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n ACONVERSA INFINITA rna linguagem, uma maneira de dizer; ou entéo, 0 nome nomeia a coisa como diferente da palavra, ¢ esta diferenca € dada apenas pelo nome, Eu nio insisto, Isto quer dizer que falamos a partir dessa diferenga que faz com que, falando, nés diferimos de falar. — Bapenas um jogo de palavras — Simm, e por que no? Ele joga com a idéia de tempo, lem- bbrando que 0 tempo tem, necessariamente, a ver com essa diferenga ¢ fazendo compreender que o giro da palavra ndo é estranho a esta curva, que € a volta da “histria” e que se realiza essencialmente agora fora de todo © presente. Depois, ele joga com essa idéia, que 16s falamos apenas pela diferenga que nos mantém afastados da palavra, falando somente porque falamos, ¢ entretanto ainda nao. Este “ainda nao” nio remete a uma palavra ideal, a0 Verbo supe- rior do qual nossas palavras humanas seriam a imperfeita imitagio, ‘mas constitui a decisio mesma da palavra, em sua néo-prescnca, ‘este porvir que € toda palavra tida como atual. Palavra tanto mais exigente por que designa e engaja o futuro, que € também um fu- turo a ser dito. Esta nio-palavra pertence & linguagem e, no entanto, cada ver que falamos essencialmente, pée-nos fora da linguagem, assim como nao estamos jamais to préximos de falar quanto na palavra que dela nos desencaminha. — Eis, entio, de novo, a estranheza desta volta em diregio 4... que € 0 desvio. Quem quer avancar, deve se desviar, o que re- sulta numa estranha andada de caranguejo. Seria este também 0 movimento da busca? — Toda busca é uma crise. O que € procurado nada mais & do que o giro da busca, que faz avontecer a crise: 0 giro critica, — Isto € desesperadamente abstrato, — Por que? Eu diria mesmo que toda obra literdria impor- tante 0 € tanto mais que ela pde em funcionamento, mais direta e Puramente, o sentido deste gito o qual, no momento em que cla Vai emergir, faz estranhamente cair a obra onde se mantém, como seu centro sempre descentrado, a inoperdincia: a auséncia de obra, — Aaauséncia de obra, um outro nome para a loucura — A auséncia de obra onde cessa o discurso, para que ve- nha, fora da palavra, fora da linguagem, 0 movimento de escrever atraido pelo exterior.” wv AGRANDE RECUSA 1 O exterior, a auséncia de obra: reservo tais palavras sabendo que seu destino ¢ ligado a esta escrita exterior & linguagem que todo discurso, inclusive 0 da Filosofia, reeobre, recusa, ofusee, por ‘uma necessidade verdadeiramente capital. Que necessidade? Aquela {4 qual, no mundo, tudo se submete € que convém primeiro no- _mear, Sem astentago nem hesitagao, sem precaugao tampouco, pois € amon, quer dizer, a recusa da morte, & tentagio do eterno, tudo que conduz os homens a preparar um espago de permanéncia onde possa ressuscitar a verdade, mesmo se ela perece. O conceito (toda linguagem pois) é o instrumento neste empreendimento para ins- taurar o reino seguro. Ineansavelmente, edificamos 0 mundo, a fim de que a secreta dissolugio, a universal corrupgio que rege 0 que “€", scja esquecida em favor desta coeréncia de nogdes € de obje- tos, de relagdes ¢ de formas, clara, definida, obra do homem tranqiilo, onde o nada nao poderia infiltrar-se ¢ onde belos nomes = todos os nomes sio belos — bastem para nos tomar felizes. Nao seria uma tarefa importante, a resposta justa a um destino insus- tentével? Certamente. Os deuses e Deus nos ajudaram antigamente ‘ano pertencer & terra onde tudo desaparece, e, o othar fixado so- bre o imperecivel que ¢ © supraterrestre, a organizar, entretanto, esta terra como residéncia, Hoje, quando os deuses Faltam, nds nos desviamos cada vez mais da presenga passageira para nos afirmar ™ ‘ACONVERSA INFINITA num universo construido & medida do.nosso saber ¢ livre deste aca- so que nos da sempre medo, porque ele esconde a obscura decisio. No entanto, nesta vitdria existe uma derrota, nesta verdade, a das formas, das nogées ¢ dos nomes, hé uma mentira e, nessa esperan- {ga que nos concede um além ilusGrio ou um futuro sem morte ou luma l6gica sern acaso, existe talver a traigio de uma esperanga mais profunda, que a poesia (a escrita) deve nos ensinar a reafirmar! 1. Perdemos a morte Porque, lutando de uma maneira soberba, com recursos ma- avilhosos, acontece forgosamente que, nesta Iuta, sacrificamos algo, perdemos para nos salvar, a verdade daquilo contra 0 que pre- Cisévamos nos precaver, Mas aqui, entramos numa ordem mais se- ereta dizendo com palavras reveladoras: perdemos a morte. Perdemas a morte? O que se quer dizer com isso? Terfamos es- quecido que somos mortais? Seré que no estamos a todo instante mencionando 0 que nos faz mortais”” Nés metcionamos, mas part doming-lo com um nome e, em nome do qual, no final, nds o aban- donamos, Toda nossa linguagem —c é esta a sua natureza divina ~ Gagenciada para revelar no que “é", no o que desaparece, mas 0 ‘que sempre subsiste c que nesta desaparigio se forma: o sentido, a idéia, o universal: assim ela no conserva da presenga, sendo aqui- Jo que, verdadeiramente tampouco é, escapando i corrupgao, a mar~ eae 0 selo do ser (a sua gléria também). O reevo diante do que tnorre € recuo diante da realidade. © nome é estével ¢ estabiliza, mas deina perder-se 0 instante tnico ja desvanecidoy da mesma for- ma que a palavra, sempre geral, desde sempre erra o que cla no- meia. E claro que, também, temos vocdbulos para designar isto, visto que acabo de meneioné-to, e com que facilidade. Falamos da 1. igo agu um movimento o qual Yes Bonnsfoy em um Hv jé misero- samen eclareido por seu titulo (Limprobable - 0 amprovvel, busca eupnaro eapogo de onde a poesia nos flac onde cla se reaiza,esPHG0 hee previo cto stuar po su ugar "na economia ger do er. E pos, sevameme a questo das questes,agucla gue esapa 20 qustonatinto do dese [A GRANDE RECUSA 15 sealidade sensivel, da presenga daquilo- que € presente, 0 ser de um instante num lugar fortuito au, como faz. vda poesia edmplice da panalidade, “aquilo que jamais seré visto duas vezes". Mas ~e aqui Yves Bonnefoy choca-se dolorosamente com Hegel ~, apenas dis- se eu agora que, nesta Gniea palavra que diz-ao mesmo tempo to- dos os “agora” em sua forma geral © em sua presenga eterna, furtou-se este Gnico agora dito aqui, o enigma proprio daquilo que dissolveu-se nele ¢ em torno do qual eu posso multiplicar as sin ularidades, sem fazer nada além de alterélo mais, tentando pariculari2é-lo com a ajuda de tragos universsis de surpreendé= qo desaparecendo por uma caplura que © ctemniza. Eis-nos, entio, ‘caidos na deslealdade de nio- sei que armadilha, a partir da qual ‘Yves Bonnefoy, num esforgo extremo, vai buscar, para ele ¢ para nos, através de imagens, e pelo apelo que ele sabe ouvir nelas, © ‘eaminho do retorno, procurando recuperar © ato da presenga. 0 vei dadeiro lugar onde se retine numa unidade indivisa aquilo que “ festa folha de hera quebrada, esta pedra nua, um passo perdido na noite. Mas aqui eu pararia, nio para crticar esse caminho ~ ele tem tum poder de atrago, um alto sentido a0 qual nfo deyemas nos fur- are, mas para ver melhor © que esté em jogo neste movimento, ‘Direl somente que Yves Bonnefoy talvez se equivoque seguindo Hegel e a0 mesmo tempo fugindo dele, sorrateiramente. Falando do conccito, & da filosofia, assim. como cla s¢ organiza em Hegel gue ele fala, mas cle fala do conceito como de um instrumento tes ves do qual 0 pensamento inventou a recuse e o esquecimento da norte, Ele se exprime entio de uma forma que situa mal, acredito, fun oposigo. Porque (repito isso sem maiores consideragdes, pois ete saber esté profundamente inscrito em nés), a forga do-concei- to nfo é recusar, Mas Ler, a0 Contrério, introduzido no pensamento, a negagio propria } morte, para que nesta negacao desapareya toda forma enrijecida do pensamento ¢ que este se torne sempre dife- rene de si mesmo. A inguagem é de natureza divina, no porque homeanda ela etemize, mas porque, diz Hegel, “ela inverte imedia 7 ‘ACONVERSA INFINITA tamente o que nomeia, para transformé-lo numa outta. coisa”, no dizendo aquilo que ndo €, mas falando precisamente em nome deste nada que dissolve tudo, sendo devir falante da propria morte © zno entanto, interiorizando esta morte, purificando-a talvez, para re- duzi-la a0 duro trabalho do negativo, pelo qual, num combate incessante, 0 sentido vem a nés ends a ele. Nio trairei 0 autor do L’improbable, localizando mais exata- mente 0 scu desafio. Mas a que prego 0 espfrito e a linguagem ‘conseguiram fazer desta morte, por espantosa vocagio, um poder? Idealizando-a, De fato, 0 que ela ¢ agora? Nao mais a dissolugdo imediata cm que tudo desaparece sem pensamento, mas esta morte famosa que € 0 comego da vida do espirito. Como impedir-se de ver nesta deturpagdio idealizante a escuridio mesma ¢ a negra rea- lidade do acontecimento indeseritivel que se perderam, {ransformadas por nés, gragas a um espantoso subterfigio, em meio de viver ¢ em poder de pensar? Encontramo-nos pois, diante do que € preciso chamar: “a grande recusa”, recusa de ficar junto do enigma que ¢ a estranheza do fim singular. Em tomo do cadaver de Lézaro em decomposigio, hé uma curiosa assembleia de sibios e algo parecido a uma luta finalmen- te quase risivel, andloga, enirctanto, a este “combate de gigantes” ‘em tomo do ser, de que falou a ironia de Plato. Qual é a verda- deira morte? Alguém diré que 0 dom definitivamente corajoso, a presenga de espiito est com aquele que, sem afundar-se na reali- dade cadavérica, é capaz de nomeé-la, fixando ¢ entendendo e nesta compreensio, de pronunciar © Lazare veni foras, pelo qual a mor- te se tornard principio, a terrivel poténcia na qual a vida que @ ccarrega deve manter-se para dominéela e af encontrar a realizagio de seu dominio, A tentagio do repouso, o abandono covarde, a pre tiga que abdica, consistem entio em recair ao nivel da natureza € em perder-se no nada sem pensamento, esta banalidade vazia e insignificante. ‘Ao que, 0 outro responderd, mais obscuramente € com vor necessariamente mais baixa: Mas o que este Liizaro salvo ¢ res- suscitado que vocés me oferecem tem a ver com o que esté af € que vos faz. recuar, a andnima corrupgio do timuto, 0 Lézaro f do, perdido, ¢ no © Lézaro restitusdo ao dia por uma poténcia sem [A GRANDE RECUSA 7 divida admirivel, mas precisamente uma poténeia que vem nessa ecisao, da propria morte; que morte? A morte compreendida, pri- vada de si mesma, tornada a pura esséncia da privagio, a pura egagio, a morte que na recusa apropriada que ela constitui para si mesma afirma-se como um poder de ser ¢ como aquilo pelo qual tudo se determina, se desdobra em possibilidade. Talvez de fato, serd a verdadeira morte, a morte que se tomou 0 movimento da ‘verdade, mas como nfo pressentir que nesta morte verdadeita.fur- ‘tou-se efetivamente a morte sem verdade, 0 que nela ¢ ireedutivel ‘20 verdadeiro, a todo desvelamento, aquilo que nunca deixa de se mostrar nem de se esconder nem de aparecer? De fato, quando eu falo, reconhego que somente existe palavra porque 0 que “é” de- sapareceu naquilo que © nomeia, fulminado para tornar-se a realidade do nome: a vida desta morie, cis © que € admiravelmen- te a palavra, a mais ordindria e, num nivel mais clevado, a do conceito, Resta no entanto que ~ € seria cegueira esquect-lo e co- vardia accité-lo -, 0 que “é” precisamente, desapareceu: algo estava, que nio esté mais af; como reencontrar, como recuperar em minha palavra, esta presenga anterior que precisa excluir para falar, falar dela? Aqui, evocaremos 0 eterno tormento de nossa linguagem, cuja nostalgia volla-se para aquilo que sempre faz falta, pela necessi- dade na qual se encontra a linguagem de ser falta para o dizer. 2. A questio, o tormento do imediato Mas 0 que falta? Podemos, agora que localizamos ¢ delimi- tamos esta estranha presa, sempre sombra quando apanhada, debrugados com Yves Bonnefoy sobre este vazio ~ talver por cau- sa de sua plenitude — que ndo 6 somente 0 mais antigo timulo, mas toda a coisa sensivel em seu frescor de novidade, podemos nés, tendo tio resolutamente sacrificado 0 que s6 encontramos na re- jeiglo, surpreender enfim, esclarecer talvez 0 que esti em jogo, nesse combate que niio € mais Cruzada eu Disputa em tomo do Sepuleto vazio, mas o “combate das origens"? Numa palayra, sim, com a condigio de pedi-lo Aquele para quem este sacr sua palavra e até em sua vida, foi 0 dilaceramento da descoberta aque, uma ve7, afirmou: ‘ACONVERSA INFINITA Mas agora amanhece! Eu esperava, eu 0 vi chegar, Eo que ew vi, o Sagrado seja minha palavra, Das Heilige. 0 Sagrado, palavra augusta, plena de clardes ¢ ‘como que proibida, que talvez, pela forga de uma reveréncia de- masiado antiga serve apenas para dissimular que cla nada po: dizer. Mas aproximando-a daquilo que Yves Bonnefoy indica a de, no serfamos levados diante de um saber to simples que 56 pode nos desencantar, dizendo, de nossa parte, e recusando diz lo: 0 Sagrado é a presenga “imediata”, & este corpo que passa, e é seguido e apreendido até a morte por Baudelaire, € esta vida sim- ples d flor da terra que anuncia René Char; 0 Sagrado ni €, ent, nada mais do que a realidade da presenga sensivel. Sim, saber fi- cil, de fato trangiilo, a nosso alcance - ¢ no entanto “amargo saber", porque € preciso logo, conservando nossa afirmacao, inverté-Ia e conferir-Ihe sua forga de enigma, dizendo agora: a pre- senga é o Sagrado — aquilo mesmo, “que nfo oferece nenhum porto de apoio nem de parada, terror do imediato que impede toda apreensio, comogio do caos"?. Se isto € certo, mesmo se ainda ndo sabemos precisamente de que nos aproximamos, compreendemas melhor porque esta “presenga real”, cuja promessa Yves Bonnefoy quer nos devolver -e da qual as vezes ou fala tio facilmente ou recusa dizer algo, en- tregando-nos retirando-nos o dom inalcangdvel, obrigando-nos, ‘quando o temos, a esperé-lo ainda numa busca imével, numa ca- minhada de provagdes onde se consome a vida. De fato, nio se trata mais desta dificuldade de certa mancira técnica, ou abstrata, que \inhamos, na medida do possfvel, delimitado. Acontece que, em meio & dificuldade de nosso enfoque. existe este pressentimento ‘que, virando-nos por um impossivel movimento. para ver frente frente o que somos autorizados a olhar apenas nos desviando, aqui ‘que veremos, o que na verdade desde sempre ja vis ~ que o cha- ‘memos de sensivel ou de corpo terrestre -, € 0 proprio divino, aqui- lo que sempre os homens designaram indistintamente por este nome. Bis tode o segredo. Por isto, Bonnefoy falar de teologia 2. Heidegger, comentando Holden. |AGRANDE RECUSA *® negativa, falard de realismo iniciatico, prometer-nos-4, por uma pa- lavra na verdade perigosa, a salvagdo, enquanto se trate apenas de “perceber no flanco de alguma montanha, uma janela no sot dda noite”. Encontramo-nos, assim, no cee do debate mais sério, onde se joga talver nosso destino. Seria necessério afirmar com Hege! que, este imediato, a singularidade imediata (intuigao ou visto ine- favel) nio € nada, apenas a mais va ¢ rasa banalidade ~ ou entio: folado ¢ salva, 6, desde e para sempre, 0 pr6prio ser em set timo? Seria necessfrio afirmar, sempre com Hegel ou talvez Mart, que 0 que vale neste imediato, nio o encontramos no comeco, jas no final © em todo o desenvolvimento de nossa histéria, de nossa linguagem ¢ de nossa agio, ou seja, 0 Universal concreto, finalidade de um combate sem fim, nao aquilo que € dado, mas aquilo que € conquistado pelo trabalho da mediagao ~ ou entio, se nio hé nenhuma “experiéncia” nem vocacdo da presenga (garantia nio garantida de tudo 0 que € presente), diremos que nds nos en- tregamos sempre mais & grande recusa, perdendo de vista aquilo 1 partir do que podemos somente comegar a ver ¢ talvez falar? En- fim, daquilo que é, como Bonnefoy o designa com benevoléncia, © imediato origindrio, falamos com facilidade, mas podemos dizé-lo? Existe poesia) quando aquele que teria visto © ser (a au- sincia de ser sob-erGthar montificante de Orfeu), poderia também 3, Num belo texto de Phillippe Jaccottet, publicado no volume XXU! de Borteghe Oseure, encontro, estabelecido ou plasmado no posma, a