Os debates em torno das questões ambientais se expandem por vários campos, promovendo diferentes modos de se relacionar com o tema e suas problemáticas. A multiplicidade de significações consequentes desses encontros deve ser considerada nos processos de disputa simbólica em que são formuladas, dentre eles, a ambientalização curricular da educação superior. Assim, o objetivo central desse artigo, sustentado por pesquisa teórica, é analisar como a inserção da dimensão ambiental está sendo estruturada na educação física no ensino superior brasileiro. Para tanto, o artigo foi dividido em quatro partes, apresentando: a) elementos da ambientalização curricular no ensino superior; b) algumas particularidades da educação física enquanto área de conhecimento; c) o papel das atividades na natureza na ambientalização curricular da educação física; d) as considerações finais, buscando compreender os caminhos da ambientalização curricular da educação física no ensino superior brasileiro.
Original Title
A ambientalização dos currículos de educação física no ensino superior (Motriz, 2012)
Os debates em torno das questões ambientais se expandem por vários campos, promovendo diferentes modos de se relacionar com o tema e suas problemáticas. A multiplicidade de significações consequentes desses encontros deve ser considerada nos processos de disputa simbólica em que são formuladas, dentre eles, a ambientalização curricular da educação superior. Assim, o objetivo central desse artigo, sustentado por pesquisa teórica, é analisar como a inserção da dimensão ambiental está sendo estruturada na educação física no ensino superior brasileiro. Para tanto, o artigo foi dividido em quatro partes, apresentando: a) elementos da ambientalização curricular no ensino superior; b) algumas particularidades da educação física enquanto área de conhecimento; c) o papel das atividades na natureza na ambientalização curricular da educação física; d) as considerações finais, buscando compreender os caminhos da ambientalização curricular da educação física no ensino superior brasileiro.
Os debates em torno das questões ambientais se expandem por vários campos, promovendo diferentes modos de se relacionar com o tema e suas problemáticas. A multiplicidade de significações consequentes desses encontros deve ser considerada nos processos de disputa simbólica em que são formuladas, dentre eles, a ambientalização curricular da educação superior. Assim, o objetivo central desse artigo, sustentado por pesquisa teórica, é analisar como a inserção da dimensão ambiental está sendo estruturada na educação física no ensino superior brasileiro. Para tanto, o artigo foi dividido em quatro partes, apresentando: a) elementos da ambientalização curricular no ensino superior; b) algumas particularidades da educação física enquanto área de conhecimento; c) o papel das atividades na natureza na ambientalização curricular da educação física; d) as considerações finais, buscando compreender os caminhos da ambientalização curricular da educação física no ensino superior brasileiro.
problemas ambientais e suas causas necessariamente envolve transformaes no sistema de conhecimentos, de valores e de comportamentos que conformam a atual racionalidade social que os gera. O caminho para isso passa pela conscincia social sobre os problemas ambientais levando criao de novos conhecimentos, tcnicas e orientaes na formao profissional, o que pode ser considerado como um dos principais desafios da educao superior na ltima dcada do sculo vinte (LEFF, 1997). Talvez o principal exemplo dessa manifestao nesse perodo tenha sido a Eco-92, evento que focou a problemtica da sustentabilidade ambiental sob vrios ngulos, inclusive abordando questes educativas no Captulo 36 da Agenda 21 (CNUMAD, 2001). Nesse mesmo sentido, o Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e Responsabilidade Global, produzido no mbito do Frum Global (que ocorria paralelamente expressando vises alternativas da sociedade civil em relao aos resultados dos eventos governamentais ocorridos em 1992), proclama no item 19 de seu Plano de Ao que as instituies de ensino superior deveriam apoiar o ensino, pesquisa e extenso em educao ambiental, inclusive pela criao de estruturas institucionais interdisciplinares que desenvolvessem questes referentes ao meio ambiente. Apenas alguns anos depois a universidade assume ainda mais a co-responsabilidade no processo de busca por um desenvolvimento sustentvel atravs da Declarao de Princpios da Conferncia Mundial sobre a Educao Superior (Paris, 1998). A declarao afirma em seu primeiro artigo que a educao, formao e realizao de pesquisas na educao superior devem contribuir para o desenvolvimento Motriz, Rio Claro, v.18 n.3, p.557-570, jul./set. 2012 Artigo Original A ambientalizao dos currculos de Educao Fsica no ensino superior Cae Rodrigues Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal de So Carlos, SP, Brasil Resumo: Os debates em torno das questes ambientais se expandem por vrios campos, promovendo diferentes modos de se relacionar com o tema e suas problemticas. A multiplicidade de significaes consequentes desses encontros deve ser considerada nos processos de disputa simblica em que so formuladas, dentre eles, a ambientalizao curricular da educao superior. Assim, o objetivo central desse artigo, sustentado por pesquisa terica, analisar como a insero da dimenso ambiental est sendo estruturada na educao fsica no ensino superior brasileiro. Para