próprio, e nasce
em nome do adquirente: eis porque o constituto possessorio é modo de perder a posse, solo
animo.

3.1 Perda da posse dos direitos

Parágrafo único. Perde-se a posse dos direitos, em se tornando impossível exercê-los, ou não
se exercendo por tempo que baste para prescreverem.
Nesse parágrafo do art. 520 do C.C. , claramente a lei traduz, numa só fórmula, a
perda da posse dos direitos, sendo a impossibilidade de seu exercício, e a prescrição.
Impossibilidade de exercício –Perde-se a posse dos direitos, quando se impossibilita
para o titular a fruição e utilização dos seus efeitos. A hipótese equivale à de perda da coisa,
em lugar inacessível: o possuidor não tem mais a faculdade de se conduzir, ut dominus
gessisse, e sofre então a perda da posse. Aclara-se ainda que esta impossibilidade pode provir
de obstáculo levantado por outrem, que se oponha à sobrevivência da posse, ou pode nascer
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de um fato natural. Porém, terá sempre o mesmo efeito.


Pela prescrição por não exercer por tempo que baste. Ora, todos sabemos que a ação
do tempo, que tem efeitos vários nas relações jurídicas, opera a sua extinção, quando aliada à
inércia do sujeito. E, sendo a posse um direito, está subordinada a esta consequência: não
exercida pelo tempo previsto, acarreta a perda para o titular. Porém, não se extingue,
automaticamente, pelo não uso, porque, se a propriedade não perece pelo fato de deixar o
dominus de usar a coisa, pois que o não uso pode ser mesmo a forma de exercício querida
pelo proprietário, também a posse, como visibilidade do domínio, não se perde para o
possuidor. É necessário, que, ao não uso, corresponda uma situação contrária por parte de
alguém. Quem tem a quase-posse de uma servidão de caminho não a perde pelo só fato de
deixar de transitar ali, pelo lapso de ano e dia. Mas perde-a em razão de levantar o
proprietário do prédio serviente uma cerca barrando o tráfego do possuidor. Na primeira
hipótese, ocorreu tão-somente a ausência de utilização, inócua para a relação jurídica, pois
que não é necessário a que as servidão se mantenha viva, estar o possuidor a transitar
permanentemente pela estrada. Mas no segundo, já que se erigiu contra a existência da posse
uma situação contrária, a inércia do titular importará necessariamente na prescrição do direito,
e perda consequente da posse.
Pode ainda, a posse perder-se pelo abandono, pela tradição ou pelo constituto
possessorio. Pois como vimos anteriormente sendo eles meios de aquisição da posse,
conseqüentemente são também meio de perda. Ora se um individua esta transferindo a posse
para outro, naturalmente um esta adquirindo a posse e o outro esta perdendo a mesma.
O mesmo caso ocorre com o fato de a posse poder perder-se por ato de representate. Mas, se
não tiver ele poderes para a renúncia ou abandono, o possuidor pode reaver a coisa e
recuperar a posse.

3.2 Conclusão

É indubitável –e louvável- a necessidade do estudo do perda e aquisição da posse, pois


somente conhecendo de maneira profunda as formas de aquisição e perda da posse, poderá
fazer um bom uso do “proteção possessória” através de sua ações de manutenção e de
esbulho. Um exemplo claro disto é o abandono da coisa, agora que nos aprofundamos no
assunto, podemos caracterizar que se o abandono for involuntário e injusto (perda, extravio,
furto) cabe ao possuidor reaver a coisa e obter a posse novamente. Mas se o abandono, posto
que involuntário, for legítimo (sentença judicial, desapropriação, requisição) descabe a ação
15

de reintegração, restando ao desapossado o ressarcimento do dano, quando couber.


