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INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA
MONÓLOGOS DA INGENUIDADE
principal o cenário da sala de aula e a dimensão não-dita das relações dentro desta, assim
como observar o efeito de certos pressupostos sobre o ensino e as conseqüências das práticas
qual algumas crenças sobre o ensino já estão substancialmente fixadas e que dão respaldo à
maioria das práticas no ensino superior, até o ultimo período, que traz a urgência de um
desfecho que aponta para o fim(?) de uma vida de escolarização. Ambos serão observados de
acordo com os paradigmas vigentes em cada momento e suas implicações no processo como
um todo.
incômodo ocasionado pelas práticas e rituais adotados durante as aulas e suas conseqüências.
Acreditando ser este um esforço válido, justifica-se este também pela crença de que, como
Paulo Freire (2000:94-96) não cessou de ressaltar até o fim de sua vida, “mudar é difícil mas
é possível” e com certeza muito mais possível quantos mais forem os “seres curiosos,
ESCOLARIZAÇÃO INFINITA
A universidade pública no Brasil vem se tornando um bem de luxo cada vez menos
acessível, já que ocorre a cada ano o aumento do número de estudantes concluintes do ensino
médio aptos a prestarem vestibular, ao mesmo tempo em que as universidades públicas são
incapazes de expandir o numero de vagas para seus cursos. Essa inflação da relação
candidato-vaga nos vestibulares vem tornando o acesso ao curso público superior um desafio
Daqui a diante analisarei alguns aspectos da busca pela escolarização infinita como
valor em nossa sociedade e das conseqüências desta crença no lugar de estudo deste trabalho,
a sala de aula.
A escola nos ensina que a instrução produz aprendizagem. Uma vez que
aprendemos a necessitar da escola, todas as nossas atividades vão assumir a
forma de relação de cliente com outras instituições especializadas.
(ILLICH, 1973:75)
Com base na afirmativa de Illich, resta a pergunta: que mercadoria poderia ser mais
nos mais, aqui, realçar a idéia de que a produção da demanda por escolarização é devida mais
a uma sociedade que afirma como verdade que a escolarização é o melhor caminho para o
educacional.
serem desconstruídas pela experiência no curso em si. Algumas delas são: na universidade
poderá se estudar somente aquilo que se gosta, diferente do ensino médio onde o currículo é
que no ensino superior aprender-se-ão matérias que sejam coerentes entre si e que tenham
onde o conteúdo ensinado não aponta para um utilitarismo ou busca coerência entre as
disciplinas.
Mais uma vez, nos interessa mais, aqui, tomar estes fatores como evidências de que o
curso superior é algo profundamente almejado e não se devem medir forças para alcançá-lo.
As conseqüências, porém, desta busca desenfreada, reforçam ainda mais o mito do ensino
acadêmico, já que aquilo que é cada vez mais raro, que se acredita ser o mais apropriado
caminho para o desenvolvimento pessoal, e que demanda destes indivíduos imensas doses de
sacrifício e dedicação, começa a tender para o campo do divino, muito antes de, de fato, ter
sido vivenciado.
atitude de passividade do discente no primeiro momento do curso, já que este foi privilegiado
e exaustivamente selecionado para freqüentar um lugar até então mítico que aparentemente
produz como resíduo um velado sentimento de gratidão na sua relação com a instituição.
Porém este primeiro momento costuma tomar pouco tempo, já que o mesmo indivíduo que
sustenta esta visão mitificada da universidade começa a necessitar de evidências para manter
Sobre este processo de resignificação tratarei em outro momento. Aqui fica marcado
que muitos dos rituais das práticas de ensino parecem não romper em nada com as práticas
exercidas nos anos anteriores. A universidade vem, então, fazer jus ao título de terceiro grau,
aquele que sucede o segundo, que por sua vez sucede o primeiro e que tem notadamente
traços marcantes de hereditariedade em suas práticas e subjetividades, agora, porém situados
em outra instituição.
3. MONÓLOGOS DA INGENUIDADE
O mestre por excelência, toma a sério somente aquilo que se relaciona com
seus discípulos, inclusive a si mesmo.