tanto, o artigo foi dividido em quatro partes, apresentando: a) elementos da ambientalizao curricular no ensino superior; b) algumas particularidades da educao fsica enquanto rea de conhecimento; c) o papel das atividades na natureza na ambientalizao curricular da educao fsica; d) as consideraes finais, buscando compreender os caminhos da ambientalizao curricular da educao fsica no ensino superior brasileiro. Palavras-chave: Educao ambiental. Currculo. Meio ambiente. Educao superior. The environmentalization of physical education curricula in higher education Abstract: Discussions surrounding environmental issues span multiple fields, promoting different ways to relate to the theme. The multiplicity of meanings resulting from these encounters should be analyzed regarding the processes of symbolic dispute in which they are formulated, among them, the environmentalization of curricula in higher education. This article, sustained by theoretical research, aims to analyze how the insertion of the environmental dimension is being structured in physical education in Brazilian higher education settings. To this end, the article was divided into four parts, showing: a) elements of curricular environmentalization in higher education; b) some particularities of physical education as area of knowledge construction; c) the role of nature (outdoor) activities in the environmentalization of physical education curricula; d) the final considerations, seeking to understand the processes of environmentalization of physical education curricula in Brazilian higher education. Keywords: Environmental education. Curriculum. Environment. Higher education. doi: Ambientalizao na Educao Fsica
Motriz, Rio Claro, v.18, n.3, p.557-570, jul./set. 2012 558 sustentvel e a melhoria do conjunto da sociedade (GMEZ, 2007). Essas aes refletem no plano das polticas educacionais brasileiras ainda na dcada de 1990, especialmente pelo lanamento dos PCN (Parmetros Curriculares Nacionais) para o ensino bsico pelo MEC (Ministrio da Educao e da Cincia) em 1998, sendo o meio ambiente um dos Temas Transversais sugeridos na proposta, e pela aprovao da PNEA (Poltica Nacional de Educao Ambiental) pelo Congresso Nacional em 1999 (regulamentada trs anos depois). Essas novidades no plano das polticas educacionais contribuem diretamente para o processo de ambientalizao da educao brasileira. Segundo Carvalho (2010), ambientalizao seria o processo de internalizao da questo ambiental nas esferas sociais e na formao moral de indivduos, processo que pode ser identificado na prpria emergncia de questes e prticas ambientais ou como um fenmeno novo na reconfigurao de prticas e lutas tradicionais que incorporam aspectos ambientais. Nesse sentido, a ideia de ambientalizao curricular pode ser compreendida como a emergncia de questes e prticas ambientais no mbito curricular ou como a reconfigurao de prticas curriculares tradicionais que incorporam aspectos ambientais nos diferentes nveis de ensino. Considerando especificamente o ensino superior, a ideia de ambientalizao curricular associa-se ao contexto da formao com respectivos arranjos ambientais, enquanto a ideia de educao ambiental na formao inicial estaria associada abordagem da educao ambiental na formao inicial universitria. Desta maneira, entre as principais contribuies da PNEA para o processo de ambientalizao do ensino superior (compreendendo tanto a ambientalizao curricular como a educao ambiental na formao inicial) destaca-se a considerao da educao ambiental como componente essencial e permanente da educao nacional em todos os nveis e modalidades do processo educativo (art. 2), sendo prioritria a incorporao da dimenso ambiental na formao, especializao e atualizao de professores e outros profissionais das reas do conhecimento. Essa ideia reforada no dcimo primeiro (11) artigo pela nfase na incorporao da dimenso ambiental pelos currculos de cursos de formao inicial de professores em todos os nveis e em todas as disciplinas, sendo que para professores em atividade deve haver formao complementar em suas reas de atuao (BRASIL, 1999). Esses enunciados mostram que os debates contemporneos em torno das questes ambientais se expandem, cada vez mais, por vrios campos e subcampos sociais, no se atendo aos movimentos ambientalistas, determinadas esferas da sociedade ou de setores governamentais ou no-governamentais, pblicos ou privados, promovendo diferentes modos de se relacionar com o tema e suas problemticas. Essa multiplicidade de significaes e definies deve ser considerada no processo de ambientalizao curricular da educao superior, assim como os processos de disputa simblica em que essas significaes e definies so formuladas (FARIAS, 2008). Nessa perspectiva, demarcando o lugar do debate socioambiental nos diferentes campos da cincia e nos territrios epistmicos e metodolgicos dos currculos da educao superior, podemos conferir os diferentes significados inerentes ao debate socioambiental segundo o lugar e a posio que essa questo assume nos campos cientfico- acadmicos e curriculares especficos. Nesse sentido, o objetivo central desse artigo, sustentado por pesquisa terica, analisar como a insero da dimenso ambiental est sendo estruturada na educao fsica no cenrio brasileiro, com especial ateno insero da temtica nos currculos do ensino superior. Para tanto, o artigo foi dividido em quatro partes: a primeira traz elementos da ambientalizao curricular e da educao ambiental no ensino superior, desenvolvidos, especialmente, a partir da ideia de que a composio do assunto socioambiental no contexto curricular e da educao ambiental na formao inicial associa- se aos objetivos educacionais e profissionais de cada campo cientfico-acadmico especfico; apoiando-se na discusso desenvolvida na primeira parte do texto, as duas prximas partes buscam desvelar os mecanismos de insero da dimenso ambiental na educao fsica, trazendo, respectivamente, discusses sobre algumas particularidades da rea e o papel das atividades na natureza nesse processo; na ltima parte do artigo sero apresentadas as C. Rodrigues