Desta forma, como citado no exemplo acima, existem muitos outros situações que somente
podem ser resolvidas e compreendidas juridicamente a partir do momento que se tenha muita
propriedade no tema de perda e aquisição da posse.
16

4 JURISPRUDÊNCIA

Ferreira Leite – J. 07.06.2000)


50014055 JCPC.535 – NÃO-COMPROVAÇÃO DA AQUISIÇÃO DA ÁREA DE 1.080 M²
PELA EMBARGADA – POSSE INJUSTA CARACTERIZADA – ÁREA DE 1.080 M²
APROXIMADAMENTE 72% (SETENTA E DOIS) MAIOR QUE O IMÓVEL EM LITÍGIO
– FORMA DIFERENTE DA DO IMÓVEL PRETENDIDO – AUSÊNCIA DE
CONFRONTANTE – AÇÃO REIVINDICATÓRIA PELOS EMBARGANTES –
CABIMENTO – EMBARGOS DECLARATÓRIOS PROVIDOS – ANULAÇÃO
ACÓRDÃO PROFERIDO – PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DE APELAÇÃO
INTERPOSTO PELOS EMBARGANTES – PARCIALMENTE PROCEDENTE AÇÃO
REIVINDICATÓRIA – CONDENAÇÃO DA EMBARGADA A RESTITUIR O IMÓVEL
EM LITÍGIO AOS EMBARGANTES – INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS
PLEITEADA PELOS EMBARGANTES – IMPROCEDÊNCIA – PEDIDO DE
ANULAÇÃO DAS ESCRITURAS PÚBLICAS DA ÁREA DE 1.080 M² – AUSÊNCIA DE
PROVAS – IMPROCEDÊNCIA – RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO POR
LITISDENUNCIADO – TOTAL PROVIMENTO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
PROVIDOS – A contradição de que trata o artigo 535 do Código de Processo Civil é a que
afeta a inteireza lógica do acórdão. É a que representa uma quebra no silogismo entre as
premissas e a conclusão a que chegou o órgão julgador. A contradição para efeito de
embargos declaratórios deve existir entre duas afirmativas constantes do aresto que se chocam
entre si, podendo-se impingir efeitos modificativos ao acórdão nos embargos de declaração.
Estando perfeitamente comprovada a individuação do imóvel reivindicado pela embargante e
sua aquisição perfeitamente comprovada nos autos, caracterizada está a posse injusta da
embargada, cabendo àquela o direito de propor a ação reivindicatória, visando obter o bem de
quem injustamente ou ilegitimamente o detenha. (TJMT – EDcl – Classe II – 17 – (oposto nos
autos do recurso de Apelação Cível – Classe II – 20 – Nº 22.927) – Capital – 2ª C.Cív. – Rel.
Des. Odiles Freitas Souza – J.

32036238 – DIREITO CIVIL – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – RESCISÃO


CONTRATUAL – LEASING FINANCEIRO – CONTRATO COMPLEXO –
JULGAMENTO EXTRA PETITA (MULTA) – RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS
17

– IMPERTINÊNCIA DO PEDIDO – MENSALIDADES QUE SE REVESTEM DO


CARÁTER DE ALUGUERES – a condenação em perdas e danos prefixadas, em 10% do
valor do contrato, sem que tal conste do pedido inicial, importa em ser decotado o decisum
nesta parte, configurando, in casu, julgamento extra petita – Traduz nítida impertinência a
pretensão de devolução das parcelas pagas, em razão do contrato de leasing, quanto ao valor
residual garantido – VRG – Eis que como componentes do preço para a aquisição do bem
pretendido representam, isto sim, contraprestação financeira pactuada, com caráter de
alugueres, a consubstanciar o valor das mensalidades de arrendamento mercantil com
promessa de compra e venda do veículo, a qual só se tornará definitiva mediante manifesta
vontade de aquisição desta pela arrendatária, cumpridas todas as obrigações assumidas –
Desfeito o contrato de leasing o procedimento de reintegração de posse do veículo há que se
dirigir em face o possuidor do bem ou quem o tenha em seu poder, eventualmente, em nome
do arrendatário. (TJDF – AC 4337396 – (Reg. 66) – 5ª T.Cív. – Rel. Des. Dácio Vieira – DJU
11.11.1998)

