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literatura
Gislene Barral
Mestre em Literatura Brasileira / UnB
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decifrao16.
Muitas vezes um discurso desconexo, incoerente e sem referentes,
como o do esquizofrnico, prope-se como texto literrio, na tentativa
de no representar objetivamente coisa alguma e ultrapassar os limites
da prpria obra, rompendo com o conceito de obra. Assim com a
poesia moderna que, empenhada em se tornar um desafio para o leitor,
mais o afasta que cativa para o seu deciframento. Exige, por outro lado,
um leitor astuto, munido de todo um instrumental terico e prtico de
experincia lingstico-literria, capaz de vencer suas resistncias diante
desse estranho objeto verbal e buscar algum sentido sob toda a recusa
de sentido que a obra traz17. Essa incomunicabilidade da moderna
linguagem literria, que inevitavelmente encontra sua homologia na
sociedade de onde emerge, mas que ao mesmo tempo contesta, quer ser
o que a escrita do esquizofrnico para a razo cartesiana: um discurso
sem referncia, que no permite a construo de representaes, um
discurso que no encontra sua justificao fora de si mesmo, um discurso
que apenas discurso18.
Mesmo assim essas obras, como os textos das vanguardas
modernistas, esto na verdade, enquanto propostas artsticas, instituindo
novos limites dentro de seus limites, construindo novos paradigmas,
deslocando para mais adiante as regras de um cdigo e, com isso, nele
penetrando. Ao inserir-se nesse cdigo, institui-se como linguagem
literria transgressora e, portanto, terreno impossvel para a loucura, j
que fruto e obra da razo. assim que a literatura, acolhendo a loucura
e buscando situ-la aqum da separao entre razo e loucura, leva
a obra a seu extremo limite como obra, uma experincia-limite e
mostra que enquanto os saberes racionais excluem, desclassificam,
rejeitam a loucura como ausncia de obra, como margem exterior dos
limites que a razo historicamente instituiu, a literatura, ao questionar a
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