Motriz, Rio Claro, v.18, n.3, p.557-570, jul./set. 2012 559 consideraes finais, buscando, pelo agrupamento dos elementos discutidos no texto, melhor compreender os caminhos da ambientalizao da educao fsica no ensino superior brasileiro. Educao ambiental na formao inicial Com a difuso da dimenso ambiental em diferentes movimentos sociais, a formulao de novas polticas pblicas que contemplam a dimenso ambiental e propostas de incorporao do estudo do ambiente associado cincia, tecnologia e sociedade no mbito escolar, h um reconhecimento da comunidade ligada aos setores educacionais de que a educao ambiental necessria para se alcanar o ideal de sociedades sustentveis. Nesse sentido, tem sido considerada prioritria a formao de professores aptos a atuarem como agentes de mudana (TILBURY, 1992). Nas palavras de Oliveira et al.(2008, p.95), As IES [Intituies de Ensino Superior] representam importantes espaos sociais para reflexo, formao e difuso de novas concepes de desenvolvimento e sustentabilidade, participando numa perspectiva mais ampla do estabelecimento de sociedades mais justas, solidrias e ambientalmente saudveis. Alm disso, ao ter como foco a educao profissional e a formao de educadores e professores, esse setor tem um papel fundamental na sustentao do processo de incorporao da EA nos demais nveis de ensino, por meio da formao inicial, continuada e dos programas de extenso e ps-graduao (...). Nesse sentido, a EA nos currculos e prticas universitrias possui um sentido estratgico na ambientalizao do ensino e da sociedade (grifo das autoras). No entanto, apesar das determinaes legais e das demandas sociais pela insero da educao ambiental nos cursos de formao inicial, estudos apontam que isso no vem ocorrendo de forma categrica nas instituies de ensino superior brasileiras. Inclusive, essa deficincia bem evidenciada no Mapeamento da Educao Ambiental em Instituies Brasileiras de Educao Superior (RGO GESTOR DA POLTICA NACIONAL DE EDUCAO AMBIENTAL, 2007). Alm das dificuldades associadas ao complexo processo de emergncia de uma base epistemolgica e mesmo de identificao enquanto rea de construo de conhecimento em um espao que se prope transversal e interdisciplinar h de se levar em considerao que, apesar do debate sobre a institucionalizao da dimenso ambiental na educao superior ter comeado j h algum tempo, as prticas de ambientalizao curricular e a insero da educao ambiental na formao inicial constituem um processo bem recente, e que se desenvolve de maneira bem diferente nos diversos campos disciplinares (BURSZTYN, 2004). H um conjunto relevante de pesquisas que enfocam a ambientalizao dos currculos e a insero da educao ambiental na formao inicial, especialmente no que se refere ao desenvolvimento de contedos que tm proximidades com temticas ambientais em diferentes cursos de formao superior 1 . O que essas pesquisas mostram, de maneira geral, que, apesar do aparente consenso sobre a importncia de se preservar o carter transversal da educao ambiental nos processos de ambientalizao curricular, a almejada transversalidade ainda est distante dos cursos de formao de professores do ensino superior. Ao analisarmos os resultados dessas pesquisas fica evidente que h uma questo primordial para pensarmos no processo de ambientalizao curricular como um todo: afinal, qual o lugar da educao ambiental nos currculos do ensino superior? Segundo Rosalem e Barolli (2010), a considerao de que a constituio do campo ambiental como rea de conhecimento relativamente recente pode estar associada aparente falta de identidade epistemolgica legtima na qual a educao ambiental possa se situar. Ainda segundo as autoras, a imaturidade do campo tambm um dos motivos pela complexidade dos conceitos e pela diversidade de compreenses associadas dimenso ambiental, o que na verdade acaba dificultando uma atuao para alm de uma viso meramente ecologizante e de prticas sociais pontuadas. Alguns conceitos, como a abordagem sistmica, o pensamento complexo, a viso holstica, os termos multiplicidade/transversalidade, buscam se articular com os princpios e pressupostos da
1 Essa realidade constatada, por exemplo, nas pesquisas de Rosalem e Barolli (2006; 2010); Ferraro Jnior (2004); Verdi e Pereira (2006); Bonton et al.(2008); Oliveira e Freitas (2003); Viveiro e Campos (2007); Zuin et al.(2009); Pavesi (2007). Ambientalizao na Educao Fsica
