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Como são difíceis e dolorosos os últimos dias de um velho! Fica mais fraco a
cada dia; os olhos quase não vêem, os ouvidos ficam surdos; a força
desfalece; o coração não conhece mais a paz; a boca silencia e não diz
palavra. O poder da mente diminui e hoje não pode lembrar como foi ontem.
Todos os ossos doem. Coisas que até pouco tempo eram feitas com prazer
são dolorosas agora; e o paladar desaparece. A velhice é a pior desgraça que
pode afligir o homem (Viorst, apud Mello e Abreu, 2001, p. 1).
1
Artigo publicado em inglês com o título Spirituality Issues at Third Age no 14th. International Seminar:
Later Life Learning: International Themes and Perspectives, 2004, Coventry. Talis 2004 Third Age
Learning International Studies. Saskatoon, SK, Canada: Talis Network, 2003. v. 1. p. 31-36.
2
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; professora adjunta
na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
3
Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; professora nos
cursos de Pedagogia e Letras na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Uruguaiana.
e que não pode mais ser colocada de lado tão prontamente, como lhe era comum fazer durante
a juventude (Mello e Abreu, 2001).
Cezar (1999), autor do inspirador livro Fui moço, agora sou velho... e daí? ressalta que
essas ocorrências são peculiaridades da idade avançada, que, embora possam ser atenuadas
em decorrência dos avanços da medicina, não podem ser impedidas de ocorrer, e – para que a
pessoa que envelhece possa levar uma vida que lhe proporcione satisfação – devem ser
encaradas com naturalidade.
Em seu artigo Representações sobre a velhice: o ser velho e o estar na terceira idade,
Dias (1998), estabelece que essa etapa da vida pode ser percebida de duas maneiras
radicalmente diferentes, por ela denominadas ser velho e estar na terceira idade.
Ser velho é encontrar-se “no final da vida, esperando a morte” (p. 60),
independentemente do menor ou maior avanço da idade. Segundo a autora, o termo designa
uma posição que traz consigo as idéias de estagnação, de inflexibilidade, de inutilidade, de
isolamento e de dependência, bem como transtornos decorrentes do desconhecimento de si ou
do próprio corpo, revelando uma profunda falta de unidade interior.
Um dos sinais mais evidentes dessa postura, acrescenta a autora, é o apego rígido a
valores do passado e a dificuldade para lidar com as mudanças, tanto as pessoais quanto as
do mundo ao seu redor. Tal situação, geralmente é acompanhada de nostalgia e de
saudosismo (César, 1999), e de dificuldades para encontrar alegrias no presente, reforçadas,
por ser comum nesta fase da vida, pela inexistência de objetivos vir a acarretar desestímulo e
inércia.
Já estar na terceira idade é uma atitude, uma postura diante da vida que reconhece
novas oportunidades, tanto de auto-realização quanto de sociabilidade. O idoso que considera
essa nova etapa da vida não como o fim, mas como um novo começo ou continuidade com
possibilidades, muito mais do que o aceitar das limitações, as encara como um estimulante
desafio.
Para a pessoa que se percebe na terceira idade, esta é uma fase de transformações
pessoais, de busca por novas alternativas, de dedicação a novos ideais e projetos de vida.
Mais do que isso, é um momento em que encontra respostas para muitos dos questionamentos
pessoais que se fez ao longo da vida, bem como é também a oportunidade de desfrutar da
experiência acumulada, da paciência e da tranqüilidade que o capacita para uma vida melhor.
Acima de tudo, continua o autor, a terceira idade é vista como uma oportunidade para
dar continuidade às identidades pessoais, ao sentimento de existência enquanto pessoa, com
papéis e funções sociais. É a chance de dar um novo sentido para a vida e para descobrir,
cada um à sua maneira, as alegrias da velhice (Deecken, 1973).
Importante se faz ressaltar que todos nós, seres vivos, trazemos duas tendências: de
conservação e de diferenciação, ambas passíveis de manifestação ao longo de nossas vidas e,
em todos os aspectos, entretanto é esta última que pressupõe mudanças, pelas quais as
pessoas se diferenciam, ao mesmo tempo em que precisam conservar a si mesmas como
individualidades únicas. As fases da mudança, conforme Moggi e Burkhard (2000) são
cercadas pelo fenômeno da crise. E a crise definitiva é a morte, que pode ocorrer em qualquer
etapa da vida.
Como se pode observar, ainda que não seja possível eliminar as limitações e problemas
decorrentes do envelhecimento natural do ser humano, é possível que os idosos possam se
sentir bem de maneira global e tenham melhor qualidade de vida. A velhice, além das perdas
naturais traz, também, muitos ganhos – uma longa experiência de vida, o dom da sabedoria,
como o maior legado que o ser humano pode deixar para gerações futuras (Mello e Abreu,
2001).
O idoso não tem que, necessariamente, ter medo de envelhecer. Ele pode aceitar o
envelhecimento, assumi-lo com tranqüilidade, predispondo-se a apreciá-lo como um processo
que resulta em uma nova fase da vida (César, 1999).