(NIETZSCHE, 2002:88)
A sala de aula. É aqui, neste exato lugar que poderemos investigar o que há de humano
na produção de subjetividades e rituais tão bem delineados. Interessante notar que as minúcias
destes rituais não são transmitidas verbalmente, muito menos apreendidas conscientemente.
Há algo que antecede a experiência vivida em sala, algo com força suficiente para permitir
que o inaceitável seja suportável, capaz de fazer mudas as vozes de dezenas, suficiente para
perpetuar o crime de assassinato da palavra não autorizada. É aqui que o discurso organiza e
provável e inofensiva em detrimento da palavra possível e pertinente. Aqui é onde se finge ser
aquilo que não se é, por medo de tornar-se aquilo que já se está sendo. Por isso aqui é um
Da patologia fruto da crença em uma verdade, dá-se um discurso que se norteia. Uma
presença física, um corpo. Este não pode desinvestir de si próprio o poder que lhe foi dado. O
mestre há que ser o mestre, porém pode sê-lo de várias modas. Uma delas brilhantemente
O mestre, que não aliena seu poder nem o renega, mas visa
estrategicamente ao desenvolvimento do poder da maioria, no quadro de
uma interdependência reconhecida como necessária, afirma-se com uma
intenção de mudança, desenvolvimento e valorização.
(ARDOINO, LOURAU, 2003:11)
ainda se atém à crença de que qualquer ensino implica aprendizagem, ou seja, os monólogos
proferidos em sala de aula seriam suficientes para que a aprendizagem se desse. Nessa
distância que a modalidade monológica situa, reside o que de mais rico poderia se dar na
relação do mestre com os alunos, a liberdade do discurso para que a ingenuidade que pergunta
pudesse se tornar um exercício em busca de um saber crítico, ativo, pensante, como diria
Paulo Freire.
A sala de aula, porém, está longe de ser um lugar desconhecido, onde o novo possa
aparecer como possibilidade sem requerer esforços. A dimensão inconsciente da sala de aula
possui uma enorme profundidade histórica, seu viés não-dito já traz sabedoria de pelo menos
médio, onde os esforços sempre foram dirigidos para a aprovação do aluno. Notem, aqui
temos um conceito-chave para o desenrolar deste ensaio. Ao afirmar que durante todo o
avaliação e a aprovação são garantias de aprendizado é um erro. Talvez aqui o erro mais grave
a atravessar as instituições de ensino. Aqui, certamente, esta crença pode não ser tão ingênua,
já que a aprovação do aluno pode ser de interesse também da instituição. Nas universidades
privadas podemos afirmar que disciplinas, créditos e cursos são mercadorias, que devem
servir tanto ao cliente quanto ao vendedor. Já nas universidades públicas, a aprovação pode
estar relacionada à fluidez dos discentes através do curso, evitando abarrotamentos de alunos
repetentes que sobrecarregam as turmas e salas de aula, quando não a fila de ociosidade de
alunos sem vaga nas disciplinas. Porém aqui, não pretendo compreender tão distintamente as
camadas institucionais mais peculiares, este seria, por si só, um outro trabalho. Aponto apenas
para um ponto cego, que assim como muitos outros, dá notícia de interesses velados que
conta da aprendizagem.
para um risco evidente e inevitável. O aluno pode não se responsabilizar por seu processo de
aprendizagem se apenas dedicar seus esforços para satisfazer as demandas das avaliações.
Além disso, a aprovação proveniente de um “sucesso” no processo de avaliação pode ser visto
como um dos elementos que somados com outros será responsável pela obtenção de diploma,
instituição. Lapassade vai à raiz da questão sobre os interesses envolvidos nas relações de
ensino e nos dá abaixo algumas referências centrais nas quais este ensaio se baseia:
relações de ensino, como qualquer outro tipo de relação, são atravessadas por forças de
origens outras que não o objetivo do processo pedagógico organizado pelo discurso.
