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A SEMIÓTICA
DO TEXTO NARRATIVO LITERÁRIO
São Paulo
1ª Edição - 2009
1ª Edição
Dezembro 2009
(11) 3259-4224
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À minha esposa, Benedita Alves Rêgo,
e filhos, Fabiana, Muriel e Simone
Ele respirava duma mesma vida com a natureza,
Do ribeiro aprendia o murmúrio,
E o falar das folhas das árvores compreendia,
E sentia o impulso das ervas:
O livro das estrelas era para ele límpido,
E com ele falava a vaga marinha.
Baratynski
Baratynski
Lotman
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
2. SEMIÓTICA NARRATOLÓGICA:
Estudo Semiótico do Texto Narrativo Literário ............. 46
a lingüística não é uma parte, mesmo privilegiada, da ciência geral dos signos:
a semiologia é que é uma parte da lingüística; mais precisamente, a parte que
1
Sob o nome de Semiologia, Saussure (1972) concebia uma disciplina que seria “parte da Psicologia
Social e, conseqüentemente, da Psicologia Geral” (Lopes,1995, p.15-16).
se encarregaria das grandes unidades significantes do discurso (Barthes apud
Buyssens, [s.d.], p.24).
Com isso, a semiologia nem seria mais a teoria geral dos signos. Seria, quando
muito, a teoria geral do discurso; ou, mais precisamente, do discurso verbal ou
idiomático. E, embora absurda, a proposta não deixou de ser levada em conta,
porque uma das características básicas da semiologia, em oposição à semiótica,
tem sido realmente esta: subordinação de seus mecanismos de análise e de
interpretação às normas e aos esquemas ditados pela lingüística, inclusive, com o
uso de uma terminologia que, em determinados casos, é a mesma que se utiliza
nos processos comuns de análise discursiva. Todorov (1992, p.29), por exemplo, às
vezes, para falar dos componentes internos de uma narrativa literária (ações,
acontecimentos, condutas etc.), em vez de empregar termos para isso realmente
adequados, lança mão de denominações como “substantivo”, “adjetivo”,
“advérbio” etc.
John Deely, em sua Semiótica Básica (1993), ao indicar as diversas esferas de
abrangência do objeto da semiótica como teoria geral dos signos e, ao mesmo
tempo, como instrumento de investigação, o faz por meio do seguinte diagrama
(relacionando aí não só o que já está devidamente comprovado, mas também o que
é ainda apenas hipótese):
Diagrama 1:
Em referência à distinção entre semiótica, semiologia e lingüística, tendo
em vista o que até hoje vem sendo desenvolvido e mais o que é proposto por
Deely, podemos dizer o seguinte. A lingüística é uma ciência que trata dos signos
apenas na esfera idiomática (signos verbais). A semiologia é uma ciência que
trata dos signos na esfera cultural em geral (signos verbais e não-verbais). A
semiótica é uma ciência que trata dos signos em todas as esferas, incluindo não
só a idiomática e a cultural, mas também a biológica, e mesmo a física, em
geral.
A distinção fundamental entre o estudo que aqui se desenvolve e os que
vêm sendo desenvolvidos por outros investigadores está – no tocante ao uso que
se faz dos princípios teóricos vindos da semiótica peirceana – sobretudo no
seguinte. Se neles a preocupação básica é no sentido de traduzir numa
linguagem mais acessível aquilo que, nos raciocínios do próprio Peirce, nem
sempre está devidamente claro, em nosso caso, a preocupação é principalmente
no sentido de tomar alguns dos conceitos e das idéias vindos dessa teoria para
tentar desenvolver um método de análise para o estudo não só do texto
narrativo literário, que neste trabalho constitui o principal objeto, mas também
do texto narrativo ficcional e de outros de espécies diferentes, igualmente
situados no contexto geral da cultura. Em vista disso, as interpretações e
redefinições que faremos de tais conceitos e ainda de outros vindos de vários
autores, inclusive do lingüista Ferdinand de Saussure, serão bastante livres e
sem dogmatismo.
