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Índice
Introdução .................................................................................................................................... 2
Domesticação Animal .............................................................................................................. 3
Antiguidade Greco-Romana .................................................................................................. 6
Islamismo .................................................................................................................................... 11
Séc XVI – Renascimento ......................................................................................................... 12
Séc XVII – Idade da Revolução Científica ........................................................................ 17
Séc XVIII – Surgimento da Profissão Médico-Veterinária ............................................. 22
Séc XIX – Nascimento da Medicina Moderna................................................................. 30
A Medicina Veterinária em Portugal .................................................................................. 44
Sécs. XX e XXI – Uma Só Saúde ........................................................................................... 46
Ética Da Experimentacao Animal ........................................................................................ 50
Bibliografia .................................................................................................................................. 54
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História da Medicina Veterinária Manuel Magalhães Sant’Ana 2016-2017
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Introdução
Porquê uma disciplina de História da Medicina Veterinária (H.M.V.)? Existe, nos nossos dias,
uma separação crescente entre a profissão de médico veterinário e o estudo da sua história.
A exigência de conhecimentos científicos cada vez mais complexos e exaustivos não deixa
espaço para se prestar atenção à evolução do pensamento médico através dos tempos. E,
assim, a H.M.V. vai-se tornando numa curiosidade anacrónica praticada por historiadores ou
simples amadores.
Serve esta unidade curricular - e com ela esta prosaica ‘sebenta’ - para incutir no aluno o
gosto pela investigação histórica, para fazê-lo sentir orgulho da profissão médico-veterinária
e motivá-lo a fazer mais e melhor do que os seus predecessores.
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Domesticação Animal
Tal como a agricultura, a domesticação de animais não foi um fenómeno isolado ou bem
definido no tempo e no espaço. Ela terá ocorrido gradualmente, à escala global e em função
das espécies existentes em cada região do planeta. Uma das poucas certezas que se tem
sobre este processo é que o cão foi o primeiro animal a ser domesticado, sendo que a sua
origem é motivo de acesso debate entre os antropozoólogos. É provável que a domesticação
do lobo (canis lupus) tenha ocorrido simultaneamente na Ásia e na Europa dando origem ao
cão (canis familiaris) há cerca de 15 mil anos atrás (13 000 a.C.).26
Mas não se pense que o lobo foi roubado à natureza pelo ser humano. Na verdade, a
domesticação do lobo dependeu pouco da nossa vontade. Tudo indica que terá sido o lobo
a aproximar-se do homem na procura de restos de alimento. Por um mecanismo de selecção
natural, alguns lobos comecam a tolerar o homem, dando origem ao proto-cão. A partir
desse momento, o homem selecciona, de forma não totalmente consciente, os proto-cães
por características desejáveis, nomeadamente pela sua docilidade. Esta reprodução
selectiva vai despoletar uma cascata de alteraçoes fisícas, comportamentais e relacionais
que vão dar origem a uma nova espécie, o cão doméstico, e à criação do elo homem-
animal (human-animal bond).
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Foi só muito mais tarde que o homem comecou a seleccionar artificialmente cães pela
sua utilidade (caça, trabalho, pastoreio, companhia), dando origem às centenas de raças
diferentes espalhadas pelos quatro cantos do planeta. Neste prolongado processo de
domesticação, cães e pessoas sofreram um fenómeno de evolução convergente, em que os
primeiros desenvolveram competências especializadas para a leitura do nosso
comportamento social e comunicativo. Pensa-se, inclusivamente, que a co-evolução dos
cães com os humanos os pode ter dotado de uma teoria da mente para os relacionamentos
sociais. Por outras palavras, os cães parecem ser capazes de ler as nossas emoçoes e saber
quando estamos alegres ou tristes.
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A cabra descende do Ibex, a cabra selvagem, e a sua domesticação teve lugar há uns
10 000 anos no Médio Oriente. A ovelha, pelo seu tamanho e docilidade, foi facilmente
amansada a partir do Muflão asiático há cerca de 9 000 anos atrás. E só então o homem terá
compreendido os benefícios adicionais que podia obter para além da sua carne: a lã, o leite
e seus derivados. O cao aprende a guardar os rebanhos em vez de os atacar, como fazia o
seu ancestral lupino, e o homem percebe que pode ganhar com isso.
A revolução neolítica trouxe uma mudança radical de estilo de vida para a espécie
humana, mas não trouxe necessariamente bonança, pelo menos de ínicio. Na verdade, a
saúde dos primeiros agricultores era muito pior da dos caçadores recolectores que os
precederam. A dieta carnívora e silvestre do homem paleolítico fornecia-lhe as fontes
proteicas e vitamínicas que o tornaram mais forte, alto e inteligente. Como se deslocava com
frequencia, não acumulava lixo ou dejectos e era pouco afectado por doenças parasitárias
ou infecto-contagiosas. Ao invés, o homem do neolítico alimentava-se pior, acumulava
dejectos e lixo e, fruto da domesticação animal, começou a ser afetado por zoonoses (i.e.
doenças originárias dos animais e transmissíveis ao homem), como a brucelose, a salmonelose
e a leptospirose.22
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Antiguidade Greco-Romana
Na Grécia Antiga (pelo menos desde o filósofo Empédocles, no séc. V a.C.) a vida era
vista como a união dos quatro elementos naturais: Terra, Água, Ar e Fogo que se
relacionavam com as respectivas estações do ano (Outono, Inverno, Primavera e Verão).