Cuidando para que não desagüemos no niilismo do discurso que pretende encontrar cada
novamente que não se quer aqui responder a este ou aquele problema, mas sim poder criar
questões que até então vêm passando despercebidas, contribuindo assim para a manutenção de
antigos problemas que se tem notícia apenas pelo incômodo do vivido e não pela reflexão
crítica. Finalmente tomados os cuidados mencionados acima, trago de novo Lapassade, que
para que possamos pensar a viabilidade de um outro modelo didático. O saber contido na
possível em sala de aula se enfraqueça? É possível que se desenvolva uma outra organização
Esta questão pode acabar por nos levar a uma desconstrução infinita, à medida que
abrem-se hipóteses com desdobramentos sempre imprevisíveis. Vale, porém, ressaltar que o
apontamento deste problema vem sendo realizado aqui menos com o objetivo de propor
respostas e mais com o de problematizar as questões que surgem no caminho de uma outra
prática. Assim sendo, devemos ter, a partir destas questões, uma atitude menos ingênua
arquitetura da sala, ou do prédio, sem se saber que regras formais regem o processo de
avaliação, sem saber quais as normas e limites impostos pela instituição e pela organização.
Saber isso tudo para saber como tudo isso é burlado, como as leis são contornadas e as
em torno do possível.
Palavras não são recortes da realidade, assim como teorias não são fórmulas sobre o
mundo externo. Acima me referi ao possível como aquele que se desdobra dentro do vivido,
num empirismo inevitável e necessário, num lugar onde o discurso não consegue ordenar
tanto quanto se propõe. As práticas pedagógicas são pesadamente permeadas por uma
perigosa postura de saber, por um discurso que finge não criar realidade, pois afirma que é
dela que ele trata. Chego aqui à espinha dorsal do problema desenvolvido neste ensaio, e, se
quisermos saber do futuro das instituições de ensino devemos fazê-lo, como nos aponta
(NIETZSCHE, 2003:48) Para isso é preciso começar por onde bem nos sinaliza Díaz:
Não existe sujeito pedagógico fora do discurso pedagógico, nem fora dos
processos que definem suas posições nos significados. A existência de um
sujeito pedagógico não está ligada a vontades ou individualidades
autônomas e livremente fundadoras de suas práticas. O sujeito pedagógico
está constituído, é formado e regulado no discurso pedagógico, pela ordem,
pelas posições e diferenças que este discurso estabelece. O sujeito
pedagógico é uma função do discurso no interior da escola e,
contemporaneamente, no interior das agências de controle.
(DÍAS apude VEIGA-NETO, 2003:110)
Ou seja, não há discurso possível que se dê sem antes ser precedido por uma
ordenação que o situa e classifica. Não há fala incólume. Todas as práticas pedagógicas são
por, para e dentro do discurso. Este por sua vez produz e perpetua a realidade do mundo dos
significantes, sendo neste travadas todas as relações. Ou como nos diz Foucault sobre os
A pergunta sobre o mundo nunca pode ser somente a pergunta sobre o mundo, antes
precisa ser pergunta no mundo, que precede e autoriza a pergunta. O problema dos processos
pedagógicos, então, é tão mais profundo quanto podemos imaginar, pois se situa na perda do
limite da palavra, acreditando ingenuamente que nela está circunscrita a realidade. Com o
auxílio de Baudrillard:
A própria linguagem nunca significa o que quer dizer; ela sempre significa
alguma outra coisa, por conta de sua irredutibilidade, ausência ontológica
de si mesma.
(BAUDRILLARD, 2001:77)
realidade torna-se compartimentada em poucos signos que têm sempre a função de situar as
individualidades dentro de uma ordem discursiva que anula os aspectos individuais, regulando
compartimentação. Não deixemos também de notar que não por coincidência estes módulos
são chamados de disciplinas, pois em cada um deles há toda uma especificidade
ordenação do discurso. Já tendo tido o cuidado de apontar alguns dos perigos inerentes às
algumas de suas funções impede que possa se desenvolver um olhar mais amplo sobre as
Tomemos em mãos o problema da erudição, como apontada acima por Nietzsche, dentro da
problemática pedagógica, mais especificamente de como o professor como o erudito do saber passa a
ser visto como especialista de um tema e responsável assim por sua transmissão. Como nos aponta
Nietzsche não sem custo se dá esta especialização, e podemos aqui nos permitir imaginar o
quanto pode se aumentar este custo à medida que acrescentamos ainda o fato de que esta
especialização deve ser ensinada a um outro. Podemos afirmar que é sobre esse problema, entre
encontra acima do vulgar e este mesmo erudito é responsável por desmantelar essa vulgaridade através
de sua própria ação, estaria sendo, também responsável pela sabotagem de seu próprio status, pois
A gravidade desta situação, se assumirmos aqui a erudição no ensinar, é que como o erudito
“está acima do vulgus, para tudo mais, quer dizer, para tudo que é importante, não se mostra diferente
desse”, podemos pensar que dentro deste “tudo mais” está, no processo pedagógico, o que é “mais
importante”, o outro. O negligenciamento da alteridade aparece nas práticas de sala de aula como um
ponto cego. O saber do conteúdo é tão privilegiado que se torna o centro do discurso.