O trabalho desenvolver-se-á em duas etapas. A primeira é sobre a
semiótica geral e aplicada: relação da teoria com a prática da análise. Estuda-se,
em três capítulos: a semiótica como teoria geral dos signos; os signos
simbólicos, icônicos e indiciais nas construções verbais e não-verbais; o conceito
de interpretante como aquilo que possibilita e, ao mesmo tempo, condiciona o
processo interpretativo em qualquer tipo de interpretação. A segunda é sobre a
semiótica narratológica: estudo semiótico do texto narrativo literário. Estuda-se,
em sete capítulos: o texto narrativo literário em seus aspectos textual, narrativo
e literário; a construção estrutural do texto narrativo literário; a relação, no texto
narrativo literário, entre foco narrativo e ponto de vista, como vínculo da relação
entre narração e enredo; a construção do enredo no texto narrativo literário; a
sintaxe narrativa no texto narrativo literário; a relação entre discurso, assunto e
tema, na narrativa Detalhes em preto e branco, de Lacordaire Vieira; a
construção do enredo em A hora e a vez de Augusto Matraga, de João Guimarães
Rosa.
1
A semiótica pode ser definida como teoria geral dos signos e dos sistemas de
signos. Atualmente, o conceito de signo está relacionado com, entre outras, duas
diferentes concepções: a do lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1969), fundador
da lingüística moderna e introdutor dos princípios fundamentais da semiologia, e a
do filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce (1993), criador da semiótica
propriamente dita. Em vista disso, iniciaremos este estudo falando da diferença
entre essas duas concepções, no que diz respeito ao conceito de signo.
Os signos são verbais quando as coisas em que eles aparecem são palavras ou
construções delas decorrentes, e podem ser de duas espécies: verbais orais e
verbais escritos. Eles são não-verbais, quando as coisas em que eles aparecem são
fenômenos diferentes de palavras ou construções deles derivadas, e podem ser de
cinco diferentes espécies: visuais, auditivos, táteis, olfativos e gustativos. E já que a
noção de não-verbal surge por oposição à de verbal, podemos dizer que não-
verbais são aqueles que, embora manifestos por meio de outros fenômenos,
diferentes de palavra, o papel que desempenham é idêntico ao desempenhado
pelas palavras. Quer dizer, é também o de meio de representação. Num texto
narrativo literário, os signos verbais aparecem em dois diferentes planos, que são o
da escritura, constituída de signos verbais grafovisuais, e o da narração, constituída
de signos verbais fonoauditivos; os não-verbais aparecem num único plano, que é o
do enredo, constituído de signos não-verbais figurativos ou imagéticos.
b) Signos icônicos
Os signos são icônicos quando a relação entre as coisas em que eles aparecem
e as coisas que eles representam é de caráter imitativo e, portanto, baseada não
mais numa simples convenção, mas em dada semelhançaentre os dois tipos de
coisas, no sentido de que se isto parece com aquilo, de modo que, percebendo-se
isto, lembra-se imediatamente daquilo, então a primeira coisa pode ser tomada
como representação da segunda coisa. É com base nesse segundo fator (a
semelhança entre os dois tipos de coisas) que a figura (referente ao desenho, à
fotografia, à escultura etc.) do animal cachorro pode ser tomada como
representação do próprio animal cachorro; as cores verde, amarela e azul (com
pintinhas brancas), que aparecem na bandeira de nosso país, podem ser tomadas
como representações das riquezas vegetais e minerais nele existentes, bem como
do céu límpido e iluminado que, nas noites de estio, cobre tudo isso.
c) Signos indiciais
1o seguimento:
‘Sapo na seca coaxando, chuva beirando’, mãe Quitéria!...
Se, para os camponeses, sempre que os sapos coaxam no tempo das secas,
as chuvas estão para chegar, o papel desempenhado pelo coaxar dos sapos, em
relação à chegada das chuvas, é o de um signo indicial (representação com base
na associatividade ou contigüidade).
Por outro lado, se coaxar é uma palavra que, além de designar, imita aquilo
que o sapo faz, o papel por esta desempenhado é o de um signo, simbólico
(representação com base na convenção) e icônico (representação com base na
semelhança ou imitação), bem como o de um procedimento estilístico
onomatopéico. Quer dizer, simbólico, quando apenas designa, e icônico, quando
apenas imita o que o sapo faz.
