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Matérias / negação

Rita Loiola

Um em cada três americanos não acredita na evolução. A Europa vacina cada vez menos suas crianças.
Mesmo sem efeito comprovado pela ciência, a humanidade nunca tomou tantas bolinhas de vitamina. Para

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o americano Michael Specter, essas atitudes têm um só nome: negação. E o grande barato dos integrantes
desse movimento, identificado e descrito pelo jornalista em seu livro Denialism (Negação, sem edição em
português), é tocar o horror nos avanços científicos e tecnológicos.

Entre os principais alvos de Specter estão os detratores das vacinas (que causariam autismo), dos
transgênicos (que são o capeta em forma de planta geneticamente modificada) e da medicina tradicional
(que estaria em conluio com as grandes corporações farmacêuticas para... adoecer muita gente). “Essas
pessoas são perigosas. Elas ameaçam a vida humana e atrapalham o progresso”, diz o autor, repórter da
revista The New Yorker há 12 anos. “Por isso, é preciso saber identificar a negação, onde ela aparece.
Deixar de vacinar um bebê deveria ser um crime!”

Mesmo que alguns dados recolhidos por Specter possam ser contestados — ele entrevista até o
questionável Robert Shapiro, um dos ex-diretores da Monsanto, empresa que desenvolve sementes
transgênicas —, seus argumentos atingem diretamente aqueles que tentam voltar a um mundo no qual a
ciência não tinha o poder de hoje. “É impossível regredir. E negar o progresso nunca foi uma boa ideia. A
evolução tem lados bons e ruins e precisamos aprender a conviver com isso.”

Você acredita...
que as cápsulas de vitamina funcionam?

que a indústria farmacêutica cria doenças para vender remédios?

que os transgênicos vão acabar com o planeta e que vacinas causam autismo?

que comida orgânica é a única saudável?

Quer dizer que estamos na “era da negação”?


Specter: Ao que tudo indica, sim. Não importa quanta informação confiável exista, há quem,
simplesmente, teime com a verdade. É comum que, diante de fatos dolorosos, o homem exiba rejeição.
Mas temos um problema quando a sociedade inteira nega fatos indiscutíveis, não importa quão numerosos
sejam. E aí, essa cultura sofre de negação. Esse é o nosso tempo.

*E quais evidências a sociedade recusa?


Specter: Principalmente as científicas. Em vez de aceitar o que a ciência nos conta, as pessoas preferem
confiar na intuição. Veja o que acontece com as vacinas. Há teóricos conspiradores que realmente
acreditam que vacina causa autismo. Eles atraem pessoas. Em junho de 2008, devido à queda do número
de vacinados no Reino Unido, o sarampo voltou a ser endêmico 14 anos depois de estar praticamente
desaparecido. A Organização Mundial de Saúde concluiu que a Europa não conseguirá erradicar a doença
até o fim deste ano porque as taxas de vacinação simplesmente não são altas o suficiente. A Europa não
acredita nas vacinas!

*E os americanos não acreditam na evolução...


Specter: Pois é... Um em cada três não crê na teoria da evolução. Para a maioria, essa história de Darwin
é só uma vaga ideia ou foi apenas um período da humanidade e existem outras formas de... evoluir. É, eu
sei que falando assim é ridículo e eu tenho certeza que nós não somos um país ridículo. Mas, para algumas
coisas...

*É como aqueles que não acreditam que o homem pisou na Lua?


Specter: Não, é muito pior! Quem não acredita que o homem foi à Lua não atrapalha ninguém. Mas há
milhares de pessoas que não creem que o HIV causa Aids, que tomam vitaminas quando está provado que
elas não fazem bem e aqueles que insistem que vegetais transgênicos são perigosos mesmo que isso nunca
tenha sido comprovado. E isso prejudica vidas.

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*Mas se esse é um movimento que sempre fez parte da humanidade, ele é perigoso?
Specter: Claro! Você está certa, sempre existiram pessoas com medo do progresso e da ciência. No século
16, a rainha Elizabeth se recusou a financiar um projeto de teares mecânicos porque acreditava que ele
seria nocivo para os ingleses. Mas acho que agora a coisa é mais séria. Veja só, metade dos adultos
americanos diz ser contra a vacina do H1N1. Ora, vacinação é a mais eficaz das medidas de saúde
pública, e essa vacina, em particular, é confiável. Sessenta milhões de pessoas já foram imunizadas e
nenhuma delas teve reações graves. A simples ideia de que um grande número de pessoas tem medo dessa
vacina e não a toma, sabendo que a doença poderia matar, é muito difícil de entender.

*Foi por isso que você resolveu escrever sobre o assunto?