805402 – AÇÃO POSSESSÓRIA – ATOS DE MERA PERMISSÃO OU TOLERÂNCIA –


PERDAS E DANOS – FALTA DE PROVA – Ex vi do art. 497 do Cânon Processual, os atos
de mera permissão ou tolerância não induzem posse, uma vez que qualquer desses dois vícios
é um obstáculo à sua aquisição. Aquele que tem apenas autorização para ocupar um imóvel
não exerce sobre ele um poder próprio, mas tão-somente o poder de fato de outra pessoa. "É
sabido que as perdas e danos, para serem impostas, devem ficar cumpridamente demonstradas
na fase cognitiva, porquanto na fase executória liquida-se o seu quantum" (JC 69/250). (TJSC
– AC 88.063200-7 – Caçador – Rel. Des. Vanderlei Romer – C.C.Esp. – J. 09.10.1996)

1026260 – 1. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. – Ação possessória, remédio previsto para


afastar a aquisição da posse de forma arbitrária. O adquirente de imóvel, mediante contrato de
compra e venda, não poderá entrar na posse direta do bem de forma arbitrária. Para tanto, há
remédio jurídico processual, que e a ação de imissão de posse. O fato posse do vendedor, que
não se confunde com o direito a posse, merece ser respeitado e a ação de reintegração de
posse e o meio instrumental para resguarda-lo. Não e suficiente a indenização por perdas e
danos a simples Alegação da ocorrência dos fatos danosos. Há necessidade de adequada
especificação, bem como a prova da efetiva ocorrência e sua extensão. Apelo provido em
parte. (TARS – AC 195.013.305 – 3ª CCiv. – Rel. Juiz Aldo Ayres Torres – J. 12.04.1995)
18

1022849 – REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ESBULHO. POSSE DO VEÍCULO. POSSE


INJUSTA. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. – Reintegração de posse. Aquisição negocial da
posse de veículo, sem complementação do registro no DETRAN. Apreensão pela autoridade
policial e entrega ao primitivo vendedor, constando este como proprietário nos documentos.
Recusa deste em devolver ao possuidor despojado, sob a alegação de remanescer crédito (não
em relação ao possuidor, mas a quem lhe vendeu), além de dividas tributarias. Esbulho
caracterizado. Provimento, para a entrega do bem, com perdas e danos. (TARS – AC
193.211.786 – 9ª CCiv. – Rel. Juiz Breno Moreira Mussi – J. 16.12.1993)
19

5 DOUTRINA

DIREITO DE PROPRIEDADE - A DEFESA DA POSSE PELA VIA JUDICIAL E


PELA FORÇA PRÓPRIA DO POSSUIDOR: UMA REFLEXÃO JURÍDICA SOBRE A
VIOLÊNCIA NO CAMPO - Humberto Theodoro Júnior
(Publicada na RJ nº 238 - AGO/97, pág. 5)
Humberto Theodoro Júnior
Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG
Des. aposentado do TJMG
Doutor em direito. Advogado
Nota: Inserido conforme originais remetidos pelo autor.
Sumário:
1 - Estranho sinal dos tempos.
2 - A tutela da posse no Estado Democrático de Direito.
3 - A razão de ser da enérgica tutela legal à posse.
4 - A legítima defesa da posse e o desforço imediato.
5 - A postura jurisprudencial diante da violência.
6 - Conclusões.

1 - ESTRANHO SINAL DOS TEMPOS

Abre-se a Carta Magna brasileira e encontram-se as claríssimas e categóricas declarações:

a) Garante-se a todos a inviolabilidade do direito "à segurança e à propriedade" (art. 5º,


caput);
b) "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei" (art. 5º, II);
c) "É garantido o direito de propriedade" (art. 5º, XXII);
d) "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art.
5º, XXXV);
e) "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (art.
5º, LIII);
20

f) "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art.
5º, LIV).