mest felago misteriosa entre 0 que pode parecer a realidade a mais simples (ov a simplicidade do real) € 0 eaminar de um deus, a passagem de um deus ‘Da mesma fori, Claude Vigée, poeta do exfio, em exilio, tenta dizer @ realidade da presenga: “Toda poesia 6, no fundo, um sinal de agradcimen: to Aguilo que &. Mas ele diz também: "O poema nio & o ser. Antes, ele reper le exforgo-em direg0 ele, depois testemuna, através dct au Je que se dissiula entre tantos rostos. Nao incensa nenhurna de suas lin suagens..” Journal de V6 indien — Dirio do verdo indiano) © [ACONVERSA INFINITA reter sua presenga quando fala, ou apenas lembré-lo, ou ainda tmanter aberia, pela palavra postica, essa esperanga daquilo que se abre aquém da palavra, escondido ¢ revelado nela, exposto e por ela trazido? Eis algummas questdes. Mas nio haveria uma outra, quer di- zer, uma outra maneira de jogar com clas sem reduziclas & forma ‘que nos obriga a escolher entre uma palavra dial 8 0 imediato para confiar-se exelusivamente-®farga mediadora) € uma visio (uma palavra de visio, visionéria também, que fala apenas na medida em que se vé, entrando pela palavra na visio e, Pela visio imediatamente atrafda no ser que seria luminosa abertw- +a)? Do imediato, nfo poderia haver apreensio imediata (Holderlin © diz com sua forga terrivel no fragmento intitulado Le plus haut = (O mais elevado). O imediato exclui todo imediato: quer dizer, toda relagio direta, toda fusio mistica e todo contato sensivel, as- sim como se exclui ~ renuncia & sua imediatidadle ~, cada vez. que, para dar acesso, ele deve submeter-se & mediagio de um interme- disrio. Pareee que somos, entio, sempre recusados, Reflitamos en- {retanto sobre esta estranheza: “o imediato exclui todo imediato”. ‘Tentemos perceber que nio se trata de uma simples contradigio. entre & presenga € © acesso & presenca ou representagio. “O ime- diato excluindo todo imediato, assim como toda mediago", nos diz algo sobre a prépriapresenga. A presenga imediata é presenga da- quilo que no poderia estar present, presenga do nio-aeessivel, presenga excluindo ou ultrapassando todo presente, Quer dizer: 0 imediato, ultrapassando infinitamente, pelo fato mesmo de sua pre= senga, toda possibilidade presente, € presenga infinita daquilo que permanece radicalmente ausente, presenga sempee infinitamente outra em sua presenga, presenga do outro em sua alteridade: nio- presenga. O que podemos concluir a respeito destas proposi¢ies? Nada, por enquanto, A ndo ser que: 1* quando se interroga sobre a presenga imediata, tentando conservar no pensamento 0 imediato como 0 abalo fundamental, no se pretende privilegiar a relacio direta, seja cla contato mistico ou sensivel, visio ou efusio; 2" se “a rigor o imediato € impossivel. tanto para 0s mortais quanto para 6s imortais”. & que talvez # impossibilidade — uma relagio que es- capa ao poder - ¢ a forma da relago com o imediato: 3 enfim — GRANDE RECUSA a qui nos aproximamos da questéo decisiva -, se 0 imediato é pre- senca daquilo que, ultrapassando, exeluindo todo o presente, € infinitamente ausente, a Gnica relagio com o imediato seria uma relagio reservando uma auséncia infinita, imtervalo que, entretan- to, no mediatizaria (no deveria nunca desempenhar a fungio de intermedistio). 3. O apelo desejante, a palavra Agora, talvez.devamos voltar & palavra de Hlderlin, Ela nio nos dé resposta. Mas, ein seu sGbrio e simples rigor, encontramos reunido tudo aquilo que aqui foi questionado. Primeiramente, © agora que Bonnefoy deu como alvo da poesia, e que. com a imp: cigncia da primeira claridade, irrompe, com 0 comes do verso: Agora, eis 0 dia? Depois, imediatamente ap6s 0 clario deste pre- sente no qual o dia amanhece, perdemos o dia ¢ recafmos no passado, obrigados a reviver 0 infinito da espera, este tempo do abandono ¢ da privagio sem companheito: Ee esperava. Espera sem fim, existéncia reduzida i estéril expectativa sem presente, que no entanto € também espera rica, plena do pressentimento- no qual se prepara a vinda ¢ a visio daquilo que sempre vem: Eu esperavar ¢ vi chegar. O que € visto? A vinda, Mas 0 que vem? Isto perma nece indeterminado, ou melhor, é dito no neutro, embora, neste indeierminado nese neutro, esteja certamente compreendida a aproximagio do “agora” no qual o dia amanhece, mas que no po- deria ser visto diretamente, que € visto apenas enquanto vinda, sendoo dispensador de tudo aquilo que pode advir, Mas agora o dia nasce! Eu esperava ¢ 0 vi chegar, Da mesina maneira que, neste primeire verso temos uma al- temincia © uma oposig’o dos tempos, remetidos do claro do presente a dor da espera sem presente, no segundo verso passamos de novo de um tempo rememorado a um presente, mas um presen- te de um outro tipo, na nuanee do qual joga-se, me parece, todo nosso destino pottico: E aquilo que eu vi, 0 sagrado seja minha palavra. ACONVERSA INFINITA, ‘Vou me limitar a duas observagdes. Primeira incerteza: agui- lo que ew vi. Fica declarado que algo aconteceu, que a visio ‘corte: 0 que € 0 visado par esta visio? Podemos pensar: 0 Sa- grado. E isto que, em geral, as tradugdes francesas explicitam, pontuando © texto desta maneira: “E o que vi, o Sagrado, seja mi- ‘nha palavra.” Mas no original, nao ¢ assim, onde, no momento de quebrar o lacre ¢ de revelar enfim o que, por intermédio do pocta, fomos uma ver destinados a ver, 0 verso se interrompe, calando- se um instante, antes de tomar {lego para dar forma, com uma forga urgente, a.um novo presente. Mas que presente? O do desejo (em que porno = ene apresenta), que € 0 desejo poético Por exceléncia: 0 Sagrado seja minha palavra. Que o Sagrado seja minha palavra: eis, neste tipo de oragdio exclamativa ¢ de apelo de- sejante, tudo o que nos € revelado da relacao entre o pocta, a palavra c 0 Sagrado. Hélderlin nao diz que viu 0 Sagrado ~ ele io poderia dizé-lo ~ ele pode somente, tendo visto, com um mo- ‘vimento que evoca ¢ invoca, entregar-se a0 futuro da promessa fundamental: 0 Sagrado seja minha palavra. Por um lado, perce- bemos a extensiio de sua ambigdo: nio se trata somente de falar sobre © Sagrado, em torno do Sagrado, mas o Sagrado: deve ser a palavra.e mais, minha pr6pria palavra: stplica que deve ser esti- amente qualificada como insensata. Mas, por outro Tado, vemos extrema contengao de sua ambicZo, visto que tudo se limita & exi- géncia de uma promessa, dé maneira que finalmente “aquilo que cu vi nfio € talvez nada mais do que o presente desta promessa, esta determinagio provocadora que reine, numa intimidade de de- pendéncia © por um contato jé saceflego, o Sageado ¢ a palavra na ponta extrema do desejo. Desenlace que seremos, novamente, tentados a achar de- cepcionante se, no momento em que o presente sagrado se declara para nds em seu agora, nio temos com ele outra relagio sentio a do desejo e podemos atingir apenas nossa intengdo de nomeé-lo com 0 nome mesmo que the damos. O desejo, € pouco. © desejo ‘no € um movimento puramente subjetivo? Talvez fosse muito mais como o pressentimos quando René Char diz, no mesmo movimen- to que abre 0 verso de Hélderlin: O poema € 0 amor realizado do desejo que permaneceu desejo. Mas talver conviesse antes afastarmo-nos destas divisdes ~ sujeito, objeto ~ tomadas de em- ‘A GRANDE RECUSA 8 préstimo ao saber especifico deste mundo no qual a verdade se ‘constrGi; da mesma forma, quando Yves Bonnefoy, opondo-se i cla- reza do conceito, toma decididamente o partido do-sensivel, ele bem sabe que entrando no jogo das oposigses ¢ das determinagdes ela- bboradas precisamente pelo racional, ele pensa c fala ainda no imerior e em proveito desta ordem conceitual que ele pretende re- -cusar, ou pelo menos delimitar 0 valor. Mas 0 desejo & aquilo que 0 texto que comentamos chama também de esperanga. “Eu gostaria de reunir, gostaria de quase identificar possia’¢ esperanga.” © que quer, 0 que diz esta expe- ranga? Qual € sua relagSo com a poesia e seu ato ou seu lugar? 0 Como escomrix 0 oBscuRO? A esperanca nfo € qualquer esperanga. Assim como existem dduas poesias “uma quimérica, mentirosa e fatal”, assim também “existem duas esperangas”. A esperanga postica deve ser reinven- tada, ou ainda: ¢ 4 poesiYNe compete “fundar uma nova speranga". A esperanga quase identficada com a poesia ~ de ma- ‘Sher qur rTeatidade da poesia seu a realidad de ae SGpMEo vingD Rep CET HON Oe POCA ocala) meio desta nova esperanga, Dafesta afirmagio: a poesia é um meio e nfo um fim. esperanca deve ser reinventada, Isto significaria que o alvo des Sprang ser amore, um blo uur pico ‘08 ainda esta magnificéncia do imaginério que alguns romanticos, como se diz, tinham como horizonte? De forma alguma. A mé es- peranca é aquela que passa pelo ideal — o céu da idéia, a beleza 4. Nao creo, entretante, que S¢tenha o diteito de se expressar assim. A poe sia no € um meio, como tampouco tm fim: ela no poderia pertencer ‘order 3 qual convém tal agenciamento de nogbes. & ‘ACONVERSA INFINITA dos nomes. a salvacio abstrata do conceito. A esperanga € espe- ranga verdadeira pelo fato de pretender dar-nos, no futuro de uma promessa, aquilo que é. Aquilo que é, € a presenga, Mas a espe- ranga ¢ to somenie esperanca. Existe esperanca, se ela se relaciona nge de toda a apreensio presente, de toda a possessio imediata Soa weiss empes oewiy c wealver nia vi emai Desperanga proclama a vinda Cxperada TaqUilO GUE WHO exIe ait” Genre come aperINGE Quanto mais distante ou mais Ge eo objeto da esperanga, tanto mais a esperanga que © afirma € pro- funda ¢ préxima de seu destino de esperanca: tenho pouce a esperar, ‘quando aquilo que espero esté quase a meu aleance. A esperanca revela a possibilidade daquilo que escapa ao possivel: ela é no li- mite, a relagdo restabelecida, 1é onde esté rompida. A esperanga é a mais profunda, quando ela mesma se afasta se despoja de toda ‘esperanga manifesta, Mas, a0 mesmo tempo, ndo devemes espe- rar, como num sonho, uma ficg3o quimérica: é contra isto que se indica a nova esperanga. Esperando, nfo 0 provavel que nio & a medida daquilo que se pode esperar, no a ficgdo do irreal; a e ranga verdadeira —o inesperado de toda esperanga ~ € a alirmagao do improvivel e a expectativa daguilo que é Na primeira pagina de scu livro, uma das mais belas, Yves Bonnefoy escreveu: “Dedico este livro ao improvivel, quer dizer, Aquilo que é. A um espirito de vigi AvTeologias negativas. A uma poesia desejada, de chuvas, de espera e de vento. A um grat de realismo que agrava a0 invés de resolver, que designa o obscuro, que considera as claridades como nuvens sempre evanescentes. Preocupado com uma clevada ¢ impraticavel clareza. Por que o improvavel? E como aquilo que & seria o imprové- vel? O improvavel escapa & prova, no pela auséncia tempordria de uma demonstragao, mas porque nunea aparece onde se deve pro- var. O improvavel & 0 que se ergue, mas nio por aprovagaio de uma prova. © improvével nao ¢ somente aquilo que, permanecendo no horizonte da probabilidade ¢ de seus cilculos, seria definido por uma probabilidade relativamente baixa. O improvivel nao & muito pouco provivel. Ele € infinitamente mais que 0 mais provavel: “quer dizer, aquilo que €". No entanto, aguilo que é permancee 0 improvavel. |AGRANDE RECUSA 6 ‘O que nos quer dizer tal palavra? Gostaria de esclarecé-lo tra- duzindo-o assim: se_houvesse entre_a_possibilidade ea s{mpossibilidade um ponto de encontro, 0 improvavel seria este pon- to. Mas. o que nos dizem estas duas novas palavras? eee las pertencem a nosso vecabulério de todas os dias, Diz-se: juando um aconteci mento suposto ndo se choca, no ho- inte que esté aberto, a nenhum impedimento categérico. E possivel: a l6gica no 0 profbe, nem a ciéncia, nem 0 costume fa- zem objegio. Possivel, entio, € uma moldura varia, € 0 que no ‘est em desacordo com o real, ou © que ainda nao € real, nem de resto necessario, Mas estamos sensiveis, hé muito tempo, a um ou- {ro sentido. A possibilidade nao € 0 que s6 € possivel e deveria ser olhado como menos do que real.,A pos tido, € mais do que a reali Aqui, vemos logo que 0 flomem nao Tem somtenic possibilidades, mas cle ¢ sua possibilida- de. Nao somos nunca pura e simplesmente, nds somos apenas a partir ¢ em fungio das possibilidades que somos. E uma de nossas dimensdes essenciais. A palavra possivel se esclarece entio, em re- Iagio com a palavra pode e-TEpois com a palavea potd fo FRITo)-Em que medida a poténcia € uma allerapto, é uma definigdo da possibilidade? Com esta, pelo menos, comega & poténcia, determina-se a apropriagao que se realiza ma posse. Até a morte ¢ poder: nio é um simples fato que vai me acontecer, acon~ tecimento objetivo ¢ constativel. Af vai cessar meu poder de ser. ai no poderei mais estar, Mas, spot pes pores na ‘na medida em que ela me perience” [Amim, visto que nin- SPENT inh eee por mine em es BE SSE futuro iminene, esta reTaglo-a mim sempre aberia ‘Signo de homeM. Em aproprio da morte como de um poder, ten- do ainda uma relagio com ela, eis 0 ponto extremo de minha determinagdo soldria. Vimos que a more retomada como poder, % ACONVERSA INFINITA comego do espirito, ests no centro do universe onde a verdade & 0 trabalho: da verdade Nesta perspestiva, nossas relagdes no mundo ¢ com o mundo, so sempre, finalmente, TETRTES Ge porencia, onde a poténcia esta RULFEMAT Ha possibilidade. Ficando nos tragos mais aparentes de nossa Tinguagem, quando falo, tenho sempre uma relagao de po- téncia, Eu pertengo, quer saiba ou nao, a uma rede de poderes da Guarme sirvo, Twiando contra a powneia que se afirma contra mim. TOOT PINNTA € violéncia, violéncia tanto mais TEMIVET GUANO se~ Greta €-0 contro seoreTO UT WOTECTE, violencia que se exerce jz Sobre aquilo que a parnTTa TOMETTE Gue ela ndo pode nomear se nnio retirands dela a PIESEMGS— sinal, nds 0 vimos, de que a morte TESSTMTOMTE THEE FOCTT, quando cu falo. Ao mesmo tempo, sabemos que quando se discute no se Iuta, A linguagem ¢ a agao pela qual a violéncia aceita nao estar aberta, mas excondida, renun- iar a se esgotar numa ago brutal para reservar-se visando um dominio mais potente, no se afirmando mais desde entio, mas no eentanto no ceme de toda afirmagio. ‘Assim comega este espantoso futuro do discurso- onde a vi Hencia secreta, desarmando a violéncia aberta, acaba por tornar-se ‘aesperanga e a garantia de um mundo liberado da violencia (em- bbora constituido por ela). Por isto (€u 6 digo, en passant, ¢ essas coisas 86 podem ser ditas en passant} somos tio profundamente ultrajados por este uso da poténcia que se chama tortura. A tortura € 0 recurso & violencia ~ sempre sob a forma da técnic7=TOMS MAMIE We Taver TaTara VrOTEneTa aperfeicoada ow camuflada em recmtcrquerque se fale, quer uma palavra; que palavra? Nao esta| patavia de violencia — nio-Talante, inteiramente falsa ~ que logi- ‘camente ela pode apenas esperar obter, mas uma palavra verdadeira, livre ¢ isenta de qualquer violéncia. Esta contradiga0 nos ofende, ‘mas também nos inquieta, porque nesta igualdade que ela estabr- lece © neste contato que ela restabelece entre violencia ¢ palavra, ela reanima e provoca esta terrivel violencia que & a intimidade si- Tenciosa de toda palavra falante, e assim ela recoloca em causa a ‘verdade de nossa linguagem compreendida como didlogo, e do didlogo compreendido como espago de poténcia exercida sem vio~ lencia ¢ lutande contra a poténcia, (A férmula: “Vamos submeté-Io |AGRANDE RECUSA o A razo”, que se encontra na boca de todo mestre de violén ‘clarece bern esta cumsplicidade que a tortura tem por ideal de afirmar ‘entre a razio ¢ ela prépria). 