Uma experiência vivida por Joseph Jacotot, pedagogo francês exilado na Holanda durante a
revolução francesa, nos dá noticias de um novo possível na forma de encararmos a educação e o papel
do mestre. Jaques Rancière traz a experiência de Jacotot e vem nos falar da possibilidade de uma outra
percebeu que seus alunos não falavam francês, tampouco Jacotot compreendia o holandês. Em busca
de uma “coisa comum”, o pedagogo utilizou-se de um livro francês que soube haver sua versão em
holandês, e instruiu, por meio de um intérprete, a seus alunos que aprendessem o francês através da
comparação dos textos. Pediu depois que seus alunos escrevessem em francês o que pensavam do que
haviam lido. Jacotot se surpreendeu, pois esperava receber barbaridades de volta, mas ao contrário,
Esta experiência levantou algumas sérias questões sobre a educação, e sobre esta experiência
vivida por Jacotot, Rancière aborda em seu livro, O Mestre Ignorante, algumas destas questões. Nos
que já é de propriedade de cada um e não carece de nenhum auxílio para que se dê. Dentro de
As explicações não são mais do que palavras sobre uma teoria segundo a compreensão
do mestre. Compreender passa a ser o problema, já que o ato de fazê-lo não diz da construção
do saber como experiência racional e crítica, mas sim da assimilação do caminho de quem já
conhecimento toma a forma de algo distante, residente nas profundezas do monólogo ingênuo
e não inofensivo.
Por fim, a passagem deste conhecimento a uma assimilação real de seu enunciado só
pode se dar caso haja a vontade de saber sobre ele. Neste caso este conhecimento passa ser
mediado pela inteligência-aí, demandando do aluno um esforço que será sempre necessário na
construção de qualquer saber. O mais importante é ressaltar que se o conhecimento pode ser
construído pelo aluno, sem dúvida isso só dá por méritos dele. A vontade de saber é a
principal condicionante para que o aprendizado se dê, e vejamos bem, como já visto
anteriormente, não a vontade de aprovação, mas a vontade de saber. Saber pelo caminho da
razão, da crítica, da reflexão. São esses os elementos que, sem eles só haverá embrutecimento
Por outro lado, a emancipação só pode se dar quando o mestre afirma-se como
ignorante, que sabe que seu saber é seu e acredita que o saber do outro deve ser construído da
forma mais emancipada possível, para que este seja responsável pelo seu destino e suas
escolhas. Assumir a postura de ignorante com certeza não é para todos, mas sim somente para
aqueles que tem a convicção de que não há nada a se ensinar, ou pior, não há nada que se
transformação, pois requer uma caminhada que não pode se dar sem a inteligência-aí, que é
educativa. Entendo como Larrosa(2001:281) que a dialógica coloca a transmissão “no lugar do
desdobramento da diferença”.