Diante de um quadro de garantias fundamentais que inclua declarações como estas,


merece a República brasileira, realmente, a qualificação de "Estado Democrático de Direito"
(CF, art. 1º).
No entanto, raro é o dia em que não se vê em manchete dos jornais e em destaque nos
telejornais a notícia de ruidosas invasões de propriedades rurais nos mais diversos Estados da
Federação, sem que os proprietários encontrem proteção dos órgãos encarregados da
segurança pública, não obstante os esbulhos sejam sempre anunciados com grande
antecedência e sempre realizados à luz do dia.
Em seguida, os esbulhados correm à Justiça que quase sempre lhes defere, de pronto, o
mandado reintegratório de posse, sem, contudo, lograr execução porque sistematicamente o
Governo não põe à disponibilidade do Judiciário a força pública indispensável.
A administração, em lugar de atuar harmonicamente com o Poder Judiciário, na
manutenção do império da ordem jurídica, prefere comparecer ao processo, por meio do
INCRA, para tumultuá-lo com esdrúxulos pedidos de assistência aos invasores, forçando,
dessa maneira, a suspensão da execução do mandado liminar, graças ao expediente da
transferência do feito para a Justiça Federal.
Com isto o tempo vai passando e os invasores consolidam suas posições nos imóveis
usurpados, tornando definitiva a arbitrária expulsão dos proprietários, consumada ao arrepio
do direito, transformando em tábula rasa a garantia fundamental do direito de propriedade, do
devido processo legal e de todo elenco das solenes declarações com que a Carta Magna
configurou o Estado Democrático de Direito.
Triste sinal dos tempos! Que virá depois de tão gritante menoscabo ao império da lei e
aos direitos que a Constituição pretendeu proclamar como fundamentais?
Dir-se-á que também a Constituição assegurou a Reforma Agrária como medida
necessária para realizar a justiça social no campo. Mas, não foi pela força e arbitrariedade dos
próprios interessados que se programou sua implantação e, sim, por meio do devido processo
legal e com a adequada e justa composição do equivalente econômico a que fazem jus os
atuais proprietários. Com a atual complacência da Administração diante da baderna
implantada pelos responsáveis pelo movimento daqueles que se intitulam "sem terras", o
império da lei vai sendo aceleradamente substituído, no conflito do campo, pela barbárie, pela
violência e pelo caos.
21

O certo é que para as pessoas de bem prevalece a convicção de que "ninguém deseja
que os conflitos sociais entre proprietários e trabalhadores sem terra que invadem áreas rurais
se transformem em confrontos violentos e sanguinários, mas não compete ao Poder Judiciário
encontrar soluções para o assentamento e fixação de famílias pobres e miseráveis, cuja
atribuição é em tudo e por tudo debitável ao Poder Executivo" (TJPR, Rec. Nec. 13.404-3, ac.
17.08.1993, RT, 706/147).
Ao Judiciário compete, constitucionalmente, tutelar os direitos subjetivos violados ou
ameaçados, tornando concreta a vontade da lei. Enquanto ao Executivo toca administrar o
bem comum, engendrando e pondo em prática planos capazes de retirar as garantias
fundamentais do nível de simples retórica para torná-las viva realidade no seio da sociedade a
que a Constituição as endereçou. Nenhum nem outro pode isoladamente cumprir a vontade
global do Estado Democrático de Direito. Ambos têm de atuar harmonicamente, como prevê a
Constituição (art. 2º), para que, cada um cumprindo a parcela de soberania que lhe toca,
possa, no todo, a vontade geral da ordem jurídica realizar-se plenamente.
De pouco vale ao legislativo traçar as normas que a sociedade reputa ideais para a
manutenção da paz e ao desenvolvimento geral da nação, se o Judiciário não definir, quando
necessário, com a devida presteza, os conflitos gerados durante a atuação da ordem legal. E de
nada vale, a pronta atuação do Judiciário se a vontade soberana traduzida na sentença não
encontrar realização prática em atos executivos que somente a Administração tem meios e
condições de implementar.
Sábia, portanto, a norma constitucional que impõe a independência dos três poderes do
Estado Democrático de Direito, ao mesmo tempo que deles exige uma indispensável
harmonia (art. 2º).

2 - A TUTELA DA POSSE NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A CF, em mais de uma oportunidade, consagrou o caráter fundamental da proteção


que o Estado deve proporcionar à "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade" (Preâmbulo, art. 5º, caput e incisos, do art. 150, etc.).
Fiel a esse desiderato, o CC assegura ao proprietário "o direito de usar, gozar e dispor
de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua" (art. 524).
Para o possuidor em geral, seja proprietário ou não, o mesmo Código outorga-lhe
ampla e enérgica tutela contra ameaças, turbações e esbulhos, abrindo-lhe acesso a duas vias
de defesa:
22

a) a dos interditos possessórios de manutenção, reintegração e proibição (arts. 499 e 500


do CC, que se conjugam com os arts. 920 a 933 do CPC); e
b) a da autodefesa, que consiste na autorização legal a que o possuidor use a "própria
força" para repelir o esbulho ou a turbação, "contanto que o faça logo", ou seja, na
atualidade da injusta agressão praticada pelo turbador ou esbulhador (CC, art. 502).