Motriz, Rio Claro, v.18, n.3, p.557-570, jul./set. 2012 560 EA, constituindo-se, assim, em possveis fundamentaes tericas do campo. De fato, todos esses contribuem de forma significativa na tentativa de constituir um sentido epistemolgico que identifique sua atividade cientfica e sua contribuio no processo educativo (ROSALEM; BAROLLI, 2010, p.35). Apesar da riqueza que essa diversidade de concepes, disciplinas, matrizes filosficas, atores e prticas sociais possam trazer para a constituio do campo ambiental, aparentemente a prpria multidisciplinaridade associada emergncia do campo e a falta de uma lgica conceitual estrutural caracterstica das reas mais tradicionais do conhecimento, como Biologia, Geografia e Filosofia, criam dificuldades para a constituio de uma tradio crtica- filosfica que possa se fundamentar como base epistemolgica (AUGUSTO et al., 2006). Desse modo, a ideia de transversalidade, que sugere que a educao ambiental deveria perpassar todas as disciplinas escolares, acaba se tornando em uma espcie de no-lugar no qual a educao ambiental deveria ocupar. Em outras palavras, a complexidade de um processo transversal de construo de conhecimento associado falta de uma base epistemolgica consolidada e de uma estrutura organizacional adequada (muito em detrimento da falta de polticas pblicas especificamente voltadas a esse fim) pode transformar um processo que deveria perpassar todas as disciplinas escolares em um processo que no ocorre em lugar nenhum. No geral, em um primeiro momento o ambiental emerge como foco de interesse, pesquisa e ensino, consequente de acontecimentos de destaque social, como avaliaes alarmistas, acidentes industriais, catstrofes ambientais, mobilizaes globais e emergncia ou legitimao de um novo conjunto de movimentos sociais (FARIAS, 2008). Por meio dos saberes e poderes que produzem em seu interior, os sistemas de educao constituem maneiras polticas de manter ou de modificar a apropriao dos discursos (FOUCALT, 2006). Estabelecendo vnculos com os campos de produo cultural relacionados aos currculos de diferentes reas disciplinares e cientficas, os conhecimentos, valores e sensibilidades ambientais so produzidos e modelados pelas diferentes histrias, concepes, mtodos e formas de organizao de cada rea especfica, o que significa que a problemtica socioambiental gera condies de investigao para cada uma das disciplinas e paradigmas que fazem parte do processo de elaborao de conhecimentos sobre as transformaes socioambientais, e o discurso socioambiental apropriado pelos mecanismos discursivos das diferentes disciplinas, que permitem e impedem certas trocas no espao social (FARIAS, 2008). Desta maneira, (...) tem-se, por um lado, a problemtica socioambiental vista por um vis cultural fenmeno da cultura e, portanto, objeto de uma gama diversificada de discursos e significados - ; e, por outro, as prticas de produo dos currculos como potencialmente organizadoras do processo de ambientalizao universitria, j que so elas, efetivamente, caminhos por onde o debate ambiental trazido (traduzido), recontextualizado, reinterpretado nos mbitos de formao (FARIAS, 2008, p. 73). Dessa maneira, o saber ambiental se diferencia na medida em que se relaciona com o objeto e campo temtico de cada cincia, o que significa que no constitui um novo campo de conhecimento ou uma nova disciplina do ensino superior, mas um saber que compreende abordagens epistemolgicas e metodolgicas que permitam abordar suas problemticas diferenciadas ligadas a distintas formas de conhecimento (LEFF, 1997). Isso significa que, compreendido enquanto prtica discursiva, o saber ambiental situa-se no campo das cises, lutas e conflitos que ocorrem em diferentes espaos e prticas institucionais das distintas reas do conhecimento, consequentemente, sendo os modos de sua constituio nesses domnios constantemente questionados (LEFF, 1997). Nesse sentido, trata-se de um saber que apresenta interessantes desafios s investigaes interdisciplinares e integrao aos currculos dos diferentes cursos, considerando que a integrao do saber ambiental no ensino superior no se trata simplesmente da seleo de elementos culturais potencialmente ambientalizadores do currculo, mas de problematizaes que envolvem todo o desenvolvimento do conhecimento, buscando a criao de espaos interdisciplinares que legitimem o saber ambiental nas universidades. Segundo Farias (2008, p.45), Embora o propsito de integrar diferentes ramos do conhecimento cientfico e tcnico em torno de um objetivo comum seja anterior C. Rodrigues
Motriz, Rio Claro, v.18, n.3, p.557-570, jul./set. 2012 561 demanda de produo de um saber interdisciplinar concernente problemtica socioambiental, considera-se que essa ordem de questes apresenta uma diferena em relao ao passado, j que traz consigo elementos de ruptura com conjuntos de valores e princpios ligados racionalidade tcnica e econmica que hoje figuram como inevitveis ou incontornveis. Isso faz com que a problemtica socioambiental seja inserida em um campo de acirrado debate, onde se disputam diferentes sentidos e lugares para a edificao de uma racionalidade concorrente. Fora do mbito governamental, a produo das diretrizes curriculares oficiais mediada pelos campos de ensino das diversas reas das cincias, ou seja, a poltica convenciona tendncias pedaggicas variadas a partir da negociao entre os diversos campos, possibilitando formas distintas de apropriao do discurso pedaggico pelas escolas e professores (LOPES, 2004). Dessa maneira, a formao de professores integra um amplo e diversificado leque de campos do conhecimento, e cada disciplina caracterizada por uma cultura prpria. Devida s marcantes diferenas existentes entre os diversos cursos e reas do conhecimento no ensino superior, cada qual com seus objetivos especficos, suas concepes de currculo, discursos pedaggicos e campos de interesse e de ao, buscar generalizar uma perspectiva sobre os currculos da educao superior praticamente impossvel (MOREIRA, 2005). O