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Luiz Carlos Maciel | OCC enna ener sy Mae Ty ae nec ae ate ra eeu emer on eon One een POO et ees ee jprogado, na londéria intorprotacao de William viata do TUCO a eos Te Renee Oo oc Oc eter acne Dee Oo Gomo se vé, o assunto ¢ sério. Luiz Carlos Maciel De ane ee nes orem cs Oe ee nue Renee cr onheoimento da teoria como condi¢ao do trabalho do r0- ne eee econ Tee eee See cae Noone ace Uae Coase on See NRO a ace a Oe reset Me problemas que permeiam a escrita de um roteiro. Maciel Nee creme cea a Meee eer seam ee artes No falta nada, Nestas paginas o candidato a roterista vai Cae ee MS ee ede oe isc eed Ao sa enue me Cee Field, Joseph Campbell e Christopher Vogler, nao esque- ‘opndo 0 periodo classico, quando John Howard Lawson POMC ate ue wy Onno mecca TOC Roum SY Tete ee eT (OCs une em I UE? silo precisos: o objetivo é ajudar quem deseja se tornar um. foleirista profissional, O universo, entao, ¢ ainda maior. Os formatos dos roteiros para televiso so minuciosamente Cente neous Roun? Cire eae en ae Ge oc me Cu aprendeu algo do muito que sabe. E inevitavel, pois, que Bie ee Reece ia ce Cree ene ce ese ak aD Pace ane ROE oe oe cn Cee ee tee sme gee eT leitor tem nas méos € néo apenas um manual, mas ur ec Oe Ce Cee Lae eo Dace eee eee eee Gee au ees eee See ca Tee eee Co eee eee ne oo ee Oa ea a Cee at cen en Pe ee ee ee ee Bree gum Ree Te CR em aCe oy Ce eae ee) ee ed een emt amy Sree ee ecm) Pou emcee Poo Ree nD ee eee ec Or cece RO) COR ae GLa casual, mas necesséria nestes tempos Ce CX Ocoee eeu De ce ea Luiz Carlos Maciel 0 PODER 00 y CLIMAX b Fundamentos do roteiro de cinema e TY A RECORD IIRO + SAO PAULO 2003 CrP bral. Colegio ns fnte Sines Nasional ds Eee de Liss, Mose, Lz Caos, 1938- issp "Oder do lime tandamertoe dota de ines (°TV/Luz Cues Maal Rio de ner Record 200% ISBN 85.01.06517-% 1 Reto enematogrfeas 2 Televi - Srp L. ox 0503 epp- 79148 cou Biss Copyright © 2003 by Luiz Carlos Maciel Capa: Tita Nigrt Dircitos exelusivos desta edigfo rescrvados pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVICOS DE IMFRENSA S.A. RuaArgentina 171 ~Riode Janeiro, RI~ 20921-380— Tel 2585-2000 Inpresso no Brasil ISBN 85-01-00517-2 ie PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL aia Posi 23.052 es Rio deJancho, ~20922-970 men Sumario Preficio: Meu guru Introdugio 1, Oroteiro 2. Atrama 3, Aestrutura 4. O personagem 5. Acena 6. Formatos de televisio 7. Alinguagem do cinema 8. A pritica Bibliografia ‘Apéndice: Cédigo de Fiea do Roteirista 15 33 33 n 89 105 1a 135 Prefacio Meu guru Trabalhe. Relaxe. ‘Nao pense. ‘Acho que estou pronto para comesar a escrever sobre este li- vo. Vamos ver se urn dos seus ensinamentos funciona, ‘Quando um vetho colega e amigo te pede para escrever sobre uma criagdo dele, pode ser uma encrenca. E se vocé nao gostar? Entdo comecei com a primeira opgao: Trabalhe! Bu, que sou preguicoso, pensava: por que escrever um livro so- breroteiro para cinema. televisio? Existem tantos...Mas como negar esta oportunidade ao Maciel? Bem, posso falar um pouco sobre ele, elogio a pessoa e seu trabalho anterior... e est cumprida a missio, Mas algo me fez comecar a folhear as primeiras paginas. Tipo assim dando uma olhadinha, E 14 me pego trabalhando com pra- zer—que € a Gnica maneira positiva de trabalhar. Li, interessado, cada pégina, Conheso todas as teorias e formas desta arte/profis- ‘sdo. Mas o Maciel... 8 Luiz Carlos Maciel Deixem-me relaxar (0 segundo mandamento...) —e falar um ouco dessa pessoa/artista. Gaticho/baiano/carioca. Homem do Mundo, Maciel tem to- das as caracterfsticas eorrespondentes, Ele € gaticho, de uma bela safra de pensadores, escritores atores, Viveu um tempo na Bahia, onde até estrelou um dos primei- tos curtas ditigidos por Glauber Rocha. Jé com cenas ousadas, No Rio, dirigiu filmes, musicais, teatro; escreveu para jornais sobre todos os assuntos: publicow livros; passou por quase todas as tendéncias da cultura contemporinea, com forte participasao, Eu tive o enorme prazer de ter Maciel como colaburador, du- ante anos, na Rede Globo. Mais que colaborador,ele era um con- selheiro. Na verdade, ele, que jé tinha sido — e é considerado até hoje—o da contracultura, era o meu guru. Isso mesmo: ele erao guru do Dizetor da Central Globo de Produgbes— eu, na época, Nao havia programa sobre o qual eu nao o consultasse. Nao comegava uma nova idéia (Ciranda, cirandinha; Grandes nomes, Malu-mulher) sem sua participagao. ‘Muitas vezes, os menos atentos nfo entendiau qual era a real Participagao do Maciel ao meu lado. Esclareco agora. Minha forma de explicar uma idéia é confusa. Sou instintivo, Logicamente, baseado em conhecimento técnico, mas instintivo, B, ao formular uma proposta, ou descrever um sentimento, ou tentar chegara um julgamento, eu o faco de forma emocional, sem lima razio aparente, apenas por um sentimento interior. Ai, 0 ‘Maciel conseguia me explicar a mim mesmo. Como um tipo de Psicanalista, sé que o assunto era profissional. Bem. Acabei de escrever, agora, muitas coisas sem pensar. Se nao ficou claro, éque nao pensei!Talvez,entdo, o Maciel consiga explicar. © poder do climax 9 Este livro nao € feito apenas do ensinamento de formulas e maneiras. £ um mar de informagées maravilhosas. Existem mil caminhos de se chegar a Roma... Mas nio se perca; encontre o seu aqui. ‘Atencao, porém! Nada aconteceré se voce nao tiver talento, Por outro lado, se também ndo souber o que fazer com seu talento, igualmente nada aconteceré, Confesso que, apesar de saber bastante sobre todas as teoriase caminhos de roteiros — de cinema, televisio, teatro e cetcanias -, aprendi mais ainda lendo 0 que, aqui, Maciel nos mostra, com humildade e carinho. E nao pensem que é s6 para os iniciados, néo. Ele iniciard melhor os de primeira viagem, Além de ter uma linguagem ami- gavel, suave, com o saber dos fildsofos. Nao fosse ele carioca/ baiano/gaticho. Homem do Mundo. Para ler este livro, trabalhe, leia com atengao, Relaxe e divirta- se com os comentérios. E nao pense, ele entrard pelos seus poros —e ficaré na sua cabeca e no seu coracio. Um dos mandamentos do roteiro era uma obsessio do Billy Wilder: ter um final. Nao me conte uma hist6ria se vocé nao tem um bom final, dizia ele. E eu estou agora com este problema... Bem, paciéncia, ninguém é perfeito! Mas o Maciel chega Ié perto! PS.: Foi Maciel quem me apresentou 0 Joao Ubaldo Ribeiro. ‘Trazendo, da sua fase baiana, um amigo que também enriqueceu minha vidal Daniel Filho Introdugéo Devo este livro a meus alunos de roteiro, Quase tudo que apreen- di sobre o assunto foi através deles. ‘Aconteceu. Jé que minha atividade como roteirista foi limita- da, minha pritica mais instrutiva foi com eles. Analisar, orientar e contribuir para a elaboragdo de um roteiro alheio ndo é escrever, mas é muito parecido com reescrever. ‘Além disso, gosto de desempenhar o papel de professor. Di- zem que tenho jeito, Cursos de roteiro tém sua utilidade. O século passado assistiu auma multiplicagao das formas da expresso dramitica, determi- nada pela incessante criagdo tecnolégica de novos veiculos, que ainda continua. O cinema, a televisdo, o video, a internet etc. sto apenas alguns dos estégios desse processo que implicou a nogio moderna de roteiro — nogao que tem raizes na tradicional peca teatral mas que apresenta novas dimens6es resultantes das exiggn- cias das novas linguagens, ‘A primeira caracteristica dos novos veiculos éa diferenca quan- titativa em relagao ao teatro. Eles envolvem um volume de produ- «io de textos cada vez maior. Surgiu assim a necessidade de formar novos roteiristas preparados para saciar, com textos adequados, a voracidade dos novos veiculos. 12 Luiz Carlos Maciel A didatica prética do roteiro — desenvolvida pelos america- nos, nas técnicas de playwriting e screemwriting — pretende, com efeito, num primeiro estégio, estabelecer as condigdes necessérias para escrever e, num segundo, fazet o mesmo em relacio a rees- crever. O primeiro estdgio ¢ um tanto tedrico; mas 0 segundo é pura prética. HA muitos anos, fui convidado para dar um curso sobre “mo- vimentos rebeldes da juventude”, ou coisa assim, num centro cultural, a Fundigao Progresso, no Rio de Janeiro. Eu jé fora cognominado “o guru da contracultura” pela midia local, devi- do ao meu trabalho no Pasquim, onde editava duas paginas intituladas Underground, exatamente sobre o que a midia ame- ricana chamou de “contracultura”—e justificava-se assim a idéia de que um curso desse tipo pudesse interessar algumas pessoas, principalmente jovens. Achel interessante a idéia e fiz um programa que comecava nos movimentos de avant-garde artfstica na Europa, nas primeiras décadas do século XX — surrealismo, expressionismo, dadafsmo etc. —, chegava a gerasio beat nos Estados Unidos, e finalmente 0s hippies, punksetc. Mas até hoje nao sei por que diabo — talvez porque quisesse aproveitar de alguma forma o que aprendera nas timas aulas de meu mestre Arthur Wilmurt — resolvi oferecer também um curso sobre roteiro, Para facilitar minha vida e mi- mhas idas, duas vezes por semana, & Lapa, onde fica a Fundicao Progresso, marquei os dois cursos nos mesmos dias da semana em horérios consecutivos. No dia das primeiras aulas, cheguet ao local e fui informado de queo curso sobre a juventude rebelde tinha duas ou tres inscri- ‘Ges — e naturalmente foi cancelado, O curso de roteiro, porém, tinha quarenta pessoas inscrit Naquele momento, o “guru da contracultura” transformou- © poder do ciemax 3 se em professor de roteiro, e tenho, desde entao, dado um grande niimero de cursos de roteiro, nfo s6 na Fundigdo Progresso, mas em virios outros espagos culturais do Rio de Janeiro, como o Cen- ‘tro Cultural Candido Mendes, Centro de Artes de Laranjeiras, Estagtio das Letras, Tempo Glauber, Casa da Gavea e outros, e em cidades brasileiras como Belo Horizonte, S40 Paulo, Salvador, For- taleza e Brasilia, presente livro teve origem nessa atividade. ‘A maioria das pessoas, quando ouve falar em roteiro, pensa logo naquele formato tradicional, de roteiro decupado plano a plano, até com aquela divisio em duas colunas para som e imagem. Blas, ‘concebem o roteiro como uma indicacio da linguagem que vai ser tusada no registro das imagens para cinema ou televisao. ‘Antigamente, era bem assim. Hoje em dia, nem tanto. A lin- guagem indicada nos antigos roteiros é, agora, uma total res ponsabilidade do diretor,o criador da