Esse mecanismo de pronta e eficaz tutela da posse não é uma criação do direito
positivo atual do Brasil. Corresponde a uma tradição imemorial que se confunde com as
próprias origens da civilização.
Na mais remota antigüidade romana, a proteção à posse já se fazia por meio de
interditos do pretor, que estabeleciam, de imediato, antes do contraditório, o status quo ante,
fazendo cessar, de pronto, o esbulho ou a turbação. Assim continuou sendo durante a Idade
Média e assim prevalece nos Tempos Modernos, em todas as nações do Mundo civilizado.
Assim tem sido no Brasil, desde a Colônia até a atual República, solenemente proclamada
como configuradora de um "Estado Democrático de Direito" pela Carta de 1988.

3 - A RAZÃO DE SER DA ENÉRGICA TUTELA LEGAL À POSSE

O Direito tem como aspiração máxima a implantação de um sistema de convivência


que assegure a paz social. E esta jamais seria alcançável num ambiente onde os bens dos
indivíduos estivessem constantemente expostos ao esbulho e à turbação de estranhos. Daí
explicar Pontes de Miranda que:
"O princípio do status quo, ou princípio da conservação do fáctico, considerado como
imprescindível à paz jurídica, como à paz fáctica, exige que cada um respeite as situações
jurídicas e a posse dos outros. Quieta non movere! As relações de posse existentes, quer
tenham elas sujeitos passivos totais, quer também tenham sujeitos passivos individuais, hão
de conservar-se como são, exceto se o titular delas as mudar, ou a sentença determinar que se
mudem. Ninguém pode, sem ofender o princípio, que é, logicamente, de vida social, antes de
ser de vida jurídica, transformar ou extinguir relações de posse, cujo titular é outro" (Tratado
de Direito Privado, 2ª ed., Rio, Borsoi, t. 10, § 1.109, p. 282).
A imediata proteção à posse esbulhada ou turbada, mesmo sem indagação de deter, ou
não, o possuidor a titularidade do domínio, se explica pela constatação de que "toute violence,
en effet, este contraire au droit, et c'est contre cette illégalité qu'est dirigé l'interdit'
23

(SAVIGNY, Traité de la Possession en Droit Romain, 4ª ed., Paris, 1893, § 2º, p. 6/7).
"La protection possessoire est, dans le fond, une mesure de police civile: elle tend, en premier
lieu, à assurer la paix publique" (HENRI DE PAGE, Traité Élémentaire de Droit Civil Belge,
Bruxelles, E. Bruyelant, 1941, t. V, 2ª parte, nº 827, p. 724).
O nosso insuperável Clóvis Bevilaqua, na apresentação do projeto que se converteu no
atual CCB, ressalva esse caráter básico da proteção legal à posse:
"O Código concede a proteção possessória, dizem os motivos, a fim de conservar a
paz jurídica, sem distinguir se a posse repousa sobre uma relação jurídica real ou
obrigacional, nem se possui como proprietário ou não..." (apud MOREIRA ALVES, Posse,
Rio, Forense, 1985, v. I, nº 59, p. 357).
A razão de ser da tutela interdital imediata ao possuidor contra os atos de ameaça,
esbulho ou turbação ao fato da posse, sem mesmo indagar de sua origem jurídica, está em
que, segundo Kohler, "ao lado da ordem jurídica, existe a ordem da paz, que, por muitos anos,
tem-se confundido, não obstante o direito ser movimento e a paz tranqüilidade. A essa ordem
da paz pertence a posse, instituto social, que não se regula pelos princípios do direito
individualista. A posse não é instituto individual, é social; não é instituto de ordem jurídica e
sim da ordem da paz. Mas a ordem jurídica protege a ordem da paz, dando ação contra a
turbação e a privação da posse" (CLÓVIS BEVILAQUA, Direito das coisas, 4ª ed., RJ,
Forense, 1956, vol. I, § 7º, p. 28).
"No Estado de Direito" - lembrava Ronaldo Cunha Campos - "a ordem pública, a paz
social, o respeito à soberania do Estado, são interesses públicos básicos, de cuja tutela cuida
precipuamente o poder judiciário. A posse é a situação de fato e uma componente da
estabilidade social. Se a posse muda de titular, tal mudança não pode resultar em desequilíbrio
social, em perturbação da ordem. Impõe-se que a passagem da posse de um para outro titular
se dê sem quebra da harmonia social, e.g., pelo contrato, pela sucessão. Quando a disputa pela
posse se acende urge que cesse através do processo e não pelo exercício da justiça privada.
Esta última produz a ruptura da paz social e viola a soberania do Estado; representa a
usurpação de um de seus poderes. Neste sentido Carnelutti (Sistema del diritto processuale
civile, Ed. Cedam, vol. I, nº 73, p. 208/209)" (RONALDO CUNHA CAMPOS, "O Artigo 923
do CPC", "Julgados do TAMG", vol. 8, p. 14).
Por isso conclui o jurista mineiro:
"Destarte, não entendemos o juízo possessório apenas sob o ângulo da tutela da posse
ou da propriedade. Nele vemos principalmente o interesse estatal na repressão do esbulho...",
visto este como "manifestação de ruptura do equilíbrio social e como ameaça à ordem
24