Tudo gravita em redor destes quatro princípios primordiais, incluindo a saúde e a doença. A
influência exercida pelos elementos naturais na instauração e evolução de uma patologia
está bem patente na Teoria dos Quatro Humores ou Teoria Humoral, aqui representada de
forma esquemática:
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Para ilustrar como a teoria humoral funciona na prática, escolhi um trecho de um pequeno
conto do genial romancista russo Leon Tolstoi, escrito no não tão distante ano de 1860:
“Contudo, nos últimos tempos, depois de estar em casa adquirira pouco a pouco uma reputação
de habilidade extraordinária e até um pouco sobrenatural na arte veterinária. Sangrava uma vez,
duas vezes; depois deitava o cavalo, fazia-lhe não sei o quê na coxa, metia-o em talas, cortava-
lhe o jarrete até fazer sangue, apesar dos coices e dos relinchos; pretendia que aquelas
demonstrações do animal significavam: “Deixe correr o sangue por cima do meu casco.”
Explicava em seguida ao mujique a necessidade de tirar o sangue das veias “para maior ligeireza”
e punha-se consequentemente a cortar com uma lanceta. Em seguida, tendo enrolado o xaile
da mulher na barriga do cavalo, queimava com pedra-infernal ou humedecia com o conteúdo
de um frasco todas as chagas, e algumas vezes fazia engolir ao animal tudo que lhe lembrava. E
quantos mais cavalos matava, mais acreditavam nele e mais lhe traziam.”15
As doenças nunca atingiam um órgão específico ou região anatómica mas sim o indivíduo
no seu todo. Do mesmo modo, não interessava saber qual a razão porque os humores se
desarmonizavam. O importante era repor o equilíbrio. Segundo o Princípio da Antipatia, as
coisas contrárias curam-se entre si (e.g. medicamentos frios e húmidos eram recomendados
em doencas quentes e secas). Contraria contrariis curantur, esta era a regra de ouro da
farmacologia antiga.21
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Claudius Galeno (129-200 d.C.) foi o mais influente médico da Era Romana e o último dos
grandes pensadores de acordo com a tradição grega. Autor de mais de 500(!) livros, os seus
dizeres perduraram quase 1500 anos como verdades inabaláveis. A ele se deve a
determinação da origem ou “temperamento” da doença (colérica, sanguínea, fleumática e
melancólica), acrescentando um quinto elemento à Teoria Humoral: a Pneuma que era para
ele o princípio primordial da vida.
Galeno era um clínico muito atento e perspicaz. Dava especial
atenção ao pulso e usava muitos medicamentos, especialmente
vegetais, segundo a teoria dos quatro humores: para uma doença
caracterizada como fria e húmida, provocada por um excesso de
fleuma, era necessário um fármaco quente e seco. Era igualmente um
cirurgião meticuloso que aperfeiçoou o uso de instrumentos devido à
experiência acumulada como médico de gladiadores no tratamento
de feridas e traumas.13
Através de dissecções em animais vivos (ou vivissecções) fez
inúmeras descobertas anatómicas e fisiológicas. Um dos seus principais contributos para a
ciência terá sido a demonstração de que as artérias transportam sangue em vez de “ar” –
sangue vaporizado ou gasoso – como se pensava até então (artéria significa tubo de ar,
enquanto veia, do grego phebos, significa tubo de sangue).23
No entanto, Galeno nunca dissecou um cadáver humano nem terá assistido a autópsias12
já que a manipulação de corpos humanos era proibida. À conta disso, quase tão numerosos
como as suas descobertas foram os seus erros. Para que os resultados fossem coincidentes
com as suas teorias, Galeno alterou observações de forma ostensiva: ele “imaginou” a
presença de minúsculos poros no septo inter-ventricular do coração para ir ao encontro da
sua teoria da movimentação sanguínea.
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Segundo esta teoria o sangue não circula, mas é antes continuamente produzido pelo
fígado a partir dos alimentos e onde recebe o espírito natural que comanda as funções de
nutrição e crescimento. Daqui flúi, movido por uma força atractiva, para o coração através
da veia cava; ao passar do ventrículo direito para o ventrículo esquerdo, através do tal septo,
o sangue recebe o espírito vital (Pneuma Zoticon) responsável pelos movimentos involuntários
que geram a alegria, a dor e o prazer. Do coração é distribuído para os restantes orgãos que
o consomem e em especial para o cérebro, centro galénico do corpo e da personalidade,
onde recebe o espírito animal (Pneuma Physicon)
que comanda os movimentos voluntários e
fenómenos intelectuais. O que faria mover o
sangue seria, não a sístole cardíaca, mas antes a
sucção provocada pela expansão da mistura do
sangue com o pneuma aquando da diástole.23
Extrapolando abusivamente as suas
conclusões anatómicas de animais para a
espécie humana (na ânsia de tudo saber e
explicar), Galeno levou a que deduções
perniciosas se perpetuassem no tempo até serem
contrariadas no séc. XVI por Vesálio e por Ruini
(ver adiante). Autoridade máxima e médico de
reis e imperadores, Galeno - ao elaborar tantas
obras de forma didáctica mas ao mesmo tempo
dogmática - deixou a ideia propositada de que
tudo já fora descrito por si e de que não restavam
mais questões por responder.
