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O DESAFIO DE ENSINAR CRIANÇAS1

Professores de adultos podem ter de repensar sua abordagem para ensinar crianças

Carol Read
Traduzido por Valéria Venturella e Cristiane Rossi

Nos dias de hoje, com freqüência cada vez maior, espera-se que professores de adultos
passem a trabalhar com turmas de crianças sem qualquer treinamento especializado. Para
muitos, a perspectiva pode ser assustadora. O objetivo deste artigo é examinar alguns dos
principais pontos em que os professores devem adaptar sua abordagem para ensinar crianças,
primeiramente para sobreviver, mas também – espera-se – para ser bem sucedidos e apreciar a
experiência!
Eu ainda me lembro claramente de um incidente ocorrido há muitos anos quando comecei
a ensinar crianças. Eu tinha uma turma de 36 alunos de nove e dez anos em uma escola em que
as classes eram fixadas ao chão. Recém-formada e ansiosa pra experimentar novas técnicas, eu
pedi às crianças que realizassem uma atividade comunicativa que exigia que eles interagissem
para trocar informações com os colegas.
Embora a atividade tivesse começado bem, e as crianças estivessem motivadas, o que
seria uma atividade comum com um grupo de alunos adultos se tornou um caos com o grupo de
crianças. Quanto mais eu pedia que elas se sentassem, mais agitadas elas ficavam. Quanto mais
eu levantava minha voz pedindo silêncio, mais barulhenta a turma ficava. Quanto mais nervosa eu
me sentia, o mais agitados eles ficavam.
Eu havia caído, desavisadamente, na clássica armadilha de permitir que meu
comportamento como professora contribuísse para – em vez de resolver – o problema, e me vi
impondo uma ordem de emergência para acalmar as crianças e restabelecer o controle.
A partir da lição aprendida com a experiência, desenvolvi duas máximas pessoais para
ensinar crianças que têm me servido muito bem desde então:
Agir com suavidade: Quando apresentamos às crianças novas técnicas e modos de
trabalhar, é importante agir vagarosa e gradualmente. Apresente razões para o que está fazendo
de modo que elas possam compreender. Não presuma que eles terão as habilidades sociais ou as
atitudes que esperamos encontrar em alunos adultos.
Manter a serenidade: Da mesma forma como a voz alterada e agitada do professor tende
a aumentar o nível de excitação e barulho, um tom baixo e calmo se reflete no comportamento
das crianças e nos auxilia a gerenciar positivamente e ensinar efetivamente a turma.

1
Artigo publicado no volume 7 do ano de 1998 da revista English Teaching Professional, p. 8-10.
As primeiras aulas com um novo grupo oferecem um período de “lua-de-mel” em que não
só construímos uma relação positiva com as crianças, mas também temos uma oportunidade de
ouro de estabelecermos uma compreensão clara de como esperamos e queremos que as coisas
aconteçam. Embora os detalhes dependam da idade da criança e variem de professor para
professor e de cultura para cultura, os três R's podem nos oferecer uma estrutura útil para
refletirmos sobre os parâmetros que gostaríamos de estabelecer em nossas aulas. Eles são:
regras, rotinas e responsabilidades.
Regras: As regras, quer elas sejam estabelecidas, quer negociadas, estabelecem limites
claros para as crianças. O ideal é ter o menor número possível de regras, torná-las explícitas,
expressá-las claramente, e sempre aplicá-las de maneira justa e consistente.
Rotinas: As rotinas estabelecem padrões de comportamento usual e esperado que
auxiliam as crianças a se sentirem seguras. Uma vez estabelecidas, elas oferecem um atalho
conveniente para longas explicações. As rotinas podem incluir procedimentos como sentar no
chão em um semi-círculo para a hora do conto, começar as aulas com aquecimento físico,
interromper as atividades a um determinado sinal, distribuir materiais ou organizar a sala.
Responsabilidades: As responsabilidades podem ser negociadas, tais como rodízios para
atividades como a distribuição de materiais e a limpeza do quadro. Elas também podem incluir a
construção de atividades a ser realizadas autonomamente pelas crianças, tais como lembrar de
trazer seus livros e temas de casa, compartilhar materiais com outras crianças, falar a língua
estrangeira em pares e grupos, esperar pela vez em jogos e ouvir quando outra criança está
falando.