direção que se preocupa com a afirmação radical das diferenças e do outro, como radical
marco na impossibilidade da igualdade, aqui como oposto de pluralidade. As bases para esta
preocupação podem ser encontradas no fato de que o ensino, em sua grande parte, suprime a
inquietação do homem, respondendo-lhe que para cada inquietação sua há uma resposta no
mundo, desta forma invertendo a lógica de que cada inquietação é única, é acontecimento, e
acontecimento. E não há categoria mais justa para o porvir do que o talvez” (DERRIDA
apude LARROSA, 1998:46). Assim sendo, o talvez tem a estratégica função de promover
aberturas, dobras na teia do futuro cronológico. Sem o talvez tudo se cristaliza, se prevê, o
talvez é o tempo do acontecimento, não é medido por horas ou dias, mas sim pelo seu
Ou como melhor nos diz Maria Zambrano(apude LARROSA, 2001:287): “o que nasce é o que
“Talvez” aqui estejamos refletindo sobre o quanto nos processos pedagógicos, como já
que se preocupa com uma segurança. Um cuidado com o imobilismo, uma tendência
inconsciente à repetição, não porque se repete, mas porque não percebe e não afirma o que
não repete. A imobilidade aqui não pode ser vista como simplesmente algo que se dá, pelo
contrário, ela cobra um custo muito alto, um grande esforço. Podemos nos propor a fazer uma
simples reflexão sobre uma pergunta básica. Como pode, numa sala de aula contendo
inúmeros indivíduos singulares, possuir uma dinâmica que sofre mínimas variações no espaço
e no tempo? Simplificando. Como pode haver um método para todos? Como pode este
método anteceder o acontecimento? Penso que uma reflexão sobre estas perguntas pode nos
levar a conclusão de que as práticas pedagógicas em sala de aula se interessam muito pouco
pelo problema da aprendizagem. Seu cuidado maior é pelo mantenimento da ordem. Pela
vigência do conhecido. Pelas amarras que por trás da cortina do discurso da “igualdade” acaba
Afirmar que o mestre possui um saber, é ao mesmo tempo afirmar que ele é o caminho
para o saber. Por conseqüência invalidam-se todos os outros caminhos, sendo que somente
estes são possíveis. Somente na singularidade dos caminhos que necessariamente passam pelo
vivido pode se haver a educação genuína. Uma educação que seja afirmativa da liberdade.
Que não acorrente a inteligência-aí aos agentes controladores e validadores do discurso. Peço
licença para transcrever esta longa citação, onde, novamente Larrosa, de forma bela, discorre
A “palavra que é” diz cada vez coisas diferentes em uma repetição que é
diferença e uma diferença que é repetição. A palavra duplica-se cada vez
que se comunica. Por isso, a comunicação, o dizer-se da palavra, não
transporta o único e o comum, mas cria o múltiplo e o diferente. A palavra,
que é, que dura, que se mantém sempre a mesma, se multiplica e se
pluraliza porque diz, cada vez, algo singular, porque o dizer-se da palavra é,
cada vez, um acontecimento único. Dar a palavra, então, é fazer com que as
palavras durem dizendo cada vez coisas diferentes, fazer com que uma
eternidade sem consolo abra um intervalo entre cada um de seus passos,
fazer com que o devenir do que é o mesmo seja, em sua repetição, de uma
riqueza infinita. Dar a palavra é dar o porvir da palavra, isto é, dar o que não
se tem. Essa impossibilidade entretanto, é a própria condição da ética: a
ética do dom. Dar a palavra, então, é essa paradoxal forma de transmissão
na qual se dão simultaneamente a continuidade e o começo, a repetição e a
diferença, a conservação e a renovação.
(LARROSA, 2001:290)
A partir daí podemos começar a pensar em como dar a palavra nos fala de uma
mudança de paradigma. Recupera-se o outro como autor. Afirma-se sua alteridade como
único caminho para o possível, tornando-o responsável por sua própria aprendizagem. A
tomada da palavra pode ser exatamente a atitude que há muito vem sendo velada pelos
até ele. O aluno pode ser encarado, a priori, como um mero ator no complexo da educação. De
fato, é isso que podemos na maioria das relações pedagógicas em nossa sociedade.
que está em posse de cada um tudo o que é necessário para que se aprenda, não é, senão, ser
verdadeiro. É restituir ao aluno o direito à liberdade, o direito à autoria, vejam bem, o direito.
poder, que possamos construir uma base para edificar esta outra atitude para com a educação,
e talvez seja Michel Foucault que nos forneça um caminho que se ponha como, pelo menos,
divergentes ou monstruosos em sala de aula. Numa tentativa de dar conta dessa fixidez da
O mestre, então, apropriar-se-ia de seu lugar para discursar sobre qualquer verdade
conquanto afirmada como vontade dela e não como verdade no mundo, extrínseca ao discurso
ou independente dele. Assim as verdades poderão se relacionar como num campo de forças,
antes já existente, mas agora desvelado. A vontade de verdade agora como ética, afirma que
(id.49).