Refiro ainda o enciclopedista romano Aulus Cornelius Celsus (25 a.C. – 50 d.C.). Possuidor
de profundos conhecimentos médicos e cirúrgicos, ele é responsável pelo estabelecimento
dos quatro sinais identificadores dos processos inflamatórios, ainda hoje válidos: Tumor, Calor,
Rubor e Dor (rubor et tumor com calore et dolore). A sua obra “De Medicina” foi o primeiro
tratado médico a ser impresso, após a invensão da tipografia de Gutenberg, no ano de 1478,
sob os auspícios do Papa Nicolau V.
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Islamismo
Com a Era Cristã a maior parte do conhecimento helenístico (isto é, grego) perdeu-se ou foi
suprimido. Coube à cultura islâmica garantir que os ensinamentos filosóficos, matemáticos e
científicos da antiguidade clássica perdurassem através dos séculos. Os árabes eram, e ainda
são, são fervorosos amantes de cavalos. A figura equina conjuga de forma hamoniosa a fina
elegância com o poder físico. Dependendo do cavalo para o trabalho, o transporte e na
arte da guerra, aos árabes se deve o desenvolvimento da arte da equinicultura ou hipiatria.
Al-Jahiz (776-868 d.C.) era zoólogo, além de poeta e filósofo. Escreveu Kitab al-Hayawan
ou ‘Livro dos Animais’. É um belíssimo tratado, conservado na Biblioteca Ambrosiana de Milão,
em que disserta sobre o comportamento animal - das formigas aos camelos - os efeitos do
clima e da dieta e sobre doenças na região da Mesopotâmia, procurando sempre respeitar
os animais como obra de Deus.3
Para não me tornar demasiado exaustivo refiro apenas o pensador persa Avicena (980-1037
d.C.). Criança-prodígio, diz-se que aos 10 anos de idade já dominava o Corão e aos 16 praticava
medicina. O seu saber abarcava todos os ramos do conhecimento mas notabilizou-se como
médico, consagrando no domínio da Medicina o raciocínio dedutivo do sistema filosófico de
Aristóteles. Avicena escreveu uma centena de livros dos quais o Kitab al-Qanun ou ‘Cânon de
Medicina’, que compila o pensamento médico da época, é o mais famoso. O Cânon acabou
por se tornar a obra básica do ensino universitário medieval. Apesar da ascensão do anti-
islamismo, era ainda largamente utilizada no século XVI.3
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As armas médicas disponíveis serviam para repor o equilíbrio dos humores e incluiam:
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O principal pensador a remar contra a maré do marasmo científico reinante foi Paracelso
(1493-1541). Nascido na Suíça e de seu nome verdadeiro Philippus Theophrastus Aureolus
Bombastus von Hohenheim denominou-se a ele próprio
como superior a Celso (Celsus), famoso médico da
antiguidade romana (ver p.7). Autodidacta,
preocupado fundamentalmente com a medicina (já era
médico aos 17 anos), Paracelso afirmou-se como um
radical opositor das teorias de Galeno. Para rejeitá-las,
teve necessidade de pôr em causa todo o sistema
filosófico-científico que vinha da antiguidade, com as
mais cerradas críticas ao sistema aristotélico.5
Apesar de ser um católico devoto, Paracelso provou
que não era necessário negar a Deus para se ter um
espírito crítico científico: ciência e fé eram compatíveis.
E embora fosse um adepto das ciências ocultas, refutava
o misticismo como método de cura e apregoava a prática clínica como única forma de
conhecimento. Parcelso, que possuía uma personalidade vincada e controversa, escreveu:
“Oiçam, médicos, os pêlos da minha barba sabem mais que o vosso Aristóteles e o vosso Galeno, e
os cordões dos meus sapatos são mais competentes que as vossas escolas.”
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similibus curantur, isto é, igual cura igual.21 Assim, plantas que possuíam o formato de um rim
poderiam auxiliar no bom funcionamento deste órgão. Paracelso usava drogas, em especial
minerais, na cura de enfermidades, como sejam o mercúrio para a sífilis humana, o arsénico
para o mormo dos cavalos ou o zinco para as sarnas. É considerado o pioneiro da
Farmacologia contemporânea.
Paré desconhecia latim ou grego - únicas línguas aceites pela comunidade científica -
mas isso não o impediu de escrever um compêndio de cirurgia. Fê-lo em francês, provocando
o escândalo entre a classe médica de então. Numa acérrima discussão com um médico
escolástico afirmou:
“Como é que se atreve a ensinar-me cirurgia? Você que nunca fez nada na vida senão
consultar livros! A cirurgia aprende-se com as mãos e os olhos. E você – mon petit maitre – tudo
o que sabe é falar e ficar confortavelmente sentado”.