mise-en-scéne, considerado 6 “autor” do filme. O roteirista tem de indicar 0 que vat acontecer naquela cena, ‘seu contetido, o que vai ser visto, mais do que como vai ser visto, Por exemplo: Joao nao sabe o que vai encontrar numa de- terminada sala; temeroso, ele abre a porta, entra ¢ a sala esté vazia. Num roteiro tradicional, plano a plano, o roteirista pode de- senvolver 0 momento mais on menos assim: plano médio (PM) de Jotio chegando junto a porta e pegando a maganeta/corte/deta~ “Ihe (DET) da macaneta da porta que gira/corte/plano médio (PM) ‘da porta que se abre diante de Jodo/corte/detalhe (DET) do pé de ‘Jollo avancando para a sala/corte/close up (CLOSE) dos olhos de 16 Luiz Carlos Maciel Jodo vasculhando a sala/panorimica (PAN), do ponto de vista (PV) de Joo, mostrando a sala vazia/corte/plano geral (PG) de Joao entrando na sala vazia... Quer dizer: pode-se escrever meia pagina de roteiro, ou até mais, decupando, momento a momento, a ago de Joao. Eo dire- tor pode seguir essa decupagem ou, simplesmente, fazer um pla- no s6 mostrando Joao, hesitante, entrando na sala. Quem decide como é ele. Conseqiientemente, hoje em dia, o roteirista pode escrever apenas que “temeroso, Jodo entra na sala que esta vazia” — e dei- xar a decupagem para o diretor. Como veremos, a unidade narra~ tiva do diretor € o plano, mas a do roteirista é a cena. Atarefa fundamental do roteirista ¢a dramaturgia. A do dire- tor,alinguagem. Pequena histéria do pensamento dramatiirgico O roteiro vem da pega de teatro, tal como foi inventada pelos clés- sicos gregos — Esquilo, Sofocles, Euripides, Aristofanes — e tal como foi desenvolvida em séculos de teatro no Ocidente. Desde 0 momento inaugural da Poética, de Aristoteles, na Grécia, a hist6ria da cultura ocidental é pontuada pelo desenvol- vimento de um pensamento sobre a dramaturgia. Na Roma antiga, temos a Ars poetica, de Horacio. No século XVIII, surge, na Alemanha, Lessing e sua Dra- maturgia hamburguesa, E,na Franca, Diderot, autor do célebre Pa- radoxo do ator, também dedicou sua atengao teorica a dramaturgia. No século XIX, as teorias se multiplicaram. Georg Brandes, Goethe ¢ Hegel, na Alemanha, sio responsiveis por teorias clissi- cas sobre dramaturgia. © poder do climax 7 Hegel aplica seu método dialético ao fendmeno estético. Sua convicgao de que“a contradigdo é 0 poder que move todas as coi- sas" 0 leva a descobrir no conflito a forga que movea aco dramatica —uma descoberta no minimo fundamental no desenvolvimento da teoria dramatirgice. Em 1819 aparece, também, O mundo como vontade e represen tagao, de Schopenhauer. Ele substitui a idéia de Hegel pela vonta- de— outra descoberta fundamental —e, em seguida, Ferdinand Bruneti@re pode finalmente definir a “lei do drama” como 0 con- flito de vontades. século XIX, ainda se distingue, na Alemanhe, pelas contri- buigdes de Friedrich Schelling, August Schlegel e Gustav Freytag; na Franca, Emile Zola, Francisque Sarcey, Hipolite Taine e Maurice Maeterlinck;e,na Inglaterra, William Archer e George Pierce Baker. ‘No século XX, a quantidade de nomes écada vez maior: George Pierce Baker, George Jean Nathan, Georges Polti, Etienne Souriau, Bernard Shaw, Antonin Artaud, Bertolt Brecht ¢ muitos, muitos outros. “Toda essa reflexaio tedrica, que se estendeu por séculos, foi fi- nalmente recolhida para uma aplicacio pratica. Por quem: Pelos norte-americanos, € claro. Osmétodos do playwriting e do screenwriting norte-america- nos, freqilentemente desprezados por artistas e estetas de nosso meio — apelidados de “receita de bolo”e outras descrigles desde- nhosas —, esto contudo fundamentados em séculos de uma respeitvel tradigZo de pensamento dramatdirgico ocidental. O mf- nimo que se pode dizer deles ¢ que, na prética, funcionam. Naturalmente, sio incapazes de, por si s6, gerar obras-pri- ‘mas ou promover 0 avanco da arte dramética, em seu proceso vivo. Mas isso seria pedir demais — trata-se de outro plano da questio. IB Luiz Carlos Maciel Entenda-se, Esses métodos nao sio um cédigo estético a ser aplicado a obras jé existentes; hd uma tendéncia entre ne6fitos e desinformados a interpreté-los—e. ‘conseqiientemente condeni- Jos — como sc Fosse. Tento sempre destazer esse ‘equivoco en- tte meus alunos, alguns por exemplo viciados na postura critica dos cineclubes. Nao se julga uma pega de teatro a partir do Playwriting ow um filme a partir do screenwriting: isso seria sim- plesmente tolo Esses métodos servem, ao contrario, para que o roteirista te- nha um procedimento de trabalho diante da tarefa de criar uma obra nova, que ainda nio existe. Nao so normativos nem crité- rios de avaliagio; sav um auxilio que, na verdade, nao interessa a hhinguém, com excegao daqueles que querem escrever roteiros. Este livro que est em suas mos, caro leitor, tem, portanto, tum “piblico-alvo" — como dizem— bem definido. Fo feito para quem quer escrever roteiro. O screenwriting norte-americano O screenwriting é um produto tipico do espirito pragmtico nor- te-americano que se manifesta em sua habilidade espantosa de estabelecer o know-how de tudo. Americano sabe fazer tudo e sabe explicar como se faz; por isso, quem estuda qualquer coisa nos Estados Unidos acaba aprendendo. £ um povo pritico. No caso do aprenclizado de uma atividade artistica, como 60 aso do roteiro, é preciso antes de tudo reconhecer com clareza a utilidade ¢ 05 limites du know-how. Seu objetivo nao éa formagio de grandes artistas — isso é uma coisa que nao se ensina—, mas a preparacao de profissionais competentes. O screenwriting nao foi feito para fazer desabrochar o génio artistico, mas, simplesmente, Opoder do climax '9 para preparar mao-de-obra qualificada para a inddstria do show business, em particular o cinema ea televisdo, Fiz um curso desses nos Estados Unidos com o saudaso pro- fessor Arthur Wilmurt, no Drama Department do Carnegie Ins- titute of Technology, em Pittsburgh. Ele fazia questo de esclarecer que ensinava uma técnica bisica cujo dominio pode propiciar a0 praticante um bom emprego; mas, de mancira nenhuma, essa téc- nica, por si, pode assegurar a producao de obras excepcionais ou um lugar na hist6ria do cinema ou da televistio — para isso, 6 necessério talento, inspiracao, imaginagao, intuigaoe,em suma,a ‘magia inexplicavel da criacdo artistica. Meet Syd Field Quando Syd Field — americano da Costa Oeste, autor de varios livros sobre roteiro, analista e professor — deu seu primeiro cur- 80 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, fiz parte da pri- meira turma. Achei que ele é 6timo professor. quase tio ham quanto o saudoso Wilmurt. Repetiu as ligdes que constam de seus livros, com a vantagem da comunicacio a0 vivo, € usou delibe- tadamente técnicas eficientes de comunicagao, Field fala pausadamente, repete nao sei quantas vezes certas fra- ses fundamentais— como a definicao de plot point, por exemplo — ‘¢claramente nao pode ser condenado por superestimar a capacidade de compreensio dos alunos. Explica tudo tintim por tintim. Quando 0 curso terminou, ele se colocou a dispasigan da tur- ma para responder as perguntas que quisessem. Um dos alunos quis saber, entdo, quais, além dos dele naturalmente, eram os li- ‘ros sobre roteiro disponiveis que poderiam ser titeis na prepara- gilo do roteirista. Syd respondeu mais ou menos assis 20 Luiz Carlos Maciel Nenhum. Basta que vocé estude meus livros e consiga dominar 0 Procedimento que eu indico, Pronto, néo precisa ler mais nada. Altem deescreverrotciro; escrever muito, reescrever; dedicar seu fempo e sua energia 20 seu oficio. Se voce quer ser roteirista € ‘lo professor, critico,erudito no assunto, que uilidade pode ter ssa quantidade enorme de livros sobre roteiro que entopem as. Prateleiras das livrarias? Vocé nao precisa deles, Ele nfo deixa de ter razdo, Se voce entrar numa grande livra- ria de Nova York, por exemplo, efor as prateleiras que retinem os livros sobre roteiro, vai ficar perplexo com a quantidade deles, Contam-se as dezenas. Os titulos e os autores sio bem mais dife. Tentes do que o contetido dos livros. Na verdade, se voce se der ao trabalho de examiné-los, vai veri- ficar que sto muito parecidos. A grande maioria se baseia na estru- tura dramética tradicional, inventada pelo teatro grego, exposta originalmente por Arist6teles, modificada ao longo de séculos de literatura dramética e finalmente codificada no famigerado screen- writing norte-americano, do qual o nosso simpético Syd Field é um dos mais recentes e eficientes representantes, © roteiro, ele mesmo Os americanos chamam-no screenplay, uma peca para a tela, de ‘maneita a distingui-la da simples play, destinada ao palco. Os fran- ceses o chamam de scenario, para design4-lo como um conjunto de cenas. E nés 0 chamamos roteiro. Nao é uma mé palavra para 0 caso. Roteiro é uma rota néo apenas determinada, mas “decupada’, dividida, através da discri- minasio de seus diferentes estagios. Roteiro significa que saimos ‘© poder do climax 2i de um lugar, passamos por virios outros, para atingir um objeti- vo final. (Ou scja:o roteire tem comeyy, suet e fin — conforme Aris- tétcles observou na tragédia grega como uma necessidade essen- ial da expresso dramética, Por que é assim? Ao contrério da expressao lirica ¢ da expressao épica, cujas manifestag6es ndo consideram limites de tempo, a expressio dra- Iitica €condicionada pelo perfodo de tempo determinado em que se manifesta. Poemas podem set lidos durante u teinpo que 0 leitor quiser. Romances podem serlidos em qualquer perfodo de tempo, de dois dias a dois anos, por exemplo. Por outro lado, pegas de teatro, filmes e telepecas comecam e terminam em hordrios determinados. Duram de uma a duas ho- 1as, mais ou menos. Mesmo que vocé os tenha & disposicio em filme ou video, nao so assistidos aos pedagos, como quem Ié poe- sia ou romance, mas de um sentada s6 —, a continuidade ¢ essen- lal para a expresso diamativa, A exibicdo de filmes feitos para o cinema na televisdo, com in- terrupgdes para os indefectiveis “comerciais’, peca contra a integt ade artistica desses filmes com essas nocivas fraturas estruturais, 1550 nao acontece com roteiros escritos especialmente para a {elevistio, nos quais as rupturas estao previstas e sto concebidas Inclusive com vantagem para. intensificagao ou diversificacao dos ‘Valores estruturais da historia, © screenplay € escrito para ver assistido de cabo a rabo. O twleplay é escrito para ser assistido em varias partes, com interva~ Jos de trés minutos. Silo bem diferentes. ‘Mas so também semelhantes, mesmo em termos de estrutu- 22 Luiz Carlos Maciel ra. A natureza da experiencia dramitica € comunicar de uma vez 86, Por isso, a experiencia dramética s6 tem sentido se acontecer dentro de um perfodo de tempo determinado. A estrutura drama- tica € alicergada nessa caractertstica essencial. Intervalos de trés minutos ndo sio o bastante para determinar fraturas comprome- tedoras. Entretanto, a experiencia dramitica se ressente de inter. rups0es mais longas, de um dia para 0 outro, por exemplo. A experigncia dramética, representada na curva dramética, 6 uma experiéncia inteirica, redonda, imitada a um perfodo determina- do de tempo. Natureza do roteiro — a aco Oroteiro deve conduzir o espectador de um lugar, chamado co- ‘me¢o, @ outro, chamado fim. Ele nao “conta” uma histéria no sen- tido em que um conto ou romance contam uma historia. Ele mostra © desenvolvimento de uma agiio, A compreensio do sentido do conceito da acao é fundamen tal para quem pretende escrever rotelro, Afi ndo deve ser entendida aqui no sentido vulgar em que é usada quando se fala em “filmes de aco” por exemplo. A “aga” ue qualifica esses filmes é mera atividade fisica — socos, corre- Tias, tiros, explosbes ete. A atividade pode — ¢ deve —, como 0 Adidlogo, expressar a ago, mas nio se confunde com ela. A.asdo €0 que um personagem faz com o propésito de alcan- far alguma coisa, Ela €essencialmente interna, embora sempre se ‘manifeste exteriormente, de ulguma maneira, Segundo Eugene Vale, a estrutura da acdo & tripla e se refere i trés momentos que definem a temporalidade: passado, presente futuro, poder do climax 2B Opassado estabeleceu a morivagio para a aco, Fala-se, por isso, freqiientemente, em antecedentes da acio. Um evento externo,uma experiéncia interna ou, na maioria das vezes, ambos, determinan- do-se mutuamente, desencadeiam a agao. No presente, o desenvolvimento da ago se manifesta através de uma intengdo. O personage que age nao se comporta gratui- tamente, mas orientado por uma busca deliberada, intencional. No futuro est a meta final, o objetive da aio. A intencao, manifesta na a¢io exercida no presente, liga-se necessariamente 20 objetivo que se quer alcangar no futuro. A acio é, portanto,a alma do projeto, no sentido de Sartre. Razao e vontade préximo momento fundamental da hist6ria da dramaturgia foia descoberta tedrica do contflito de vontades como o elemen- to essencial da agao dramitica. A acio intencional provoca uma oposigdo, ou obsticulo, cuja manifestacio mais poderosa é a vontade oposta. Drama ¢ acdo e, conseqentemente, conflito de vontades. A cnunciagio da célebre “lei do drama’ s6 foi posstvel no sé- culo XIX depois que Hegel apontou no conflito aorigem ea natu- reza de todo movimento, toda mudanga, e que Schopenhauer € Nietzsche desfizeram a ilusio racionalista ¢ estabeleceram o pri- mado da vontade. Nao €a razdo que deflagra e rege a ago, mas a vontade, Aaagio dramiética supseum obstéculo, que gera o conflito, mas € sempre movida subjetivamente pela vontade. Nao se pode imaginar que Arist6teles pudesse pensar alguma coisa assim. Foi preciso a revolusio burguesa, a revolugio do in- 24 Luiz Carlos Maciel dividuo como agente efetivo dos acontecimentos, para que essa dimensao do drama fosse claramente percebida. _ Oconflito dramético nao émero conflito. Nao se trata do con- Alito pelo conflito, como um bate-boca, por evemplo. O contlito é ele proprio, a vontade em face de si prépria. O conflito dramético tem um objetivo, um propésito, um sentido. Por isso,o roterista deve estar consciente de que nao basta que 0s personagens briguem ¢ troquem tapas; antes, deve estar cons- ciente de que é a vontade que, ao mover a ado e confrontar os obsticulos, se afirma na intencio e no objetivo, A criagéo do roteiro O trabalho de roteirizar supde a existéncia prévia de uma hist6- ria, com comego, meio e fim. Estabelecer essa historia é uma con- dicdo necesséria para o desenvolvimento do roteiro. Por isso, antes de se comecar a escrever o roteito propriamente dito, é preciso escrever um argumento, ou sinopse — o que os americanos cha- mam de treatment, No cinema, prefere-se o termo “argumento”; na televisio, “si- nopse” Tanto faz. & preciso, apenas, nfo confundir o que no cine- ma se chama sinopse — que é um resumo de no maximo duas Paginas do argumento— com a sinopse da tevé, que, como o ar- gumento cinematogréfico, também é uma narrativa detalhada dos eventos que compéem a hist6ria, as vezes com dezenas de paginas, Oestabelecimento dessa narrativa é vantajosamente orienta- do pela enunciagdo do que se chama, em ingles, story-line. Nin- guém se lembrou de tentar traduzir esse termo para o portugués, A story-line é um resumo, em poucas linhas, da agao principal da (© poder do dimax 25 historia; ela indica a esséncia do que se quer mostrar e, portanto, serve de biissola para a composigao do argumento, ou sinopse. Atengao, entretanto: a story-line nao € uma idéia geral da histéria, nem uma situagio inicial a ser desenvolvida, nem mesmo uma trama na qual um dos elementos essenciais — ‘comeco, meio e fim — esté faltando. A story-line é completa: tem comeso, meio e fim — ou, como veremos, para falar em termos de estrutura dramitica, tem exposigdo, ataque, compli- casio, climax e resolugio. Na verdade, a story-line s6 € possivel em fungao da unidade de gio. Enunciar uma story-line é indicar a espinha dramética da trama, a agio principal. Uma histéria dramética pode ter varias agdes,mas uma delas é a principal, o tronco,¢ a ela se refere a ca~ tegoria dramatica de unidade de ago. A formulagao da story-line torna nitida, inconfundivel, a principal agao da trama. Se durante o desenvolvimento da trama ela fugir da diego da story-line, 6 preciso fazer uma opcdo: ou se obriga a trama a voltar ao trilho original ou se substitui a story-line por uma nova, que dé conta do novo rumo seguido pela hist6ria. Perfil e escaleta Dois outros trabalhos preparatérios so necessirios antes que se ‘comece a redigir o roteiro propriamente dito: o perfil dos perso- nagens ea escaleta, Qual dos dois deve ser feito antes? Minha experiéncia ensinan que issa depende do tipo de ma- terial com que se est lidando. Historias baseadas em personagens, nas quais a experiéncia deles é 0 fator central, exigem a elabora- silo imediata do perfil dos personagens; muitas vezes, esse perfil 26 Luiz Carlos Maciel deve inclusive anteceder a prépria composicao do argumento, visto que, nessas histrias,frequentemente os personagens geram a hist6ria, Por outro lado, em hist6rias nas quais o que importa é & sucessto dos acontecimentos, a teia que eles formam, ou seja, a trama, a claborayav antecipada da escaleta pode se ‘provar mais citil, Acescaleta éatarefa especifica de roteirizacao, pois éa divisao da historia nas cenas que melhor aexibiréo ao piblico. Ao escaletar, © roteirista decide que cenas ele vai mostrar, que cenas vai escon.. der em elipses eficientes, «como vai encaded-las. A escaleta 6 0 momento em que surge a arte do roteiro propriamente dita, Escaletar é roteirizar. Fontes do roteiro Roteiros originais podem ter 0s mais variados pontos de partida — ou de inspirasdo. A lista de possbilidades inclu historias que ouvimos quando crian¢as, noticias de ona, passagens da Biblia, ‘mentiras de amigos, sonhos... numa palavra: tudo! importante € que seja uma boa hist6ria e tenha bom rendi- ‘mento dramétivo, seja um roteiro original ou uma adaptasio, Ostrabalhos de desenvolver um roteiro original ow uma adap- taco sao muito semelhantes, Um roteiro original supe, evidentemente, uma histéria ori- Sinal; uma adaptasao conta com uma historia prévia, Mas af cessam as diferengas. Depois que o autor jé chegou a forma adequada de sua historia original, o trabalho de roteirizacdo €idéntico a0 de uma adaptagdo. Por outro lado, depois que ele assimilou a historia previa, o trabalho de roteirizacao 6 idéntico a0 de uma hist6ria original. Quando voc# adapta uma hist6ria jéexistente, deve Ié-la tan- ‘© poder do climax 27 tas vezes quantas forem necessdrias para assimilé-la totalmente e, de certa maneira, torné-la tdo sua quanto uma hist6ria original. Depois disso, o trabalho de roteirizagao é idéntico ao de uma his- t6ria original. Vacé hota o tevto original de lado e trabalha com sua prépria compreensio dele. Tipos de roteiro Quando voce entra numa locadora de videos, repara logo que os filmes armazenados so classificados conforme algumas catego- rias. que se tornam logo familiares an nsuidrio. Os filmes podem ser de aventura, roménticos, policiais, de guerra, ficgao cientifica, terror, musicais, semidocumentérios, biogréficos etc. Podem ser ainda dramas ou comédias. Os critérios que norteiam essa classi- ficagio sao um tanto obscuros e confusos. Vamos tentar estabele- cer alguma clareza no assunto. Essa clareza é necesséria, indispensavel mesmo, ao roteirista que comega a trabalhar sua historia. Ele deve saber que tipo de roteiro esta se prapondo a criar. Esta opsio fundamental vai de terminar a propria natureza do universo a ser criado na obra. A expresso dramatica, nascida na Grécia classica e desenvol- vida na histéria da literatura ocidental, se manifesta, para efeitos préticos, em quatro modos fundamentais: a tragédia, 0 drama moderno, a comédia ea farsa, Os dois primeiros sao representados pela mascara sombria na tradicional alegoria do teatro; 0s dois tltimos pela mascara sorri- dente. Tragédia e drama levam as lagrimas; comédia e farsa, ao riso, A tragédia se distingue do drama moderno pela magnitude, como diria Arist6teles, de sua ago principal. © conflito do her6i Irigico écoma dimenso metafisica da realidade, um poder que o 28 Luiz Carlos Maciel Por exemplo—, mas eles nao so ‘tanscendentes como os trégi. Cos, sua medida é humana, melodramas sentimentais, pol als, de guerra etc, mais superf Gals mas perfeitamente capazes de comover o chamado grande sisdo dos Personagens e, Conseqilentemente, em sey comporta- inento. A comédia pode se qualificas ela sutileza psicolégica acuidade intelectual e até pela Profundidade espiritual de algung de-seus personagens. farsa, em Contrapartida, desenha seus per- Sonagens em tracos grossos,caricaturaig, Além dela, na ditecao da eats © da simplificasto, aparecem oc modos do burlesco de maneira cada ver mais livre Surgiram, por exemplo, farsas tr Bicas, comédias dramaticase outras ‘combinasdes, ‘Naturalmente,a mistura desses