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Apoiante de primeira hora de Manuela Ferreira Leite nas últimas directas, Paula Teixeira
da Cruz está hoje ao lado de Pedro Passos Coelho, que lhe pediu para elaborar a proposta de
revisão do programa do PSD. A ex-presidente da Assembleia Municipal de Lisboa afirma
que o PSD perdeu as eleições por ausência de projectos, erros na escolha do pessoal político
e falta de abrangência. Mas culpa também o discurso "muito conservador" de Manuela
Ferreira Leite, "que já não encontra eco na maioria do país", pela "humilhante" derrota do
PSD.
Também. Insere-se num conjunto de situações que passam pela falta de abrangência,
ausência de projectos e a escolha e selecção de agentes políticos. Houve uma ausência total
de critérios: deputados por Lisboa que nada têm a ver com Lisboa, candidatos a autarquias
que nada têm a ver com as autarquias, candidatos que aparecem por distritos com os quais
não têm nenhuma ligação. Os agentes políticos têm de ser exemplares, referenciais. O PSD
ia num caminho de exemplo e afastou-se dessa linha.
Penso que não se pode falar em desunião do partido. O partido sempre teve várias
correntes, várias vozes livres e várias sensibilidades, e isso é enriquecedor, ao contrário da
maior parte das análises que tenho visto. Todavia, o que me parece é que o PSD não
apareceu com um discurso nem com projectos alternativos ao PS. Basicamente, a
campanha centrou-se numa afirmação de credibilidade e num "não" aos grandes
investimentos. Estas foram as duas linhas. Isto é pouco para apresentar ao eleitorado. Esse
eleitorado não viu no PSD uma alternativa ao PS.
Eu nem isso diria. O país está numa situação deveras dramática, com o desemprego a
aumentar. Esperam-se 65 mil novos desempregados para o ano. O défice agravado, as taxas
de juro da dívida pública vão subir. Não há investimento, nós não produzimos quase nada
hoje em dia. Com este cenário, aquilo que se esperava era a apresentação de um plano de
desenvolvimento para conter a crise, por um lado, e um modelo de desenvolvimento para o
país, por outro. O PSD não apresentou essa alternativa. Funcionou muito o voto de
protesto. Para nós, foi uma derrota humilhante, naturalmente, porque o PS estava
fragilizado, o governo estava fragilizado, mas o Partido Socialista também não pode cantar
uma grande vitória. Ganhou, é certo. Mas o que se viu foi o Bloco de Esquerda e o CDS
crescerem. E a transferência de votos do PSD para o CDS é clarinha. Tudo isso é,
obviamente, muito preocupante.
É evidente que isto lesa profundamente o PSD, interna e externamente. Do ponto de vista
interno, estamos quase em gestão corrente. Sempre que houve derrotas eleitorais com esta
expressão, os líderes demitiram-se e abriram um processo de sucessão. Para o partido,
penso que não é salutar, porque não há uma clarificação da liderança. Externamente, penso
que o país nos olha com perplexidade. Não pode deixar de entender este prolongamento
como uma táctica de permanência naquilo que é o poder interno. Numa altura em que nós
estamos na situação que acabei de descrever, o PSD vira-se para ele próprio, a discutir se
faz ou não congresso extraordinário, se prolonga as directas... Num dia, dirigentes do
partido afirmam que o congresso extraordinário não tem virtualidades nenhumas, para no
dia seguinte afirmarem que tem todas as virtualidades, ainda que ninguém tenha explicado
para que serve um congresso extraordinário.
Já ouvi que é para discutir as grandes linhas do partido, já ouvi que é para clarificar os
candidatos à liderança, já se colocou a hipótese de alterar o próprio sistema de directas... Se
este congresso for prévio às directas poderá ser marcado para a penúltima semana de
Março, depois tem de se convocar as directas, depois estamos no Verão. Vão fazer-se as
directas no Verão? É evidente que o partido precisa de uma solução clarificadora e
sobretudo de protagonistas que consigam restabelecer esse contrato social que está perdido
entre os partidos e os cidadãos.
Na sua opinião, Pedro Passos Coelho é o homem certo para esta altura?