André Vesálio (1514-1564) no que diz respeito à anatomia humana e Carlo Ruini (1530-
1598), na anatomia veterinária, foram os primeiros a questionar as verdades anatómicas de
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Galeno. A dissecação de cadáveres era proibida pela Igreja Católica desde 1299, pela bula
papal “De Sepulturis” de Bonifácio VIII. Vesálio, um jovem flamengo de origem alemã, ignorou
essa proibição e realizou necrópsias nos teatros anatómicos da Universidade de Pádua que
finalmente desmistificaram os paradigmas galénicos, culminando em 1543 no primeiro atlas
de anatomia humana: Humani Corporus Fabrica. Só em 1560 foi de novo autorizada a
dissecação de cadáveres com um objectivo científico.
Ruini era um senador bolonhês amante dos animais e também autodidacta. Sem
conhecimentos científicos profundos, ele passou a vida a criar um livro sobre o cavalo e é só
em 1598, um mês após a sua morte, que é editado Della Anatomia et dell’ Infirmita del Cavallo,
um exaustivo e rigoroso tratado anatómico, assim como sobre as doenças até então
conhecidas.4
A teoria miasmática (i.e. que as doenças são provocadas por miasmas) é bem ilustrada
pela forma como os médicos abordavam os surtos repetidos de peste bubónica ou peste
negra, um pouco por toda a Europa. Em Deuses e Demónios da Medicina, o médico e escritor
Fernando Namora conta-nos que:
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Intrigado pela constituição dos organismos vivos, Malpighi dissecou, além de rãs,
porquinhos-da-índia, gatos, ovelhas e aves. É hoje considerado o pai da Anatomia
Microscópica e percursor da Histologia e da Embriologia. Usando métodos de microscopia
óptica extremamente rudimentares, ele foi capaz de observar e identificar inúmeras estruturas
celulares de órgãos e tecidos; quem nunca ouviu falar nos Glomérulos de Malpighi? É também
o caso dos glóbulos vermelhos ou hemácias corria o ano de 1684, que ele 19 anos antes
definira como sendo glóbulos de gordura...
O microscópio que Malpighi usava fora desenvolvido por Antoni van Leeuwenhoek (1632-
1723), comerciante de tecidos da cidade de Delft, na Holanda. Leeuwenhoek era um
autodidacta apaixonado pela óptica e, apesar de não possuir qualquer formação médica
nem saber latim, fez descobertas científicas importantíssimas através dos seus instrumentos
ópticos. E embora não o tenha
inventado (como vulgarmente se
afirma), a ele se deve o
aperfeiçoamento e “vulgarização” do
microscópio, conferindo-lhe a utilidade
como ferramenta biomédica que ainda
hoje perdura.
O maior dilema da comunidade científica deste século era a questão ontogénica isto é,
saber como surge a vida e como se processa o desenvolvimento do novo ser. Temos em
colisão duas teorias antagónicas num aceso debate que só veria resolução à luz das
descobertas de Mendel e Darwin no século XIX, sobre a origem da vida (ver adiante).
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míases (larvas de mosca) e fascíola hepática no livro Esperienze Intorno alla Generazione
degl’Insetti [Experiência sobre a Geração dos Insectos], publicado em 1668. Nesse mesmo
livro, Redi descreveu os resultados de uma experiência em que manteve pedaços de carne
em três frascos: o primeiro permaneceu aberto, o segundo foi selado por uma rolha e um
terceiro foi coberto por uma gaze. Ao fim de uns dias, a carne no primeiro frasco estava
coberta de moscas e larvas, mas nos dois restantes o cenário era diferente. O frasco rolhado
permanecia inalterado ao passo que no terceiro frasco as moscas tinham depositado os seus
ovos na gaze, em vez de o fazer na carne. Além do potencial de explicar que as moscas
resultam da contaminação exterior e não provêem da própria carne, a experiência de Redi
é importante porque terá sido a primeira que recorreu a um grupo controlo. Esta
característica – hoje considerada gold standard do desenho experimental - permitiu
comparar de forma objectiva e directa o resultado nos grupos experimentais (frascos 2 e 3,
i.e. aqueles em que se introduziu uma nova variável) face àquele obtido no grupo controlo
(i.e. onde não se introduziu nenhuma variável nova). Apesar do inegável valor científico desta
experiência, teremos que esperar pelos trabalhos de Pasteur para que a Teoria da Geração
Espontânea seja definitivamente desacreditada.
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A quem cabia tratar os animais antes de existir a figura oficial do médico veterinário? Ao
longo da história, a medicina dos animais foi sendo praticada por várias profissões,
nomeadamente ferreiros e ferradores. O ferrador (aquele que ferra os cavalos) vai
especializar-se também no tratamento das patologias destes animais. Neste sentido, o papel
dos ferradores militares (Mariscal, que deu origem ao termo Marechal) vai ser especialmente
importante. No que diz respeito às espécies pecuárias, o seu cuidado estava a cargo de
alveitares. O termo alveitar é usado na Península Ibérica, e deriva do nome árabe Ibne
Albeitar (Séc. XIII), ‘médico veterinário’ andaluz de grande reputação, autor do "Livro dos
simplices" [livro das drogas que entram na composição dos medicamentos].18 Alveitar serve
ainda hoje para designar todos aqueles que praticam medicina veterinária mas não possuem
formação académica para o fazer.