professor desde que inicia sua formao constri identidades a partir de seus encontros com a cultura escolar e, mais especificamente, com a cultura prpria da disciplina, o que significa que (...) os caminhos da construo de um currculo so dependentes dos paradigmas disciplinares e das subculturas prprias de cada rea disciplinar, isto , de suas polticas e de sua histria (FARIAS, 2008, p.116). Nesse sentido, a configurao disciplinar dos currculos (prticas pedaggicas, didticas, disciplinas cientficas especficas), ainda que mantenha marcas de discursos anteriores, esto constantemente vulnerveis aos processos de mudanas curriculares, que ocorrem por meio de hibridismos produzidos nos processos de disputa pelos sentidos das inovaes curriculares no mbito das diferentes licenciaturas (ROSA, 2007). Assim, a composio do assunto socioambiental no contexto de produo das polticas curriculares brasileiras para o ensino superior est diretamente associada s questes particulares ligadas a definio dos objetivos educacionais e profissionais de cada campo cientfico-acadmico especfico. A insero desse assunto nos currculos da educao superior oferece elementos para a edificao de diferentes conjuntos de discursos e significados educacionais sobre a problemtica socioambiental, os quais tm de ser analisados no s a partir das condies contextuais que esto na base da sua formulao e disseminao, como tambm das referncias, estruturas e dinmicas que fazem funcionar cada campo em particular (FARIAS, 2008, p.125). Educao fsica e a dimenso ambiental Analisando as diretrizes curriculares de cursos de graduao em Educao Fsica (Diretrizes Curriculares da Educao Fsica - BRASIL, 2004), observa-se a organizao de sua rea de estudos e formao profissional por eixos temticos de conhecimento, delimitando o bacharelado e a licenciatura como duas reas acadmico-profissionais (BENITES et al., 2008). No papel a educao fsica seria caracterizada por dois cursos distintos: licenciatura responsvel pela formao de profissionais qualificados para atuar no mbito da educao fsica escolar, da educao infantil ao ensino mdio; e bacharelado responsvel pela formao de profissionais qualificados para atuar fora do ambiente escolar, ou seja, em clubes, academias, acampamentos, etc. No entanto, essa distino de reas acadmico-profissionais sempre foi alvo de controversos debates envolvendo a profissionalizao e a consolidao da rea de conhecimento da educao fsica (BENITES, 2008). Os autores que defendiam a criao de cursos de bacharelado acreditavam que esse empreendimento no s traria contribuies para a qualificao dos profissionais da rea, mas tambm ajudaria na construo de uma produo cientfica relevante, o que elevaria o nvel dos cursos e, consequentemente, proporcionaria seu reconhecimento nas comunidades acadmica e social. Por outro lado, mesmo reconhecendo a presso decorrente da ampliao do mercado de Ambientalizao na Educao Fsica
Motriz, Rio Claro, v.18, n.3, p.557-570, jul./set. 2012 562 trabalho e a prpria fragilidade dos cursos que formavam professores de educao fsica, os autores contrrios criao de cursos de bacharelado acreditavam que isso causaria uma fragmentao ainda maior na formao desses profissionais, promovendo uma diviso, principalmente entre os que produzem e os que transmitem conhecimentos. Nesse sentido, ao invs de contribuir para a elevao do nvel dos cursos, o bacharelado acarretaria o empobrecimento da rea, decorrente da formao especializada (BORGES, 2001). Da mesma forma como ocorria em diferentes cursos de licenciatura, na educao fsica tambm se tornava evidente a falta de um perfil especfico na proposta do processo de formao de seus profissionais. Segundo Benites et al. (2008, p.8), (...) a imagem que ficou consagrada pela crtica sobre o curso de Didtica, dentro do contexto da Educao Fsica, era a de que se colocava um verniz pedaggico sobre a formao do bacharel. Essa orientao dos currculos no processo de formao profissional na educao fsica no resultado de uma transformao repentina no perfil dos profissionais da rea, mas refletem os sentidos e significados que a rea assume socialmente (BORGES, 2001). Nesse sentido, destaca-se, por exemplo, a primazia dos cursos pela formao de professores-instrutores nos anos 30, evidenciando a forte influncia militar e esportivista associada aos primeiros passos da educao fsica no Brasil; ou ainda o desenvolvimento do paradigma da sade e da aptido fsica, evidenciado pelo crescimento e ampliao de espaos para atividades corporais e esportivas nas ltimas dcadas do sculo passado; ou mesmo o processo de desvalorizao dos professores da rea, se curvando expanso do mercado de trabalho, especialmente em clubes, academias e clnicas. Alis, essa expanso do mercado de trabalho certamente um dos principais responsveis pela crise nos cursos de formao quanto ao perfil do profissional de educao fsica (BORGES, 2001). Nesse sentido, embora haja certa sistematizao dos saberes e das competncias, o que aparece com mais relevncia a compreenso de que os saberes so plurais, e que a identidade profissional s ser constituda por meio de uma articulao dos diferentes contedos. Em outras palavras, no se trata de formar um pedagogo, aplicando uma camada de verniz da rea de conhecimento especfico, nem de formar um professor da rea de conhecimento especfico com algumas pinceladas pedaggicas (BENITES et al., 2008). Mas a questo central que, se a discusso sobre a formao de professores sempre complexa, independentemente da rea de conhecimento