Não acredito em homens providenciais. Agora, penso que Pedro Passos Coelho fez três
coisas que me levaram a apoiá- -lo neste momento. Preparou-se - que é uma coisa a que
estamos pouco habituados. Em Portugal, as pessoas têm horror a preparar-se e de
improviso em improviso estamos a chegar aqui. Passos Coelho foi-se preparando com
naturalidade e começou a construir a casa pelos alicerces: proposta de revisão do programa
do partido, que não é alterado desde 1982, e proposta de governo para Portugal, ou um
conjunto de propostas. Foi inequívoco numa atitude de querer a abrangência dentro do
partido. Eu não o apoiei nas eleições anteriores! Não vejo mais ninguém a fazer este
trabalho e a fazê-lo de uma forma coerente. Isto é, preparando-se, ouvindo, ouvindo,
ouvindo, que é algo a que os nossos decisores também têm horror. Depois, abrindo um
espaço de debate sobre o programa do partido, apresentando um projecto que porá à
consulta de todos os militantes e recolherá contributos de todos, recentrando a matriz
ideológica e apresentando uma alternativa a este governo. Não vejo mais nenhum dos
candidatos de que se fala a fazer este esforço. Eu estarei onde estiverem as ideias que se
aproximam mais daquilo que é o interesse público e o interesse nacional. O PSD é o maior
partido da oposição e tem responsabilidades especiais. É o CDS/PP que está a ser tratado
como maior partido da oposição neste momento.
O que pensa dos protocandidatos contra Passos Coelho que estão em cima da
mesa? Não é a primeira vez que José Pedro Aguiar-Branco admite disputar a
liderança...
E, honra lhe seja feita, isso foi sempre assumido com toda a clareza. Considero isso uma
característica muito positiva. Prefiro isso aos tacticismos, que não são nada saudáveis.
Regressar a líderes anteriores não é uma boa solução. Por alguma razão deixaram de o ser.
É evidente que Marcelo tem todas as qualidades para ser líder do PSD. Já não me parece
que se possa exigir uma quase unanimidade para apresentar a candidatura. Aguiar-Branco
é outro candidato que reúne características para ser líder, como Paulo Rangel também
reúne algumas dessas características. Confesso que não gostei de o ouvir dizer, na
Universidade de Verão do PSD, que a ética e a política são coisas diferentes. Ética significa
carácter, do ponto de vista filosófico significa o bem comum. Se a ética não tem a ver com
política, confesso que não sei com que é que a ética tem a ver. Para mim, isso é uma
diferença política de fundo.
E qual deve ser um programa para o PSD do século XXI, que é aquilo em que
está agora a trabalhar?
O PSD não pode perder, do ponto de vista programático, três linhas de referência. Primeiro,
a matriz social-democrata revisitada à luz do que a social-democracia pode ser hoje, com
verdade. Com ideologia, mas com verdade. A segunda linha é reformista e de libertação da
"sociedade civil" - que é uma expressão de que não gosto, os partidos não são propriamente
sociedades militarizadas. O PSD foi um partido que, sempre que esteve no governo,
incentivou a iniciativa da sociedade do ponto de vista económico. O PS faz exactamente o
contrário: funcionaliza e, indirectamente, "nacionaliza". Tem uma tentativa de controlo. O
PSD tinha uma linha reformista e uma lógica de incentivo da sociedade. Por outro lado, o
PSD foi sempre muito pioneiro em termos de qualificação da democracia, de participação
das ditas minorias nos órgãos dirigentes. Estas linhas programáticas devem manter-se,
aliadas a uma grande lógica de tolerância em matéria de costumes.
É, sim, tradição do PSD! E houve um recuo. Eu pertenci a órgãos dirigentes do partido onde
sempre expus com total liberdade um conjunto de posições sem ninguém me condicionar.
Houve claramente um recuo com esta liderança, com um discurso muito conservador que já
não encontra eco na maioria do país, sobretudo nas zonas urbanas e nas camadas jovens.
Todos nós gostamos de ter uma família. Agora, como cada um constrói essa família e em
que termos, isso é com cada um. Este discurso muito conservador também foi penalizador
para nós nas últimas eleições. O eleitorado mais jov em não se revê num discurso desses.
Sempre houve no PSD liberdade para que os seus militantes exprimissem em matéria de
costumes aquilo que entendiam ser a sua opção de consciência. Sempre houve essa
liberdade.
O discurso que se fez foi muito conservador. Foi uma linha definida pela direcção. A
liberdade manteve-se, o PSD tem essa virtualidade, não é um partido dócil e tem muitas
vozes livres. Foi um problema de orientação e indicação aos portugueses daquilo que era o
pensamento da líder. E penso que isso penalizou o partido eleitoralmente.
A questão não pode ser colocada assim, estamos a enviesar tudo. Sou a favor da adopção
por quem tiver as condições estabelecidas na lei para adoptar, e isso não tem nada a ver
com a orientação sexual de cada um. A adopção tem a ver com ter condições ou não ter, do
ponto de vista económico, de estabilidade, para proporcionar um desenvolvimento
harmonioso às crianças.
Sou, não tenho nada contra. Acho que há uma contradição, mas não me incomoda nada o
mesmo nome. Sei que para muitas pessoas o nome é absolutamente cruc ial; entendem isso
como um sinal de igualdade. Mas são os direitos que asseguram a igualdade. Estou de
acordo com o princípio: chamar-se casamento ou não se chamar casamento é relativamente
indiferente.