Existem teorias divergentes sobre a orígem do termo veterinário. Para alguns deriva do
temo veteranus (de vetus, velho) já que o pastor, chefe do clã e máximo responsável pelos
animais, seria alguém muitos anos de experiência (veterano). Outros afirmam que provém
do termo veterina (jumenta) ou de veterinus, animal de carga, por vezes já velho, sendo o seu
zelador apelidado de veterinarius.18 Fernando Marques afirma que terá sido o agrónomo
romano Columela (Séc. I d.C.) o primeiro a fixar o termo de "veterinaria medicina", para
designar a arte de curar cavalos e outras bestas de carga, assim como o termo "veterinarius"
para designar o autor dessa arte.18
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Em 1762, Bertin é escolhido para Ministro de Estado de Luís XV, o que lhe dá acesso ao
Real Conselho de Estado. Dois anos mais tarde, Bourgelat é então designado “Director e
Inspector-geral de todas as escolas que existem ou existirão no nosso Reino”. As ambições
políticas e sociais de Bourgelat - que foram determinantes para a criação da faculdade de
Lyon - quase que provocaram a sua extinção. Na verdade, Bourgelat parecia estar mais
interessado em ter um papel de relevo em Paris, do que em gerir uma Escola Veterinária na
província. É assim que em 1764, Bourgelat funda nos arredores de Paris a Escola Veterinária
de Chateau d’Alfort e aquela que seria a mais influente Escola Veterinária até ao final do
século. Preterida por esta, a Universidade de Lyon sobrevive a custo.
Detenho-me agora para falar de um homem admirável que muito contribuiu para a
ciência veterinária. Trata-se do também francês Philippe-Etienne Lafosse (1738-1820), membro
de uma célebre dinastia de mariscais que perpetuam a tradição da hipiatria e representam
a elite erudita da profissão10.
Filho de um Mariscal (do francês
Maréchal) das coudelarias reais, Lafosse
recebeu formação científica mas
também humanística e edita em 1766 o
Guide du Maréchal, um tratado
“contendo um conhecimento exacto do
cavalo e a maneira de distinguir e
combater as suas doenças”. Lafosse foi
um dos mais acérrimos defensores do
ensino universitário da Medicina
Veterinária. Bourgelat não o suportava, talvez por Lafosse ser aquilo que ele nunca fora e
impede-o de leccionar todo o seu saber nas faculdades de Medicina Veterinária de Lyon e
Alfort.
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Ora já se sabia (era senso comum) que quem já tinha apanhado a varíola bovina não
desenvolvia a forma humana. Inspirado por este saber popular, Jenner retirou pús de uma
vesícula de CowPox da mão da leiteira Sarah Nelmes e inoculou-o no braço do jovem James
Phipps (filho do seu jardineiro), de 8 anos de idade. A criança desenvolveu lesões de CowPox
mas ficou imune à varíola humana.7
Posto isto, Jenner passou a desenvolver
um processo de imunização contra a varíola
a partir de lesões de varíola bovina em
humanos. Ao processo de variolação
chamou-lhe Vacinação, do latim vaccinia
(que significa varíola da vacca). O mais
extraordinário é Jenner, sem saber o que
provocava a varíola, ter sido capaz de encontrar a sua cura!
Não deixa de ser curioso que os chineses, pelo menos desde o século X, já usassem uma
técnica de variolação só que muito mais rudimentar e arriscada: inoculavam crianças, por
via nasal, com pús das feridas de doentes com varíola humana. Algumas morriam mas as que
se salvavam ficavam imunes para toda a vida.
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Foi só em 1928 que a Comissão de Saúde da então Sociedade das Nações (hoje ONU)
aprovou uma vacina anti-varíola. A verdade é que a vacinação
contra a varíola humana é provavelmente o caso de maior
sucesso em toda a História da Medicina. Esta doença infecciosa
foi a primeira a ser erradicada da face do planeta pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), a 8 de Maio de 1980, três
anos passados sobre o registo do último caso, na Somália, em
1977. Vão ser necessários mais de 30 anos para que este feito seja
repetido, desta vez com uma doença animal.
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Durante os séculos XVIII e XIX inúmeras, e não compreendidas, pragas assolavam de forma
periódica a Europa, afectando perniciosamente as espécies domésticas. Uma epidemia de
peste bovina na década de 1850, com morbilidade de 100% e mortalidade de 90%, eliminou
quase por completo o gado bovino na Europa. Esta praga estava para o gado bovino como
a Peste Negra esteve para a humanidade 500 anos antes. No imaginário popular (e não só,
no científico também) ainda eram os “miasmas pestilenciais”17 os responsáveis pela
transmissão das doenças.
As armas disponíveis pelo Médico Veterinário de então para combater tais flagelos eram
poucas: restringir a movimentação de animais, abater os infectados e compensar os donos
afectados, sempre na esperança que o surto finalmente se desvanecesse… Face a este
calamitoso cenário o Parlamento
inglês assinou em 1866 a Cattle
Disease Prevention Act, criando
assim a primeira Associação de
Defesa Sanitária (ADS), que era
responsável pelo controlo do trânsito
animal, adopção de quarentenas,
desinfecção de instalações e o
abate controlado e vigiado por
médicos veterinários dos animais
afectados.