ORIENTAÇÕES GERAIS
Paradoxalmente, a maneira mais fácil de criarmos um ambiente de ensino e aprendizagem
descontraído, alegre e centrado na criança é trabalharmos de modo sistemático e persistente para
estabelecer parâmetros claros de comportamento. Embora isso às vezes requeira grande
paciência e perseverança, particularmente nos estágios mais iniciais, sempre vale a pena. As
orientações seguintes são muito úteis:
Tratar as crianças como indivíduos: Independentemente do tamanho da turma, é vital
que as crianças sintam que as conhecemos e nos importamos com elas como indivíduos e não
como um grupo a ser controlado. Isso pode envolver a adoção de estratégias específicas, tais
como o estabelecimento de momentos individuais em que conversamos com a criança sobre sua
vida pessoal.
Valorizar as crianças e seu trabalho: Ao ouvirmos as crianças sobre o que elas têm a
dizer, respondermos ao conteúdo do que elas dizem (em vez de apenas à linguagem) e
decorarmos a sala com seus trabalhos, ajudamos a reforçar sua auto-estima e contribuímos com
a construção e seu sentimento de sucesso. Isso tem uma influência positiva sobre sua motivação
e nível de realização, bem como sobre sua disposição para cooperar e se esforçar em aula.
Elogiar o bom comportamento: Do mesmo modo que demonstramos aprovação pelo
trabalho e pelo esforço dos alunos, é importante encontrarmos oportunidades para elogiar as
crianças por seu bom comportamento. Desse modo, transmitimos a mensagem de que
valorizamos a maneira como as crianças fazem as coisas na aula e evitamos a impressão de que
elas apenas recebem a nossa atenção através de reprimendas quando estão se comportando
mal.
Manter as expectativas altas: Nossas expectativas a respeito do comportamento das
crianças e de seu potencial para produzir são geralmente profecias que se concretizam. Devemos
manter nossas expectativas altas (embora não altas demais!), pois as crianças inevitavelmente
atenderão a essas expectativas.

ATIVIDADES DE SALA DE AULA


Até aqui nosso foco foi em estabelecer um ambiente de trabalho positivo com as crianças.
Isso porém, está intimamente conectado à maneira como selecionamos e organizamos as
atividades de sala de aula. Embora muitas técnicas conhecidas de professores de adultos possam
ser adaptadas com sucesso para turmas de crianças, alguns fatores devem ser lembrados ao
decidirmos se essas técnicas são adequadas ao ensino de crianças, ou sobre as maneiras como
devem ser adaptadas:
Processo e produto: Os adultos conseguem reconhecer o valor do processo envolvido
em uma atividade lingüística e estão dispostos a “suspender suas crenças”. As crianças não são
tão generosas. Elas tendem a apressar o processo para chegar ao produto ou resultado o mais
rápido possível.
Atividade e tarefa: Embora esses termos sejam muitas vezes usados como sinônimos, ao
trabalharmos com crianças pode ser útil que façamos uma distinção. Na atividade, a motivação e
o prazer são inerentes à atividade em si. Na tarefa a motivação e o prazer estão geralmente
baseados em um resultado posterior. Com crianças mais jovens, em particular, atividades que são
intrinsecamente motivadoras e prazerosas, que focam no aqui e no agora, tendem a ser melhor
sucedidas que tarefas que levam a resultados e gratificações futuras.
Centralização no professor e orientação pelo professor: Centralização no professor é
um conceito geralmente mal visto no ensino de língua estrangeira. No contexto de trabalho com
crianças, porém, isso não deve ser confundido com atividades e aulas que são orientadas pelo
professor. É geralmente vital que o professor seja uma liderança clara e que ofereça exemplos
precisos, para encorajar a turma a participar nas atividades em língua estrangeira.
Competição e cooperação: Embora as crianças possam parecer motivadas por
atividades competitivas, essas são geralmente difíceis de gerenciar e podem ser conflituosas (e
mesmo frustrantes para as crianças mais jovens), especialmente se as mesmas crianças parecem
sempre ganhar ou perder. Se quisermos organizar atividades competitivas, tais como jogos em
equipe, é geralmente mais útil abordá-las como oportunidades para desenvolver atividades sociais
e de cooperação entre as crianças do grupo, em vez de enfatizar a competição entre grupos.
Agitar e acalmar: Ao selecionarmos atividades, devemos antecipar seus efeitos prováveis
sobre o comportamento das crianças. Embora seja vital incluir atividades que envolvam
movimentos físicos, essas tendem a agitar e elevar o nível de barulho e excitação da turma.
Assim, é importante planejar atividades relaxantes para acalmá-las novamente.
Envolver e ocupar: Atividades que ocupam as crianças e as mantêm “ocupadas”, sem
estimular seu interesse ou desenvolver suas habilidades de pensamento, têm um valor limitado e
rapidamente levam à desconcentração e à indisciplina. É importante selecionar e organizar
atividades que envolvam as crianças e lhes ofereçam um nível apropriado de desafio em vez de
atividades que simplesmente ocupam seu tempo.
Desenvolvimento da linguagem e desenvolvimento integral: Quer as crianças estejam
aprendendo inglês na escola, quer em atividades extracurriculares, o processo de aprender uma
língua estrangeira faz parte de sua educação geral e de seu desenvolvimento integral. As
atividades e os procedimentos em sala de aula necessitam, então, levar em conta não apenas o
desenvolvimento lingüístico (da língua materna e da língua estrangeira), mas também fatores de
seu estágio atual de desenvolvimento psicológico, emocional e cognitivo. Essas atividades
também têm de conectar o aprendizado em língua estrangeira à realidade e experiências das
crianças, bem como a outras áreas de aprendizado tanto na escola como em casa.
Aprendizado efetivo: Tendo os pontos anteriores em mente, o modo mais eficiente de
auxiliar as crianças a aprender uma língua é engajá-las em atividades que são práticas,
prazerosas, significativas, que tenham propósitos claros, que estimulem a sociabilidade, e que
recebam o apoio adequado.

O mapa abaixo sintetiza uma compreensão baseada em minhas próprias leituras e


experiências como professora de crianças. Considere, dentre os conceitos mencionados acima –
praticidade, prazer, significação, propósito, sociabilidade e apoio – a idéia que deve preencher
cada espaço.
AS CRIANÇAS APRENDEM UMA LÍNGUA ESTRANGEIRA
QUANDO AS ATIVIDADES APRESENTAM:

• consideração • estimulo à • construção • uso da • estímulo do • oportunidade


pelos reflexão sobre do linguagem interesse e da s para
diferentes o próprio aprendizado a para realizar atenção expressar
estilos de aprendizado partir do que tarefas • atividades pensamentos
aprendizado e • uso de as crianças já • equilíbrio que levam ao • cooperação,
estratégias auxílios sabem entre desafio e sucesso respeito e
• repetição e visuais e • consciência conforto • diversão auxilio mútuos
revisão materiais das razões • oportunidade • estímulo à • desenvolvim
constantes, de concretos para realizar s para utilizar curiosidade ento de um
diferentes • uso de as atividades conhecimento • prazer no senso de
modos e em linguagem • sentido e s anteriores uso da comunidade
diferentes corporal, relevância • desenvolvim linguagem • interação
contextos mímica e para a criança ento de natural e real
• exposição ao gestos • contexto habilidades de • experiências
uso genuíno • expansão e natural, real e pensamento e eventos
da língua remodelagem compreensível • resultados compartilhado
estrangeira da linguagem • integração e significativos s
• envolvimento das crianças não tanto para as
de todos os • elogios fragmentação crianças
sentidos • uso • conexão com quanto para o
(visão, apropriado de as professor
audição, perguntas experiências e
olfato, paladar, intenções da
tato) criança
• envolvimento
de
habilidades
integrais

SOBREVIVÊNCIA E SUCESSO
Embora haja um número formidável de desafios para professores de adultos que “se
convertem” ao ensino de crianças, muitas habilidades já existentes podem ser adaptadas para
construir e assegurar tanto a sobrevivência (!) quanto o sucesso. Quando nos tornamos
professores de crianças, deixamos de ser professores de língua estrangeira, para nos tornarmos
educadores. É principalmente através de nossa própria investigação e exploração das implicações
e responsabilidades desse novo papel, tanto para nós mesmos quanto para as crianças, que nos
tornaremos mais eficientes em nossa sala de aula. Conhecimento sobre boas práticas
educacionais e sobre o pensamento e aprendizado das crianças podem ser obtidos em livros.
Habilidades para ensinar crianças podem ser desenvolvidas através da prática. Há, porém, um
requisito fundamental que fundamenta tudo o que foi feito aqui, e esse é nossa postura perante as
crianças o prazer genuíno que sentimos em estar com elas, cuidar delas e auxiliá-las a se
desenvolver.

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