5. O pensamento (do) impossivel: a outra relagio Desde que temos relagio, no campo aberto & possibilidade ¢ por cla, a poténcia ameaga. A compreensio, inclusive, modo es: sencial da possibilidade, € esta subsungao que retine 0 diverso no Td, METUTET 0 diferente € relasiona o outro com o mesmo, por TMT FEUGIO que 0 movimento dialético. apds um longo caminho, faz comcidir com a superagio, Todas estas palavras: subsungao, TBETTTTCAgTO, redugo escondem esta rendigo qué existe como sua _ medida no conhecimento, & preciso concordar, é preciso que,aquilo {que tem que ser conhecido, oaesconhecido, deve render-se a0 co- MCCTIO_ SUES CLAY esta questIO-aparentemente inocente: nao ‘existem relacdcs, quer dizer, uma linguagem que escape a este mo- vimento da poténeia pelo qual o mundo nio para de se realizar? Neste caro oxlas relaqes © ee TARRAEC ESCapariam também & possibilidade. Questio inocente, mas ela mesma jé se questionan- do i margem da possibilidade, e no entanto, para conservar sua dignidade de questio, nio devendo dissolver-se no éxtase de uma resposta sem pensamento a qual ela corre o risco de conduzir. Scguramente, pressentimos, empregando esta palavra, como que por acaso, que a impossibifidade nao podria set um movimento visto que nos verfamos com ele retirados deste espago onde, pelo proprio fato de viver e morrer, exercemos, mesmo que nega- tivamente, um poder, Da mesma forma, @ pensamento do impossivel, se fosse aceito, seria, no préprio pensamento, uma ¢s- pécie de reserva, um pensamento que nao se deixa pensar no modo da compreensio apropriadora. Eis uma perigosa diregio e um es- tranho pensamento. E preciso, entretanto, acrescentar que,o impossivel nao esta ai para fazer capitular © pensamento, mas para Saxe to amuncrarse sepOete om omrarmediaa aiferente daquela do POUT QUE MRO wri esta? Talves precisamente & medida To oTIFO- vo OuNFO ENquanTO OUtTO, € Nao mais ordenado segundo a Tareza daquilo que o adequa ao WETITT ACTedTaMHOs POSSUM © 8 ACONVERSA INFINITA, Pensamento do estranho e do estrangeiro, mas na realidade temos apenas 0 do familiar, nfo 0 do longinguo, mas o do préximo que © mensura, Do mesmo modo, quando falamos da impossibilidade, € apenas a possibilidade que, Ihe fomecendo referencia, sarcastica- mente ja a submete. Um dia chegaremos entdo a uma interragagio deste tipo: o que é a impossibilidade, este ndo-poder que ndo se- tia a simples uegapda da poder? Ou ainda como descobrir © obscure? como colocéclo as claras? Qual seria esta experiéncia do obscure na qual o obscuro se daria em sua obscuridade? ‘Continuando a questionar, nos perguntariamos: se existe pos- sibilidade, uma vee, que sempre podendo somos este ser precoce, para o futuro, que até no atraso ~ que ele também é— toma inicia- livas e se previne, nao teriamos a chance de ser levados numa experigncia diferente, que seria a de um tempo indigente, como que privado dessa dimensio de ultrapassagem, parado portanto, sem nunca ter sido obrigado a passar? Experigacia que nés nao temos que ir buscar muito longe, pois € dada noGoftiment*Agnal e, em primeito lugar, fisieo. Sem duvi- da, onde 0 sofrimente é contido, ele ainda é suporiado, sofrido certamente, mas com a paciéncia que nds temos em relagio a ele, recuperado ¢ assumido, retomado ¢ até compreendido. Mas cle pode perder esta limitagao; sua esséncia consiste em ser desde sempre desmedido. 0 sofrimento € sofrimento, quanda nao se pode mai suporté-lo e por causa disto, neste. ndo poder, nio se pode deixar de agibenté-lo. Situago singular. O tempo esté como que parado, confundide com seu intervalo. O presente af nao tem Tim, separd- To de qualquer outro presente por um infinito inesgouivel e vazi0, {infinite mesmo do sofrimento, ¢ por isto, destituido de todo fu- ufo: presente sem Tim € no culanio impassivel como presente: 6 presente do sofrimento € o abismo do presente, indefinidamente veto EEN ESET ern caMENTE Mnchaco_radicalmente Exterior & possibilidade de ai estar presente pelo dominio da pre- stiga_O GueWoTICceU? O sofrimento simplesmente perdeu o Empoe mos fer perdé-lo, Nesse estado estariamos livres de toda perspectiva temporal ¢ libertos, salvos, do tempo que passa? De forma alguma: entregues a um outro tempo — 0 tempo como outto, como auséncia ¢Teutralidade -, que precisamente no pode mais |AGRANDE RECUSA 29 ‘os libertar, no constitui um recurso, tempo sem acontecimento, SEATPIG[eto, sem possibilidade, perpetuidade instivel, e nio este puro instante imével, centelha dos misticos, mas nesse tempo pa- ado, ineapaz de permanéncia, nio ficando € no permitindo a simplicidade de urna estincia, Esta experiéncia, assim esclarecida, tem uma aparéncia paté- fica, é preciso admiti-lo, mas com a condigio de nao dar & palavra pathos apenas seu sentido patético. “Trata-se bem mais do que este estado paroxéstico onde o eu grita € se dilacera, de um sofrimento como que indiferente, nio sofrido, neutro (um Fantasma de sofri- mento), se aquele que sofre esta privado, justamente pelo sofrimento, deste “Eu” que o levaria a softer. Fica pois evidente: ‘caracteristica de tal_ movimento & de escapar a nosso poder de Experimentélo, pelo Tato de estarmos nele, © assim, de-ele noes: ‘ar Tora da experigncia, mas de ser a experiéncia da qual no demos cxCapar. Experiéncia que Tepresentaremos come estranha eae mesmo experiencia da estranheza, mas se for, reconhegamos que ela nao o €, porque demasiadamente distante: 20 contrario, 0 que existe de tio préximo de forma que todo 6 recuo em relagio & cla nos € proibido ~ estrangeira na propria proximidade. Mas o in- Iciramemte proximo que destri toda a proximidade, temos,” para designi-lo, uma palavra diante da qual nos encontramos de novo, Pimediatdso imediato que nao permite nenhuma mediagao, a au- Sencrrde-seharagiio que é auséncia de relagio e também a separaczo infinita, porque ela nio nos propicia a distancia e o futuro neces- sGrios para que pudéssemos nos relacionar, chegar até ele, Podemos comesar a desconfiar que assim, a “impossibilida- de” ~ 0 que escapa sem que haja meio de escapar ~ nio seja o privilégio de tal experiéncia excepcional, mas esté, como sua ou- fra dimensio, por trés de cada uma delas. E, também, que se a possibilidade tem sua fonte em nosso préprio fim, ela define como nosso poder mais particular, segundo a demanda de H@lderlin: “Pois, ‘émorter que quero ¢ para homem é um direito,” B desta mesma fonte, mas agora originalmente lacraca, ¢ recusando qualquer re- curso, que a “impossibilidade” ¢ originéria: onde morrer 6. perdendo 0 tempo de nosso fim possivel, engajar-ce no “presente” mimo aa MORE Tpossivel de morrer, presente para o qual a ex 0 [ACONVERSA INFINITA, periéncia do sofrimento esta manifestamente orientada, cla que nio nos deixa mais tempo de concluf-la, mesmo morrendo, tendo as- sim perdido a morte como termo. 6. A paixdo do exterior Aqui, teremos que perguntar se ainda nao atingimos um pon- to a partir do qual atentarfamos para aquilo que até agora se oferecia somente como 0 avesso da possibilidade. Isto nao € evidente. En- tretanto, ganhamos alguns pontos: primeiro, que na impossibili dade, 0 tempo muda de sentido, nio se d4 mais a partir do futuro como aquilo que junta ultrapassando, mas é a dispersio do presente que nao passa, sem deixar de ser apenas passagem, nunca se fixa num presente, nem se refere a nenhum passado, nlo- vai em diregdo a nenhum futuro: o GicesTaMe~Segundo ponto: na impossibilidade, 9 imediato ¢ a presenga na qual nao se pode estar presente, mas da wal nao s¢ pode afastar-se, ou ainda aquilo que eseapa, porque Sale a ve ghey apnemanel ae qed e e ‘Terceiro ponto: que na experiencia da Tmpossibilidade, © que rege no € o recolhimento imével do nico, mas a invers%o infinita da disperséio, movimento nao dialético, onde a contrariedade € estra~ nha & oposigdo, & conciliagdo ¢ onde 0 outro nunca € igual ao ‘mesmo. Chamé-lo-cmos de devir? O segredo do devir? Segredo que se separa de todo segredo ¢ se dé como desvio da diferenca. Se mantivermos juntos esses pontos: presente que no passa, sendo apenas passagem, aquilo do que nio SE Fir mio eno. se deixa nunca apreendef demasiado presenle cujo acesso € re- Saris porque sempre mai¥ PrOWIMIO que qualquer aproximagao, Se TransTorma em auséncia, ficando, entio, o demasiado presente que nio se apresenta, sem nada deixar que permitisse ausentar-se dele, percebemos que, na impossibilidade, nio é apenas 0 carder negativo da experiéncia que a tomaria perigosa, € “o excesso de sua afirmagio” (que existe neste excesso de irredutivel a0 poder de afirmar), ¢ percebemos que o que emerge na impossibilidade, ndo se furta a experiéncia, mas € experiéncia daquilo que nao se deixa mais eliminar nem propicia retraimento ou recuo, sem dei- i de ser radicalmente diferente. Assim poderiamos dizer (muito ‘GRANDE RECUSA a aproximativa e provisoriamente) que 0 lado obscure deste movi mento € o que fica descoberto, aquilo que é sempre descoberto sem precisa ter sido descoberto¢ que redueiv sempre, de antemio, i manifestagao todo movimento: de esconder ou de se escondet Pre- sente no qual todas as coisas presentes e o eu que af esté prescmie Pree naa mere aT peo tomes. catia pom E o an om 0 Exterior, 0 externa Fintrusdo que asfixia ¢ a inversio de um ¢ de ou- ro, aquilo que chamarvos, ; Mas todos esses pontos tendem, em seu ihmitado, a delimi- tar sto: a impossibiidade nto € nada mais do que a caracerstica daquilo que chamames tio facilmente de experiéneia, porque, s0- mente hé experiéncia em sentido estrito, onde algo de radicalmente ‘outro esté em jogo. A resposta & inesperada: a experiéncia radical io empirica nao & forma alguma a de um Ser tran: jent a ee ee essa de exceder, arruinando-o, todo 0 positive, sendo aquilo em que sc esta desde sempre engajado por uma experiencia mais pr mordial que toda iniciativa, prevenindo todo comeco e excluindo todo movimento. de agdo para dele se libertar. Mas uma tal relago que é 0 dominio sobre 0 qual no hé controle, sabemos talver nomeé-lo, visto que é sempre isto que tentou se designar chaman- ‘do-0 confusamente: paixio, De modo que seremos tentados a. 5. Occyge err: “a ste cena” 8 Resta unin psp oo) et: xyes m ala rope SEE otersos tel pr ode mn our smear o que chana fe iad, oe ance Salata xo at rete E og come se yon spre tn gs yr plecnvmo? Ein impede esque pons Fats ese? Procra sem rt om soto Seen veteme ave acm an eu fora, eens ne “Sigua mein cone ne psp pro ict one 2 ‘ACONVERSA INFINTTA provisoriamente: a impossibilidade ¢ a relagio com o Exterior e, isto que esta relagio sem relagio €a parxio que no se deixa do- sminar ransTormando3 Tents, ampowsibilidade & a pra parxto do Extror Reunindo estas observagéies, vemos que no sentido da nossa imerrogagao inicial, a situagaio inverteu-se. Nio é mais a impossi bitidade que seria o ndo poder: € o possivel que é apenas o poder do nao, Deveriamos entao dizer: seria a impossibilidade o préprio ser? Certamente, sim. O que equivale a reconhecer na possibilida- de 0 poder soberano de negar o ser: o homem, cada vez que ele é, ‘ partir da possibilidade, ¢ o ser sem ser. O combate pela possibi- lidade € o combate contra o s Mas tampouco deveriamos dizer:_a impossibilidade, nem ne- gagdo nem afirmagao, indica aquilo que, nO ser desde sempre Breoede sero nfo 0 coma a nea} oniogia? Seewamente Oo devemosT O que equivale a pressentir que é ainda o ser que vela ‘Tir possIbiladade ¢ que nela encontra sua negago, para melhor pre- servar-se desta outra experiéneia que sempre o precede e que € sempre mais primordial do que a afirmagio que nomeia o ser, Os antigos, sem duivida, reverenciavam essa experiéncia com 0 nome de destino, aquilo que desvia de toda destinagio, € que tentamos ‘nomear mais diretamente falando do neutro. Mas o que significa tal turbilhdo de nogdes rarefeitas, esta tempestade abstrata? Acontece que acabamos de ser 0 joguete desta inversio indefinida que é “a atragZo" da relago impossivel & qual estes maravilhosos Antigos ficaram atentos desde de seu encontro com Proteu. Homens da medida pelo conhecimento da desmedida que Ihes cra proxima, nao recomendavam manté-lo firmemente, este Proteu, ¢ de até-lo, afim de que ele accitasse declararese veridica- mente sob a mais simples forma? A simplicidade é, com efeito, a nica coisa que responde a duplicidade do enigma. Quando, por exemplo, Simone Weil, diz simplesmente: “A vida humana é im- possivel. Mas somente a infelicidade revela isto.” Nos ‘compreendemos. que nko se trata de denunciar 0 carster insuportd vel ou absurdo da vida ~ determinagées negativas que remetem Possibilidade ~ mas, de reconhecer na impossibilidade nossa mais humana participa¢ao 4 imediata vida humana, aquela que nos com- pete sustentar, cada vez. que despojados pela infelicidade das formas GRANDE RECUSA 3 cobertas do poder, atingimos a nudez de toda relagio, esta relagio a presenga nua, presenga do outro, na paixto infinita que vem dela Da mesma forma, Simone Weil escreve: “O desejo € impossivel” € agora compreendemos que 0 desejo € precisamente esta relagio com a impossibilidade, que ele ¢ a impossibilidade que se faz re- lagi, a propria separagdo, em seu absoluto, que se faz atraente © toma corpo. Comecaremos também a compreender porque, numa palavra inspirada, René Char disse: © poema ¢ o amor realizado do desejo que permanece desejo. Se por acaso, impeudentemente, declardssemos: a comunicacio € impossivel, deverfamos saber que tal frase, evidentemente abrupta, néo é destinada a negar escanda- losamente a possibilidade da comunicagio, mas a despertar atengdo sobre esta outra palavra que fala somente quando ela co- mega a responder & outra regio que ndo rege 0 tempo da possibilidade, Neste sentido, sim, devemos por um tempo dizé-lo, mesmo que 0 esquegamos logo: a “comunicagao”, para retomar uma cexpressio aqui deslocada, visto que no hi termo de comparagio, acomunicagio existe somente, quando ela. escapa a0 do se anuncia rela a TapOsTPMdade, nossa dimensiio Ghtima, 7. Nomeando o possivel, respondendo a0 impossivel Paremos com estas reflexdes. Nio se deve esperar uma sim- ples confrontagio de palavras para ter a prova de que, pela poesia, ngs sejamos orientados para uma outra relago que nio seria de poténcia, nem de compreensio, nem mesmo de revelagio, relagio com 0 obscuro ¢ o deseonhecido. Pressentimos até que a lingua gem, seja a literéria, a poesia, seja ela verdadeira, nfo tem como fungio trazer & luz, & firmera de uma palavra, que nomeia aquilo {que se afirmaria, informulado, nesta relagio sem relago. A poesia rio est af para dizer a impossibilidade: cla Ihe responde somente respondendo cla diz. Assim, cm nds, é a partilha secreta de toda ppalavea essencial: nameando o possivel, respondendo ao impossi- vel. Partilha que, entretanto, no deve propiciar uma espécie de distribuigdo: como se pudéssemos escolher, uma palavra para no- mear e uma palavra para responder, como se, enfim, entr possibilidade ¢ a impossibilidade, houvesse uma fronteira talver % ‘ACONVERSA INFINITA movediga, mas sempre determinével segundo a “esséncia” de um merci, P indvel segundo a “esséncia” de uma Nomeando o possivel, respondendo ao impossivel.. Respon- der no consiste em formular uma resposta, de modo a apaziguar a questio que vem obscuramente desta regio; menos ainda, ateans- mitir, como um oréculo, alguns contetidos de verdade que o mundo da luz ainda desconhece. E a existéncia da ao. cada vez que ela € poesia, responde por si propria e, nesta resposta ¢ aten- ‘#0 a0 que se destina (desviando-se) na impossibilidade, Ela nao © exprime, cla nfo o diz, ela nao o submete & atrago da lingua- gem. Mas ela responde. Toda palavra inicial comega por responder, esposta 30 qué ndo foi ainda ouvido, resposta ela mesma atenta, onde se afirma a espera impaciente do desconhecido ¢ a esperanga desejante da presenga. 