Mas quando é que se chegou ao conceito de doença que temos hoje em dia? E ao
conceito de infecção? E quando é que se começou a relacionar o agente patogénico com
a doença por ele provocada? A resposta a estas perguntas foi um processo longo,
pluricultural e multidisciplinar que ocupou algumas das mentes mais brilhantes que a história
tem registo. Faço aqui uma breve resenha das batalhas que considero mais importantes na
guerra contra as doenças infecciosas4.
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inoculações de cavalos doentes para saudáveis e inclusive por contacto directo; em 1802,
concluiu o mesmo para a gurma.
Griffith Evans era Oficial Veterinário do Exército Britânico. Formado em Londres em 1855,
ele descobriu em equinos afectados de surra a presença de um microorganismo que se
ajustava à descrição que em 1843 fizera David Gruby de um Trypanossoma da rã, embora a
comunidade médica da época, na pessoa de Timothy Lewis continuasse a negar o papel
patogénico dos trypanossomas…
Em 1823 foi a vez de Eloi Barthelemy, Médico Veterinário de Alfort, provar a origem
infecciosa do carbúnculo hemático, gangrena infecciosa ou antrax, através de infecção de
ovelhas e cavalos saudáveis a partir de ovelhas infectadas. Distinto investigador, Barthelemy
tornou-se no 1º Médico Veterinário Presidente da Academia Francesa de Medicina. Só em
1849 se descobriu o agente causal desta terrível doença hemorrágica, o Bacillus anthracis: o
Médico francês Casimir Davaine demonstrou, através de esfregaços sanguíneos, a presença
de Bacillus anthracis no sangue de gado doente. O Veterinário alemão Frederick Brauell
provou em 1856 que a doença era transmissível ao ser humano (ao que chamamos de
zoonose ou doença zoonótica). Henri Delafond, Médico Veterinário de Alfort, em 1860 cultiva
estes bacilos e obtém esporos e embora não sabendo ao certo do que se trata consegue
associá-los à propagação da doença. Por outro lado, observa a elevada velocidade de
multiplicação da bactéria, responsável pela sua virulência e elevada mortalidade.
Friedrich Henle (1809-1885), que desvendou a estrutura tubular renal, escreveu no seu
tratado Miasmas e Contágios: “A substância de contágio não é apenas orgânica mas viva,
possuindo vida própria e relacionando-se com o corpo de forma parasítica.” Foi Henle quem
primeiro delineou os 4 critérios que serviam para provar que uma doença era provocada por
um determinado microorganismo:
1. Presença do organismo específico em todos os casos da doença;
2. O organismo terá de ser isolado e cultivado independentemente em laboratório;
3. A inoculação em indivíduos saudáveis deve induzir a mesma doença;
4. Os mesmos microorganismos têm de ser observados e isolados dos animais
experimentalmente infectados.
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Mas quem os reformulou e lhes conferiu verdadeira utilidade clínica foi o seu discípulo, um
médico alemão de nome Robert Koch (1843-1910), quando em 1876 os confirmou
relacionando o carbúnculo hemático ao bacilus anthracis. Pela primeira vez se comprovou
que uma doença era provocada por bactérias! A partir de então estes quatro aforismos
passaram a ser conhecidos como Postulados de Koch.
A resposta pode estar na carne e no leite que consumimos todos os dias. Com o advento
da Revolução Industrial, começaram a surgir problemas com o aumento do consumo de
produtos animais associados à fraca higiene da população urbana. O regime de produção
pecuária intensivo, aliado às fracas medidas sanitárias quer no que diz respeito à origem,
transformação e conservação dos produtos de origem animal quer à promiscuidade social
parecem ter contribuído decididamente para o avanço da tuberculose. No que diz respeito
à saúde animal, estima-se que durante a primeira metade do século XX o Micobacterium
bovis tenha sido responsável por mais perdas em animais de produção do que todas as outras
doenças infecciosas juntas.13
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Em 1905 o Prémio Nobel da Medicina distinguiu o trabalho de Koch. Mas no melhor pano
cai a nódoa e apesar do bacteriologista americano Theobald Smith ter comprovado em 1900
a contagiosidade do leite de vaca, o maior pecado de Koch foi de, ao contrário das
evidências, não reconhecer a tuberculose bovina (provocada pelo Micobacterium bovis)
como uma importante fonte de infecção para o homem. E desta forma o leite continuou a
ser uma avassaladora fonte de infecção vaca-homem até ao aparecimento da
pasteurização (ver adiante).
Uma vacina eficaz para o ser humano só foi conseguida em 1921 em França pelo trabalho
conjunto de um Médico, Albert Calmette, e de um Médico Veterinário, Camille Guerin, a partir
da atenuação do agente da tuberculose bovina cultivado durante 13 anos em meios próprios
(bílis bovina glicerinada). A vacina BCG (Bacilo de Calmette e Guerin) fornece, ainda hoje,
entre 50 a 80% de protecção contra a tuberculose durante 15 anos. Dado tratar-se de uma
Doença de Declaração Obrigatória, não existe vacina disponível para animais nem é
aconselhado nenhum tratamento, sendo os acometidos sujeitos a abate coercivo.