Specter: Sim, eu queria compreender o tal fenômeno. Há dez anos fiz uma reportagem sobre vacinas e
autismo — a doença aparece quase no mesmo período da vida em que as crianças tomam uma grande
quantidade das gotinhas, o que sugere a relação entre vacina e doença. Mas, desde então, foram feitas
dezenas de pesquisas e estudos provando que uma coisa não tem nada a ver com a outra e mesmo assim as
pessoas não se convencem. Então, o que descobri foi que há uma parte enorme da sociedade
simplesmente avessa à verdade, que se recusa a admitir que está errada. E isso me deixou doido. Outra
coisa que me impulsionou é a obsessão americana com as comidas orgânicas e o sentimento de que os
alimentos transgênicos fazem mal, quando, na verdade, todo alimento que ingerimos é geneticamente
modificado. Não teríamos a variedade de alface, milho ou amendoim de hoje sem a modificação dos
genes. Foi aí que percebi que esses eventos não eram isolados, mas uma espécie de link entre pessoas que
não acreditam em números, dados, evidências, enfim, na ciência.

*A negação está ligada ao medo. É o lado ruim dele?


Specter: O medo é mais infeccioso que qualquer vírus. As pessoas têm muito medo de ficar doentes. E
isso é um bom motivo para que, sei lá, os americanos gastem US$ 23,7 bilhões em suplementos
alimentares, mesmo que pesquisas recentes mostrem que eles são, em sua esmagadora maioria, fraudes. O
que você precisa mesmo é ter uma dieta equilibrada.

*As vitaminas seriam a resposta para a descrença na medicina?


Specter: Não só as vitaminas, mas também a homeopatia, que nada mais é que um engodo, como
cientistas e estudos já mostraram. Existem pelo menos 30 mil tipos de complementos alimentares no
mercado americano, mesmo que no rótulo haja um pequeno asterisco do Food and Drug Administration
(órgão americano que regula o mercado de medicamentos e alimentos) dizendo que eles “não pretendem
tratar, diagnosticar, curar ou prevenir nenhuma doença”. Então o que, por Deus, eles fazem?

*E qual seria a solução?


Specter: Nós temos a tendência de ver as coisas em preto e branco. Acreditávamos que os cientistas
poderiam resolver nossa vida — e eles não podem — e aí a resposta foi um pouco exagerada.
Confiávamos demais e agora negamos demais. Mas acho que não dá para enxergar a situação em dois
polos. Por isso acho tão importante o exemplo do Vioxx (anti-inflamatório que causava problemas
cardiovasculares e foi retirado do mercado). O governo e as empresas mentem, e os remédios nem sempre
produzem o efeito que o rótulo promete. Mas isso não significa que eles nunca fazem bem, que as
companhias sempre mentem.

*Você acha que a negação substituiu a fé do homem?


Specter: Boa pergunta. Creio que sim. Realmente não temos mais tanta fé, não acreditamos tanto nas
religiões ou na política, acreditamos mais na dúvida. E a dúvida alimenta os medos. Para nos livrarmos do
medo, passamos a confiar no mais confortável, mesmo que não seja verdade. Essa mania de comida
orgânica é uma forte religião. Uma religião contra um tipo de alimento que nunca fez uma só pessoa ficar
doente.

* A única forma de tornar a negação algo positivo é duvidar sempre? Isso é meio confuso...
Specter: Veja bem, é ótimo duvidar da ciência. E é por isso que existem métodos para testar um processo

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científico. Como... a gravidade. Eu acredito na gravidade! Não dá para recusar. A ciência tem sido
bem-sucedida, é a razão pela qual estamos falando agora por telefone, entre São Paulo e Nova York. É
preciso aceitar a parte boa e ruim da ciência, e não negar tudo. Precisamos desesperadamente da ciência e
da tecnologia para consertar o planeta. Mas os negadores vão ter que dar uma mãozinha...

Negadores em números
>>> Só as vendas de alimentos orgânicos nos EUA somaram US$ 23 bilhões em
2008

>>> De janeiro a julho de 2008 houve 131 casos de sarampo nos EUA, a maior taxa
desde 1996. Mais de 90% dos casos em pessoas não vacinadas

>>> 40% dos americanos usaram alguma forma de medicina alternativa em 2007 e
gastaram US$ 23,7 bilhões
nisso

>>> Buscando uma alimentação dita “natural”, mais de mil pessoas ficaram doentes
por tomar leite não-pasteurizado entre 1998 e 2005, dez vezes mais que na década
anterior

>>> A quantidade de pesticidas usada no milho, soja e algodão nos Estados Unidos
diminuiu em cerca de 1 tonelada desde que surgiram os produtos transgênicos
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