2, Radeame oa ta pata geno £ nnn, en decid na ep nema eau oto you cece st alas kas eocsem sees tenes poe es Sfeolitioh foousta dc opeailee eos ascot eas ‘tli, creme Pa rreeprore pif rakes ebape gre {Si can Voda ul aaa equ pear cor iqeaier erlang arena oer pool elbyn rlperceepnernnengtomayd pelle ap ror pre a fumcnc oe sis sustctas be Se meee, Co poles Sep crtan ovemeine se nal Hein nce topo cept ope cecstcara cans ‘scenes ea pear geen coegpeocuive Saas pene ie ee ee Eps ocecucties eigen rae een lerqueqieem mmarsedesihoanencipae. ep Seeereepeaned ee [seep ell gehen etaoerr tte pe ea ler rere Bein eee eee Pe sen connie mepotaae. iene acter Se get eetyene penn acirmee v CONHECIMENTO DO DESCONHECIDO “O que € um filésofo? — Bis uma questio anacrOnica, talvez, Mas darei uma res- ‘posta modema. Antigamente dizia-se: & um homem que se espanta; hoje, direi, tomando esta palavra de empréstimo a Georges Bataille: € alguém que tem@ “— Numerosos entio 0s fil6sofos, com excegio de Sécrates ‘ou de Alain, 05 dois ¢élebres por terem sido bons combatentes € terem bebido, pelo menos o primeito, mas o segundo também in- ccidentalmente, a cicuta sem tremer, Talvez 0 medo filoséfico tenha ‘um carter mais nobre. — De mancira alguma; © medo, covatde ou corajoso, fre- qilenta o assustador, assustador é 0 que nos faz sair ao mesmo tempo da paz, da liberdade ¢ da amizade. Pelo pavor saimos de nds mesmos ¢ assim fazemos a experiGnelt wssustadora daquilo ‘meiramente fora de TPOPHOS TeEIOE (© medo vulgar seria, entio, 0 medo filos6fico na medida ‘em que nos coloca, de certo modo, em relagio com o desconhe do, oferecendo-nos assim um conhecimento daquilo que escapa a0 conhecimento, Medo: angistia, E nds nos aproximamos de filoso- fias que, por sti VE7, Mo s40 desconhecidas. Hé entretanto, nesta experiéneia, um movimento gue se choca, come que frontalmente, com a filosofia. O homem do medo, no espaco de seu medo, parti- cipa e se une aquilo que The dé medo. Ele nao tem apenas medo, 96 ACONVERSA INFINTA, ele € o-medo, quer dieer, a irrupgio daquilo que surge ¢ se desco- bre no medo. — Voce quer dizer que € um movimento irtacionall — Inracional é dizer muito pouco: no pretendemos redurir a filosofia & razdo, ou a razio a si mesma e jf faz. tempo que encon- ttamos 0 meio de recuperar o sentido ~ © poder de compreensio — dos movimentos da sensibilidade, Mas se € preciso recusar sua de+ finigdo de fil6sof0, € porque 0 medo ~ a angistia ~ ou bem nio fax sair de seus limites aquele que o sente, sendo sempre um medo sentido por um Eu no mundo, ou bem o faz saie, destruindo seu poder de ser ainda cle mesmo (perdido pela angistia, como se di- ria), mas, entio, o que acontece no temor e no tremor constitui um movimento extético, m{stico, propriamente dito: hé gozo ¢ fruigio, unio na repulsa e pela repulsa, movimento que se pode reveren- siar ou denegrir, mas que no se pode chamar de filoséfico, nio mais do que a unio divina no poderia realizar-se soba vigiliin- cia de uma metatisica — Por que? Deixemos Deus de lado, nome demasiadamente imponente. Porque 0 contato com 0 desconhecido que se determi- naria no medo, esta maneira mesma de ser 0 deseonhecido que nos {raz © medo no concemiria a filosofia em seu amago? Ter medo, ‘buscar aquilo que é atingido no medo, colacar-se em jogo no aba Jo que € 0 medo, talvez nio seja a filosofia: € no entanto, o Pensamento que tem medo, que € o pensamento do medo e 0 medo do. pensamento, no nos aproxima de um ponto decisivo que, se eseapa a filosofia, € que algo de decisivo escapa a filosofia. — Mas € 0 pensamento que pode ter medo? Par acaso voce ‘io utiliza aqui, jd, uma linguagem simbdlica ou imagética ou “li- terdria’? O pensador que se assusta, assusta-se com aquilo que ameaca seu pensamento. E de qué ele, homem de pensamento, tem medo? De nada mais do que do medo, —0 filésofo, neste caso, seria aquele que tem medo do medo. —Medbo desta violencia que se revela no medo e que corre 0 riseo de transformé-lo, de homem assustado, em homem violento, ‘como se ele tivesse menos medo da violencia que ele softe do que aquela que ele poderia exercer. Por que é assim? Reflitamos pri- ‘meiramente sobre a questo telativa. 40 contato com o desconh do © porque cle nio pertenceria 8 filosofia. Observe que admi ‘CONHEGIMENTO 00 DESCONHECIDO o mos aqui, tacitamente, que a filosofia ~ ov bem tude aquilo que vvocé queira incluir sob este nome ~ é essencialmente © conheci- mento do nao conhecido ou, mais geralmente, a relagao com 0 des comhecido. — Admitamo-lo provisoriamente. — Eu digo, o desconhecido enquanto desconhecido: ¢ talvez tenhamos menos pressa em afirmé-lo. Porque: se o desconhecido deve permanecer come tal, no proprio conhecimento que temos ele, no caindo entio sob nosso dominio ¢ irredutivel, nio somente ‘a0 pensamento, mas a qualquer forma pela qual pudéssemos ‘apreendé-lo, nfo correrfamos 0 risco dé sermos obrigados a con- cluir que nio temos conhecimento a nao ser daquilo que nos € proximo: do familiar, nio do estranho? — Objetar-se-ia facilmente que, falando do desconhecido, & ‘© nio-conhecivel que entao visamos ~ ¢ 0 conhecimento do nio- ‘conhecivel é um monstro que a filosofia critica exorcizou hé muito tempo. Acrescentarei que, se com este nio-conhecivel podemos nos rclacionar, é precisamente Wo Tmedo. ou na angstia, ou num des- Sy rovimentor sttICOR Teciisados por voce como nao filos6ficos: ‘af, temos algum pressentimento do Outto; ele nos pega, nos abala, ‘Hos encanta, roubando-nos ands mesmos. KOS, PRECRAMENTE, Para nos transformar no Outro. Se, no ‘conhecimento, seja dialético e por qualquer outro intermediario, ha apropriagio do objeto pelo sujeito, ¢ do outro pelo mesmo, e pois, finalmente, redugo do desconhecido ao jé conhecido, no rapto do ‘pavor ha algo de pior, porque € 0 eu que se perde © o mesmo que se altera, transformando vergonhosamente no outro que nio eu. — Nio vejo af nada de vergonhoso, ou vejo que se deveria ter vergonha de temer uma tal vergonha, se um tal movimento ver= {gonhoso nos permitisse nos relacionarmos enfim com aquilo que esti fora de nossos limites. —A dignidade tnica da relago que me é proposta pela filo- sofia com aquilo que seria o desconhecido e que, em todo 0 aso, ‘eseapa a meu poder (sobre o qual eu nao tenho dominio), € de ser ‘uma relaglo de tal ordem que nem cu nem o outro deixdssemes de ser nesta prpria relagHo, preservados de tude aquilo que identifi catia 0 outro a mim ou me confundiria com o outro, ou nos alteraria ‘1 ambos num meio termo: uma relago absoluta no sentido em que 96 ACONVERSA INFINTA, a distncia que nos separa no seria diminuida, mas ao contrario. produzida e mantida absolutamente nesta relagio. Fstranha relagdo que consiste no fato de nio existir re- c assim em proteger os termos em relaydo, da- quilo que os alteraria nesta relagdo, que exclu, entdo, a confusio extética (a do medo), a participago mistica, mas também a apro- riacho, todas as formas de conquista ¢ até este dominio que & sempre, no final de contas, a compreensio. — Fu penso que € um outro enfoque da questo que formu- lamos assim anteriormente: como descobrir 0 obscuro sem pé-lo & descoberto? Que experiéncia do obscuro seria esta na qual 0 obs- curo darse-ia em sua obscuridade? — Sim, busedivamos entio delimitar a afiemagdo da imposs bilidade (este ndo-poder que ndo seria a simples negagio do po- der) e, perguntando-nos qual seria o pensamento que nio se xaria pensar sob 0 modo do poder e da compreensio apropriadora, cchegtwarnos a dizer que aw MmposNTDTnOATe era a pareto do proprio Exterior’, ¢ também que ‘a impossibiNade cma caponiéncia da pc- Fenga nie Thediata’, resposta (se responder significa dar forca afir- ‘imativa a Uma Guest) & qual a filosofia tinha o dieito de renunciae — Mas, nko se deve renunciar & filosofia. Pelo livro de Em- manuel Levinas, onde me parece que ela nunca falou de maneira {Go grave, em nosso tempo, contestando — corretamente ~ nossas maneiras de pensar e alé nossa fécil reveréncia 3 ontologia, somos chamados a tomar-nos responsdveis por aquilo que cla essencial- mente , acolhendo, com 0 brith e a exigéncia infinita que thes sio préprias, precisamente a idéia. do Outro, quer dizer, a relagio com outrem. E como um novo ponto de partida da filosofia ¢ umn salto que ela © nés mesmos seriamos convocados a dar! — Seria tio nova a idéia do outro? Esta idéia nio recebe, em todas as filosofias contemporineas, um lugar mais ou menos pri- vilegiado? — Precisamente, mais ou menos. Isto significa mais ou me- nos subordinado, Para Heidegger o ser-com é apenas abordado em 1, Emmanuel Levinas, Toralisé et dnfin. essai sur Vextériorité (Martinus Nijhof. La Haye), ‘CONHECINENTO DO DESCONHECIDO 9 relagio com o Ser porque, & sua maneira, sustenta a questio do Set. Para Husscrl, se no me engano, apenas a esfera do ego € ori~ ginal, a de outrem € para mim somente “apresentada’, De uma ‘mancira geral. quase todas as filosofias ocidentais sdo filosofias do ‘Mesmo-¢ quando elas se preocupam com 0 Qulvo, este MAO Passi eum oulfo cu mesmo, vendo, no melhor dos casos, agual a0 eu 6 procurando ser reconhecido por mim como Eu (asomn COMO ET Or le), numa Tula que € por veces Twta vioTenta, por vezes violencia apaTiguada no discurso. NTS, soTHOs conducidas pelo ensino de Tevinas em diregao a uma experiéncia radical. Qutrem ¢ 0 imiedu tivelmente Outro; 0 outro é 0 que me ultrapassa absolutamente. A RQ TOTO OTE TC ouTreM € uma relagho wanweendenie, 6 he quer dizer que existe Uma distGncia infinita e, em certo senti- AO ATAAPMMNET MTEC Eo GTITO, 0 qual perience A outra ‘imargem_Ele nao Tem comigo uma para comum € nao pode de Tora alguma posicionar-se num mesmo conccita, num mesmo con- junto, constituir um todo ou juntar-se a0 individuo que cu sou. — Este Outsem é estranhamente misterioso, — Acontece que ele é justamente o Estrangeiro. Supdnhamos, no inicio, que a relagio com este Desconhecido eraa prépria filo- sofia; Levinas diz, a metafisica. O Estrangeiro vem de outro lugar nunca esté onde estamos, nao pertence a nosso horizonte e no aparece em nenhum horizonte representivel, de forma que @ inyi~ sivel seria o seu ‘lugar’, entendendo com isto, segundo uma terminologia que 4s vezes usamos: 0 que se desvia de todo 0 vis —Mas propor uma filosofia da separagio, uma especie de solipcismo? Existo ev ¢, separado de mim, este pobre ‘utrem, scm domicfli, crrante na exterioridade ou confundido com a miséria ou a estranheza de um exterior inacessivel — Parece-me ser 6 contrario de um solipsismo ¢ é, no entan- famente uma filosofia da separacio. Estou decididamente separado de outrem, Se GuTTEM deve ser considerado como aquile ue F Eee Tate TUTTO AE THAT Eo, Tas TATDEM, € por evs Separagao que W ETAGS com 0 Outro impue-se a mim como me Ul [Gihuscanda mIiMTaMeNTe- uma relagio que me remete wo que me ulteapassa ¢ me escapa na medida mesma cm que, nesta relasioy Ga sou © permaneco separado, ACONVERSA INFINTA, — Voltamos entio a esta estranha relagio da qual haviamos comegado a falar, Confesso que nao vejo nada de mais incerto nem de mms abr “Ao contrtia, mada de mais real. Um dos aspectos mi fortes do livro de Levinas ¢ o de nos ter levado, através desta bela linguagem, rigorosa, dominada, vigiada ¢ no entanto vibrante, que €a dele, a entrar, de uma maneira pela qual nos sentimos respon- sdveis, na consideragio de outrem, a partir da separagio. Esta relagdo que pode ser chamada de impossvel, podemos acolhéta Segundo quatro vas, as quaisentetanto nfo s4odiferenter a no ser pelo movimento da anélise. rimeira é uma retomada da idéia em, Para G que O-uTTanasia InfNiUMENIe€ 6 far ta por si proprio. cle pensa eno mals do “que pensa, Experi@ncia Unica, Quando eu penso o infinito, penso aquilo que ndo posse pensar (porque sc cu tivesse do infinite uma ese SET compreendese,assimilando-o, tor Sundog igual min Tarse-h apenas do Goi) ero, Ble im pensamento que ullrapassa meu poder, um pensamento que na Samento deste eu que-O Peta, quer dizer, uma relagio com o que Sooo Se = Perdoc-me, mas isto permanece muito abstrato. — 0 que a abstragio esconde aqui no é, talvez, de forma alguma abstrato, mas um movimento quase demasiadamente in- andesceate, Eis um gato enfoque: © pensament que penst mals dogpe eke pensa D {Um tl deseo no 6a forma sublimada da necessidade, fada o prelidio do amor. A necessidade ¢ ‘uma caréncia que espera ser suprida; a necessidade ¢ satisfeita. O amor quer a unido. O desejo que se pade chamar metafisico & de- sejo daquilo que no nos falta, desejo que no pode ser satisfeito € no deseja unir-se com 0 desejado: ele deseja aquilo que aquele que deseja no tem necessidade, que nio Ihe faz falta © que no descja atingir, sendo 0 proprio desejo do que deve permane- ccer-Ihe inacessivel e exterior = desejo do outro enguanto outro, de- sejo austero, desinteressado, sem satisfacio, sem nostalgia, set ‘CONHECIMENTO DO DESCONHECIDO 101 _— Serdi que a grande palavra de René Char no seria aqui pertinentc: “o pocma € o amor realizado do desejo que permane- eu desejo"? — Levinas desconfia dos poemas ¢ da atividade postica, mas quando Simone Weil escreve: ‘O desejo € impossivel’, 0 que co- mentivamos dizendo: *O desejo é precisamente esta relagio com 6 impossivel, ele € a impossibilidade que se faz relagio’,talvez falar assim nio fosse inadequado, — Este Desejo filoséfico nao seria aparentado ao Eros plats- nico? — Bu acredito de bom grado que ele The deva seu nome, Mas ‘6 Eros nfo Ihe serviu de modelo, sendo por diferenga. Eros ainda € 0 desejo nostalgico da unidade perdida, um movimento de retor- no em ditegio ao Ser verdadeiro, © desejo metaffsico ¢ descjo daquilo com 0 que no se foi nunca unido, desejo do cu, nio so- ‘mente separado, mas feliz com sua separagio que o faz cu ¢, no centanto, tendo relagio com aquilo de que ele permanece separado, ddo que ele niio tem nenhuma necessidade e que ¢ 0 desconhecido, o estrangeiro: outrem, — Fntio, digamos de modo sumério que este Desejo € um desejo de rigorosa transcendéncia que aponta para outrem ¢ que wz dele 0 Transcendente. — Digamos isto com alengio e gravidade, porque poderia ser que tudo 0 que pode afirmar-se da relagio de transcendéncia ~ re- Iago de Deus com a criatura - deva antes (eu diria ne que me diz. respeito: unicamente) ser aplicado a relagio social. O Altisimo, seria outrem. — Parece que este nome me diz algo. Mas se outrem € 0 Al- issimo ~ e isto nio de forma aproximativa, mas num sentido primordial ~ outrem corte o risco-de estar to longe de mim quan- to 0 céu da terra, tao duvideso ¢ Wo vazio, j& que se Turta a toda manifestagio. — Tao longe sim. pode-se dizer. Mas esse extremo longin- quo nio somente pode manifestar-se, mas se apresenta de frente € presenga mesma, no rosto onde ele se oferece a mim des- coberto, na franqueza do othar, na nudez. de um contato que nada profbe: ¢ Levinas dé precisamente 9 nome de RAY. es'a “epia- 102 ACONVERSA INFINITA nia’ de outrem. Quando outrem se revela a mim como 0 que esti absolutamente fora e acima de mim, ndo porque seria o mais po- deroso, mas porque, af, cessa meu poder, é 0 rosto. — Eis, enfim, uma realidade mais sensfvel, embora ew sus- peite que este rosto nao seja aqui uma simples parte do corpo. Pelo menos, nio se deve entender que, pelo rosto, outrem, que Voce si- twa como que fora. do mundo, caia de repente no dominio das coisas visiveis? O rosto € necessariamente este contato que, realizando- se na visio, depende da luz onde ele se produz e de meu poder de olhar, quer dizer, de desvelar pela luz — O rosto ~ mas, eu reconhego que 0 nome dificulta ~ € pelo contrério, esta presenga que eu nio posso dominar com o olhar, que transborda sempre a representagio que eu posso fazer dele ¢ toda forma, toda imagem, toda visdo, toda idéia onde cu pudesse afirmé-lo, paré-lo ou somente deixé-lo ser presente. O rosto — isto me parece ser essencial -, & esta experiéneia que eu fago, quando diante desta face que se oferece a mim sem resisténcia, cu vejo le- vantar-se. ‘do fundo destes olhos sem defesa’, a partir desta fraqueza, desta impoténcia, aquilo que se entrega radicalmente a meu poder ¢ 0 recusa absolutamente, transformando meu maior poder em im-possibilidade, Diante do rosto, menciona Levinas, ew no posso mais poder. Eo rosto € isto: diante dele a impossibili- dade de matar - 0 “no matarés’ — pronuncia-se a pattie mesmo daquilo que se expde completamente a meu poder de matar. Ou ainda, eu me choco, frente ao rosto, com a resisténcia daquilo que ‘iio me resiste em nada, ¢ esta resisténcia ~ pelo menos, Levinas a ‘earacteriza assim —€ ética. Por isto, se a metaisica ¢ a relagdotrans- scendente com outrem, como esta transcendéncia € primeiramente dc ordem moral ~ medida por uma impossibilidade que € uma proi- bigio -, € preciso entio dizer que a filosofia primeira ndo & a ~ontologia, a preocupagao, a questio ou apelo do Ser, mas a ética, a obrigagao em relacio a outrem. — Afirmagdes inesperadas, das mais corajosas, em um tem- po onde ninguém espera nada de “bom” da moral, ¢ a mancira Precipitada pela qual voce as apresenta toma-as ainda mais es- ‘quivas. — Acontece