modos deve. atender as Peculiaridades da tramaem O poder do climax 29 O estilo fundamental, nosso habitual ponto de referéncia, é9 realismo. Os outros estilos se definem por sua relacio com ele, pela Inedida em que o exacerbam, como no naturalism, ou se afas- tam dele, como no surrealismo, expressionismo ¢ demote mani- festasdes da avant-garde, O terceiro critério de divisio dos tipos de roteiro & 9 mais frequentemente usado nas locadoras de video: érelativo a0 con- tetdo da trama — ou seja hist6rias de aventura, roménticas, Policias, de guerra, ficsao cientifia, terror, musicais, biografi- as etc, Um rotelro especifico pode sex descrito pela combinacio de lols ou tres desses crtérios. Voce pode, Portanto, escrever uma fomédia musical surrealist, um melodrama policial realista, uma farsa trégicaexpressionista, assim por diante, importante éque vocé saiba o que esté escrevendo — sobre Dati est escrevendo, o modo eo estilo em que est escrevender Voct deve introduzir o espectador a0 universo especifico de is trama logo na primeira cena de seu roteiro, Em principio, 0 Siectador quet saber se aquela istra é para rir ou para chorar, Por exemplo. Claro que voce pode levé-lo a fazer as duas coisas (numa comédia dramética, numa farsa trigica tc.), mas, de int- flo) ele precisa de um cho para poder acompanhar a trama, A primeira cena revela o universo especttico em que a historia ‘Atontece, 0 que determina o tipo e a medida da suspension of Mesbeliefque voce esta slicitando do espectadon, Porexemplo, voce A riqueza da arte, contudo, muita vezes esté na guebra das Tegras habituais. A Brande descoberta da série de televisio 30 Luiz Carlos Maciel The Twilight Zone (Além da imaginacio), le Rod Serling, por exem- Plo, eraa stibita irrupeio do fantastico num universo realista, Nossa proposta Nossa proposta, neste livro, parte da conveniénciaeaté da neces- Sidade do dominio da ténica sem conseqiéncia, do conhecimen, Dominio ¢conhecimento podem ser adquiridos pela experiéncia, ométodo de tentativae erro, Mas pode-se ganhar tempo com car, 808 e livros como este aqui. Dominio ¢ conhecimento sio exigéncias interdependentes, ois a técnica nasce do esclarecimento te6rico ea teoria tem sug exPress2o prética na técnica. Elas se implicam mutuamente, A teoria engendra a técnica eestaailumina. A teoria que no re- sulte.em técnica, ou ndo.aconfirme,¢abstrata earbitréra, ate, nica sem fundamento na teoria facilmente falha em seus objetivos praticos. A claboracao do roteiro, nessa perspectiva segue uma logica natural, Cada autos, cada individuo, desenvolve seus préprios ‘étodos; tem seujito suas manias et Mas asdiferengas nde sio negadas pela técnica; pelo contrario, ela deve afirmé-les na origi- nalidade com que cada um a usa, Aarte €0 reino da liberdade, vale tudo. Mas esta 6 uma ver ficagio a posteriori, quando a obra esté prontae é contemplada, A conveniéncia do dominio da técnica ndo deve ser entendids {ome uma estética, um crtério de afeticio ou atribuigao de va. lores. obra pronta Trata-sc o contri de uma conventéncis oPeracional, funcional; serve para fazer o novo endo para avali. Sr o que ja estd feito, £ um jeito de fazer, mas néo, de modo al. gum, uma norma. ‘O poder do climax 31 Este livro, portant, édirigido a quem quer escrevereacha que precisa de um auxilio, um procedimento eficaz, Nao se destina, repito, a criticos, nem mesmo a espectadores em geral. Nem uns nem outros precisam dele. Aos criticos ¢ suficiente cua cultura, sua sensibilidade, sua acuidade, sua capacidade perceptiva. Aos espec- tadores, basta seu gosto pessoal. Problema, oS, Piincipal Agente Decisvo 2. Atrama __ Mraima éa histéria, como ela vai ser testemunhada, €0 modo como ‘aslo, sua espinha dorsal, se apresenta diante dos espectadores. Ea sucessdo propriamente dramética dos eventos. Os acontecimentos da maneira como sio mostrados ao espec- tador. A rigor, uma pega de teatro, um filme ou um teleplay — ou Se), qualquer manifestagao da expressio dramética — nao conta ima histéria. Mostra uma historia. Oroteiro ndo narra uma histéria, Ele indica como a hist6ria ‘seri testemunhada diretamente pelo espectador, através de ce- ‘its vividas por atores. Diante de um filme, assistimos a eventos “Ge acontecem aqui e agora. Nao estdo sendo contados por nin- udm, ‘A presenca de um personagem-narrador ou de uma narra¢ao ‘estranha a expresso dramética; constitui, na verdade, intro- isilo de natureza épica num contexto dramitico. Naturalmen- {iso €artisticamente valido (0 que nao €artisticamente valido?), lib © roteirista deve ter consciéncia do coquetel estético que est4 34 Luiz Carlos Maciel Preparando para, pelo menos, manter uma combinasio adequa- da dos seus meios expressivos, Como veremos a seguir, a trama dramética é mostrada atra- vés de cenas. Aristételes, o primeiro pensador da expresso dramética A expresso dramitica, tal como a conhecemos no contexto da cultura ocidental, nasceu na Gréca cléssica — como, aids, quase tudo mais nesta cultura. A concepsao da literatura em trés expres- Ses fundamentals — a liica,a épica ea dramética — ¢ devida 208 Bregos. Esta classificagdo foi primeiro exposta por Aristoteles © €estudada por ele em sua obra cléssica— a Poética, A expressio lirica éa manifestarao direta da alma do poeta, de sua subjetividade, A cpopéia é narrativa. Conta fatos, as proezas do heréi, A expressio dramética encama a agdo. a arte de Bsquilo, SOfocles e Aristdteles; seu: templo ¢ 0 aufiteatro ‘de Atenas, onde se tealizava o Festival de Dionisos. Arist6teles diz que a trama— ou plo hist6ria,fabula,enredo etc. — €a alma da tragédia e que os personagens sto secundérios em relasdo a ela. A sucessdo dos acontecimentos diretamente de- terminados pela aydo, na visio de Arist6teles, 60 fundamento da fxpressio dramética. Os personagens devem, conseqitentemente, Ser compostos de maneira a atender as necessidades do desenro. lar da trama A histéria gera os personagens. Era assim que acontecia no teatro clssico. As histérias exibi- das no anfiteatro de Atenas, durante o Festival de Dionisos, cram ‘© poder do dimax 35 conhecidas por todos; Esquilo, Séfocles e Euripides as dramatiza- vam. Ou roteirizavam, como se diria hoje. A composicio dos personagens, portanto. atendia & trama Edipo, por exemplo, precisa ser brigo, valente, inteligente, obstinado, honesto e, acima de tudo, um amante apaixonado da verdade para que sua agao seja cumprida, para que a profecia do oriculo de Delfos seja cumprida — ou seja, para que brigue com um velho na encruzilhada, sem saber que é Laio, o rei e seu pai; para que responda ao enigma da Esfinge; para que decida encon- trar a todo custo 0 assassino de Laio e livrar Tebas da peste; e fi- nalmente para nao interromper sua investigagio policial, ainda que ela aponte para ele préprio, Edipo, como o matador de Laio. Ja se observou que Edipo Rei é a primeira trama policial do Ocidente. Ejé bastante original, pois, nela, o assassino 60 préprio detetive que a investiga. Conceitos fundamentais da poética Emil Staiger, em Conceitos fundamentais da Poética, examina com detalhe as trés express6es fundamentais da literatura, conforme se manifestaram na Grécia clissica e foram primeiro teorizadas Por Arist6teles: a expressio lirica, a épica e a dramitica. Sto trés géneros essenciais,trés esséncias diferentes da poesia, Staiger as caracteriza, conforme o pronome condutor, a rela- ‘G20 sujeito-objeto, a matéria, a manifestagdo do autor, o tempo verbal, a ret6rica ea composicio. A poesia lfrica 6 a expressio do eu. Nao hé nela, propriamen- te, uma relagao sujeito-objeto, Nela, o eu é absoluto, 6 hi sujeito. A matéria é sua emogao. O poeta lirico extravasa sua emosdo pes- soal. O tempo préprio do lirico 60 presente atemporal; sta ret6- 36 Luiz Cartos Maciel rica €a expressio, seu método de composisao € 0 que Staiger cha- ma de “fluxo arrebatador”, Opronome condutor da poesia épica €aterceira pessoa — ele Nela, o sujeito se defronta com o objeto, Ele narra os fatos ‘confor- ‘me acontecerami seu tempo € 0 passado, o tempo do “era uma ‘ve2~~"O modo de expressio do épico é a narragio €0 seu método de composigio é seletivo. A poesia dramdtica 6 a da segunda pessoa — tu, vocé, Ela se ‘manifesta no didlogo. Aqui também no hé relagdo entre sujeito- objeto porque, na expressio dramética,o objeto é absoluto, NZo }hd ninguém contando nada aqui, o espectador testemunha dire. tamente os acontecimentos. © fundamento do drama é aagio;a répria palavra “drama” significa “aedo’ em grego. O seu tempo 6 © presente d medida que selanga para o futuro,o tempo da expec- {ativae do suspense, Hi uma selec no drama, como na epoptia, masa cla se acrescenta a necessidade de uma conexao, um elo en- tre seus elementos, de natureza causal, O nexo entre causa. efeito, ofluxo causal, €0 que dstinguea expresso dramética da mera narragio. Um profissional america- no disse que, no roteiro de cinema, cada cena ssspondea uma per- Sunta colocada pela anterior e faz. uma nova pergunta para a Seguinte, Esse encadeamento € necessério para prender a atencio do espectador e para conduzi-lo através da progressfo da trama, Assegurar o fluxo causal no desdobramento da ago €a ma neira de, como se diz, “amarrar”o roteiro.O espectador, que as. siste a filmes desde a infancia, esté acostumado — as veves digo até que est “viciado”— de tal forma ao fluxo causal queo exige inconscientemente. ‘quando assiste a um novy filme, Sendo oen- contra, tende a dizer que o filme “néo tem pé nem cabesa” pois do se sente conduzido pela trama da maneira que jé se habi- tuou, O poder do dimax 37 Liggo para Alice §)d Field diz que o roteiro conta uma hist6ria com imagens. Pode- sedizer também que ele mostra uma hist6ria em cenas, Isso 0 dis- tingue da ficgdo de indole épica, narrativa, Na ficgdo, voct pode, por exemplo,escrever um conto que narre historia através do mon6logo interno do personagem, a chama- da corrente da consciéncia. James Joyce escreveu romances intei- 105 assim, Entretanto, a corrente da consciéncia ndo pode ser filmada, A Esta ¢ a liso queo ‘expressiio dramstiea é absolutamente objeti ‘Professor de roteiro do filme Simplesmente Alice, de Woody Allen, i para a personagem de Mia Farrow. uma cena répida, na qual o professor explica, em suas pr6- ‘rias palavras, mais ou menos o seguinte: — Na ficgo, num conto ou num romance, voce pode usar a descricao subjetiva. Em roteiro, nao, Voce tem que ser objetivo, Voce escieve ulgo que val ser visto ¢ ouvido, captado