em pauta, essa discusso se torna ainda mais complicada quando pensamos em uma rea com um campo de atuao to abrangente como a educao fsica. Pois dentro dessa complexa discusso sobre a formao do professor de educao fsica e diante dessa abrangncia caracterstica da rea que a dimenso ambiental aparece, figurando-se, inclusive, entre os contedos e objetivos dos cursos de formao profissional. No Art. 7 das Diretrizes Curriculares da Educao Fsica (BRASIL, 2004), que afirma caber s instituies de ensino superior articular as unidades de conhecimento de formao especfica e ampliada na organizao curricular do curso de graduao em educao fsica, institui-se no 4 pargrafo que: As questes pertinentes s peculiaridades regionais, s identidades culturais, educao ambiental, ao trabalho, s necessidades das pessoas portadoras de deficincia e de grupos e comunidades especiais devero ser abordadas no trato dos conhecimentos da formao do graduado em Educao Fsica (grifo nosso). Essa orientao vai ao encontro de um consenso bastante evidente em recentes publicaes na rea de educao fsica: Os futuros professores de Educao Fsica, que atuam diretamente com movimento humano, em especial com as praticas corporais, utilizando-as como fonte de educao, no podem estar excludos, de forma alguma, dos estado atual e emergente que abarcam tambm a cultura do movimento e que tem como fundamentao precpua dimenso ambiental (TAVARES, 2003, p.4). No entanto, mesmo considerando a existncia de uma poltica nacional de educao ambiental (PNEA), incentivada pelos PCN e pelas diretrizes curriculares de diversas reas de formao profissional, a licenciatura em educao fsica, em geral, parece no abordar os conhecimentos e procedimentos terico-metodolgicos que C. Rodrigues
Motriz, Rio Claro, v.18, n.3, p.557-570, jul./set. 2012 563 possivelmente garantiriam a efetivao da educao ambiental nos currculos oficiais, refletindo, alis, o que acontece na maioria dos cursos de formao do ensino superior (SILVA et al., 2008; LEITE; CAETANO, 2004). Esse um fator de preocupao, uma vez que vai de encontro ao consenso destacado no pargrafo anterior, considerando ainda que futuros professores de educao fsica s sero capazes de produzir uma educao fsica ambientalizada em sua atuao se tiverem passado por uma educao fsica inserida num modelo ambientalizado (TAVARES; LEVY, 2001). Educao fsica, atividades na natureza e educao ambiental A orientao para a insero das questes pertinentes educao ambiental na formao do graduado de educao fsica presente nas Diretrizes Curriculares da Educao Fsica (BRASIL, 2004) se deve, pelo menos em parte, a um dos objetivos presentes nos PCN para a educao fsica no ensino fundamental: que os alunos sejam capazes de: perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus elementos e as interaes entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente (BRASIL, 1997, p.5). O tema abordado com maior nfase nos PCN para a educao fsica no terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental (BRASIL, 1998b), especificamente na sesso que aborda os Temas Transversais, entre eles, o Meio Ambiente. No documento, a discusso est diretamente associada prtica, mais especificamente s atividades corporais praticadas em ambientes abertos e prximos da natureza, seja por meio de esportes radicais (o surfe, o alpinismo, o bice- cross e o jet-ski so exemplos citados no documento), do lazer ecolgico (montanhismo, caminhadas, mergulho e explorao de cavernas so citados) ou pela utilizao de espaos da escola e reas prximas (tais como parques, praas e praias) para a realizao de prticas que viabilizem a discusso sobre a adequao de espaos para a prtica da cultura corporal (BRASIL, 1998b). O documento coloca em evidncia as atividades na natureza associando essas atividades a duas grandes reas da educao fsica: esporte e lazer. Dentro dessa mesma discusso, o documento evidencia alguns dos principais problemas de uma proposta que indica o desenvolvimento da educao ambiental por meio das atividades esportivas e recreativas na natureza, destacando, especialmente, elementos associados a processos de esportivizao dessas prticas e a difcil dissociao da indstria do lazer. Se por um lado possvel perceber nessas prticas uma busca de proximidade com o ambiente natural, tambm necessrio estar atento para as consequncias da poluio sonora, visual e ambiental que essas atividades podem causar. As caractersticas bsicas de algumas dessas modalidades, como o individualismo, a busca da emoo violenta (adrenalina), a necessidade de equipamentos sofisticados e caros, devem ser discutidas e compreendidas no contexto da indstria do lazer (BRASIL, 1998b, p.40). Alis, no por acaso que a discusso sobre as relaes entre as diversas atividades de lazer (entre elas as atividades na natureza) e a indstria do lazer (ou indstria do entretenimento) configura-se como um dos principais elementos de debate nos PCN da educao fsica, estando, inclusive, presente em todo o documento, visto que essa questo est no centro dos debates da rea j h algum tempo. A interiorizao da natureza pela sociedade torna-se um fenmeno cada vez mais evidente, o que significa que cada vez mais a natureza abandona um status de fenmeno dado para assumir um papel de fenmeno produzido pela prpria racionalidade humana. Aliado a essa crescente concepo de natureza e transformao tcnico-industrial da sociedade contempornea, cresce tambm a comercializao mundial do produto natureza, ao mesmo tempo incluindo-a no sistema de produo e reproduo das sociedades industriais e convertendo-a em um pressuposto insupervel do modo de vida dessas sociedades (FARIAS, 2008). As primeiras dcadas do sculo XX foram marcadas, ao mesmo tempo, pela consolidao do desenvolvimento cultural e pelo fortalecimento de uma sociedade regida pela produo industrial. Foi assim, sem praticamente nenhuma tradio cultural, que entramos vulneravelmente na fase da produo e do consumo, situao que favoreceu uma grande influncia da indstria cultural, que tende a gerar necessidades padronizadas, para maior facilidade no consumo, perpetuando ou dificultando a superao de uma Ambientalizao na Educao Fsica