que © tinico contato que eonvém A moral sé po- deria ser abruplo. A esta relagio impossivel que se revela na ‘CONHECIMENTO 00 DESCONHECIDO 108, revelacdo de outrem (a qual precede toda relagao de conhecimen- to, longe de ser um caso particular), 0 nome geral de ética é adequado? E a experiéncia da impossibilidade. se ela pode tomar secundariamente a forma de um ‘nao podes’, reduz-se, naquilo que la tem de diltimo, a uma proibigao? Questdes de uma tal gravida de que € preciso deixé-las de lado por enquanto. O que permanece decisivo, no meu entender, € que a mancira pela qual outrem se apresenta na experiéncia do rosto, esta presenga do proprio exte- rior (Levinas diz, da exterioridade) nio € a de uma forma aparecendo na luz ou seu simples recuo na auséncia de luz: nem revelada, nem desvelada. =n0S, entdo, de novo as voltas com © inapreensivel. — Mas sem sermos reduzidos as cfuses do coragéio porque ‘coutrem fala. Outrem me fala. A revelagiio de outrem que nio se produz no espago iluminado das formas € inteiramente palavea. Ou- trom se expressa e, nesta palavra, cle propde-se como outro, Se existe uma relagio onde 0 outro eo mesmo, mantendo-se em rel glo, absolvem-se desta relagio, termos que permanecem assim absolutos na prépria relagdo, como 0 diz com yeeméncia Levinas, esta relacio & a linguagem. Quando falo ao outro, eu fago um ape= Jo acle, Antes de tudo, a palavra é esta interpelagdo, esta invocagao conde o invocado esté fora de alcance, é, mesmo injuriado, espei- tado, mesmo obrigado a calar-se, instado & presenga da palavea, ¢ nao reduzido ao que cu digo dele, tema de discurso ou assunto de conversa, mas aquele que esté sempre além, ¢ fora de mim, me ul- trapassando ¢ pairando acima de mim, poste que eu © peco, desconhecido, virar-se para mim e, estrangeiro, ouvirme, Na pa- lava, & 0 exterior que fala dando lugar & palavra e permitindo falar. “— De mancira que 0s interlocutores no falariam sendo por causa de sua estranheza preliminar ¢ para expressar ¢sta estra- nheza? — Sim, fundamentalmente. Ha Jinguagem porque sin existe, pede "SU Ee Ee que SUPINE AO SUpETaG Mas confirmada ~ em toda palavra ver- dadeira, Se_nés nio tivéssemos nenhuma novidade a comunicar se pelo discurso nao me views: apa de me ins- ituir, falar seria desnecescario, Por isto que, no mundo onde Femmaxse Sales false sea coemecs esse 104 AGONVERSA INFINITA apenas a Ici do Mesmo (0 futuro da realizacao dialética) o homem — pode-se supé-1o — perderia seu rosto e sua linguagem — A llinguagem adquire aqui, entio, uma significagao ex- cepcional? — Tanto mais que € ela que funda ¢ dé toda significagio. Isto no deve nos chocar. Mas 0 que se deve compreender, € que nto se trata de qualquer lingua, mas apenas desta palavra com a qual cu entro em relagio com o Outro, em sua dimensio de elevagao, quando outrem apresenta-se de frente, subtraido a meus poderes, presente sua palavra que é sua presenga ¢, nesta presenga, infini- to, assim ensinando-me € me ensinando aquilo que me ultrapassa absolutamente: 0 pensamento do infinito. Toda verdadeira palavra 6 magistral, como Qutrem é 0 Mestre, De onde resulta que somen- te discurso oral seria plenitude de discurso. — Séerates jf 0 afirmava. — Levinas identifica-se seguidamente com Sécrates neste onto, lembrando a pégina bem conhecida de Platio, quando este denuncia os prejuizos da escrita. Entretanto eu me pergunto se esta aproximagio nfo introduz em seu pensamento algum equivoco, @ menos que este equivoco the seja necessério. Por um lado, a lin- ‘guagem € a pr6pria relagdo transcendent, revelando que 0 espago da comunicagio € essencialmente nfo-simétrico, que existe uma cespécie de curvatura desse espago que impede a reciprocidade ¢ produz uma diferenga absoluta de niveis entre os termos que de vem comunicar: eis, © que € decisivo, ereio eu, na afirmagao que devemos entender ¢ que sera necessério manter independentemen- te do contexto teol6gico dentro do qual esta afirmagio se apresenta’ Outrem no esté no mesmo plano que eu. homem enquanto ou- trem, sempre vindo do exterior, sempre em relagio a mim sem pafs, ele, estranho a toda posse, desposstido e sem domicilio, aquele que € como que ‘por definigio’ 0 proletério ~ 0 proletirio € sempre 0 ‘outro —, nio entra em dislogo comigo: se eu Ihe falo, eu 9 invoce, Ihe falo como aquele que nao posso atingit nem reduzir a meu 2. "Contexto", como observa bem J. Derrida, & aqui uma palavra que Levi nas no pseria ed joa ead, sem conven a mex Ferma que areferéncia a uma teologia. ‘CONHECIMENTO DO DESCONHECIDO 105 bel-prazer, se ele me fala, ele me fala através da infinita distincia {que 0 separa de mim, ¢ sua palavra me anuncia precisamente este infinito, convidando-me assim, por sua impoténcia, sua miséria © sua estranheza, a uma rela¢io ‘sem comparagio com um pader que se exerce, conquista, goz0 au conhecimento.’ Todo discurso ver= dadeiro, diz solenemente Levinas, € discurso com Deus, 180 ‘conversa entre iguais. — Como se deve entendé-lo? — No sentido mais forte, como se deve sempre e lembrando- se talvex daquilo que € dito, no Exodo, de Deus falando: como um homem a um outro homem. Mas eis af, eu penso, 0 equivoco: esta palavra elevada, que me fala de muito longe, de muito alto (ou de ‘muito baixo), palavra de alguém que nfo fala em pé de igualdade comigo e com a qual no me € possivel dirigir-me a outrem como s¢ fosse um outro Eu-mesmo, de repente ela toma-se a tranqiitla palavra humanista e socratica que nos aproxima daguele que fala, visto que fazendo-nos conhecer, em toda familiaridade, quem ele Ge de que pais ele 6, segundo 0 anseio de Sécrates. Por que entdo o discurso oral parece a este (e a Levinas) uma manifestagao fm- par? Porque o homem falante pode socorrer sua palavea, sempre pronto a responder por ela, ajusifiea Tae a eclectic rlamente ao que acontece com a escrita. Aceitemos, want. Hae Te iia Tse, Vetos mr tado ee bec ac ny eee mu isto. Yeo or oo caso gue ec. “privilégio da Tinguagem Talada pertence (gualmente @ Outrem © & TEM disso, 0 priVilegio atti= maT Vigitanch ral Ta primeira pessoa, quer dizer Javel do rosto. Ora, nfo € hem um pouco cerlo que, numa ‘TONCEPPIT To rigorosa da relagzio com outrem, possa-se falar do Eu ¢ do Outro em termos comuns de subjetividade. Nio, mio se pode. Nio mais do que poder-se-ia dizer de um de outro que eles sejam igualmiente existentes ou igualmente homens, se, bem enten- dido, jamais Outrem possa entrar com o Eu ta identidade de nenhum nome, de nenhum conceit. — A menos que no se deva precisamente entender que a re lasio de homem para homem seja tal que 0 conceito de homem, a idéia de homem como conceito (mesmo que fosse dialética), no poderia dar canta. [ACONVERSA INFINITA, — Sim, talvez. Mas acontece que un pensamento que reco- nnhece a Qutrem esta dimensio de exterioridade radical em relagio a0 Eu, no poderia, ao mesmo tempo, pedir A interioridade forne- cer-he um denominador comum entre Eu e Outrem, nem tampouco buscar na presenga (subjetiva) do “Eu’ junto a sua palavra, aquilo 4que faria da linguagem uma manifestagio impar, Primeiramente, porque € caracterfstico de toda linguagem ~ falada, mas também, ¢ talvez mais ainda, escrita ~ prestar sempre assisténcia a si mes- ma, Nunca dizendo somente 0 que ela diz, mas sempre mais € sempre menos. Depois, porque — como jf afirmamos e como en- ccontramos uma confirmagio magistral nas andlises de Levinas ~ 0 centro de gravidade da linguagem ¢ este: ‘Falar desvia de todo 0 visivel e de todo 0 invisivel. Falar, no € ver. Falar libera 0 pensa- mento da exigéncia dtica que, na tradigdo ocidental, submete ha rilnios nossa aproximagio dos seres e convida-nos a pensar so- ‘mente com a garantia da luz ou sob a ameaga da auséncia de luz.” — Sim, lembro-me que seguiamos esta idéia de que falar € originalmente romper com toda visio ie "TcTaridade (nem com a falta de claridade) como a tnica medida, ¢ SoenagSSenne mba que existe na palavra uma pee manifesta que niio € Vida a0 dia, uma descoberta que descobre antes de qualquer fiat Ta PETE GUE PreTooaimos Spetac seria revelagio de OUT ‘SO que, conTesso, este outrem permancce para mim um mistério. Fim mistério. — Mas também um enigma. Entdo 0 que cle €? E 0 Desco- nhecido, 0 Estrangeiro, 0 Proletério, mas também 0 Altissimo, ou ainda o Mestre, As vezes Ihe ouvindo, me perguntava se outrem no era tao somente o lugar de uma certa verdade necesséria nossa relagdo com a verdadeira transcendéncia que seria a transcendén- cia divina. — Bxiste esta vertente no pensamento de Levinas: quando ele diz que Outzem deve sempre ser considerado por mim como 6 mais ppréximo de Deus do que eu. Mas ele diz também que apenas 0 ho- mem pode ser para mim absolutamente estrangeiro. De toda manera, 0 que se deve saber, € que o privilégio que eu devo reco- nhecer a outrem € cujo reconhecimento apenas me abre a ele, reconhecimento da propria elevagio, € também exclusivamente CCONHECIMENTO D0 DESCONHECIOO 107 coque é © homem e o infinito que me em do homem enquanto outrem. O que resulta de tal afirmacio? Ohservemos que cla poderia levar-nos a denéncia de todos os $- temas daléticos. ¢ tamipém da onfologia¢ inclusive, de quase fos as flosofias ovidentas, daquelas pelo menos que subordinam 2 jus- de ow no aceitam como justa sendo & reciproci aquilo que pode me ensinar tiga & verda os a maneira que esta filosofia poder entlo, por sua vez, significar o firm da filosofia. “uae Hane a vinda daguilo que se deve nomear com ela see slo sia profética, quer dizer, a afirmagdo de um poder de julgames Eapaz de arrancar os homens da jurisdigao da histéria. eee p interrupsao da hist6ria, a eseatologia profética: cis © q¥e yuando se desperta a moral roars vpcd temeria 0 abalo do pensamento que poderia vir pela ae quer Ina- Bu temo o abalo, quando ele € provocado por qualquer | baldvel, Mas reconhego que nada hoje existe ainda que nos obrigue mais a refletir. . “Vamos refletir, vamos nos dar 6 tempo. vi MANTER A PALAVRA “Depois de nossa thtima conversa, pensei: se 0 que vor’ diz, esté direcionado corretamente, a relagio humana, assim como ela se afirma em sua primazia, € terrivel — A mais terivel, mas sem terror. — A mais terrivel_pasque-nio temperada por nenhum intet= mediério. Nao existe entio nem deus. nem valor nem natureza entre o homer eo omen. uma sala aut, (Gio, Terede sentimento, privada de razdo subordinada, n40 podendo gerar nem goro nem conhecimenlo: uma relagao neuita Eira prepria neviralidade da relacio. Serd que se pode realmente afirmar isto? — Pode-se também dizer de- uma mancira mais s6bria, que a relagio que eu tenho com outrem nao passa pelo ser (quer se trate ddo ser como Deus ou como todo, quer se trate do ser ‘heideggeria- tno’), Ser, totalidade ¢ todos os conceitos que @ ele se ligam sie nfo somente imprOprios para definir esta relago, mas (talvez) ine ficazes por causa dela, Ou ainda, em outros termos que retomam ‘6s seus. Minha relagio com outrem ¢ irredutivel a qualquer medi- dda, da mesma forma que cla exclui toda mediaga0 ou toda referéncia ‘uma outra relaco que podcria englobé-la — Sim, ¢ isto que eu dizi: terr'vel. — Por que esta palavea? centanto, ao mesmo lempo, ourem © para mim a ca mesma, 110 ACONVERSA INFINITA presenea do infinito, Presenea desviada de tada presente. aquilo ue existe entio de mais desamparado c de menos protegido, — Mas presenga infinitamente outra. — Sim, estes dois tragos devem sempre ser mantidos juntos. Sozinho, o homem é para mim absolutamente estrangetro. Sozinho ele € 0 desconhecido, sozinho ele € 0 outro, ¢ nisto, presenga: homem € assim, (Presenga que nao se apdia nem sabre o ser nem sobre 0 ter; presenga que poder-se-ia dizer imediata, se mediato e imediato no fossem aqui palavras sem conveniéncia). Cada vez ue rejeitamos sobre um ser nfo humano a estranheza, ou quando atribufmos ao universo o movimento do desconhecido, nés n0s ali- viamos do peso do homem, Nas vezes em que imaginamos Pobremente, no céu dos planctas ¢ das extrelas, nosso encontra as- sustado com um ser diferente e superior, nos perguntamos: 0 que pode acontecer? Ao que podemos responder, porque este ser est af desde sempre: é 0 homem pela presenca de quem toda medida de estranheza nos € dada. —O que existe de terrivel nesta relagio? — Eu diria também, de grave. Por causa dessa gravidade que deveria primeiramente comandar nossas palavras, tentemos evitar toda precipitacio. Vérios movimentos devem ser aqui diferencia- dos. Um é quase claro. No mundo, toda relagio se estabelece pelo meio do mundo, resine-se em torno de uma mesa, redine-se em fun- ‘so de uma tarefa, retine-se em fungaio das verdades, dos valores; ‘85 companheiros nao estéo frente a frente, eles tém em comum este pao que eles ganham, compartilham ¢ comem em comum. Rela- es nas quais procuram encontrar-se, os homens nio se implicam diretamente, mas se engajam na elaboragao de uma jornada comum. E a lei, quor dizer, a realizagio do todo, que entio os mantém jun. tos. A realizagio dialética esta em agdo ¢ € isto que € preciso. Naturalmente, um tal tipo de relago & relago de luta e de violén- cia. No mundo, ligados & negagio, sabemos fazer dela uma possibilidade, como da morte um poder; esta negasio, salvo aci- dente, é parcial, limitada, dissimulada pela afiemagio daquilo que se realiza gragas a cla, estendida no tempo, compensada pelo tem Po, ela € © proprio tempo que cdifica através de suas ruinas. Max, neste instante que buscamos delimitar, entre nds no existe mais & MANTER APALAVRA rr espessura das coisas: as muralhas cairam, aquelas que nos sepa- ram, aquelas também que nos permitem comuniear, aquelas,enfim, {que nos protegem mantendo-nos a distancia. Agora o homem € de algum modo inacessivel, mas 0 inacessivel ¢ de algum modo o ime~ diato; 6 que me ultrapassa absolutamente csté absolutamente a meu dispor. Eis o homem vindo em sua presenca, quet dizer, reduride a pobreza da presenga. Eu digo que este encontro (no fortito, mas ‘origindrio) €terivel, porque aqui nfo existe mais medida, nem li- ‘mite: minha intervencdo ~ aquela do eu ~ndo se limitaré a vioKéncia parcial do trabalho, & negacHo limitada ¢ velada da recusa; af, se ‘eu me afirmo ainda como poder, meu poder itd sté a morte, e mor- te nio parcial, mas radical. De fato, como poderia ocupar-me da presenga em sua simplicidade, sem correr 0 risco de fazé-la desa- parecer? Como poderia até percebé-la quanto menos fosse pelo olhar? Lembremos ainda uma vez Orfeu ¢ Euridice, Buridice € 4 estranheza do extremo longinquo que ¢ outrem, no momento do face a face, e quando Orfeu se vira, cessando de falar para ver, seu olhar se revela igual & violencia que carrega a morte, ferida atroz. — Seria portanto necessdrio dizer que homem frente ao ho- ‘mem nao tem outra escolha seni 1 =Com efeit, talvez a brutalidade suméria dessa alternativa melhor Tox ayudura-W aproximar este instante: quando o eu cai na Semel We pales ou da MORE € que le CHK tm presenga Ge ween Mas € necessério dizer também que a distincia absoluta que “mede’ a relagio entre outrem € eu & o que propicia no. ho- mem o exercicio do poder absoluto; © poder de matar. Caim matando Abel, é 0 eu que, chocando-se a transcendéncia de ou- trem (aquilo que em oulrem me ultrapassa absolutamente e que esté them representado na histGria biblica, pela incompreensivel desigual- dade do favor divino), tena enfrenté-la recorrendo & transcendéncia do assassinato. — Mas estas duas transcendéncias sendo da mesma ordem, 0 que significa seu debate? A Abel, Caim diz: naquilo por meio do {qual pretendes me ultrapassar, tua dimensio de se infinito ¢ abso- lutamente exterior, isto que te coloca fora do meu alcance, vou te mostrar que nisto sou mestre, porque enquanto homem de poder, 1 ACONVERSA INFINITA cu também sou mestre do absoluto ¢ fago da morte minha possibi lidade. — E que para Caim, o obstéculo que € a presenga infinita de Abel ¢ como uma coisa que pertence efetivamente a Abel e da qual le tem que ser privado. Em certo sentido, isso nio é falso: esta Dresenga € também a feliz fortuna de Abel, a bengo, 0 rebanho que se multiplica. Desde que a presenga do outro em outrem niio & acolhida pelo eu como 0 movimento pelo qual o