jurídica" (Ob. cit., loc. cit.).


4 - A LEGÍTIMA DEFESA DA POSSE E O DESFORÇO IMEDIATO

Sempre que a lei assegura ao titular de uma situação jurídica a não ingerência violenta
de outrem, fica ao mesmo tempo assegurado à vítima da ofensa ao bem tutelado "o emprego
da força" em reação à violência do agressor. Em conseqüência essa repulsa da força própria
ao agressor da regra da não-violência, "não entra no mundo jurídico como ato ilícito, desde
que se contenha nos limites que a lei pressupôs" (PONTES DE MIRANDA, ob. cit., § 1.110,
p. 283).
Na verdade, o art. 502 prevê duas situações de reação privada do possuidor contra
aquele que lhe agride a posse:

a) A primeira é aquela em que, antes da perda da posse, a vítima repele, com força
própria, o agressor. Nesse caso é que PONTES DE MIRANDA admite a configuração
jurídica da legítima defesa da posse (ob. cit., § 1.110, p. 283). Corresponde apenas às
hipóteses de turbação da posse.
b) A segunda é aquela em que o possuidor chega a perder a posse, e emprega força
própria para recuperá-la "logo em seguida". Aqui já não se pode tecnicamente
qualificar a reação como exercício de "legítima defesa", mas, sim, de desforço
imediato, que pressupõe esbulho consumado (PONTES DE MIRANDA, ob. cit., §
1.111, p. 284).

Nesse sentido, o parág. único do art. 505 faz referência tanto a "atos de defesa" como a
"atos de desforço".
Todos eles, porém, são legítimos e se subordinam aos mesmos requisitos ou seja:
deverão a auto defesa e o desforço ser praticados "mediante emprego de meios estritamente
necessários", seja para "manter-se na posse", seja para "restituir-se nela" (CC, art. 502, parág.
único). Hão, pois, de conjugar-se:

a) a atualidade da agressão, ou sua recente consumação; e


b) a moderação da repulsa, que nunca pode ir além dos atos indispensáveis à manutenção
ou restituição da posse.