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contagiosa entre bovinos, ovinos, caprinos e equinos, mas foi incapaz de a relacionar com a
Febre de Malta (da cabra maltesa), muitíssimo contagiosa para os humanos.
Foi através dos seus trabalhos que finalmente se deu o golpe de misericórdia na Teoria da
Geração Espontânea. Pasteur provou que os germes são fonte de contaminação e que estão
por toda a parte, inclusivamente no ar que respiramos. Esta verdade assustadora fazia tremer
até as mentes mais esclarecidas. Usando balões de vidro com uma solução nutritiva e a
extremidade afilada e curva, passível de ser selada, ele provou que o ar esterilizado não é
capaz de despoletar o crescimento de microorganismos nem de putrefazer o meio de cultura.
“Só a vida pode gerar vida”, concluiu em 1864.
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já bastante tempo. Ele seguira os trabalhos do Veterinário Victor Galtier que provara a
infecciosidade da saliva dos animais com raiva e definiu a existência de um período de
incubação para a doença. Galtier estava no bom caminho para descobrir uma vacina que
protegesse as ovelhas da raiva, mas infelizmente faleceu antes de o conseguir.
Outras vacinas foram desenvolvidas por Pasteur como para a Diamond Skin Disease ou
Mal Rubro dos porcinos (provocada pelo bacilo Erisipelothrix rhusiopatiae). A segunda
metade do Séc. XIX foi a “Golden Age” da bacteriologia com a descoberta de várias
baciloses:
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Mas não é só na bacteriologia que há avanços assinaláveis durante o séc. XIX. Até
meados deste século não havia qualquer noção de desinfecção (e muito menos de
esterilização). Os poucos médicos e cirurgiões que lavavam as mãos entre cada paciente
faziam-no mais por uma questão de bom senso do que por convicção científica, pois não se
relacionavam mãos sujas e instrumentos contaminados com infecções pós-operatórias.
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Prosseguindo no tema cirúrgico, não deixa de ser espantoso que só há 160 anos é que a
anestesia (palavra de origem grega que significa insensibilidade) faça parte de qualquer
intervenção cirúrgica. Até então os cirurgiões dependiam do grau de tolerância à dor do
paciente e do uso de drogas mais ou menos perigosas como os opiácios naturais (cocaína,
láudano ou tintura de ópio), ou ineficientes como a mandrágora ou o álcool, para
embebedar o paciente…
Em 1823, o cirugião inglês Henry Hickman (1800-1830) terá sido o primeiro a amputar
animais insensibilizados através da inalação de dióxido de carbono. Hickman apresentou as
suas observações à Royal Society de Londres e ao Rei Carlos X de França, mas não obteve
resposta. De facto, a dor era vista como um elemento natural e benéfico, essencial para a
cura, e Hickman morreu de tuberculose antes de ver os seus créditos reconhecidos.25
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Por determinação do Rei D. Miguel, a Real Escola Veterinária Militar foi finalmente fundada
em Lisboa, anexa à Escola do Exército, a 29 de Março de
1830. A sua vocação inicial era de natureza militar e
hipiátrica. Mas os tempos eram de mudança e além de
prestar serviço clínico e cirúrgico aos cavalos do Exército,
a Escola também pretendia formar profissionais capazes
de desempenhar funções “para utilidade pública, na
conservação e criação de toda a espécie de gado
cavalar, vacum e lanígero”8.
O curso tinha a duração de quatro anos e incluía as seguintes disciplinas: Anatomia Geral
e Descritiva, Fisiologia e Exterior; Farmácia e Matéria Médica; Higiene, Terapêutica e Doenças
Epizoóticas; Patologia Externa e Interna, Medicina Operatória e Clínica. 18 Os primeiros
licenciados saíram a 1836, mas a guerra civil impediu que exercessem as funções para que
foram treinados.
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A virologia, que tinha tido raros avanços no século XIX, só no século XX se desenvolveu
como ciência com a identificação e isolamento de agentes virais pela microscopia
electrónica (a partir de 1939) e com inovadores métodos laboratoriais que desvendaram o
seu papel patogénico. Ainda assim, muito está por fazer em termos terapêuticos (o 1º agente
antiviral a ser desenvolvido foi o Aciclovir na década de 80) e a maior defesa continua a ser
a imunização, quando disponível.
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Em 1924, após uma nova incursão do vírus da peste bovina na Europa, através do porto
de Antuérpia, na Bélgica, um grupo de veterinários visionários decidiu fundar uma
organização internacional que pudesse informar os países membros sobre as epizootias e
fornecer-lhes a informação científica de que necessitavam para melhorar as suas medidas de
controlo das doenças animais: assim nasceu o Office International des Epizooties (OIE),
internacionalmente reconhecida como Organização
Mundial para a Saúde Animal. As recomendações iniciais da
OIE para promover um esforço internacional coordenado
para o controlo da peste bovina e de outras epizootias
(febre aftosa, antraz, varíola ovina e caprina, raiva, mormo,
peste suína clássica) lançaram as bases para as políticas
internacionais de saúde animal que se seguiram.