infinito vern a mim, desde que esta presenga se encerra em outrem como propriedade de outrem, estabelecido no mundo, desde que ela cessa de propi= iar a palavra, a terra deixa de ser vasta 0 suficiente para poder Conter 20 mesmo tempo outrem e eu, ¢ & preciso que um dos dois rejeite 0 outro — absolutamente. — Observo que Caim quando quer se entender com Abel the diz: ‘Vamos Id fora’, como se ele soubesse que o exterior € 0 lugar de Abel, mas também como se ele quisesse teconduzi-lo a esta po- breza, a esta fraqueza do exterior onde toda defesa desmorona, — Talvezi $6 que, no momento mesmo em que a presenga é por Caim = iminéncia da ameaca mortal — reduzida a nudez da pre- senga sem defesa, ela se mostra também ser o que a morte como. poder destr6i, mas nao atinge — Aquilo que cla faz desaparecer na verdade radicalmente, ‘mas nio aleanga, — Aquilo que ela transforma em auséncia, mas ni { 7a, Feduzida i simplicidade da presenca, é aquilo que se apresenta, IRGC REO 30 apHCEMUES auc Sef a toda apreenséo. — Assim, intacta, mas nao intangivel. Afinal, nio atribuamos ‘@ esta afirmagio um sentido demasiadamente facil. Se é verdade ‘que a viol€ncia mortal ndo possa apreender nem compreender a pre- ‘sengay ela tem pelo menos esse poder de reduzila & insignificancia se ela apenas dela conhece esta insignificdeia & qual ela a re- duz, € que a presenga esté também sempre no limite da Iinsignificincia, na medida em que ela precede toda significagzo, fem que ela talvez signifique sem ter ela mesma a verdade de uma realidade jé constituida como sentido, rica de semtido, significada logo insignificada, MANTER A PALAVRA 113 — Tal seria a palavra que mede a relagdo do homem frente 20 homem, quando nio existe outra escolha sendo a de Falar ou rmatar. Uma palavra, tio séria talvee, quanto esta morte, da qual cla €0 desvio, A alternativa palavra-assassinato no € a trangiila exelusio de uma pela outra, como se se tratasse de escolher de uma vez, por todas entre a boa palavra e a morte mé. Qual & esta palavra? — Nito ¢ © momento de explicé-la. Mas eu ditia duas coisas: se ela € séria, € porque sendo a presenga nua, cla ¢ 0 que desnuda a presenga, isto que a expde a violencia radical reduzindo-a a frax lade do que esté sem poder. Falar no nivel da fraqueza ¢ da 6 talvez.recusar a potén- ou matar, a palavra nfo consiste em falar, mi movimento da alremariva. Ela €0 que funda a alternative, Flat, € sempre Talar a pare deste inenvala mize a pulavia e a violencia radical, separando, mas agora numa relagio de vicissitude, uma da ante ee = De onde é preciso conclvir que, se a relagio do homem frente ao homem € terrivel, ¢ que ela nos prende nesta alternativa: falar ou matar, ¢ que, nesta alternativa, a palavra niio é menos sé= ria do que a morte que a acompanha - como sua outra face. Gostaria agora de prosseguir neste pensamenio sob uma outra forma, Fala- mos da presenga infinita de outrem; dizemos que quando a relagio do homem com o homem é a relagio direta de outrem comigo, o contato € particularmente sério, porque € 0 contato do face a face. Esta expresso é enganadora; ¢ isto duplamente. Em primeiro lu= gar, por que um tal face a face mio é o confronto de duas figuras, ‘mas 0 acesso ao homem, em sua estranheea, pela palavra. Em se- gundo lugar, porque em tal face a face, © que tomna sério 0 movimento no qual 0 homem se apresenta diretamente ao: homem (aquém de toda representagio), € que nao existe reciprocidade de relagdes; nfo estou nunca frente aquéle que me enfrenta, minha cra de sutender agals que tear eae SD ¢ Une aOR —= Sim. Quando outrem, essencialmente extetior ¢ infinita- mente desviado, volta-se para mim ~ ¢ outrem € este movimento 4 ACONVERSA INFINTTA de vollar-se, af onde reina 0 desvio ~, a presenga direcionada para ‘mim ¢ ainda a da separagao, daquilo que para mim esté presente, enquanto dele estou separado, distante e desviado. E, para mim, estar frente a outrem é sempre estar na presenga abrupta, sem in- termediério, daquele que se volta para mim no contato infinito do desvio. — De certa forma, o face a face da presenga desviada. Mas, precisamente aquilo que fala na palavra; aquilo que mede este gesto essencial que é a palavra em seu movimento, é a irregularidade des- medida deste movimento que liga, desligando sem retomo, quer dizer em primeiro lugar a nio-conveniéncia dos interlocutores (sua diferenga absoluta de niveis, sua desigualdade).A palavra afirma © abismo existente entre “eu” ¢ ‘outrem’ ¢ cla ultrapassa 0 intrans- fiminui-To. Além do mais. sem esta infinita distancia, sem esta separagio do abismo, nfo haveria pala- Vra, de maneira que € correto dizer que toda verdadeira palavra (Grnbrase desta separapto pela qual cla fa, Mas, qual €o sent” levi "Gesigualdade? 2 também nio. Emmanuel Levinas diria que a desigual- dade & de ordem ética, mas eu encontro pasa esta palavea apenas sentidos derivados. Que outrem seja superior a mim, que sua pala- vra seja palavea de clevagio, de eminéncia, estas metéforas pacificam uma diferenga tio radical que apenas aceitam sua pré- pia determinagao, colocando-a em perspectiva. Outrem, se € mais clevado, € também menor do que eu, mas sempre outro: o Distan- te, o Estrangeiro. aco com ele é uma relagio de impossibilidade, escapando ao poder. Ea palavra € esta relagao onde aquele que eu nao posso alingir se apresenta em sua verdade inacessivel e estrangeira — A palavra verdade talver seja prematura. Vamos manté-la eentretanto. E repetindo, digamos que a palavra € a relagdo incom- pardvel entre eu ¢ outrem, relago onde a palavra nao é para mim lum meio de conhecimento ou uma maneira de ver, de ter ou de poder, acrescentando agora: tampouico uma maneira de falar de igual para igual. Eis-nos novamente diante da dificuldade. — Existe af, efetivamemte, algo dificil de dizer, como. quando ‘dito com pala FISSE TETAS Tresmas palavras. MANTER A PALAVRA 115 Como enunciar a desigualdade por meio de que tends a igualar? Como afirmar a nio-comunidade dos termos em scu préprio mo- vvimento ¢ em nome de sua comunicagio? A linguagem, que usamos neste momento, s6 pode nos remeter & palavra como dialética, & Sinica “legitima’, no o esquegamos; ora, aquilo que buscamos: ex- Drimir é, afimmando a relagio desmedida de ‘outrem” & ‘mim’, uma experigncia nfo dialética da palavra. A desigualdade em questo ni signifiea talvez nada mais do que uma paavra que falaria sem igualar, sem ideniificar, quer dizer, sem entender a identidade do ccontentamento € do entendimento realizado. — Quer dizer, uma palavra que mantivesse em sua irredutf- vel diferenga a verdade estrangeira, a do Estrangeiro, que em sua propria palavra € presenga da estranhera. — Sim, mas vejamos bem em que direcdo estamos indo. ‘Quando, na palavra, outrem me fala como Estrangeiro ¢ o Des- conhecido, esta palavra no € daquelas que possam ser discutidas, no tendo necessidade, para realizar-se, de chocar-se no didlogo a ‘uma afirmagao contréria; ela € absolutamente outra ¢ ela mesma é ssem outro, sendo 0 outro de toda palavra. Nisto cla é néio dialé a, Ela eseapa & contestagio. — Ela esté fora da contestagio, sem ser incontestivel. Por- que cu posso sempre recusé-la, exclui-la. Posso até suprimi-la imeiramente, Nada mais fécil. Basta no escuté-la, € meu diteito ‘elementar. — Posso e nao posso. Seria preciso prestar mais atengdo nas -conseqiigncias. Reconhego entretanto, que ela se furta & contesta- ‘gio, da mesma maneira que escapa & certeza, sendo iniciagio a significagiio, mas nao significando nada, quer dizer, nada determi nado, assim, como dizfamos hné pouco, privada de significado ou mais precisamente, retirando-se, desviando-se sempre deste signi- ficado que “eu” sou levado a the atribuit. Daf, em certo sentido, decorre sua superioridade, sua elevagio, 0 que a situa acima — aquém ~ de todo horizonte, e a exigéncia de sempre ter de ouvir, no que ela diz, mais do que ela diz € mais do que todo dizer. — E preciso, entretanto, que ela entre no jogo da comunicagao. — Ela entre nele. mas como palavra de fora, ¢ da qual o jogo pode certamente apoderar-se, correndo 0 risco de negligenciar 16 ACONVERSA INEINTTA que vem dela, esquecendo aquilo que, no acorde do discurso, faz com que ela permanega em seu desacordo, Palavra sem con- cordincia. — Nisto, afirma esta descontinuidade decisiva de toda rela- gio que estd sempre implicada € dissimulada na relagho entre 0 homem eo homem. & palavra diz isto: distincia ¢ diferenga infi-— nitas, distancia que se_atesta na prépria palavra ¢ a maniém fora de toda contestagio, de toda igualdade e de todo coméreio. — AS Lem relacio a mim, revelando-se ‘a. mim mesmo apenas pelo hiato da desigualdade. Estamos, pots otundo-b tome ques. Com Sfeia-tselizagio diate €c racterizada pela recusa dessa desigualdade, elaborando a afirmagio do todo onde cada um deve se reconhecer no outro como um ou tro cu mesmo. Nada é mais importante. — Nada, de fato. Mas talvez eu nao possa dar seu verdadei- ro sentido & medida da igualdade, seniio mantendo o incomensuré- vel que € minha relagio a outrem. Igualdade daquilo que fentretanto, radicalmente desigual. Da mesma forma que seria ne cessirio que “tudo” me seja conhecido para que minha relagao com S-DeSCoAMECTaO GUE OPO ApH corto Sd (Gnaiendae e COTM TaMICo pes do Exterior AcreSceM(o, EmIFELANIO, (ie estas duas experignclas da palavra, movimentos que € preciso ‘manter juntos, um que € 0 trabalho de equalizagio ¢ onde tudo que ¢ desigual esta sempre destinado & inclusdo, o outro, que exclui a si mesmo e de antemao, desta verdade equalizada, si0 movimen- tos também necessariamente inconcifiveis, pasto que um quer ser tudo, sendo a paixio, a realizagio e a palavra do todo, enguanto 0 outro fala antes de tudo e fora de tudo. — Uma, palavra de poder, de enfrentamento, de confronto, de negagio, a fim de reduzir toda oposigo e de afirmar a verdade ‘em seu Conjunto como igualdade silenciosa, — A outta, palavra fora do confronto, fora da negapa0, ape- nas afirmando, mas também fora da afiemagio, porque nada dizendo senio a distincia infinita do Outro © a exigéncia infinita que é presenga de outrem, aguilo que eseapa a todo poder de negar e de firma — Palavra que, entretanto, nio nomeia nunca outrem, mas © cchama, para que, desconhecido, se vire para mim. MANTER A PALAVRA 1 — Neste movimento essencial que € a palavra na qual 0 ho- mem acolhe o homem justamente nisto de que se desvia. — Palavra diferente de qualquer palavra jé dita ¢ por isto sem- pre nova, jamais ouvida: exatamente palavra inaudita e & qual devo no entanto responder. — Tal seria entio minha tarefa: responder a esta palavra que ultrapassa meu entendimento, responder sem (é-Ia realmente ouvi- do e responder repetindo-a, fazendo-a falar. — Nomear 0 possivel, responder 80 impassivel: eu me lem- bro oo DTS SoS To TT ‘os dois eeniras de gravidade de toda linguagem. — Esta resposta, esta palavra que comega respondendo e que, reste comego, repete a questio que Ihe vem do Desconhecido & do Estrangeiro, eis o que esté no principio desta responsabilidade, da forma como ela se exprimirs depois, na dura linguagem da © géncia: ¢ preciso falar. —Falar sem poder. — Manter a palavra.” vil ARELAGAO DO TERCEIRO 7A ei \? 4 'Homem sem horizonte \ x ‘Acho que devfamos tentar ser mais diretos. via dire taste — Mais diretos ¢ mais elaros, 0 que nem sempre & compati- ‘vel. Enquanto isto tentemos destacar as relagdes entre os homens ‘que a experiéncia e a exigéncia humanas permitiram conceber. Po demos, por exemplo, arbitrariamente ou nao, definir trés conjuntos de rlagbes. NCfrimei) rena a ei do mesmo. O homem quer 4 Ce ae Oe Sar las OUT MpVene ore aba pre tora iéetico: + Seung. eric, qu pormei-sa meting. aust ze, ‘a luta€ 0 tr 10 a historia, sao as vias pelas quais cle quer re- waz ao mesmo, mas tambem ‘ao mesmo a plenitude do tédo, que ele deve chegar @ ser no Tir 55. Neste 480, 2 ‘unidade passa pelo Todo, assim como a verdade & movimento do conjunto, afirmagao do con)unto come nica verdad — Ao que me parece, Cees de relagio seria este: a unidade ¢ sempre exigida, Mra Tirediatamente obtida, Enquan- - raIeTCa, o ESUjETO, veya ATTTTACO-s, seja dividindo 0 Outro, afirma-o como intermediério e se realiza nele (de tal forma que ele possa reduzir 0 Outro & verdade do Sujeito): nesta nova relaglo 0 absolutamente Outro ¢ o Eu unem-se ime diatamente: € uma relagao de comeidéncia ¢ de participagio, obi ATES POT TRIO WE TEATAGIO. O Eu € 0 Outro perem-se UMTTIOOUTE A Extase, Tsao, Trurghe, Mas aqui o Eu” deixe 120 [ACONVERSA INFINITA de ser soberano; a soberania esté no Outro que € 0 tnico abso- tuto. — E 0 Outro, neste caso, no passa ainda de um substitute do Uno. Que a relagio seja mediata, imediata ou infinita, © pensa- mento, como a agulha magnética, indicadora do norte, nlo para de apontar para.a unidade, = ‘mais ainda do que 0 ser, mais ainda do que o mes= mo, mantéiPe pensamento sob seu dominio, Sem duivida, nenhuma doce loucura nos libertaré do Uno; nao rejeitamos de forma algu- ma este trabalho da unidade real, trabalhando, ao contrério, na medida de nosso poder, para afirmar e realizar 0 mundo conside- rado como a unidade do todo, Isto, sempre repetiremos, é a tarcfa de cada um trabalhando e falando. Mas. sempre acrescentaremos: preciso tentar pensar o Outro, falar referindo-nos ao Outro, sem. referéncia ao Uno, sem referencia ao Mesmo. — F preciso tentar. Assim, nos voltaremos para a relagio do Ciaesitytes da qual s6 se deve dizer: ela nio tende para a unid TE, ETT nao € uma relagio visando a unidade, relagio de unificaga (0 Uno nao € 0 horizonte Witimo (mesmo que estivesse akém de todo frorizonte), € também nao o Set sempre pensado ~ mesmo em seu retraimento ~ como a continuidade, a reuniio ou a unidade do ser. — Mas em que diregio estamos indo? Eu me assusto € re- sisto, Nio iremos nos tornar culpados de um parricidio em compa~ ragdo com o qual, o de Plato nio passa de um ate de filiagao pi dosa? Nao se trata mais, aqui, apenas de agambarcar 0 Ser, ou de= cretar a morte de Deus, mas de romper com aquilo que foi. desde sempre, em todas as leis e em todas as obras, neste mundo e em qualquer outro, nossa garantia, nossa exigéncia e nossa responsa- bilidade, — Por isso, avangaremos prudentemente, no esquecendo que, de toda maneira, no € de um pensamento coerente que tentaria- ‘mos nos libertar, nem tampouco, nos desfazer abruptamente da uunidade — isto seria brincadeira ~ mas, falando, e falando necessa- riamente sob a autoridade de um pensamento compreensivo, {entaremos pressentir uma outra forma de palavra e uma outra es: pécie de relagio onde 0 Outro, a presenga do outro, nao nos rémeleria nem a AOS-mesmos. nem a6 Uno. emeteria nem a nds-mesmos, nem 20 Uno. ‘A RELAGAO DO TERCEIRO TIPO 121 = Relagio, nem ficticia nem hipotética, mas sempre atval, cembora desviada © comprometida nas relagdes reais dos. homens centre si, quando falam ¢ se encontrar. — Relagio que designamos come miéltipla, unicamente por- que g Uno ndo a determina, relagio mével-imével, inumerdvel ¢ sem Wrimero, nO inc ce ‘entanto mranter, (ransTormado em nOmade € andnime num r ‘bismo de ressonincia e de condensagao. —=Vamnos dar um passo alras. Para comegar pelo mais sim- ples, estou necessariamente em relagio com alguém, Esta relagao pode ser instrumental ou objetiva, quando tento servireme dela como de um objeto, ou mesmo simplesmente estudé-la como um tema de saber e uma questio da verdade. Ou posso considerd-la em sua dignidade e sua liberdade, vendo nela um outro eu mesmo ¢-que- rendo fazer-me reconhecer livremente por ela, estando apenas eu reste livre reconhecimento de igualdade e de reciprocidade ~ mo- vvimento que nio se realiza apenas pelo arrebatamento da bela alma, mas se realiza pelo trabalho, pelo discurso, pela agko liberadora da histéria; longo trabalho, agdo que transforma a natureza em mun do e, no mundo, pretende alcangar a transparéncia onde, o todo ‘supostamente acabado, 0 reino da liberdade, substituiria 0 reino da necessidade = € 0 quanto de sangue, de suor ¢ de ligrimas € ne- cessério, j4 0 sabemos. Ou ainda, posso desejar pelo enlevo da comunicagio, unir-me imediatamente a ti neste instante, atrair 0 ‘outro para mim numa efusio onde nio permanecem nem um nem ‘outro: seja uma iluso de verdade ou uma verdade da ilusio, 0 de- ‘sejo — um certo desejo - tende a esta relagio unitéria imediata, da mesma forma que todas as outras relagdes wisam estabelecer entre ‘0s seres ¢ entre as coisas, mas de uma maneira exclusivamente me- diata, uma forma de unidade ou uma forma de identidade. Deixa-se entio pressentir aquilo que chamamos de relagao do tereeiro ipo {e pipuite toads van \cogto moana 36 ences alc GT objeuva, 0 SeEUNTO UM TeTagao exigindo a unidade imediata). Agora og Tan area, dc ancora no funda Dé mas a proximtidade,procmidade de luta, de servigos, de esséncia, de ,PronimMITas,prowimavgade de Tita, Ge servigos, de esstneta, i ‘ACONVERSA INFINTTA ‘sonhesimente ou de reconhecimento, talver até de solidiia. ¢ a es: tranheza entre nds: estranhera que nao basta caracterizar como uma Separagao, nem MesTnO UMA Gsta Thales como interrupgso. — Interrupgao escapando a toda medida. Mas ~ ¢ af encon- tra-se a estranheza desta estranheza ~ esta interrupgio (que no inclui nem exclui) seria, entretanto, relagio ~ pelo menos se eu as+ sumo no reduzila, ndo repatrié-a, seja compreendendo-a, quer dizer, no buscar consideré-la como © modo (falho) de uma rela- fo ainda unitéria. — Tal seria a relagio do homem com o homem, quando ni ‘hd mais Cale cles proposigio de um Deus, nem a mediagio de tum mundo, nema consisténcia de uma natureza. SS =O que haveria ent ape: nas o intervalo representado pela palavra ‘entre’, vazio tanto mai ‘vazio que ele nfo se confunde com o puro nada, seria uma separa (Glorinfinita, mas dando-se como relacio nesta exigencia que ¢ a palavia, ‘Que seja, mas perguntemos o que isto quer dizer. = Sim, 0 que quer dizer isto? Primeiramente que o homem, nesta relagdo, € 0 que existe de mais distante do homem, vindo em direcdo a ele como o irredutivelmente Distante; neste sentido, bem mais separado dete que o limite do Universo ou o préprio Deus. Isto quer dizer também, que esta distancia representa aquilo que, do homem ao homem, escapa ao pader humano ~ que tudo pode. Esta relagio que funda a pura auséneia na palavra é revelada onde ccessa meu poder, onde acaba a possibilidade. — Dito de outra forma, o puro intervalo entre o homem ¢ homem, esta relagio do terceiro tipo, seria, por um lado, 0 que me relaciona exclusivamente ao homnem, mas nio me relaciona em nada em relacdo a mim mesmo ~ a um outro eu mesmo: por outro lado, 0 que nada tem a ver com a possibilidade © no se enuncia em termos de poder. — Sim, mas no nos contentemos com to pouco ¢ tentemos ccom paciéncia, sem ter medo de marcar passo, abrir um caminho. Nesta relagio com o homem, eu me relaciono com o que esté radi- calmente fora de meu aleance e esta relagio mede o proprio advento ARELAGAO DO TERCE!RO TIPO 1 do Exterior, Isto nos revela que a verdadeira exterioridade nao é a do objeto ou da natureza indiferente, ou Go Tmenso amiverso (que podemos sempre alingir por uma relarao de poder, enquadrando-o na minha representa 10 horizonte de um conhecimento, de mi nha visio, de minha negag&o, inclusive até de minha ignorancia); ndo €, tampouco, esta exterioridade pessoal que distingue 0s ho- mens considerando-os no intercambidveis, mas os mantém, também, um em relago ao outro, submetidos ao juizo ~ a jungio — de valores comuns. A verdadeira ¢stranheza, se ela me vem do homem, me vem deste Outro que seria o homem: somente ele en- fire oUeCentrador 0 UNICO a CSCAPAT AT CHEATO de visio no qual se desdobra minha perspectiva, ¢ isto no porque ele constituiria por sua vez 0 centro de um oulxo horizonte, mas porque ele nio esti direcionado para mim a partir de um horizonte que lhe seria prépria, O Outro: nfo somente ele néo cabe no meu horizonte, mas cle mesmo € sem honzonie- — Homem sem horizonte, nio se afirmando a partir de um horizonte, neste sentido ser sem ser © presenca sem presente, as~ sim estranho a todo vistvel e a todo invisivel, ele € 0 que vem a mim com palavra, quando falar, nao é ver. O Outro me falae é tio somente esta exigencia de palavra, E quando o Qutro me fala, a palavra 6 a relagdo daquilo que permanece radicalmente separado, relat, “fo sem unidade, sem igualdade, —=Tilo quer dizer que a comunicagio com “Outrem”, assim como ela se inscreve na palavra, no é uma felagto transubjetiva oo intersubjetiva, mas inaugara urna relagSo que nfo seria de su- jeito a sujeito nem de sujeito a objeto? — Creio que scria preciso decidir dizé-lo. Quando Outrem me fala, ele ndo me fala como eu. Quando cu me Ginjo ao Outro, “ErrespoRTS Aquilo que nfo me Tata de REMMI, separad en- To dele por um corte de tal ordem, que ele nio forma nem uma ‘TIO Oulro que nds oUSaMos caracterizar como uma interrupeso de ser, acrescentando agora: entre o homem eo homem, hi uinin- tervalo que nfo seria nem 46 ser nem do nao-ser € que carrega 4 Diferenca da palavra, diferenga que precede todo diferente ¢ todo io ACONVERSA INFINTTA (al il ils ness pe a seal an shad pom epee as ee Beciee fe Gunes aks ope cinmarpan ate Por desvios bastantes sinuosos. — E que ser direto, é falar apés ter ultrapassado um certo li- mile; movimento que se realiza melhor as escondidas. — Tive 0 sentimento de que acabivamos, efetivamente, de ultrapassar um certo limiar, sobretude no momento em que foi dito: “Quando Outrem me fala, cle néo me fala como eu"; ou ainda: ‘a relagio de outrem a mim nao é uma relagdo de sujeito a ‘sujeito.” ‘Confesso que dizendo e ouvindo isto senti medo: como se nos cho- cdssemos de frente com 0 desconhecido ou talvez como se 0 alibi de nossas relagdes estivesse a ponto de ser denunciado. — Existe uma questo que claramente nio:parou de nos pres- sionar ¢ cuja pressio nos fez ultrapassar o limiar. Essa questio poderia ser: Quem € ‘Outrem’? — Eu me pergunto se podemos atrair ‘Outrem* para uma tal questo. Eu me pergunto se esta palavra mesma nfo nos engana: ela reflete o termo criado por Auguste Comte, o altrufsmo, a partir do qual tomou-se facil sua reivindicagao pela moral, — Outrem nao é, com efeito, a palavra que se gostaria de con- servar. Ela vern no entanto de longe, utilizada jé na lingua épica. Outrem € 0 Outro regido pela palavra ‘ele* como modelo, que ti- Gate Seong et cour ae oe Pu eae eee ee pessoa. Posso aproximar-me de outrem, outrem no sc aproxil lizarmos esta particularidade lingifstica como lembrete, poderfamos obi Quando nos perguntamos: quem € outrem? nos interrogae mos de tal mancira que a questao falseia necessariamente o que Sinead qessoos Oona ene cee fume nice oc an oe ee Eye Gil ganna ics oe sees Pe oe cn eee et oe Enc con jeter wien oan rae ee [ARELAGAO 00 TERCEIRO TIPO 15 Eu’. Mesmo se tal preocupagio é um tanto ridicula, € preciso Jembrislo, porque nossa linguagem substantia tudo, — Acontece que existe ainda esta dificuldade: se ¢ verdade que outrem nio & nunca eu para mim, a mesma coisa ocorre comi~ go em relago a outrem, quer dizer que g Outro que surge diamte ‘de mim, fora do horizonte e como aquele que vem de longe, nio © FEST mesmo nada Mais Wo que um eu querendo Tazer-se ouvir pelo Outro, acolhé-lo como Quiro € manter-se em minha presen= Fa TOT au fosse 0 Outro € porgue eu ndo sou nada mais que 0 Outro: o imdentiheavel, oem "Fu", o sem nome, a presen | Fado macessivel. Dat um emaranhado de relagoes que parece cTaramente dever tecolocar-nos sob a exigéncia da realizagao dia- lética. “ Agencontracse, na verdade, para nés, uma armaditha. Por enquanlo, deveremos fazer duas observagdes ¢ dizer primeiramen- te que este redobramento da irreciprocidade —esta inversio que faz de mim aparentemente © outro do- outro ~ nic pode ao nivel em ie Glamis, Ser assumido Pelz TIRTICG, porque cle nfo tende a restabelecer nenhuma igualdade; pelo contrério, ele significa uma dupla dissimetria, uma dupla descontinuidade, como se @ vazio en tre um e outro ni fosse homogéneo, mas polarizado, como s¢ cle constitufsse um campo nio-isomorfo, carregando uma dupla dis torgdo, ao mesmo tempo infinitamente negativa ¢ infinitamente positiva, de modo que deva ser chamada de neutra, se se compreen- de que 0 neutro ndo anula, nao neutraliza esta infinidade com duplo sinal, mas a carrega como um enigma. Posso ainda dizer isto: se @ questo: ‘Quem € outrem”’ nko tem sentido direto, € porque cla deve ser substitufda por esta outra questio: 'O que acontece com a ‘comunidade” humana, quando deve responder a esta relago de cestranheza entre 0 homem © © homem que a experiéneia da lin- guagem conduz. a pressentir, retagdo sem comparagio, relagaio exorbitante?” E esta questo tampouco significa que o Outro ~ ou- trem — seria apenas uma maneira de ser, quer dizer, uma obrigagi0 dia qual cada um por sua ver se encarregaria, a menos que a ela se furtasse, sabendo-o ou no, As coisas nao sio to simples. Nesta relagdio, 0 outro ~ mas quem de nds dois seria 0 outro? — ¢ radical THETTE GUITO, € HO soMenle 0 OUTTO G, Nisto, nome para este vem 106 |ACONVERSA INFINTA noME cuja posigao momentinea no tabulciro onde falando ele joga, « falando se deixa envolver, o designa de vez em quando pelo vo- cébulo *homem’ (assim como 0 peo pode tomar-se qualquer pega, salvo o Rei). © Outro: a presenga do homem pelo proprio fato de que este sempre falta & sua presenga, como também a seu lugar. — 0 homem, quer dizer, os homens. Traduzirei entdo nossas ‘observagdes anteriores dizendo mais simplesmente: ao responder a esta relacio outra — relacdo de impossibilidade e de estranheza — da qual eles fazem a experiéncia quando falam (a um certo nivel de palavra ainda mal designado), estes falantes também fazem a experigncia do homem como absolutamente Outro, desde que 0 ‘Outro no se deixe pensar nem em termos de transcendéncia nem em termos de imanéncia. Experiéncia da qual nio se deve conten- tarem dizer quea ingusgem somente Ene a A, pore “SIVHRD ESI eH no capogo clemoe da Tequngent af oe ago © tempo da linguagem, af onde sta, pela escrita, derrota a idéia de origem. a todo positive ¢ todo negativo, € a “presenga’ que nfo remete ao Uno e a exigéncia de uma relagdo de descontinuidade onde a uni- dade nao esta implicada. O Outro, 0 Ele, mas na medida em que a terceira pessoa ndo é uma terecira pessoa e coloca em jogo 0 neutro. — Q neutro, o neutro, como isto soa estranho para mim = Bis ue w= yoce nda flr dono ov? Cts Eu tam mim talver, unis pontualidade ndo pessoal ¢ oscilante entre ninguém ¢ alguém, um semblante que somente a exigéncia da relago exorbi- tante investe silenciosa ¢ momentaneamente no personagem ou estabelece na instfincia do Eu-Sujeito com quem ele se identifica, para simular © idéntico, a fim de que a partir daf anuncie-se, pela escrita, a marca no Outro do absolutamente nfo idéntico, — Talvez jé seja a hora também de abandonar este termo ou- trem, lembrando ao mesmo tempo o que queria dizer-nos: que 0 Outro & sempre aquilo que se refere (seja para colocé-lo entre pa- TIE existe de outro, = Consequeniements, ¢ antes de apagé-lo, lembremos que ‘outrem & um nome essencialmente neutro e que, Tonge de nos des- [ARELAGAO DO TERCEIRO TIPO Ww carregar de toda responsabilidade em relagio ao entendimento do neutro, ele nos lembra que devemos responder, na presenga do Ou- tro que vem a nés como Outrem, nesta profundidade de estranheza, de inéreia, de irregularidade, de inoperancia que acothemos quan- do procuramos acolherapalavea do Exterior. Outem si prio homem pelo qual vem a mim © que nio se revela nem & poténcia pessoal fo Susito, nem a poténeia da verdade impessoal. Todo 0 ristério do neutro passa, talvez, por outrem ¢ nos remete a ele, quer dizer, passa por esta experiéncia da linguagem onde: a relagio do .relagio nfo unitéria, eseapa & questio do ser como & do todo, deixando-nos frente & ‘questio mais profunda’, esta in- crrogagio do desvio por onde o neutro vem A questio —que ainda no € nunca o impessoal. - _— Acrescentemos isto: toda alteridade supe © homem como coutrem e nio 6 contrério. Somente que, disto resulta para mim que ‘0 homem Outro que é ‘outrem’ corre 6 risco de ser também sem- pre © Outro do homem, préximo daquilo que no. pode me ser ‘roximo: préximo da morte, proximo da noite ¢, eertamente, tam- bém, tio repulsive quanto tudo o que me vem destas regides sem horizonte. Sabemos que, quando um homem morte perto de nés, mes- ‘mo sendo o mais indiferente dos seres, ele & para nds, neste instante, 2 Ri ie: 0 Otome fl inept devisva Jo fala precisamente na palavra do Outro como relago infi- tite Moet no dt que, quando vocé fala a outrem, vocé Ihe fala, chamada de além-timuto, como a um tipo de morto? / — Quando ev falo ao Outro a palavra que me leva a ele ‘rea- liza’ ¢ “mensura’ esta distincia desmedida que € 0 movimento infinito de morrer, onde morter pe em jogo a impossibilidade. ‘eu mesmo, falando-tIhe, falo em vez de morrer, 0 que também quer dizer que falo neste lugar onde se morte.” Quanto a mim, escuio também estas duas vozes, préximo nem de uma nem de outra, sendo entretanto uma delas € ndo a autra, 28 ‘A CONVERSA INFINITA sendio na medida em que ew ndo sou eu ~ e assim, de wna & outra, interrompendo-me de una maneira que dissimula (q Ps wla (que apenas si- mala) a imerrapo decisive. Como fing aclher« fora enig imi que vem desta iteruped, gue 3 faz rela infinite na palavra, € que revetames pela insuficiéncia de nossos recursos? Repitamos ainda uma vez: 1) Ea linguagem, a experiéncia da linguagem ~ a escrita que tos leva a prestentir ema rela inreiramente diferente, relogio le terceiro tipo. Teremos que perguntar de que maneira entramos nesta experiéncia, supondo que ela nao nos re r celta ¢ pergantar se la nao nes fala sob a forma do enigma de qualquer palavra. 2) Nesta relacdo que isolamos de maneira ndo necessaria- ‘mente absirata, jamais um é compreendido pelo outro, jamais forma com ele un conjunto, nem uma duatidade, rem wma unida- de possivel; um é estranko ao outro, sem que esta estranheza Privilege um on outro, Esta relagdo chamamos de neutro, ind cando, entao, que ela ndo pode ser de nove alcancada, nem quando s¢ afirma, nem quando se nega, evigindo da linguagem, ndo uma indeciséo entre esses dois modos, mas uma possibilidade de dizer que diria sem dizer nem denegar o ser. E, com isso, caracteriza- ‘mos talvez um dos tracos essenciais do ato “literério’ Sato de eserever. 