Além disso, a própria forma na qual aquela frase se acha construída –
sugerindo, pelo modo como se relacionam as duas orações, o modo como se
relacionam os dois fenômenos nelas representados – constitui um processo
representativo, ao mesmo tempo indicial – o que vem antes como indicação do
que vem depois (sapo na seca coaxando > chuva beirando) – e icônico – o que
vem ao nível da relação entre a primeira oração e a segunda oração (1a oração
> 2a oração) como imitação do que vem ao nível da relação entre o primeiro
fenômeno e o segundo fenômeno (o coaxar dos sapos > a vinda das chuvas),
como sugere o esquema seguinte:
O fato de, num dado momento, começar a haver “nuvens maiores, mais
escuras”, é indicação de que vai ou pode, daí a pouco, chover. Logo, processo
representativo indicial: representação com base na associatividade ou
contigüidade. O fato, todavia, de que são “maiores, mais escuras”, é indicação de
que pode, inclusive, ser chuva das pesadas, ou mesmo tempestade. Logo, processo
representativo não só indicial (representação com base na associatividade ou
contigüidade), mas também icônico (representação com base na semelhança ou
imitação). E, além disso, em termos quantitativos e, ao mesmo tempo, em sentido
diretamente proporcional: o mais como previsão do mais. O exemplo contrário, do
mais como previsão do menos (sentido inversamente proporcional), é o do ditado:
Muito vento, é sinal de pouca chuva! (Ou, em termos não mui decorosos: muito
(aquele estrondo que, às vezes, sai pelos fundos de nossas calças) é sinal de pouca
(aquela substâncias que, em momentos de aperto, costuma também sair, à revelia,
por aí)).
3o seguimento:
Aí, o peixe-frito pegou a cantar de noite.
4o seguimento:
Se a lua, em tal momento, é vista não propriamente como uma lua, mas como
uma casca, de bico para baixo, “despejando”, isso é um signo icônico. Todavia, se
por meio desse “despejando...”, configurado pela lua na forma de uma casca,
prevê-se a vinda da chuva, isso é um signo indicial.
5o seguimento:
E se havia alguém doente, ai dele!... Porque “toá” era o cemitério (onde havia,
em abundância, uma espécie de rochas com esse nome). E a única saída era ir até
ao fogão (que era de barro e pedra, e tocado a lenha) e virar o tição! Isto é, colocar
a parte que estava do lado de dentro para o lado de fora e a parte que estava do
lado de fora para o lado de dentro. Caso contrário, o doente iria mesmo p’ro toá.
O nome do pássaro era, para nós, ‘coã’ ou, mais precisamente, ‘cõã’ (mas o
dicionário diz araquã).
Aí está, pois, um último exemplo da combinatória que viemos examinando:
• signo indicial: o ‘canto’ da ‘cõã’ como previsão da ida de quem está doente
para o cemitério (ou p’ro toá), satisfazendo assim a vontade de um outro;
• signo icônico: a expressão verbal “Vai p’ro toá!... Vai p’ro toá!...” como
imitação do ‘canto’ da ‘cõã’, assim como o ‘canto’ da ‘cõã’ como imitação daquilo
que uma pessoa, desejosa de que isso viesse de fato a acontecer, poderia estar
dizendo imaginariamente, como fazem os feiticeiros.
Cuando se dice que el humo es signo del fuego, ese humo que se divisa no es
todavía un signo; [...] el humo se convierte en signo del fuego no en el
momento en que se percibe, sino en el momento en que se decide que está en
lugar de otra cosa. Para pasar a este momento se debe salir de la inmediatez
de la percepción y traducir nuestra experiencia en términos proposicionales,
haciendo que se convierta en el antecedente de una inferencia semiótica: (I)
hay humo, (II) si hay humo, (III) entonces hay fuego. El paso de (II) a (III) es
materia de inferencia expresada proposicionalmente, mientras que (I) es
materia de percepción.