Motriz, Rio Claro, v.18, n.3, p.557-570, jul./set. 2012 564 situao de conformismo (MARCELLINO, 2000. p.62). Nesse contexto, a televiso aparece como meio de divulgao ideal para atingir o maior nmero de pessoas o mais rpido possvel, mais eficiente que o jornal impresso e o rdio, determinando modificaes sem precedentes na indstria cultural e, consequentemente, do lazer. Nos Estados Unidos aproximadamente dez mil televisores ocupavam as estantes domsticas em 1945. Apenas trs anos depois, em 1948, o nmero j chegava a mais de um milho e meio; dois anos depois, em 1950, j eram dez milhes de televisores; em 1954, trinta milhes, e em 1959 o nmero chegava a mais de cinquenta e um milhes (DUMAZEDIER, 2001). Essa incrvel e rpida expanso potencializou um fenmeno bastante evidente principalmente desde os anos 1920: comportamentos sociais (inclusive as manifestaes de lazer) que seguiam normas e padres divulgados pelo cinema, pela imprensa tablide, pelas revistas de circulao de massa e pelo rdio (FEATHERSTONE et al., 1990). Diante dessa realidade, de manifestaes de lazer cada vez mais dependentes da indstria do lazer, que, alicerada sobre a fora da propaganda, rapidamente conquista novos espaos de atuao, destaca-se uma pergunta que se tornou bastante relevante na rea de educao fsica: ser que chegamos ao ponto no qual se tornou necessria uma educao para o lazer? Para Marcellino (2000), o aprendizado para o desenvolvimento de atividades de lazer no tempo disponvel necessrio, e essa educao para o lazer 2 consiste no aprendizado para o uso do tempo livre. Segundo o autor, Para a prtica positiva das atividades de lazer necessrio o aprendizado, o estmulo, a iniciao, que possibilitem a passagem de nveis menos elaborados, simples, para nveis mais elaborados, complexos, com o enriquecimento do esprito crtico, na prtica ou na observao (2000, p.58). No entanto, o autor chama ateno para certos riscos que derivam da forma como se
2 A idia de uma educao para e pelo lazer inicialmente apresentada por Renato Requixa (1980), sendo posteriormente desenvolvida por outros autores, como Marcellino (2000) e Camargo (1998 e 2003). Para estes, o lazer se configura enquanto objeto (educao para o lazer) e veculo (educao pelo lazer) de educao. Segundo Marcellino (2000), a educao para o lazer estaria associada superao de uma situao de conformismo, o que poderia ser realizado por meio da iniciao aos contedos culturais e pela educao crtica, especialmente pela estimulao da criatividade. processa a educao para o lazer, como a possibilidade de reforar-se a ideologia dominante pela orientao por valores conservadores, podendo esses ser compensatrios (prticas de lazer que objetivam compensar a monotonia do trabalho ou da escola), moralistas (prticas de lazer que reforam o cdigo de moral vigente) ou utilitaristas (prticas de lazer que reforam os interesses institucionais, como a ginstica laboral que melhora a disposio do trabalhador ou a aula de educao fsica que distrai o aluno entre as aulas realmente importantes). Dessa maneira, a escola, estando exposta a esses riscos, carrega um papel muito importante no processo de educao para o lazer, uma vez que os contedos vinculados durante as brincadeiras infantis bem como os temas de brincadeiras, os materiais para brincar, as oportunidades para interaes sociais e o tempo disponvel so todos fatores que dependem basicamente do currculo proposto pela escola (KISHIMOTO, 1999, p.39). O papel da educao fsica escolar diante das imposies da indstria do lazer tambm destacado nos PCN para a educao fsica: No mbito da Educao Fsica, os conhecimentos construdos devem possibilitar a anlise crtica dos valores sociais, como os padres de beleza e sade, desempenho, competio exacerbada, que se tornaram dominantes na sociedade, e do seu papel como instrumento de excluso e discriminao social. A atuao dos meios de comunicao e da indstria do lazer em produzir, transmitir e impor esses valores, ao adotar o esporte- espetculo como produto de consumo, torna imprescindvel a atuao da Educao Fsica escolar (BRASIL, 1998b, p.31). A escola caracteriza-se assim como um dos principais agentes envolvidos na educao para o lazer, assumindo grande parte da responsabilidade pela valorizao do lazer enquanto manifestao humana, que traz em seu seio possibilidades de contestao e mudana de atitudes que, expressas atravs de aes culturais, podem promover transformaes sociais concretas. Desta maneira, pensarmos em mudanas de postura diante do mundo assim como em transformaes na ordem moral e intelectual atravs de sinergias entre educao e lazer pode ser uma possibilidade real (RODRIGUES; STEVAUX, 2010). Pois nessa perspectiva que se sustentam as abordagens que C. Rodrigues