"Assim sendo, se a assistência do Estado revelar-se tardia ou não puder ser


25

oportunamente invocada, o possuidor poderá reagir para manter-se na posse molestada,


evitando excessos, segundo o princípio do moderamen inculpatae tutelae, ou seja, da
moderação da legítima defesa (MARIA HELENA DINIZ, CC Anotado, SP, Saraiva, 1995, p.
385).
Também, quando se trata de desforço para recuperar, de pronto o objeto esbulhado, o
possuidor "deverá agir pessoalmente, embora possa receber auxílio de amigos ou serviçais,
empregando meios necessários, inclusive armas, para recuperar a posse perdida. Todavia, essa
reação deverá ser imediata" (MARIA HELENA DINIZ, ob. cit., loc. cit.).
A violência da repulsa ao atentado à posse, quando comportar-se dentro de aludidos
padrões, elimina qualquer resquício de ilicitude na reação do possuidor. Com efeito, proclama
o art. 160, I, do CC:
"Não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular
de um direito reconhecido".
É justamente por isso que nos pretórios prevalece a tese de que:
"Não comete infração penal, sequer em tese, a vítima de ameaça ou esbulho de sua
posse que, sem exceder o indispensável à manutenção ou restituição, a recupera por sua
própria força e autoridade. O "desforço imediato" e a "resistência" são formas de legítima
defesa da posse, que não se limita à repulsa da violência, mas autoriza até a obtenção da
restituição da posse pela própria força" (TJSP, Rec. 120.406, Rel. Des. ALVES BRAGA, RT
461/341).

5 - A POSTURA JURISPRUDENCIAL DIANTE DA VIOLÊNCIA NA CRISE SOCIAL


NO CAMPO

Os Tribunais brasileiros não têm se recusado a cumprir a tarefa que lhes toca na tutela
jurisdicional do direito de propriedade e na preservação do império da lei, da ordem pública e
da segurança do convívio social.
Eis um aresto recente do TAMG, onde o tema da violência no campo foi muito bem
analisado:
"Evidentemente que ninguém pode deixar de lamentar a grave situação social reinante
no País. Mas, sua reversão não pode ser feita com o sacrifício da ordem jurídica, cuja proteção
cabe ao Judiciário.
Além disso, a exclusão social é fato social, econômico e político, mas não jurídico,
motivo por que não excepciona o excluído da igualdade de todos perante a lei.
26

Assim, o fenômeno econômico e social da exclusão não dá ao excluído o direito de


exercer arbitrariamente suas próprias razões, nem o de invadir, desapossar, roubar ou matar.
No Estado de Direito ninguém está acima da lei.
Portanto, a exclusão social, que se lamenta, não assegura aos excluídos a impunidade
face às conseqüências legais dos atos que praticam" (AI 226.647-7, da Comarca de Araxá,
Rel. Juiz LAURO BRACARENSE, ac. 28.11.1996).
Em outro aresto, o mesmo Colendo Tribunal assentou, também, com muita
propriedade, o seguinte:
"A intenção dos apelantes, de invadir as terras era pública. A ameaça concreta à posse
dos apelados se caracterizou, autorizando a procedência da ação. A reforma agrária é prevista
pela Constituição e a execução de uma política rural é dever do Governo. Nada autoriza,
porém, no Estado Democrático de Direito, que a propriedade privada seja turbada ou
esbulhada para, mediante atos de força e fatos consumados, se precipitar aquela reforma.
Com a Constituição de 1988, diversas reformas infra constitucionais foram previstas
dentro de seu conjunto programático.
Eu tenho a convicção, sem desejar estabelecer uma ordem de prioridade rígida, de que
as duas mais importantes normas previstas pela Constituição eram as do CDC, que veio com a
L. 8.078/90 e a Lei de Política Agrícola.
A omissão reiterada do Congresso Nacional e, sobretudo, do Presidente da República,
na condução de uma lei eficaz, de um processo legislativo que estabeleça a política agrícola
prevista pela Constituição, esta omissão indesculpável não autoriza, entretanto, que sejam
utilizados métodos atrasados, selvagens, como os que estão, no momento, causando grande
preocupação ao País neste já tão divulgado "Movimento dos Sem Terra" (TAMG, Ap.
221.495-0, ac. 16.04.1996, Rel. Juiz ALMEIDA MELO).
"A propriedade" - prossegue o lúcido decisório - "tem função social, entretanto, a
função social da propriedade não pode ser extraída pela violência ou pelo sangue. O Estado
deve aparelhar a legislação e aparelhar a execução do Governo dos métodos e dos
instrumentos que se façam necessários, mas não é compatível com os princípios fundamentais
da Constituição, entre os quais estão a dignidade da pessoa humana e o trabalho como valor
social, que se usem recursos medievais como aqueles que têm feito causar espécie aos foros
de civilização de nosso Estado, que é o retorno a uma época de selvageria".
Enfim, o acórdão manteve a tutela possessória outorgada aos proprietários ameaçados
de invasão em suas terras no conturbado município de Iturama, ressaltando que: "A decisão
recorrida foi prudente, pois a indiscutível necessidade da reforma agrária não é aceita como
27

justificativa para a violência, a arbitrariedade e a negação do próprio Direito" (TAMG, ac.