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Anteriormente ignorados pela classe médico-veterinária, os cães e os gatos serão alvo das
maiores atenções na segunda metade do século XX, acompanhando a procura de animais
de companhia nas sociedades urbanas. Os avanços desde então realizados não têm
paralelo na história da medicina veterinária.
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que embora infligir sofrimento a animais não seja um mal por si só, um acto de crueldade para
com animais podia levar a actos cruéis para com humanos.
Segundo a visão dogmática do mundo há duas abordagens principais no que diz respeito
à relação Homem-Animal:9
• Despotismo: Os animais foram criados por Deus para servir o Homem. Como nada fora
da humanidade tem valor per si, aos animais não podem nem devem ser conferidos
direitos (mas também não lhes são exigidos deveres ou obrigações);
• Custódia: Cabe ao Homem usar a sua superioridade e racionalidade para cuidar e
proteger tudo aquilo que Deus criou, nomeadamente os animais.
Durante séculos a Humanidade pendeu entre estas duas visões, com predomínio da
primeira, e só com o surgimento do Racionalismo Cartesiano no Séc. XVII se voltou a teorizar
sobre o assunto.
René Descartes (1596-1650), que no famoso Discours de
la Méthode (1637) ensaiou que a realidade é o resultado de
uma gigantesca e organizada fórmula matemática,
considerava os animais meros autómatos biológicos,
incapazes de sentir dor ou prazer. A esta visão da vida
animal chamamos mecanicismo. Descartes é considerado
o maior vilão da história por parte dos actuais movimentos
de libertação animal. Segundo ele, um cão gane não
porque tenha dores mas porque está programado, qual
relógio, para tal. Apesar de não ser cientista (era filósofo) e
de raras vezes ter realizado vivissecções para provar as suas
teorias mecanicistas, consta que terá usado o cão da sua
própria mulher para esse triste fim…9
Vesálio, por seu turno, fazia das suas demonstrações no
anfiteatro da Universidade de Pádua autênticos
espectáculos macabros e mediáticos, misturando autópsias de criminosos com vivissecções
de macacos e cães. A experiência deixava de ser um espaço de descoberta para passar a
ser um modo de provar repetidamente as mesmas teorias. Ainda estamos longe de considerar
o bem-estar animal propriamente dito como parte integrante do viver humanamente.
O suíço Albrecht von Haller (1708-1777) conseguiu ultrapassar uma infância dolente para
se tornar num médico prodigioso. Haller foi um dos fundadores da Fisiologia Experimental e a
ele se deve a instauração das p.p.m. (pulsações por minuto). Publicou artigos de fisiologia,
anatomia, botânica, cirurgia, prática clínica, teologia e também romances e poemas. Mas
mais importante do que o seu extraordinário currículo é o facto de ter sido talvez o primeiro
cientista a pôr em causa o sofrimento perpetrado aos animais com as suas próprias
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Qual desta teorias prevalecerá no futuro? O debate continua mas cabe à sociedade
criar mecanismos reguladores de forma a abolir preconceitos e evitar abusos na
utilização que fazemos dos animais. A legislação nacional estabelece regras específicas
sobre protecção e bem-estar e que englobam animais nos locais de criação
(explorações pecuárias), no transporte e abate; animais de companhia e animais
utilizados para fins experimentais ou científicos. Mas serão estas medidas suficientes para
evitar actos de crueldade contra animais ou de simples desrespeito pela sua condição?
No sentido de se estabelecerem princípios basilares partilhados por todos os povos, foi
elaborada pela UNESCO, em 1978, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais que
nunca mereceu reconhecimento oficial.
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Quer isto dizer que relação entre homens e animais depende na mesma medida de
imperativos sociais, económicos e religiosos como de razões de ética pessoal. Os cientistas
que vivissecavam animais para comprovarem as suas teorias não eram bárbaros desprovidos
de sentimentos; a sua forma de pensar a animalidade é que era diferente da nossa. Muito
mudou desde então, de tal forma que actualmente é conferida dimensão moral, não só aos
animais, mas também ao meio ambiente.
E assim termino, não sem antes deixar a seguinte reflexão que o médico e escritor sueco
Axel Munthe (1857-1949) escreveu em “Homens e Bichos”:
“Considera o homem civilizado que lhe incumbem deveres para com os animais, porque eles se lhe
afiguram correlativos do estado de servidão a que os tem sujeitos. Ora, matar animais por simples gozo
é coisa incompatível com tais deveres. A extensão da simpatia humana para além dos limites da
humanidade – quer dizer, a atitude de bondade para com os animais – é uma das últimas qualidades
morais que foram adquiridas pela nossa espécie; e quanto mais desenvolvida for ela num homem, maior
a distância que separa tal homem do estado primitivo de selvajaria. Quem quer que a não tenha, por
consequência, deve ser encarado como um tipo intermédio entre o homem civilizado e o selvagem;
representa um elo de transição entre a pura bestialidade e a cultura.” 16
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Bibliografia
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