Quer dizer, ocorrendo a percepção de uma determinada coisa, como uma
fumaça levantando-se ao longe, para que essa coisa seja interpretada como a
representação de uma outra coisa, e que nesse caso seria um fogo concreto
alastrando-se em determinado lugar naquele momento, o observador tem de ser
capaz de formular aquele raciocínio lógico: se há ali uma fumaça, há também um
fogo a se alastrar. Mas, para que isso aconteça, um outro fator tem de,
evidentemente, ser levado em conta: as experiências a partir das quais tal sujeito
aprendeu a raciocinar dessa maneira. Uma criança, por exemplo, que ainda não
assimilou um tal tipo de experiência, possivelmente não faria uma tal interpretação.
E o mesmo se poderia dizer de um animal que vive na floresta; porém não na
floresta onde, constantemente, ocorre o fenômeno das queimadas; porque, nesse
caso, entre outras lições, ele poderia ter aprendido a da relação acima, em que a
presença de fumaça significa, necessariamente, a presença de fogo.
Nesse caso, o conceito de interpretante está diretamente relacionado com o
que Serrano Orejuela (out. 2003) chama de competência interpretativa. Entretanto,
já que uma coisa, para ser interpretada, tem de ser, primeiramente, identificada e
já que, para ser identificada, tem de ser, primeiramente, percebida, a competência
interpretativa pressupõe, em primeiro lugar (como ponto de partida), uma
competência perceptiva e, em segundo lugar (como ponto de intermediação), uma
competência identificatória. Por sua vez, a competência perceptiva pressupõe a
capacidade que tem todo ser vivente de captar e reagir a estímulos do meio
exterior. Um aspecto que, como mostra Benito Damasceno (2003, p.2) no
fragmento abaixo, pode ser observado, inclusive, nos seres unicelulares:
A capacidade de captar e reagir a estímulos do meio externo é uma
propriedade essencial dos organismos vivos, de alto valor adaptativo, capaz
de assegurar a sobrevivência. Sua forma mais primitiva e elementar é a
irritabilidade, sensibilidade e tropismo, observados já em seres unicelulares,
capazes de reagir a estímulos físico-químicos diretamente oriundos do objeto
ou fenômeno externo que satisfaz alguma necessidade ou ameaça a vida
desses seres. Os chamados reflexos incondicionados ou inatos dos seres
pluricelulares são de mesma natureza. A partir daqui é que se desenvolvem
formas mais complexas (psíquicas) de captação do (e reação ao) mundo
externo, com a detecção de estímulos (‘sinais’) que não aqueles direta ou
imediatamente ligados ao objeto ou fenômeno vitalmente importante. O
surgimento, primeiro, de receptores para substâncias químicas e, depois, dos
sentidos da visão e audição constitui marco decisivo nesse processo. O
fenômeno psíquico surge com os reflexos condicionados, quando o ser passa a
reagir a algum estímulo que, em si mesmo, não se origina do (nem tem nada a
ver com o) objeto ou fenômeno externo vitalmente importante, mas que
costuma vir antes deste e, portanto, anuncia ou sinaliza sua ocorrência
imediata, por exemplo, quando o cão saliva ao ouvir o barulho de seu dono
abrindo a porta (estímulo condicionado ou ‘sinal’), antes mesmo de o alimento
atingir diretamente sua boca (estímulo incondicionado, ou inato).
E, para caracterizar o que seja de fato tal interpretante, ele faz uma pergunta
e, em seguida, dá-lhe uma resposta:
O que aconteceu aqui? Uma relação física, reconhecida como tal, graças à
interação dinâmica de seu fundamento (o osso), produzindo mudanças físicas
no nervo ótico do estudante de paleontologia, tornou-se, no mesmo momento,
um signo do que tinha sido. Uma relação transcendental, o osso de um
dinossauro, que teve uma vez uma relação física com aquele dinossauro (mas
não mais a tem, estando o dinossauro morto), fez surgir uma relação objetiva,
algo correspondente ao que tinha sido a relação física. A pedra do jardineiro
tornou-se o signo do paleontólogo (Deely, 1990, p. 68).