cit.).
No Estado de São Paulo, onde, no momento, a violência recrudesce pelo ostensivo
posicionamento dos "sem terra" em torno de um programa voltado para um crescente volume
de invasões, na região do Pontal do Paranapanema, a Justiça de 1º grau, com o respaldo do TJ,
dá curso a ação penal contra os mentores do bárbaro projeto, enquadrando-os como
responsáveis, entre outros, pelo crime de formação de quadrilha e sujeitando-os a prisão
preventiva.
No Estado do Paraná, sucessivos mandados de reintegração de posse foram
prontamente expedidos contra os esbulhos praticados pelos "sem terra". Diante da sistemática
recusa do Governo de dar execução a tais mandados houve até decretação de intervenção
federal no Estado. E como conseqüência dos atos intencionalmente omissos da Administração
estadual, o TJ daquele Estado acolheu ação indenizatória promovida pelos proprietários
vítimas das invasões, nos termos seguintes:
"Não tendo o Estado do Paraná, como lhe competia, cumprido decisão judicial, fato
que ensejou pedido de intervenção federal acolhido pelo TJ e remetido à Suprema Corte, deve
ser responsabilizado civilmente a reparar os danos e prejuízos decorrentes de sua
injustificável omissão...
Descumprindo o Estado do Paraná decisão judicial inatacada, propiciou a que os
invasores da propriedade alheia causassem os prejuízos já constatados, pelos quais tem o
dever jurídico de responder civilmente" (TJPR, Rec. Nec. 13.404-3, ac. 17.08.1993, Rel. Des.
OTO LUIZ SPONHOLZ, RT, 706/147).
O quadro esboçado evidencia que não tem cabido ao Judiciário o papel de
desintegrador da ordem jurídica vigente.

6 – CONCLUSÕES

I - O Estado Democrático de Direito implantado pela atual Constituição tutela a segurança, a


vida e a propriedade privada, com valores integrantes dos chamados direitos fundamentais;
II - O retardamento ou a lentidão no cumprimento do programa de reforma agrária, não pode
servir de justificativa para atos de violência e arbitrariedade contra proprietários rurais e seu
patrimônio;
III - Qualquer que seja o pretexto para esbulhar a propriedade alheia, se o agente não encontra
justificativa no direito, importa na prática de ato ilícito, delituoso tanto na esfera civil como
28

penal;
IV - Contra essas agressões à posse, justificadas ou não pela luta pela reforma agrária,
compete à Justiça assegurar aos proprietários esbulhados a pronta tutela dos interditos
possessórios;
V - Se a Polícia do Estado não cumpre o dever de manter, preventivamente, a segurança das
propriedades rurais, e se os proprietários sofrem pessoalmente os efeitos da turbação ou
esbulho, assiste-lhes o direito à legítima defesa ou ao desforço imediato, usando, com
moderação, a força própria, para repelir a turbação em marcha, ou para recuperar a posse
usurpada, desde que a reação privada se dê dentro dos parâmetros traçados pelo art. 502,
parág. único, do CC;
VI - Evidentemente não é esse o caminho que as pessoas civilizadas e patriotas esperam
prevalecer na atual crise agrária brasileira. Os responsáveis pelo Governo devem, todavia,
ponderar a gravidade da conjuntura que poderá incendiar o campo, caso, por sua omissão,
tenham os proprietários de lançar mão dos direitos de auto defesa que em todos os quadrantes
do mundo civilizado são previstos como última modalidade de tutela da posse violentamente
esbulhada ou turbada.
29

EMERSON LEAL CACAZU

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Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI


Centro de Educação Balneário Camboriú
Balneário Camboriú
30

2002

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