pelos senti= dos do espectador. A objetividade & a marca essencial da expresso dramética. indo ela é desmentida — como, por exemplo, num filme como ‘pasado em Marientad, de Alain Resnais— por um império Auibjetividade, temos uma experiéncia exética de avant-garde, in exce¢ao, Tas exceges nfo desmentem a regra, antes a confirmam. Luiz. Carlos Macie! © poder do climax 39 Génese légica da histéria dramética Tema. A hist6ria tem, antes de mais nada, um tema — isto é, lum assunto, mas nao 36 ele; segundo Selden, o conceito de tema envolve o Angulo particular em que o assunto é visto pelo autor, a posigdo do autor diante dele, sua opiniao. Primeiro, o autor esco- Ihe o assunto da hist6ria. Ee aponta o universo da hist6ria eo tipo de gente que a vive. O assunto de Romeu e Julieta, por exemplo, é ‘0 amor juvenil, De posse desse primeiro fundamento, o drama- turgo define o problema especifico que vai levantar nesse univer 80. Em Romeu e Julieta, € 0 6dio mortal entre as familias dos enamorados. (0 tema propriamente dito 6 explicitado através de trés momen- {os fundamentais— problema, agio e premissa: Samuel Selden sugere um esquema d ser co quema da génese da expressto dra- ‘Irata-se de uma génese logica, mas nfo necessariamente uma Bénesecronolégica. A origem de uma hstéria para um roteiroort eal Trutuito de autor para autor. Pode-se partir de uma ane. lota, um clima, um personagem... numa palavra: : eee Palavra: de tudo e de Entretanto, numa compreensio i tretanto, ipreensio ideal, essa génese pode ser concebida nos termos de Selden. O fundamento de tudo éo tema; E.Partirdele vio se estabelecer 0 problema, a agdo e a premisen rang disque ese esquema ndo é uma receita para articular uma ist6ria dramética, mas serve para conferir 0 rendimento de tuma histéria. E um check—e, porissoeleochanma de iron check Selden fornece o esquema da génese de uma historia dramiticg Emzrmos l6gicos. Nao énecessariamente assim que la écriada no <*Pitito do autor, mas pode ser entendida aposteriorinessestermos, 1, Problema. No assunto escolhido, o autor focaliza um pro- blema especifico. Em Romeu ¢ Julieta, por exemplo, o assunto €0 amor entre adolescentes eo problema especifico é 0 édio mortal entre suas familias. O problema é o motor da agio, ele deflagra a Aiglo exatamente por ser 0 obstéculo ao objetivo do personagem. 2, Agao.A presenga do problema exige uma ago que se pro- pea resolvé-lo. A ago central de Romeu e Julieta &0 esforso dos dois enamorados para ficarem juntos e assim realizar seu amor. Biles se servem de ajudantes (a aiae o frade), casam secretamente, ém uma noite secreta de nfpcias e sto obrigados a se separar. A ago —“a alma da tragédia’, segundo Arist6teles — é a coluna vertebral da histéria dramética, a espinha do roteiro, Em Romewe Julieta, a acao visa & unio dos dois enamorados, devendo, por- tanto, superar o problema, ou obstéculo. 3. Premissa. O confronto da a¢ao com o problema leva a al- {gum tipo de resolucao, da qual pode ser extraida uma conclusio. 40 Luiz Carlos Maciel Romeu e Julieta se resolve no suicidio dos dois enamorados, Pode-se concluir que o amor dos jovens, vitima da loucura dos adultos, nao se detém diante da propria morte. Os enamorados Prefercm morrer a serem separados, ssa premissa encanta as Platéias hé varios séculos — e mesmo suas variacoes e dilui- ‘es, tdo freqitentes até hoje, parecem irresistiveis. A premissa € resultado do confronto entre o problemaea agiio. 0 sentido da histéria, manifesto no extremo final da ago. Esse esquema, que Selden chama the iron check, tem pontos Com os momentos principais da estrutura dramitica tradicional. problema se manifesta no ataque. A agio se desdobra na complicacao, A premissa se revela no climax. O check seguinte de Selden, portanto, 0 que ele chama de golden check, e resume a estrutura dramitica na palavra PASTO — Pre- aration, Attack, Struggle, Turn, Outcome—, que corresponde, nos termos mais usadus neste livro, a exposicdo, ata licagac climax e resolusio, situate ae Lawson dixit _Drama, palavra que significa agao em grego, designa, desde Aristoteles, que ele chama de imitacdo de uma agao”, Ou seja,é ‘a criagdo artfstica de wna agao. Explica John Howard Lawson: © movimento dramético se desenvolve através de uma série de ‘mudangas de equilibrio. Qualquer mudanga de equilfbrio cons- (© poder do climax 4 titui uma agdo. © drama é um sistema de agSes, um sistema de mudangas maiores ou menores, do equilibrio. O climax éa per- turbacio méxima do equilibrio que pode acontecer sob as con- digdes dadas. Como jé acentuamos, a ago dramitica ndo deve ser con- fundida com a agio dos vulgarmente chamados filmes de aco, por exemplo, que abundam em socos, tiros, correrias e explo- ies. Na verdade, esses sfo filmes de atividade fisica. A agio dramatica ¢ interna, psicol6gica, embora possa ser expressa pela tio fisica. Lawson acentua a importancia de seu significado. Diz ele: Devemos distinguir a ago (movimento dramético) da atividade ( movimento em geral). Aco dramética é um tipo de ativida- de, uma forma do movimento em geral. A eficiencia da ago de- pendenao apenas daquilo queas pessoas fazem mas do significado do que elas fazer. A agao dramética progride na sucesso temporal, sem hiatos. Ja se manifesta tanto pelo que os personagens fazem quanto pelo "que eles dizem, ou seja, tanto pelo que aparece no roteiro como jubrica quanto pelo que aparece como didlogo, Ainda Lawson: ‘A agio dramitica combina o movimento fisico ¢ 0 discurso; in- lui expectativa, preparacao e realizagao da mudanga de eq| brio, O movimento para a mudanca pode ser gradual mas 0 proceso de mudanca tem de acontecer. Expectativa falsa ¢ falsa preparaclo nfo sio agio dramitica. a2) Luiz Carlos Maciel COMPLICAGAO EPOSICAO A curva dramética O desdobramento da asto dramatica pode ser Tepresentado grafi- camente por uma curva, A curva dramética comeca num trago horizontal reto, que renents tm estado inicial de repouso, ou equilib. Numa de. qerminado ponto, ea comega a subi, hd uma ruptura do equilt- brio inicia, e uma intensificacdo crescente da aso, em busca de Aw eauilrio, que éepresentado peo seu cardter ascendevte Acurva finalmente atinge um ponto méximo, uma culminancia, cai novamente, detendo-se, porém, num, patamar superior ao seu Sstado inicial. Ou seja: 0 sueito vive uma experiénei dramitica ais ansforma e que, depois de encerrada,o deixa num nfvel mais alto, seq lt havia me familarizado com o desenho da curva dramé- ea quando fui ler A furs do orgasmo, de Wilhelm ieich, Como se sabe, Reich sustenta que nossa vida siquica é regu- Inda pela descarga de energia libidinal efetivade ela experiencia o-orgasmo. A incapacidade do individuo para ceca catarse ener- (O poder do climax. B Bética, devido, por exemplo, 4 impoténcia orgasmitica, bloqueia © fluxo da energia e forma couragas que resulta em desequilibrio Psfquico ¢ neurase. A importincia do orgasmo para a sade ps{- quica nao poderia, portanto, ser maior—e, por isso, Reich dedica tum livro inteiro s6 para esse tema, fundamental para a economia sexual desenvolvida por suas idéias. Quando vi o desenho da curva do orgasmo, segundo Reich, io pude deixar de sorrir. B igualzinha & curva dramética. Come. fa num estado de repouso, é despertada pela excitacdo e se inten- sifica até atingir 0 ponto miximo na experigncia do orgasmo propriamente dito, para, em seguida, cair novamente ao ulvel de um estado de repouso. Nao pretendo reduzir a experiencia dramitica & sexual, mas parece evidente que seus processos obedecem ao mesmo desenho, Talcoincidéncia tem, com toda probabilidade, um fandamento de ordem orginica. Tudo se passa como se nosso organismo gostas- sede diferentes maneiras, de atravessar essa sucessdo de estados — do repouso a excitagio, & intensificagao da experiéncia, a sua Culminanciae,finalmente,a um novo repouso, ou equilibaiy, uum patamar superior, Mas o que se move na curva dramética, a que ela se refere? A acdo, 20 préprio fundamento da expressio dramitica, Tramas secundérias — subplots Ale aristotélica da unidade de ago significa que hé una a¢a0 Sentral, uma espinha, um tronco nitido no desenvolvimento da {rama. Mas tal agdo no é necessariamente a tinica. Outras aces, thamadas secundldrias, se ligam a ela de maneira organica. $40 0s lhos do tronco, “4 Luiz Carlos Maciel ‘As tramas secundérias também obedecem a curva dramética, sio estruturalmente andlogas & agdo principal, embora nao sejam to desenvolvidas quanto ela. Uma receita de trama Trata-se aqui de uma curiosidade que pode, quem sabe, ser es- clarecedora, Uma verdadeira “receita de bolo”! Umescritor norte-americano (tinha deser... chamado Wycliffe A.Hillanalisou centenas de roteiros e desenvolveu uma formula para iar wuna tearm, Em primeiro lugar, fez. uma lista de profissoes nas quais se podem descobrir personagens interessantes e que podem dar boas historias. © que faz seu protagonista na vida? Escolha na lista de Hill; ele pode ser: Advogado, agente, aleijado, apéstolo, astronomo, astrdlogo, ator, atriz, aviador, bombeiro, caixa, cantor, capelao, salva-vidas, babé, atirudur, sneudigo, cego, atleta, corretor, bandido, piloto, quimico, vaqueiro, capitio, fandtico, magico, agitador, comerciante, chantagista, artista, mordomo, construtor, publicitério, capitalis- ta, pescador, motorista, censor, comediante, coveiro, dangarino, eremita, escoteiro, escritor,estendgrafa fuzil da, hipnotizador, invasor de terras, inventor, jogador de futebol, juiz, lutador, malabarista, médico, modelo, nadador, nazista, pa- dre, procurador, prostituta, rancheiro, rufido, selvagem, soldado, teleyrafista, vagabundo, ventrfloquo, arquiteto, engenheiro, ladrao de dias, poeta, falsirio, marti, assaltante, diplomata, rei, pirata, enfermeiro, alfaiate, pastor, detetive, gigol6, assistente social, tele- fonista, copeiro, taxista, industrial, general, palhaco, indio, mer- © poder do cimax 45 gulhador,feiticeiro, musico, repérter, cacador, sapateiro, secreté- ria, vampiro, mordomo, marinheito, professor, freira, radialista, bro. ai Ufall! A lista completa de Hill é umas cinco vezes maior do qué esta. Mas € daro que voce pode organizar a sua propria... ‘Em segundo lugar, Hill fez uma lista dos lugares onde as agbes podem se passar. Alguns deles: q ‘Avido, agéncia de publicidade, estidio esportivo, fazenda, ca- baré, navio, aeroporto, banco, praia, acampamento, caverna, S2- lio de baile, deserto, fébrica, hotel, mansio, observat6rio, docas, reserva florestal, rio, mercado, armazém, bar, tribunal, oja, usina, floresta, academia de gindstica, hospital delegacia de polfci ilha, Jago, estidio de cinema, base naval, penitencidria, saloon, estagao de trem ou de énibus, palco... Ufa, de novoll! A lista original de Hill, também neste caso, € varias vezes maior. : $ ‘Agora, vocé coloca os personagens escolhidos nos locais esco- Ihidos e arma uma trama, i ; De acordo com Hill, hé apenas trés possibilidades bésicas de desejos capazes de gerar uma trama: 1. A posse de alguma coisa. * 2. Anecessidade de livrar-se de alguma coisa. 