3). relapdo nesta relia sem rlagdo, pote ainda deixar se indicar de outra maneira: a relacdo de um ao outro é duplamente dissimétrica. Reconhecemos isto iniimeras vezes. Nos Sabemos = pressensimos, pelo menos ~ que a auséncia entre um ¢ outro é tal, que as relagdes, se elas pudessem desenvolver-se, per- tenceriam a um campo nao isomorfo onde a distancia entre 0 ponto ‘9 pono B seria diferente da dstncia entre 0 pono B eo pata |. distancia que exclui a reeiprocidade ¢ apresenta uma curvatu: +a cuja irregularidade vai até & discomtinuidade' 4) Precisando esta relagdo, nao podemos evitar de representé- 1a como acontecendo enire dois termos, , conseqiientemente, " 0 proprio 1. Lemibeo que foi Emmanuel Levinas quem dou a este desenho sua signifi cago devisiva: “A curvatura do espago exprime a relagdo er E ‘humans. * Pago exp ago entre seres [ARELAGAG DO TERCEIRO TIPO 129 parecemos nos outorgar 0 direito de considerar estes termos coma tendo, fora dela, sua realidade ¢ suas determinagdes préprias. De uma certa maneira, legitimamente. Primeiramente, porque, mes: ‘mo se 0s dois homens que estéo ai num quarto, e que falam, no sao nada sendo o lugar das relagées passiveis, reconhecemos que, centre essas relacdes, algiemas os fazer existir wm € outro como realidade distinta, objetiva, ou ainda como Eu-sujeito, existéncia tinica, centro centrado numa unidade radiante, histéria, enfin, peta qual toda sua verdade passa pelo mundo que se faz. Muitas difi- culdades sao reunidas nestas poucas palavras. Nés as negligenciaremos ser tenor, para nos concentrarmos na relagio Sobre a qual refleimos. Aé também parece que faldvamos com ra- “flo sobre terms entre os quais a relagdo ocorreria e como se estes terms pudessem pretender afirmar-se, nesta relagdo mesma, come distintos da relagdo, e nao somente distintos, mas separados por uma diferenca e uma distancia infinitas, visto que seu sentido se- ria: ser uma dupla separagao infinita, Sim, ndo esquecamos isto. E caracteristice de tal estranka relaséio designar uma dupla aw. séncia infinita. Mas, neste caso, poderiamas dizer ~ ¢ é necessirio sete Git aoe, oy Cam po selene terceiro tipo, ndo est mais num Tos Tehmos, ele ndo esta num nem mere senda Tada Tals To que a prifpria rela, relagao TATEMaT TOs com a simplicidade desta afirmagaa: 0 Outro néo se diz somente da relagin designada como relagdo de estranheza entre 0 homem € 0 homem: nesta relacaa. outra e através dela, 0 outro é para a presenga propria do TATTD, EMT suas Tafinita distancia, o homem como absolutamente Ou- ream nem se exalta na unidade do Unico. Ou ainda, para mim, redid om qe SoU (momenTaMEaMenTe € por funcio) o wm ‘em mim, eu fago a experiéncia do outro, nao como de uma rela- (edo de estranheza com wn homem como eu. mas, como da homen fein sua estranheza, aquilo que escapa a toda idenuificacdo, seja a de um saber impessoal, de uma mediagdo, ou de uma fusclo mist ‘ca: a exterioridade ow 0 desconhecido que esta sempre jd fora de dalcance,o ndo visivel que a palavra carrega. O que ques diver qi 130 ACONVERSA INFINTTA por mim, 0 outro ao mesmo tempo 6 relacio de inacessibilidade do outro, € 0 outro que esta relagéo inacessivel institui, é entre- tanto, a presenga inacesstvel do outro ~ 0 homem sem horizonte ~ que se faz relagao ¢ contato na propria inacessibitidade de sua aproximaga. Como se no espaco-tempo inter-relacional, fosse necessério pensar sob o peso de uma dupla contradicdo, pensar 0 Outro ~ primeiramente como a distorgéo de um campo, porém, continuo como 0 deslocamento, a ruptura, da descontinuidade ~ depois como © infinito de uma relagdo sem termos e como infinita terminagao de um termo sem relagao, vill AINTERRUPCAO Como que sobre uma superficie de Riemann {A definigio, quero dizer, a descrigio a mais simples de con- versa mais simples, poderia ser a seguinte: quando dois homens falam juntos, cles no falam juntos, mas cada um por sua ver; um diz algo, depois péra, 0 outro outra coisa (ou a mesma coisa), de~ pois para. O discurso coerente que veiculam & composto de | seqiiéncias que, quando elas trocam de parceiro, interrompem-se, | mesmo se elas s¢ ajustam para se corresponder, © fato da palavra_ precisar passar de um para 0 auto, s¢ja para ser confirmada, con Telicoy desemvoTinie mv a necessidade do Interato, 0 poder de falar se interrompe, € esta Taterrupcdo tem um papel que parece subalterno, aquele, precisamente, de uma alternéncia subor- | dinada; papel, entretanto, tao enigmético que ele pode ser | interpretado como carregando © proprio enigma da linguagem: pau- sa enie as frases, pausa enire os interlocutores © pausa atent TNE PETUNCO se se refletiu suficientemente sobre as diver sas significages desta pausa, que entretanto € 0 que permite constituir exclusivamente a palavra como conversa € até mesmo como palavra. Alguém que fala sem parar acaba preso. (Lembre- mos os terriveis mondlogos de Hitler e de qualquer chefe de Estado, se ele goza do fato de ser 0 nico a falar ¢, gozando de sua eleva da palavra solitiria, a impde aos outros, sem yergonha, como uma palavra superior ¢ supfema, participa da mesma violencia do dictare, a repetigio- do monélogo imperioso,) Examinemos & CON 12 /ACONVERSA INFINITA versa mais densa, aquela que melhor se furta a0 eapricho aleats- rio; mesmo seo discurso é coerente, cle deve seu ntarase sudando de protagonista, de um para outro, ele se interrompe: @ interrupgio permite a troca. Tnlerromper-se para compreender-s, compreender=se para falar - ~~ No entanto, € claro que as paradas que pontuam, sec: + articulam o didlogo, niio sio sempre de mesmo tipo. Hé inter- rupgdes que bloqueiam a conversa. Kafka desejava saber em que momento e quantas vezes, quando 8 pessoas estio sentadas no ci culo de uma conversa, conyém tomar a palavra, se niio se quer pasar por silencioso, Mas tal @léncid) mesmo sendo desaprova- dor, constitui a parte motora do discurso: sem ela no se falaria, mesmo que ulteriormente: se devesse perguntar se niio houve en- ‘Bano sobre a atitude do interlecutor e se 0 outro no nos levou a falar (assim como, em outras circunsténeias, pode-se censurar 0 an- fitrido por ter-nos levado a beber - € de resto, a mesma embriaguez), Inclusive, até mesmo quando o mutismo é uta recu- sa, ele é raramente abrupto, ele € parte do discurso, direciona-o com suas nuances, ele coopera na esperanga ou no desespero de um acor- do final. Ele ¢ ainda apenas uma palavea diferida, ow carrega a significagio de uma diferenga obstinadamente mantida, A interrupgio € necesséria em toda seqiiéncia de palavras: a {cece oS on VETO evi a descontinuidade assegura a ‘Gomiinuidade do entendimento: Disto muito se pode dizer. Mas, por Enguanto, gostaria de mostrar que esta intermiténcia pela qual 0 diseutso torna-se didlogo. quer dizer, diz-curso, apresenta-se em duas diregdes muito diferentes, sin? Pimeiro caso, a parda-ntervalo € compardvel & pasa ordindria que permite a alternéncia numa conversa. Ai, a desconti- nuidade € essencial, visto que cla garante a troca; essencial mas relativa: 0 que ela visa, seja tarde ou nunea, © ao mesmo tempo desde agora, é a afirmagdo da verdade unitdria onde o discurso coe. rente nfo cessard e nao cessando mais, confundir-se-& com seu aves. so silencioso, Nesta perspectiva, a ruptura, mesmo se ela a frag INTERRUPGAD ‘menta, a contraria ou a perturba, mantém 0 jogo da palavra comum; ‘nfo somente ela dé sentido, mas revela © senso comum eom0 ho- rizonte. Ela € a respiragio do discurso, Nesta categoria entram to- das as formas que dizem respeito a uma experigncia dialética da existéncia e da historia — desde a tagarclice coridiana até os mo- ‘mentos mais elevados da razao, da luta ¢ da prética, Interromper: se para entender:se, Mas existe um outro tipo de interrupcio, mais enigmatica € inais grave, Ele introduz a espera que mede a distancia entre dois interlocutores, nao a distincia redutfvel, mas a irredutfvel. A isto te referi imimeras vezes nestes estudos, c bastard mais uma alu- sfo. No espaco inter-relacional, posso tentar comunic: alguém de diversas manciras: uma primeira vez, consi como uma possibilidade objetiva do mundo ¢ conforme as moda- lidades da objetividade; uma segunda vez, olhando-o como um outro eu, muito diferente talvez, mas cuja diferenga passa por uma identidade primeira, aquela de dois seres tendo o igual poder de falar na primeira pessoa: uma terceira vez, no mais numa relacio mediata de conhecimento impessoal, ou de compreensio pessoal, ‘mas numa tentativa de relago imediata, o mesmo € 0 outro pre tendendo perder-se um. no outro ou aproximar-se um do outro segundo a proximidade do “Tu” que esquece ou apaga a distancia. Estas trés relagées tém em comum o fato de tenderem para a uni dade: 0 “Eu” quer anexar 0 outro (identificd-lo a si) fazendo dele ‘Twa COIs oF comdando-ocomo uma coisa, ou ainda cle quer Tech SnIFar no outro um outro eu mesmo, seja pelo reconhecTmento Tivee GT FETA untao instantanea do-coragao. Sobra uma outra modalida- ‘de (sem modo). Desta feita, nao se trata mais de uma busca unificadora, Eu nao quero mais reconhecer no outro aquele ou aqui lo que uma medida ainda comum, 0 fato de pertencer 2 um espago ‘comum, mantém numa relagdo de continuidade ou de unidade co- igo. Agora, 0 que esti em jogo, ¢ a @&Wanhezmyntre nés, no ‘Somente esta parte obscura que escapa # nosso Mio conhecimento ‘eno é nada mais do que a obscuridade da posi agularidade do eu singular ~ estranheza que € ainda muito relativa {um eu estd sempre préximo de um eu, mesmo na diferenga, na ‘competigio, no desejo e na necessidade). Agora, o que esté em jogo ACONVERSA INFINITA € pede entrar em relagdo, 6 tudo 0 que me separa do outro, quer dizer, 0 outro, na medida erm que cu estou infinitamente separado ‘ele, separagao, fissura, intervalo que o deixa infinitamente fora Eni, mas também pretende fun Zo com ele 30 bre esta propria interrupgao que € uma interrupeao de ser = atercade pots G0ar ee 150° Tae € ‘preciso repeti-lo, ném lum outro eu, nem uma outra existéneia, nem uma modalidade ou um momento da existéncia universal, nem uma sobre-cxisténcia, deus ou nio-deus, mas 0 desconhecido em sua infinita distancia. ‘Alteridade que se mantém sob a denominago do neutro. Digamos, para simplificar, que, pela presenga do outro con- cebido como neutro, existe no campo das relagdes uma distorga0 impedindo qualquer comunicago direta e qualquer relaglo de uni- dade ou, ainda, uma anomalia fundamental, que deve ser pela Palavra, no reduzida, mas carregada, mesmo que no seja preciso dizé-la ou significé-la. Ora, € a este hiato ~ a estranheza, a infin {que invodue a espera, Uniearnente, comprecndamas Dem que 8 in- terrupgdo aqui NAO € necessdria nem simplesmente mareada por siléncio, braneo ou vazio (como isto seria grosseiro), mas por uma mudanga na forma ou na estrutura da linguagem, (quando falar é antes exerever) - mudanga comparavel metaferiamente agucla que transformou a geometria de Euclides na de Riemann (Valéry dizia @ um matemético que cle planejava escrever ~ falar - sobre “uma superf de Riemann'”), Mudanga tal que falar (escrever), é ces: 1. Encontro novo deSuith Robinson Dante de esprit in Chis de Vale edigSes Hse Cor) uma indigo sore ic. M- Meme conta + sequinteanedots: “Os matemdicos liza uma ferrameata chamada su ike de Riemann -& im bloco de antaies ideal com tants fas ‘Sie mc ecesino ij apes toa € sempre na. As flhas so lig, ls umas com at outra segundo certs regras, Sobre eta upertc Toads ele nscrevern nimers, alguns dr qs ecopum o mesial tar em divers flla. No deconer de una conve Valey me Sse "Noct nfo ach que at convertase desnv vem como que sobre una pete de Riemann? Eu The digo ao. que «isa na pica Toa Iss 20 mesmo tempo, prepara Segunda fla o que Te die a segue min rei oa aque gue vir pas. De vss parte. ve! meen: [AINTERRUPCAO, 136 sar de pensar wnicamente visando @ unidade fazex das celuobes de palavras um campo essencralmente dissiméirico que rege a des~ conlinuidade; como 3e 6 Tratasse, tendo Temanciado © TOR ‘ninterrupta do discurso coerente, de liberar um nivel de lingua~ ‘gem no qual se possa ganhar 0 poder ndo somente de exprimir-se de uma maneira intermitente, mas de dar a palavra a intermiténcia, palavra néo unificadora, aceitando de nao ser mais uma passagem ‘ou uma ponte, palavra ndo pontificante, capaz de ultrapassar as duas margens, que 0 abismo separa, sem preenché-lo ¢ sem reuni-las (sem referéncia & unidade). Entre estes dois tipos de interrupgio, assim como acabo de cesquematizé-los, a diferenga € teoricamente muito forte. Esta dife- renga corresponde aos dois tipos de experigncia da palavra, uma que € dialética, a outra que nio 0 €: ma palav do unesao tne dendo para a unidade e ajudando a realizar 0 todo; a outra, palavra ( cronta, warregando UMA TeraGaO We Tniinidade c de estranheza. areTanio, esta Oferenga decisiva €, cm Sua Geeisao, fempre am- Digua: quando duas pessoas falam, 0 siléncio que lhes permite, falando juntos, falar cada um por sua vez, € apenas a pausa alter- nada do primeiro grau, mas ja também, nesta alternancia, pode estar agindo a interrupgao pela qual indica-se 0 desconhecido*. Mais gra- ve ainda. Quando o poder de falar se interrompe, nao se sabe, niio Se pode munca saber de fato o que acontecerd: a interrupgio que ponde na primeira folha conservando em outras fothas o que wast preter de me dizer mais tarde."” E claro que a imagem permanece bastante insaisfatria visto que 0 discurso aqui, ao invés de implicar numa verda~ esTorgo do pensar, quer dizer, de falar duplamente num mesmo ato de linguagem: ele pensa safarese desdobrando esta duplici de, repartindo-a entre dois homens falando em pé de igualdade. ‘Temos entio duas palavras numa, duas palavras diferentes e no en- tanto idénticas. Sim, reconhegamos de novo que é impressionante, mas, no entanto, algo perdeu-se neste movimento admirdvel: € a veces irene uma diferenga que nada deve simplificar, nada pode igualare que s6 ela, misteriosamente toma falantes as duas palavras, mantendo-as separadas, mantidas juntas unicamente por, cesta separago. ‘Admeto, fundador do dislogo, € ainda vitima do terror do deus: submetido a seu ideal, ele apenas visa A unidade, como se © Uno, na perspectiva do mesmo, devesse ser a verdade de toda com: UMA PALAVRA PLURAL preensfo, a finalidade de toda relagio humana e divina. Nao é as- sim, No espago inter-elacional o didlogo ¢ a igualdade suposta pelo didlogo apenas tendem a aumentar a entropia, da mesma forma a comunicacio dialética, se cla exige dois polos antag6nicos, cheios de palavras contrarias ¢ provoeando, por esta contrariedade, uma corrente comum, destina-se, também ela, apds belos clamores, a cextinguit-se na idemtidade entr6pica, © dilogo é a geometria pla nas onde as relagées s8o diretas e permanccem idealmente siméui- $28. Mas suponhames que 0 campo ths relgbes dependa de alsumna anomalia andloga Aquilo que os Tisicos chamariam curvatura de Universo, s¢ja uma distorg’o, impedindo qual quer possibilidade de Simetria € introduzindo entre as coisas ¢ particularmente entre 0 Thomem eo homem una relagao de tafinvtude. SuponTaMOs GUE EE né do espago, este ponto de abrupta densidade, esta polarizagio que escava € dilata extensao ¢ duragao de tal mancira que nao haja nada que seja igual, tampouco nada que seja apenas desigual, su- ponhamos que caiba & palavra nao reduzir nem, declarando-a indj- zivel, desviar-Se, mas apresentar, quer dizer, finalmente) dar forma sta iregularidade Fundamental. Sim, suponhamos isto. E acei- iemos reconhecer toda a extensio da cxigéncia que se oferece a 16s por esta suposigo e primeiramente isto: que falar ¢ certampene te reconduzie © outto ao mesma, na busca de uma palavra media ora, mas © também, primeiramente, tentar acolher o outro como outro e o esiranho como estranho, oulrem pois em sua irredutivel “as tia descontmuidade esencial pode preservar a afirmagdo que Ihe € propria. No fundo, 0 que o Deus solicita a Admeto? Talvez nada menos do que quebrar o jugo do deus € sair enfim do circulo onde ele permanece fechado pelo fascinio da unidade. E niio é po co, certamente, porque isto quer dizer: deixar de pensar apenas te do em vista a unidade; isto quer dizer entio: nio ter medo de afirmar a interrupgao ¢ a ruptura, ‘gar a propor € a Cx: pressar ~ tarefa infinita ~ uma palavea verdadeiramente plural. Pa lavra que precisamente encontra sempre de antemao sua destinagho (sua dissimulagio também) na exigéneia escrita Bem dizeglo a esia Diferenga que, em prime lugar, 106) uma forma misteriosamente altemativa arrancando-nos de todo di Me ACONVERSA INFINTA ferente, nos leva uma das primeiras obras na qual 0 pensamento foi chamado a si pela descontinuidade da escrita ~ obra rompida pelo tempo como que para tomar acidental sua presenga fragmen- {ria Assim, nos dissuadindo mais do que nos persuadindo, vem alé n6s, 0s textos quebrados de Heraclito. LIVROS PUBLICADOS PELA EDITORA ESCUTA Psicondlise,judaismo; essondncios, Renoto Mesan (ess. Do gato eriador, Carlos 0. Pérez © manuscrit perdido de Freud, H. Haydt de S. Mello 0 psicanclista e su ofcio, Conrod Stein Elementos da interpretagéo, Guy Rosoloto A pulséo de morte, André Green eta Psiconélise de sintomas sociais, Serio A. Rodkiguer/Manoel T. Berlinck (eros) Familia © doengo mental, Isidore Berenstein Narcisismo de vida, narcisismo de morte, André Green {a Erioios de uma mae, Conrad Stein Notas de psicologia e priquiatia seciol, Armando Bauleo Trauma, amor @ fantosio, Fronklin Goldgrub Clinica psicanaltce:estudos, Pierre Fédida Paicanélise da clinica cotidione, Monoel Tosto Berinck O ocolonto eo horror, Ane Lucio C. Jorge A Representogéo. Ensoio psicanalitice, Nicos Nicolai desenvolvimento kleiniono I. Desenv.clnico de Frevd, Doneld Melizer Edipo oricano, Movie-Cécile ¢ Edmond Oxigues Comunicogoo e representagio, Piere Fédide (ora) Ensaios de psicondlise @ semitica, Miriam Chnciderman Froud e 0 problema do pode, Leb Rettchner ‘Melanie Klein: evolugées, Elis M. do Rocko Borsos (ora)

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