A partir desta postura ética poder-se-á formular contratos em sala de aula que sejam
menos velados e mais compartilhados acerca da verdade que se profere através das sutilezas
do discurso, criando assim um contorno possível que permita, ao mesmo tempo, uma
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho, prezei sempre pelo olhar crítico, radical. Poder permitir se
incomodar foi, com certeza, o ponto chave para que outros olhares pudessem ser lançados
nas práticas pedagógicas sempre vão haver, há porém que se atente as mais finas nuances das
relações pedagógicas para que se possa refletir sobre o que acontece dentro das salas de aula.
Pois bem sabemos, fora dela vão muito bem os alunos, que improvisando acabam por dar
discussões sobre o tema todos os autores e atores desta instituição. Não digo que não exista, já
em andamento, discussões e perturbações sobre o tema, pelo contrário, acredito que sempre
existiram e que sempre haverão de existir. A verdadeira formação não pode ser esperada
apenas da sala de aula, são as dobras, as experiências, as inquietações que levam às questões
incômodos, em sua maioria, partem dali, mas infelizmente como restos de um processo
é algo que se possa mudar. Formar-se é se transformar e não há como se transformar a não ser
por sua própria custa. Acredito que seja preciso afirmar a inevitabilidade da solidão em que
caminha o homem sobre o mundo. Afirmar o homem como agente de transformação de seu
destino. Sem purismos ou ingenuidade, não há aquele que possa tudo, assim como não há
aquele que não possa nada. Fiquemos com a segunda como uma bandeira que, fincada
estrategicamente ao longo do complexo educacional, vai afirmar que não se pode ensinar a
quem não quer aprender, e aqui nos vale apenar o querer, pois é nele onde todos os
desdobramentos são possibilidades e toda possibilidade é vida, e é a vida que urge sua
Pensar a educação como um processo vivo é apenas afirmá-la como sua única
possibilidade, pois diferente disso não haveria de ser. Se educação é transformação, é preciso
que se deixe transformar. Nada vivo que se deixe só permanece igual. Talvez seja de um
que já está, das soluções que já são, das saídas que já se utiliza. A sabedoria dos sujeitos da
educação não precisa de uma fórmula ou de uma teoria nova para que possa mudar. Já está
tudo aí.
Alunos serão sempre mestres e mestres serão sempre alunos. Estas nomeações não
cansam de falhar em seu determinismo ingênuo. Podemos arriscar dizer que quanto mais
impossível é uma mudança, mas próxima ela está de acontecer, e é nesta base que repousa a
crença de que nada permanece íntegro, nem instituições nem alunos, nem professores, nem
que vê. Algo já o trouxe ali, uma história o precede ao mesmo tempo em que se perpetua, no
Este é um trabalho que parte de um lugar que pode ser uma pessoa, que pode ser a
um apontamento para a vida que não precisa ser criada, apenas reconhecida.
Sabemos que ao fim da maioria dos cursos universitários o aluno deve ser submetido a
um trabalho final. Normalmente este trabalho deve ser maior e mais aprofundado que
qualquer trabalho realizado no decorrer do curso. Para isso ser possível também seu período
longo de minha formação acadêmica, portanto não pretendo afirmar que as práticas aqui
deterei naquelas que me cercaram e das quais me utilizei como ponto de apoio para algumas
reflexões. Meus colegas contemporâneos com certeza serão capazes de ratificar as idéias
expostas aqui e acredito que também serão eles que poderão tirar grande proveito das
felicidade para os calouros, e podemos também somar aqui a esperança de que aprender-se-á
aquilo que se quer, aquilo que deve servir para uma profissão. Logo de cara somos
surpreendidos por um lugar que em si não possui qualquer diferença das salas de aula antes
habitadas, a não ser por algumas diferenças que mais dizem do regimento institucional do que
Alguma coisa, não se sabe o quê, se espera que será diferente neste curso. O
desmantelamento desta expectativa não se dá de supetão, mas sim ao longo das aulas, que
correm de forma muito familiar, o professor entra, o professor fala, o professor sai. As poucas
e esporádicas variações deste ritual são sempre marcantes, pois vêm dar notícias de que algo
diferente desta solenidade não é impossível. Não posso negar que a diversidade de tipo de
professores também é um tanto enriquecedora para um reflexão como esta, a medida que
podemos perceber, por contraste, qual o perfil de cada um. Refletindo sobre esta experiência
simplesmente respondiam que aquele não era o momento para aquela pergunta, que a
resposta, ou melhor, a autorização para fazê-la estava mais à frente. Nisso podemos
evidenciar onde está, neste caso, o foco da prática deste professor. Com certeza não é no
inatingível, que acaba por criar um domo ao redor do professor que passa a ser apenas aquele
que emite, que explica, aquele que fala, que fala sozinho, apenas um monólogo.