Uma vez que acreditamos que a qualidade de vida durante a idade avançada, muito
mais do que das condições físicas, depende primordialmente da atitude de cada indivíduo
frente à sua vida, devemos questionar o que pode estar subjacente e o que faz a diferença
entre o idoso que tem uma percepção e, conseqüentemente, uma atitude positiva ou não frente
à sua existência.
Segundo Marques (1996), o termo qualidade de vida pode ser definido – para além dos
indicadores objetivos mensuráveis – como a percepção que o indivíduo tem de suas condições
reais de vida. Isso quer dizer que a pessoa terá uma alta qualidade de vida se estiver satisfeita
com a maneira como vive e, se atribuir a sua vida um alto valor. A autora afirma que “uma
pessoa que esteja desenvolvendo plenamente sua condição humana, certamente perceberá
sua vida como tendo qualidade” (p. 57), e acrescenta que o desenvolvimento da dimensão
espiritual de uma pessoa, por capacitá-la a se colocar em uma perspectiva global, determina a
maneira como avalia suas condições de vida. Assim, é possível também relacionar diretamente
o desenvolvimento da espiritualidade com uma vida de qualidade.
Alfons Deecken (1973) em seu livro Saber envelhecer, afirma que a percepção de
sentido é determinante na atitude de qualquer pessoa perante a vida, e na maneira como se
conduz ao longo de sua trajetória. O autor afirma que um dos maiores problemas da
humanidade é a incapacidade de perceber o sentido da vida e a dificuldade de expressá-lo o
que geralmente leva à frustração, ao desespero, por ele denominado “vácuo existencial”. Um
vazio e solidão interiores, que acredita podem estar na raiz de muitas das neuroses e outros
graves problemas da sociedade, tais como delinqüência, abuso de drogas e suicídio, pela
sensação de que suas vidas perderam a razão de ser.
Por se sentirem desmotivadas e vazias, muitas pessoas na terceira idade procuram
aconselhamento psicoterápico de vários tipos (psicólogos, psiquiatras, gerontólogos,
assistentes sociais), que embora sejam de grande valia para o tratamento dos chamados
“males da alma”, entendida como nossa parte vital, que transcende nossa efêmera existência
terrena, nossa parte imortal, espiritual, nos provocam algumas dúvidas no que se refere à
crença de que o uso da razão e da racionalidade nos possibilitará compreender a realidade,
tanto do mundo quanto do interior de cada um de nós. Complementa Morin (2001), quando
expressa que a ciência não pode nos oferecer uma compreensão completa da realidade,
especialmente da realidade do espírito humano, pois só é capaz de descrever o mundo de
forma limitada e aproximada.
Percebemos que há outros tipos de conhecimento, como a intuição e a sensibilidade,
que têm sido por nós negligenciados e que ao nos abrirmos para eles, permitindo que nossas
emoções se manifestem, possivelmente estaremos vislumbrando um outro caminho para o
desenvolvimento de nossa espiritualidade (Portal, 2002).
A palavra espírito deriva do termo latino “spiritus” que significa sopro de vida, alma,
elemento que anima e que energiza os seres vivos, diferenciando-os dos não vivos. A partir da
definição de espírito, podemos entender espiritualidade como uma profunda sabedoria sobre a
alma, o ânimo e a energia de cada ser vivo. Espiritualidade é um modo de ser, uma maneira de
experimentar a consciência numa dimensão transcendental (Marques, 1996).
REFERÊNCIAS:
CÉSAR, Kléos Magalhães Lenz. Fui moço, agora sou velho... e daí?. Viçosa: Ultimato, 1999.
DIAS, Ana Cristina Garcia. Representações sobre a velhice: o ser velho e o estar na terceira
idade. In: CASTRO, Odair Perugini de (org.) Velhice, que idade é essa?: uma construção
psicossocial do envelhecimento. Porto Alegre: Síntese, 1998.
DYER, Wayne. A verdadeira magia: criando milagres na vida diária. Rio de Janeiro: Record,
1994.
MARQUES, L. F. Qualidade de vida: uma aproximação conceitual. In: 4Psico, Porto Alegre, v.
27, n. 2, p 49-62, jul/deC. 1996.
MARQUES, L.F. A saúde e a espiritualidade: uma integração necessária na terceira idade. In:
TERRA, Newton Luiz (org.) Envelhecimento bem-sucedido. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
MELLO, Anamaria Schrepel de B.; ABREU, Beatriz Castro de. A possibilidade de elaboração
psíquica das perdas na psicoterapia de grupos para idosos. In: Boletim Clínico. n. 11,
may/2001 [on line] Available: http://www.pucsp.br/clinica/boletim11.htm
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
ZOHAR, Dana; MARSHAL, Ian. Inteligência Espiritual: QS. O “Q” que faz a diferença. Rio de
Janeiro, Editora Record, 2000.