3, Vinganga. Hill faz, agora, uma lista de coisas cuja posse pode ser visada: Fortuna, conhecimento, automével, estima dos: outros, lar, le- gado,criangas, fama, honra, amorde alguém, roupas,j6ias,mapa, bicho de estimasao, posigao, segredo... Ete. etc. 46 Luiz Carlos Maciel A lista seguinte é de coisas das quais o personagem pode que- rer se livrar: ‘Maus hébitos, desonra, doenga, deformidade, acusagio falsa, prisio, trabalho Ardno, desgraca, fome. Etc. etc. Vem agora uma lista do que e de quem o personagem quer se vingar: ‘Acusador, competidor, intruso, ultraje, inimigo, espoliador, difamador, rival, tirano, chantagista, assassino, ladrio... Etc.ete. O passo seguinte é estabelecer os obstdculos que podem difi- cultar a'acao, e que podem ser: 1, Ser comparado com pessoa mais poderosa, mais rica, mais bonita, mais inteligente etc. 2. Ser pobre, envergonhado, ignorante, doente, fraco, desin- formado, aleijado, acusado de algum crime etc. 3. Ser suspeito, culpado, ter m4 recordacio, mente fraca, falta de meméria, ser mal interpretado, desprezado etc, 4, Ter falta de coragem, de poder, de amigos, influéncia, autori- dade, liberdade, ou meios de defesa, de transporte etc. 5. Ser barrado por inimigos, rivais, competidores, perseguido- res, promotores, ou por orgulho, convencio, costume etc. 6. Estar preso a um dever, voto, tradigao, religido, promessa, honra, regulamento, lei, ou por necessidade de abrigar, escon- der ou proteger amigo, parente, amado etc. 7. Ficarincapacitado, nao ter meio de identificagao, ter sido mal julgado, mal representado, ndo ter chance de provar seu valor ‘ou habilidade etc. O poder do climax a7 [As listas de Hill sio sempre mais abundantes do que nossos ‘exemplos. Mas eles devem ser suficientes. Os obstaculos podem ser yencidos de trés maneiras: 1. Séplica 2, Sacri 5, Perseveranga. cio. A siiplica pode ser por nova chance, cleméncia, valor, dever, Jealdade, devogdo, inocéncia, boas intengdes ete. sacrificio pode ser feito através da rentincia da vida, do amor, dasatide, da felicidade, de posigao, riqueza, direito de vinganga ete, ‘A perseveranga pode se manifestar através de argumentos, ameacas, confflitos fisicos, persegui¢do, captura, ou matando o oponente, enganando-o, surpreendendo e pegando o oponente desprevenido, desacreditando-o ou convencendo-o pela persua- io ete. ‘Agora, basta fazer suas escolhas em cada lista: um personagem, os locais, o que o personagem quer, 0 obstaculo, a maneira de su- perar o obstacul Hill ainda se dé ao luxo de sugerir finais interessantes para sua historia: uma pessoa desaparecida hé muito tempo reapareces © que parece ser um triunfo para o viléo torna-se desastroso para «le; 0 que parece ser um mau destino para o her6i revela-se afor- tunado; 0 que parece ser um crime revela-se um mal-entendido; tum personagem tinha falsa identidade ou estava disfargados um personagem faz um iltimo e decisivo sacrificio; a liberdade ines- prada de alguém que pareceirremediavelmente condenado; uma salvacdo no tltimo momentos ainversio surpreendente das post- bes de her6i e vildos um milagre etc. 48 Luiz Carlos Maciel Voila! © “bolo”esté pronto! Muitos clichés? Claro, Mas talvez, quem sabe, possam ser ties, Desde, Naturalmente, que se lembre da tiltima adverténcia de Hill: aten¢do, histérias nao se, escrevem sozinhas... O sentido do nosso titulo — qual € 0 “poder* do climax? Ou nao? Para alcang4-lo, Por isso, 2 20 climax, Além disso, o que acontece no clim, , ax revela a solucéo encon- trada para o conffito draméticg isso,uma interpre eenvolve, por i taco da realidade, eee Assim, 0 que chamo de » ‘© poder do climax” é a chave para 9 desenvolvimento da histsria draméticn, Oclimax cera a for ‘ma. contetido, pois tem o poder de introjeté-lo no espectador, © Poder do climax, na prética © momento mais importante de um filme 0 seu final 88 Pessoas no gostam de ficar sabendo antes de assi convenientemente, as sinopses publicadas na imp omitem. Dizem que saber o fim tira toda a raga do file. L aquilo que isti-lo e que, © poder do climax oe E natural. O fim, a consumagao da agio fundamental do fil- me, o seu climax, a materializacao de sua premissa, é realmente a ‘raga do filme. B, por isso mesmo, é a primeira coisa de que 0 Foteirista deve ter conscigucia antes mesmo de comesar a elabora- glo de seu trabalho, Pode-se dizer quea seqtiéncia natural do trabalho do roteirista Ediametralmente oposta a seqiténcia natural da fruigdo do espec- tador. Na minha primeira aula com Arthur Wilmurt, ele pergun- tou para a classe: — Como se comega a escrever um roteiro? Eo prépriomestre respondeu: — Do fim. Enquanto nao souber qual 60 climax de sua histéria, voce sim- plesmente nao sabe qual é sua historia. Se tem o climax, vocé tem ahist6rial Em geral o climax é um evento determinado, mas que pode ser sintetizado num gesto, numa frase, num ato, Dizem que o climax de Casa de bonecas, de Ibsen, 6a batida de porta quando Nora abandona o lar. O climax de Cidadlau Kune &a destruigao do quarto do casal, quando Kane percebe que seu dinheiro nio consegue comprar 0 amor de Susan, O climax de Romeu e Julieta é a morte dos dois enamorados u, mais especificamente, 0 ato de Julieta de cravar o punhal no préprio corpo, climax de Hamlet é a consumagio da vinganca prometida Pelo protagonista ao fantasma do pai, Morrem Claudio, Gertrudes, Laertes ¢ 0 préprio Hauulet, um banho de sangue que horrorizou Voltaire, © climax de Um bonde chamado desejo€ 0 estupro praticado Por Stanley em Blanche, materializando a premissa da vit6ria da 50 Luiz Carlos Maciel brutalidade e dos baixos instintos sobre a sensibilidade e o senso poético da realidade — ou, em termos mais gerais, da matéria sobre oespirito. O climax de Contatos imediatos de terceiro grau é a aterragem da nave-mie — que materializa a premissa de que os alien(genas desejam boas relagdes com os terrdqueos, o que promete um uni- verso governado pela paz e pela boa vontade. O climax de Chinatown & a morte de Faye Dunaway — que materializa a premissa do filme, ou seja, o fato de que “o crime compensa’, A cabeca dela cai sobre o volante do automével, acio- nando a buzina com seu som caracteristico, indiciado numa cena anterior do filme. O climax de Thelma e Louise & a decisio das protagonistas de se langar para o abismo e para a morte, sua dnica soludo num mundo governado pelos brutais valores masculinos. A imagem congela, fixando o climax e sua premissa, que é clara. O climax de Deus e 0 Diabo na Terra do Sol é a morte de Corisco— que materializa a premissa sobre o esmagamento sis- temético da rebeliéo popular durante toda a historia de nosso pais. O climax de ET é a volta do alienfgena a0 seu planeta, o que sugere a perspectiva da amizade intergaldctica entre os seres,torna- da possfvel gracas as criangas — premissa encantadora que conquis- touas platéias de todo omundo.O ET encosta o dedo iluminado na cabega de Eliot e, em seguida, a espaconave decola, O climax de Rashomon 6 o de sua histéria — 0 estupro e 0 assassinato de que é vitima um casal de viajantes —, narrada em diferentes verses: a do bandido, a da mulher estuprada e até ado marido morto. Tudo se dirige para esse epis6dio violento, em di- ferentes versdes que indicam a premissa da impossibilidade de conhecimento de um evento objetivo. © poder do climax sl Vocé nao precisa saber antecipadamente qual é a premissa de sua hist6ria, Mas precisa saber obrigatoriamente qual o seu climax, Havendo climax, hé intrinsecamente premissa. Se por acaso a premissa resultante de seu climax contrariar seus valores morais ou intelectuais, isso certamente aconteceu porque sua opsdo emocional pelo climax afrontou diretamente esses valores. H4 uma contradigao entre o que vocé sente ¢ 0 que voce pensa —ou pensa que pensa... Atrama, na pratica ‘A maneira mais pritica de determinar a trama, definir 0 plot € estabelecer o climax ¢ erguer a estrutura a partir dele. O climax é ‘© ponto focal da trama e pode, portanto, ser tomado, na pratica do roteirista, como seu ponto originante. Se voce tem um climax, vocé tem uma hist6ria. Se ainda ndo tem o climax, ainda nao tem a hist6ria. Isso se deve a0 fato de que, sendo a consumacio da ago, sua \4ncia e término. o cl{max especifica a a¢ao, particulariza-a. Se voc# estabeleceu o climax, vocé sabe com clareza qual a agao principal de sua trama, O climax supde o ataque. Antes do ataque, impoe-se a neces- sidade de uma exposicdo. Entre o ataque eo climax, desdobra-sea complicagio — ou sea, a trama, propriamente dita, A complica- io é uma maneira, um caminho, de ir do ataque ao climax. De- pois do climax, s6 resta 0 desfecho. O primeira pader do climax, o fundamental. é determinar a trama. Se vocé tem o climax, que ¢ 0 fim da agio-raiz, voce tem essa agao e, portanto, pode determinar seu ataque. cul 52 Luiz Carlos Made! Se-voct tem 0 ataque, a aco eo climax, voce sabe as necessi- dades de exposigio. Se vocé tem a expasigdo, 0 ataque € 0 climax, voce pode de- senvolver naturalmente a complicacao, o miolo da trama. O ca- ‘minho 6 claro: voce sai do ataque e tem de chegar ao climax. Se voce tem a exposigao, o ataque, a complicasao e 0 climax, no terd dificuldade em determinar a resolugio, ou desfecho. Vocé precisa se assegurar de que estas partes da estrutura este- jam conectadas por um nexo de causalidade e fagam a hist6ria avangar sempre, assegurando a progressio da trama. 