Os espíritos dóceis, exaustivamente selecionados, pelo critério de grau de submissão
ao discurso vigente, passam a ser postos em seus devidos lugares, ouvintes do saber histórico
sugere uma prática. Esta docilidade, obviamente, não fala apenas de aspectos negativos. Em
alguns momentos fala de aspectos de sobrevivência e em outros de acordo. Podemos usar aqui
o exemplo da presença em sala de aula. Por norma, a universidade requer o mínimo de setenta
e cinco por cento de freqüência as aulas. A maioria dos professores é muito flexível neste
sala alunos que não se interessam por sua aula, assim como não interessa aos alunos
permanecerem em sala numa aula que não lhes interessa. Desta forma se atinge um modo de
funcionar que alivia as tensões que poderiam surgir como conseqüência do controle rígido de
freqüência. Novamente venho dizer que estes exemplos não têm necessitam ser observados
em seus detalhes, pois os trago aqui para servir de respaldo empírico ao texto teórico-
reflexivo.
Outro grande exemplo que encontramos, talvez esse o mais marcante de todos, diz
respeito à aprovação. Muito raro ocorre uma reprovação no curso de psicologia. Quando
ocorrem as chances desta ter se dado em uma cadeira de outra especialidade é muito grande.
Como por exemplo, a disciplina de Estatística, que é responsável por uma grande fatia do
reflexão feita anteriormente neste trabalho, que pensa que, de fato, os professores ou mesmo a
instituição formadora não se responsabilizam pelo uso que o aluno fará de sua formação, ou
seja, a aprovação cede no campo de controle simbólico às forças do real, tornando o aluno
mais responsável, porém sem nunca declarar isso, gerando assim um mal estar que acaba por
se situar na fronteira entre o que é dito e o que é praticado. Colocando em outras palavras, a
facilitação da aprovação não diz que é do aluno a responsabilidade por sua formação, mas
acaba funcionando como se dissesse. Efeitos disto podem ser notados mais para o fim do
instituição que até então era responsável por doar sentido as práticas dos discentes, agora dá
sinal de seu fim, abrindo à pergunta: que sentido têm estas práticas para além do sentido
avaliação-aprovação?
Este trabalho de monografia foi estimulado pelo meu incômodo particular nascido de
principalmente no que diz respeito às praticas pedagógicas de sala de aula. Este próprio
trabalho só é possível por estar situado exatamente no fio deste conflito. Se pudesse não o
faria, mas o faço por que tenho, e por que tenho o faço. Este jogo de palavras tem sua função.
Pretendo mostrar a fronteira daquilo que empurra e daquilo que resiste, e por fim, do efeito
deste jogo. Não fosse pela mesma força que me incomoda, não seria possível este trabalho em
dois lugares. Um como conteúdo, no caso de poder levantar questões a partir da prática. Outro
da forma; não fosse a monografia obrigatória, não estaria eu escrevendo e refletindo sobre
estes problemas que aqui, tudo antecedem e condicionam. Este mesmo autor, eu, não neutro,
foi atravessado e atravessa estas práticas. Acredito que é nesse campo onde estamos mais
abertos ao acontecimento, ao porvir. Tantos foram os porvires ao longo deste curso, a maioria
deles impróprios de caberem num trabalho, ainda que ensaístico, acadêmico. As pequenas
pequeno exemplo ilustrativo que este mesmo exercício que me aprisiona em palavras e
conceitos, me liberta para o mundo pós-acadêmico. Toda prisão proporciona uma liberdade
assim como toda liberdade é uma prisão. Neste paradoxo podemos encontrar o homem,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LARROSA, J. “Dar a palavra. Notas para uma dialógica da transmissão” In: LARROSA, J;
NIETZSCHE, F. Para além do bem e do mal. Tradução de Alex Marins. São Paulo: