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Assim é que, para que esses direitos ganhem operatividade jurídica, são previstas,
atuando em sistema, algumas funções estatais necessárias à efetivação de todos os direitos
fundamentais, notadamente as concentradas no Título IV, que, para tanto, ao organizar o
exercício do poder estatal as institui em órgãos independentes coletivos e individuais,
distribuídos em seus quatro Capítulos, para que possam prover adequadamente o exercício de
segmentos diferenciados desse poder político cometido ao Estado.
Tais funções estatais são, portanto, o conteúdo e a razão de ser de cada um dos órgãos
constitucionalmente instituídos naquele Título, de modo que a existência e o exercício
independente, pleno e incondicionado de cada uma delas, se tornam implicitamente incluídos
no rol das garantias cidadãs, portanto, no todo, como um direito fundamental político.
Assim, tratando-se de Estado Democrático, o conjunto de valores sintetizado no
conceito de justiça não mais é monopolizado pelo Estado, mas passa a ser compartilhado com
toda a sociedade, para serem por ambos solidariamente realizados através de órgãos
partidariamente neutrais instituídos com funções de zeladoria, controle e promoção de
valores que, seguindo tendência mundial, se vão multiplicando para atender às crescentes
demandas das sociedades cada vez mais exigentes e pluralistas.
Portanto, para a efetiva realização dos Direitos Fundamentais nas nações pós-
modernas, tiveram que ser ampliados os instrumentos de participação da sociedade no
exercício do poder estatal, ultrapassando de longe todos os modelos que tiveram vigência
durante a modernidade, até os alcançados já com o Estado de Direito, pois que não se havia
logrado avançar além da limitada atribuição de escolha popular de representantes, reservada
meramente para o preenchimento periódico de cargos eletivos.
Está claro que, em razão da nova, expandida e complexa tessitura supra-estatal que
vinha de adquirir o Direito - uma vez ampliadamente referido a todas as expressões legítimas
das sociedades livres, em função dos valores inalienáveis inerentes à pessoa humana – como
inevitável consequência, as novas funções estatais exigidas pela dilatação conceitual da
juridicidade, não mais poderiam ficar limitadas à mera criação e aplicação da lei, muito
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menos, reduzidas a uma atuação exacerbadamente centralizada e monopolizada pela clássica
trindade de segmentos semi-estanques em que se considerava “repartido” o Poder Estatal,
sendo que dois deles – o Legislativo e o Executivo – atuando ambos em condição
politicamente restritiva, como expressões funcionais partidariamente engajadas.
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para dedicar-se mais assiduamente ao jogo do poder político, de seu acesso e conservação,
tramado entre representantes e suas respectivas agremiações partidárias, ou seja,
concentrando-se em atuações cada vez mais voltadas à mera satisfação de interesses
terciários (os atinentes aos próprios partidos políticos), passando, com isso, a produzir
resultados que, não obstante formalmente democráticos (usque titulum), o que já seria
suficiente para uma óptica juspositivista, não ofereciam uma autêntica legitimação
democrática de sua substância, já sob o critério ampliado, pós-positivista, da juridicidade
(usque finis).
Assim é que a teoria das funções neutrais, partindo da constatação dessa paulatina
erosão da legitimidade das assembléias políticas, que, muito embora regularmente eleitas,
perdem legitimidade quando se trata de aferir com imparcialidade e independência a pletora
de valores em concorrência nas sociedades contemporâneas, hoje se volta a recolher em suas
origens difusas por toda a sociedade, o conceito de justiça e a reacender seu forte luzeiro,
absolutamente necessário nas sociedades pluralistas pós-modernas, para iluminar e validar
qualquer aplicação das leis: tanto as que devam atuar voltadas ao ordenamento do estamento
social, como as que devam produzir resultados de controle no estamento estatal.
Arrolam-se, por isso, nessa linha expositiva, ao lado do bloco das funções
constitucionalizadas do Estado, um bloco dessas novas e diferenciadas funções
constitucionalizadas no Estado. Embora topograficamente a distribuição das funções na
Constituição de 1988 siga ainda uma modelagem tradicional, fica desde logo evidente a
intenção de oferecer um superior destaque axiológico aos direitos fundamentais em seus dois
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primeiros Títulos - no Estatuto da República (Título I) e no Estatuto das Pessoas e da
Sociedade (Título II) – ambos, portanto, com significativa precedência ao Estatuto do Estado
(como se desenvolverá, ao longo dos demais Títulos, do III ao IX).
Todavia, não ficam apenas nessa distribuição tópica, mas, sobretudo, na descrição das
funções, as inovações mais significativas da pós-modernidade relacionadas à distinção entre
funções públicas do Estado e funções públicas no Estado, sendo as últimas, de funções
neutrais, as voltadas ao conceito de realização da justiça, porém não mais como era
concebida, ou seja, essencialmente vinculada à legalidade, mas ampliada à plena juridicidade.
Identificam-se, portanto, cinco blocos de funções constitucionalmente independentes: de
zeladoria, de controle e de promoção de justiça, todas aplicativas do Direito e todas insertas
no Título IV – Da Organização dos Poderes.
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qualificados de toda natureza, cometidas, respectivamente, conforme a natureza desses
interesses, a cada um dos quatro complexos orgânicos em que divide: ao Ministério Público,6
à Advocacia de Estado,7 à Advocacia,8 e à Defensoria Pública.9
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de, tratar-se, essa pretensão, como ressalta à toda evidência, um lamentável retrocesso
juspolítico, que certamente tisnaria, se perpetrado, a democracia constitucional brasileira e sua
adquirida reputação internacional, logo no primeiro ano de sua maioridade.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Controle sobre contas públicas – um direito político
fundamental. Direito Administrativo em Debate. Rio de Janeiro, novembro, 2009. Disponível na
internet: <http://direitoadministrativoemdebate.wordpress.com> Acesso em : xx de xxxxxxxxxx de
xxxx.
1
Art. 70 a 75, CF.
2
Art, 70, caput, CF.
3
Art. 37, caput, CF.
4
Art. 103-B, §4º, CF.
5
Art. 130-A, §2º, CF.
6
Art. 129, CF.
7
Art. 131, CF (da União) e art. 132, CF (dos Estados e do Distrito Federal).
8
Art. 133, CF.
9
Art. 134, CF.
10
Art. 103, VII, CF.
11
Art. 93, I, CF.
12
Art. 129, §3º, CF.