3. A estrutura Estrutura, explica Syd Field, 6a relagdo entre as partes ¢ 0 todo. ‘A solidez e 0 equilibrio da estrutura dependem da corregio dessa relaga Uma estrutura frouxa ou desequilibrada ¢ desconfortavel para o espectadors ele rejeita 0 espetéculo, mesmo que ndo tenha cons- ciéncia de que o problema foi estrutural. Quando indagado sobre quais os trés elementos mais impor- tantes na elaboracao de um suteiro, 9 profissional americano William Goldman respondeu: — Estrutura,estrutura e estrutura. Estrutura tradicional ‘A estrutura dramatica tradicional corresponde & curva draméti- 6, suas partes sdo seus diferentes momentos. O estady de repou- 40 da curva corresponde & primeira parte, a exposi¢ao; a ruptura deequilibrio €0 ataque, ou catalisador da ago; a ascensio da cur- ya corresponde & parte de complicagao, ou desenvolvimento nu- Luiz: ‘Carlos Mz lace! clear da trama © poder do climax 55 5 0 auge d dente corresponca ge oa SU €0 climax e sua ety ted 01590,0udesecho, PO descend] Bum pone da ams lramitica: ex resolucao, : Posigao, ataqu, s ria a ee complicagig ¢ ee climax} A Resolugdo 6 restauragao do equilfbrio, de preferéncia num Pontos da tram tn €°SUMEKSio doiseventonen eee rensennfpatamar superior 20 da exposiao. £0 desecho dahisSris, ‘*Pecificos, doi £ uma parte da trama. A Ex fi Mas s ela no assinalar og mat oclitay © fim da acao prin, Ernest Legouve resumiu numa frase famosa:“Vocé me pergun- ta como escrever um drama, £ comegando pelo fim” 56 : . Luiz Carlos Maciel © poder do climax Pr Percival Wilde explica a Pritica: “Co, E820 Icio. Entio comece an O climax dramatico, sendo 0 ponto no qual o conffito da vonta- dle consciente para alcangar seu objetivo atinge sua maior inten- sidade eabrangéncia méxima,échave para unidade do drama Paasto-raiz que determina o valor e 0 significado de todos os eventos que o precederam. Se o climax carece de forca ou inevita- v0.” mudanca de equilib 10 que cria $85 e assim por diante, a inmates quilibrio entre as for. bilidade, a progressio fica fraca e confusa, porque nao tem obje- : ‘que torna esse evento inevi- tivo; nao ha o teste final que traz o conflito para uma deciso. A estrutura em tras atos As diferentes partes da estrutura tradicional podem ser distribui- tlas em trés atos, como na dramaturgia tradicional do teatro, O primeiro ato inclui a Exposiga0,0 Ataque eo inicio da Com- plicagao, O segundo ato é constituido pela Complicacio. O terceiro ato é formado pelo final da Complicaco,0 Climax €4 Resolucao, Oclimax ‘Materiali; autor, sua intencao, 0, ‘Missa, O paradigma de Syd Field Lawson aixit O trabalho de Syd Field parte de uma verificagio comum entre Lawson explica qu i foteiristas iniciantes. comum que eles dominem, sem muita di- miaticaéa Somes ‘Gualidade funcional oy estrutural da agao dra. ficuldade, a Exposigdo e 0 Ataque,no inicio, eo Climax e a Reso. pe otee drama na diegiodoctina ee lugao, no fim; mas sempre lutam com grandes problemas no esenvolvimento da Complicacdo, ou seja,o meio da estrutura,¢ fia parte quantitativamente maior. A Complicagao € 0 desenvol- Vimento da acao, do conflito, 6a trama propriamente dita. As ve- 4% pode ser muito intrincada, como nas histérias policiais. ee 58 Luiz Carlos Maciel © poder do climax 59 Para ajudar o roteirista, Field deu uma atengio particular & parte de Complicacio, tentando resolver seus problemas mais cruciais através da técnica de estabelecer os principais picos da histéria, suas principais peripécias e reconhecimentos— para usar ‘05 termos de Aristoteles —, suas crises, suas “viradas’, seus nés ddraméticos mais decisivos, aos quais chamou de plot points —, ou sejt, literalmente, pontos da trama. No seu primeiro livro, Manual do roteiro, Field determinou a necessidade de plot points decisivos, essenciais & progressio ade- quada da trama, O primeiro — chamado Plot Point 1, ou PP 1—, no final do primeiro ato, Ble corresponde, na estrutura mitica de Christopher Vogler (em A jornada do escritor), & entrada do protagonista no Primeito Limiar de sua jornada, sua entrada no Mundo Especial de sua aventura, 0 segundo — chamado Plot Point 2, ou PP 2 —, no final do segundo ato, como uma virada decisiva para empurrar a agao até ‘climax, ou resolution scene. No seu segundo livro, Exercicios do roteirsta, Field introduz novos plot points, sempre com o objetivo de ajudar o roteirista a mover a a¢io, durante a complicagao, através das viradas mais importantes e, assim, assegurar a progresséo da trama. (O mais importante desses novos pontos € 0 Midpoint, coloca- do bem no meio da hist6ria e relacionado ao que Christopher ‘Vogler chama de Provacdo Suprema, na sua vistio mitica de estru- {ura dramitica. £ 0 momento asfixiante em que a agao do heréi parece ter sido perdida, e ele morre ou parece morrer. 60 Luiz Carlos Maciel Mas Field ainda estabeleceu o Pitch O/ i el Ine (ou Pinca 1), entre o PP Leo Midpoint, o Pinch Two (ou Pit id ip: ich Two (ou Pinga 2), entre o Midpoint e Os trés atos ¢ 0s seus cinco it Plot points constituem i chama de o seu paradigma, i aicend Podemos, por nossa vez, fazer uma sintese abrangendo tanto a estrutura dramética tradicional quanto o paradigma de Field. Aeestrutura bésica tem trés partes: Exposicdo, Complicagio e Batata E cinco momentos decisivos: Ataque, PP 1, Midpoint 2e Climax. A eles podemos ac: das“ : rescentar as duas “pingas” — Pinch Onee Pinch Two. eta ‘Uma tarefa elementar do roteirista é aj irista é ajustar sua tr: estrutura fundamental. To Suspense e surpresa No livro de entrevistas para Francois Truffaut, Alfred Hitchcock explicaa diferenga entre as técnicas de surpresa e de suspense atra- vésdeum exemplo. Se uma bomba écolocada na sala onde vai ser realizada uma reunio e se nés, espectadores, nfo sabemos disso, aexemplo dos personagens como els, somos surpreendidos pela ao entdo a narrativa usou a técnica da surpresa. cect 2g anaes oo ae sre levamos aquee susto pen Sunes que a bomba foi colocada I sa- explodit, entdo foi usada a técnica do suspense, Sa- bemos que a bomba vai explodir mas nao sabemos quando nem (© poder do climax 6 seas vitimas vao descobri-la antes da explosio. Ficamos tensos ¢ ngustiadamente atentos a0 desenrolar dos acontecimentos. ‘A urpresa depende da ignorancia do espectador e, para cle, as “Informacoes sZo sonegadas, as elipses ocultam o que esté aconte- tendo, Ao contririo, o suspense depende de um espectador bem {nformado. ‘A surpresa nfo gera tensio, ela se esgota em seu momento {ugaz. O suspense, entretanto, geratensto, esse elemento funda~ mental do interesse dramatico. Dizo proprio Hitchcock: pois esté relacionada & mis- Nunca usei a técnica do whodunit, 2. possivel construir uma tificagao que dilui e desfoca o suspens: jportivel numa pesa ou num filme no qual o expectador sabe o tempo todo quem é 0 assassino, desde 0 co- ‘eco eles querem avisar os outros personagens da trama, “Cui dado com Fulanol Ele é0 assassino!” Ai vocé tem tensdo e um Aesejo iresistivel de saber o que vai acontecer em ver de acom= panhar um grupo de personagens num problema de xadrez em {que as pegas sdo gente, Por casa ranto,sou fevordvel a informar ‘0s espectadares sobre todos os fatos tio cedo quanto for pos- tensao quase insu sivel. Sempre se afirma que as técnicas de surpresa e suspense nfo seexcluem necessariamente e podem ser utilizadas juntas. Seymour Chatman mostra, em detalhe, no seu livro Story and Discourse, que atrama de Great Expectations, de Charles Dickens, € uma tela com- plexa de suspense ¢ surpresa. Eo préprio Hitchcock usa, em seus filmes, muitos efeitos de surpresa. Mas sua preferéncia é, eviden- temente, o suspense — que €0 responsavel pela tensio e interesse de suas tramas. Luiz Carlos Maciel ‘Uma das maneiras mais eficientes de manter o interesse do espectador € deixé-lo aflito no transcorrer da hist6ria. Quando 0 espectador relaxa demais, perde o interesse e corre o risco de dor- mir no meio do filme. A surpresa pode acordé lo com um bout susto. Mas 0 suspense € mais eficiente, Pois ndo permite que ele durma, C.G, Jung e Joseph Campbell — mitos e arquétipos Quando, no inicio da década de 1930, Carl Gustav Jung apresen- tou ao mundo sua idéia de um incansciente coletivo, cra impro- vivel que alguém pudesse ter percebido sua utilidade para o jé florescente cinema de Hollywood. Mas 0 desenrolar dos aconteci- mentos, a chamada historia, haveria de torné-la evidente. Era ine- vitével. O inconsciente de Jung, como diz 0 nome, é coletivo, ou seja, estd naturalmente presente nas platéias de todo o mundo, Inclui absolutamente todos os espectadores que passam nas bilhe- terias e pagam entrada, Contemos a histéria do comeco. Jung sustenta que, por bui- x0 do inconsciente pessoal, descoberto por Freud em cada indi- viduo, hd uma parte mais fundamental da psique humana que é comum a todos os homens, em todos os tempos e lugares, uma espécie de heranga psicolégica comum a toda humanidade. Em 1934, ele escreve que “o inconsciente contém nao apenas com- Ponentes pessoais mas também impessoais, em forma de cate- gorias, ou arquétipos”. Esses arquétipos se expressam através de simbolos que se manifestam nos sonhos de todos nés ¢ nos ini. tos de todas as tradicoes culturais, Esses mitos, explica Jung, revelam a propria natureza da alma, sto metéforas de nossa realidade interna mais profunda e essen. O poder do dimax cs ial. De todos eles, o mais comum, 0 mais conhecido, é 0 mito a Nierdi. Ele surge nas mais distantes ¢ diferentes culturas —e todas suas versbes,embora diferentes nos detalhes,sio estruturalmen- temuitv semelhantes. Obedecem a uma forma, um padrao, univer- fnis. Na Grécia clissica, em tribos africanas ou de peles-vermelhas nericanos, 20s pafses n6rdicos da Europa ou no Peru dos incas, (0 her6is miticos percorrem uma trajet6ria parecida. , Essa descoberta impressionou o norte-americano Josep! Campbell e, através dele, Jung chegaria mais perto de so ‘wood. Ainda muito jovem, em fins da década de 1920, Campbel havia entrado em contato com a obra de Jung ¢ passou a acom- panhar sua trajetéria intelectual, Ele haveria de se tornar céle~ bre por ter dedicado toda a vida ao estudo das mitologias. Jung certamente 0 inspirou a assumir uma Postura oposta adoes- {udo académico convencional. A visto académica se detém nas diferencas entre as mitologias e estuda os mitos em fungi des- sas diferen¢as; Campbell, ao contrario, escolheu evidenciar as semelhangas, 0s denominadores comuns, que revelam uma es- pantosa unidade entre todos eles. Em 1949, ele publicou um livro intitulado © herdi de mil faces, cujas conseqiiéncias toram nsiderdveis. . Nele, Campbell mostra que cada heri adquire a face de sua cultura especifica, mas sua jornada é sempre: amesma. Eomesmo heréi que, segtndo Campbell, vive, no muitos, mas sempre © ‘mesmo mito, um monomito—termo que ele declara ter tirado do Finnegans Wake, de James Joyce, sobre o qual publicara seu pri- meiro livro, A Skeleton Key 10 Finnegans Wake. Evidentemente, embora inspirada em Joyce, a idéia fundamental de o heréi de mil faces, monomito, tem tudo a ver com o inconsciente coletivo de Jung. 64 Luiz Carlos Maciel © monomito no cinema Em 1983, Campbell éconvidado para assistir estréia de Star Wars, de George Lucas. O roteiro do primeiro filme da saga — como, de resto, dos outros quatro jd produzidos e, por certo, também dos ue vierem a ser feitos (segundo Lucas, s6 falta um!) —¢ inteira- mente construido segundo o monomito de Campbell. ‘Mesmo antes do primeiro filme, Lucas lera O her6i de mil fa cesese tornara seu ft incondicional. As diferentes etapas da orna- da do herbi, segundo o livro, ao fielmente obedecidas nesse e om todos os filmes da saga. Milhes de pessoas, em todo o mundo, a sconipauharam com devogio; as bilheterias foram algumas das Iaiores da historia do cinema. A grande revelagio do primeiro ‘Star Wars foi de que o monomito funciona. O inconsciente coleti- ‘Yo é, em suma, bom para os negécios, A revelasao teve muitas conseqUéncias. Outros cineastas — como John Boorman, Steven Spielberg, George Miller e Francis Coppola — também comesaram a ser influenciados por Campbell Na verdade, Jung e Campbell chegaram a Hollywood em boa compauhia, Artstoteles, Schopenhauer, Nietzsche e Hegel também haviam ajudado 0 cinema a fazer dinheiro, Aristtele foi o primeiro 4 explicitar a estrutura dramitica; Schopenhauer e Nietzsche ilumi- narama verdadeirafonte da agdo dramética—a vontade;e fnalmente Hegel, inspirado no velho Heréclito, apontaria no conflito o motor darealidade. O cinema de Hollywood jé havia se aproveitado dessas ‘onquistas do pensamento ocidental, comprovando sua eficiéncia no Processo de comunicasao ¢, portanto, de conquista do piiblico. Flas ‘iv o fundamento das técnicas de ‘Screenwriting — uma das inven- ‘9Bes mais famosas do famoso know-how americano, O screenwriting tradicional jéfaturava bem. Mas agora havia mais! O poder do climax 65 ‘MuNDo comm AQLE JP CHAMADO A AVENTUCA RECUSA AO CHAMADO ENCONTRO. COMO MeNTOR PPI) TRAVESS!A DO PRIMEIRO UMAR TESTES, AUADOS,INMIGOS APROXIMAGAO DA CAVERNA OCULTA PROVAGAO SUPREMA RECOVPENSA CAMINHO DA VOUTA, Cuban RESSIRREICEO VoUA CoM o EL 66 Luiz Carlos Maciel A estrutura mitica segundo Chistopher Vogler No infcio da década de 1990, um jovem analista de histérias dos estd- dios Walt Disney. de nome Christopher Voglen eaereveu tim meniy~ rando interno de sete paginas, intitulado Guia prético para o herbide ‘il faces,e0 distribuiu paras roteristas de seu local de trabalho, como uma contribuigao para uma maior eficiéncia dos roteiros. __ Osucesso foi desconcertante; em pouco tempo, a repercussio atingia os roteiristas de cinema de toda a cidade de Los Angeles, que, como se sabe, nfo sto poucos. O livro de Campbell e aadap- taco que Vogler fazia dele, tornando-o util para a elaboracao de Toteiros cinematograficos, viraram moda em LA. Em pouco teut= Po, 0 memorando de Vogler se tornaria um livro, intitulado A jor- nada do escritor, que seria admirado como uma biblia do roteiro or roteiristas americanos novos ¢ antigos. O que fez Vogler? Muito simples. Ele ajustou 0 monomito de Campbell estrutura dramitica tradicional conforme é utilizada pelo screenwriting norte-americano, George Lucas jéo havia feito na prética, mas, agora, ele formulava uma teoria e oferecia um método ao alcance de tndas A story-line do monomito € simples. © herbi sai de seu am- biente familiar e seguro para se aventurar num mundo estranho e hostil — feito, por exemplo, de labirintos, cidades estranhas, ou- tras dimensOes, o que for...—, onde enfrenta um conffito de vida ‘ou morte com um antagonista poderoso; acerta altura, parece que cle nao poderd escapar a destruigao, mas 0 her6i acaba por triun- far. As etapas dessa jornada, que pode ser literal, como em Star Wars, ou também metaférica, si0 subordinadas por Voglet & es trutura tradicional de comego, meio e fim, em trés atos, sinteti- zando assim Jung ¢ Aristételes, Campbell e Hegel, numa nova técnica de screenwriting. ‘© poder do climax o7 Vogler comesou a divulgar seu novo método nos estiidios Disney, na época de A pequena sereia e A bela e a fera. Dai em diante, os elementos miticos codificados por Campbell sao utili- zados cada vez mais sistematicamente, acabando por se tornar determinantes, nao s6 nos desenhos de Disney, como num ni mero cada vez maior de filmes feitos em Hollywood, principal- mente filmes “de a¢ao” — que, em princfpio, parecem mais receptivos & estrutura mitica —, mas também de outros géne- 10s, pois Vogler sustenta que o monomito serve a todo tipo de filmes, inclusive comédias romanticas. Foi assim, portanto, que C.G. Jung chegou a Hollywood. O inconsciente coletivo e os arquétipos serviram, a principio, ape- nas 40s psicanalistas de orientagdo junguiana; depois, passaram a ser utilizados por escritores, pintores e outros artistas criadoress foram entio apropriados por roteiristas que queriam fazer um trabalho mais eficiente; agora, finalmente, servem também aos ‘executivos de poderosas empresas cinematogréficas que avaliam as perspectivas de um determinado roteiro no mercado, Também aqui o critério conclusivo ¢ o da eficiéncia. £ interessante notar que esse novo impulso nos negécios € dado sob a égide de um arquétipo tipico de nosso tempo — o mito da eficiéncia. Jé que a comunicacdo do monomito ¢ infali- vel e que as maiores bilheterias so colhidas por filmes que deliberadamente lidam com o inconsciente coletivo e os arqué- tipos, pode-se dizer que a indiistria de entretenimento mais de- senvolvida dos dias de hoje tem a sua disposisao ferramentas itelectuais muito paderasas. Certos criticos que falam com desdém do cinema comercial de Hollywood deviam era dobrar a lingua... ° Luiz Cartos Maciel ‘O poder do climax A estrutura, na prética ila? Em que o que acontece empurra a hist6ria, mantém a pro- 2 a serve ainda para voce precisar as canes causais ‘tre cada cena, a que a precede ea que. segue. Saiba como acena ‘omesa e como termina. Como € a passagem que conduz ao seu eaquelleva & cena seguinte, Bie as resolver agora todos os problemas que podem ser esolvidos na escaleta. Nao os empurre com a barriga paraa oa seguinte, o desenvolvimento da cena. Essa nova etapa ara fous propros problemas espesfcos nfo valea pena acumula. Esse é um principio geral. Em cada etapa do desenvolvimento do roteiro, é vantajoso resolver todos os problemas que podem. eS Tesolvidos nessa etapa, Nao deie problemas que podem ser resol- Vidos no argumento, ou sinopse, para a escaleta; nao deixe ps blemas que podem ser resolvidos na escaleta para ana ia redagdo do rotezo completo. O tempo eo trabalho que voce gasta tm cada etapa so economizados na ctapaseguinte, Se voce fizer assim, o trabalho melhora sempre, fica mais rico acada etapa. Home do Importa, mas sim a funcio desses momentos decisivos, da progressio da trama), Antes de mais nada, dstribua esses pontos a0 Tongo da estru- tura, podendo inclu, além dos PP 1 e PP 2 de Syd Field, seu Midpoint, bem no meio do toteiro, eo Pinch 1 € Pinch 2, entre 0 PP 2€0 Midpoint, centre este eo PP2.Estes pontos Sto titeis para ‘tabalharo desenvolvimento da trama nasue arte nuclear, queé © Segundo Ato. Av fazer a escaleta, voce s6 tem de determinar quais as cenas necessérias para conduzira rama (eo espectador) de umm Plot point Pir osepuinte.E mais fcil determinar como is, por exemplo, do ataaue 20 PP 1 do que do ataque a0 climax. O métods de Field reduz o tamanho dos pedagos de estrutura Que vocé precisa tra- balhar para compor 0 roteito, Fica mais fécil? Claro! E mais fécil compor a estrutura de um, soa metragem do que ade um longa, por exemplo, Todo mun do acl que sim, e por isso os principiantes jcomecam a fazer cur- {as—¢freqilentemente fcam fazendo curtaso recto ‘da vida, Por a's entao,ndo fazer logo um longa, jé que vocé pode divi isloem cal dacena, seé interior ouexterion, se édia ou noite. Em seguida, Yoc® anota 0 contetido, o sentido daquela cena, O que acontece 4, O personagem O que veio primeito, o ovo ow a galinha? A hist6ria plasma o personagem ou 0 personagem gera ahis- tria? Em termos préticos, tanto faz. Alguns partem da historia, ou Sei, &sucessdo dos eventos; outros, dos personagens, E natural, Dé certo dos dois jeitos, Alguns slo seduzidos pelastramas, gostam da teia dos acon- tecimentos. como ela se teces para cles, v plor é 0 fundamento, Divertem-se, por exemplo, entre os amigos, contando os fatores, tranhos ocorridos durante suas tiltimas férias, Outros sto atrafdos por personagens, pela complexidade das Personalidades, o emaranhado das psicologias, a variedade dos Projeto: para eles, o personagem é 0 fundamento. Divertem.se, Por exemplo, com os amigos, descrevendo a inslita personalidade de uma tia, Naturalmente, como diz Syd Ficld, Personagem ¢ aco e, por- {anto, rama histéia. Nd existe personagem sem historia. posto ‘ine reciprocamente, nao existem hist6rias sem os personagens,6 claro que hé uma unidade intrinseca,indissoldvel, entre eles eco interdependentes; esses dois sfo um s6, 2 Luiz Carlos Maciel Aestética de Aristételes e a composigdo de Ibsen Arist6teles diz, na Poética, que a trama é a alma da tragédia e que ‘os personagens sao secundatrios em relagio a ela. Ou seja: a hist6- ria € 0 fundamento, os personagens se ajustam a ela. Pode-se compreender. As histérias das tragédias faziam parte da heranga mitica da cultura grega clissica. Os trdgicos gregos es- creviam suas pecas compondo personagens que atendessem as necessidades da evolugao dos eventos. Edipo deve ser destemidoe brigao, para encerrar a discussdo com Laio — que ele nao sabe ser 0 reie pai dele— matando-o; deve ser inteligente para deci- frar o enigma da Esfinge; deve ser apaixonado pela verdade e pela justiga, para perseguir sua investigacio até o amargo fim, mesmo depois que os indfcios comesam a apontar para ele proprio como culpado. O perfil do personagem deve atender as exigéncias da historia, que é, assim, o elemento originante da peca. Quase todos os manuais americanos de playwriting e screen- writing também dio prioridade pratica & trama em relagao 20 personagem; sto “aristotélicos”. Baseiam-se invariavelmente na estrutura dramatica tradicional, ou em suas variagbes e deta- Ihamentos. A acio é a espinha dorsal do drama—ea composicéo dos personagens deve se subordinar a ela. Depois que vocé esta- belece a sucessio dos acontecimentos, deve conceber personagens

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