Motriz, Rio Claro, v.18, n.3, p.557-570, jul./set. 2012 565 buscam a educao ambiental pelas atividades esportivas e recreativas na natureza. Segundo Uvinha (2004), as atividades na natureza possibilitam o desenvolvimento de processos educativos relacionados a questes ambientais, uma vez que contribuem para mudanas na viso do homem sobre o ambiente natural por meio de novas percepes sobre a importncia e o significado da natureza. Outros autores destacam caractersticas especficas que podem ser desenvolvidas por meio das atividades na natureza: novos padres motores desenvolvidos em contato com a natureza (baseando-se na grande diversidade de estmulos encontrados em diferentes ambientes, oportunizando a manifestao de diferentes situaes emocionais em inmeras circunstncias, como estresse, dificuldade, risco, etc.) e a educao baseada no conhecimento das caractersticas de diferentes ecossistemas, tanto no contexto sociocultural como na utilizao responsvel dos recursos materiais e tecnolgicos que promovem o deslizamento controlado pelo ar, gua e terra (BETRN; BETRN, 2006); desenvolvimento de fundamentos esportivos, de capacidades fsicas (aptido e desenvolvimento de habilidades motoras) e de habilidades cognitivas (tomada de deciso e resoluo de problemas), coletivas (habilidades cooperativas e de comunicao) e pessoais (autoestima) (MARINHO, 2004); caractersticas de compromisso, superao de limites, autoconfiana, companheirismo, tolerncia ao sucesso e ao fracasso (CARDOSO, 2006) No entanto, apesar de vrios estudos apresentarem aspectos referentes reaproximao dos seres humanos natureza pelo envolvimento em atividades esportivas e recreativas, justificando, inclusive, o desenvolvimento da educao ambiental a partir desse envolvimento, Marinho e Seabra (2002) afirmam que quase nenhum desses estudos discutem sobre a necessria formao de profissionais que desempenhem o importante papel de mediador nessas atividades, possibilitando o desenvolvimento de atividades que possam abrir caminhos para objetivos pedaggicos (inclusive associados educao ambiental). Esse um dado muito importante, considerando que, como apontam os prprios PCN para a educao fsica (BRASIL, 1998b), seria ingnuo pensar que as atividades na natureza por si s seriam suficientes para a compreenso das questes ambientais emergentes, uma vez que, embora possa existir entre os participantes dessas atividades um envolvimento com a natureza, o que determina o nvel reflexivo sobre as questes ambientais seria a participao crtica e significativa dos praticantes de cada atividade. O grande problema que as pesquisas que procuram investigar as motivaes que levam indivduos a participar das atividades na natureza e a concepo que esses indivduos tm das atividades das quais participam mostram, no geral, vises que se distanciam muito dos principais pilares da educao ambiental crtica, estando em grande parte associadas a conceitos muito mais prximos de uma abordagem preservacionista de educao ambiental, do universo dos esportes de rendimento e at mesmo dos paradigmas dominantes de esttica e moda regidos, em grande parte, pelos veculos de comunicao em massa. Podemos observar isso, por exemplo, na pesquisa de Cardoso et al. (2006), que investigou as sensaes, emoes e possibilidades educativas das atividades na natureza entre alguns praticantes dessas atividades em Santa Teresa (estado de Esprito Santo). Quando perguntados sobre a existncia ou no de um carter educativo das atividades na natureza todos os participantes da pesquisa responderam que sim, porm ao serem instigados a identificarem este carter educativo, 60% dos entrevistados mencionaram apenas oportunidades de se trabalhar a preservao ambiental. Mas talvez a ligao mais evidente entre as motivaes e as concepes mais comuns entre os participantes das atividades na natureza com uma viso preservacionista de educao ambiental esteja associada noo de fuga do cotidiano, que implica em fazer ou sentir algo diferente do que faz ou sente no dia a dia, e que est geralmente associado a uma sensao de prazer ou de bem-estar. Dessa maneira, os participantes buscam atividades longe dos centros urbanos, e deslocam-se ao encontro Ambientalizao na Educao Fsica
Motriz, Rio Claro, v.18, n.3, p.557-570, jul./set. 2012 566 direto com a natureza para respirar ar puro, para reencontrar-se consigo mesmo, ou buscar sensaes e emoes fortes e provar limites pessoais em situaes de perigo eminente (LACRUZ; PERICH, 2000). O grande problema que essa fuga pode fortalecer a viso de uma realidade fragmentria, agravando o distanciamento simblico entre o ser humano e a natureza, reconhecidamente um dos principais pilares da crise ambiental contempornea. Alm disso, foge tambm do conceito de cotidianidade 3
das prticas ambientais, um dos marcos da educao ambiental crtica. Essa realidade fica bastante evidente em afirmaes comumente encontradas em trabalhos que desenvolvem a relao entre as atividades na natureza e as questes educacionais (inclusive de educao ambiental), compreendendo as atividades na natureza como (...) uma forma moderna de lazer, procurada, a cada dia, por um contingente maior de pessoas, desejosas pelo desligamento, mesmo que temporrio, do meio urbano, e pelo contato com a natureza (CARDOSO et al., 2006, p.86). No fica difcil de associar esse tipo de viso com a busca de um lazer compensatrio e utilitarista, como descrito por Marcellino (2000). A pesquisa de Tahara et al. (2006), que investigou o significado das atividades na natureza para alguns participantes na cidade de Brotas (estado de So Paulo), mostra alguns depoimentos que evidenciam bem esse tipo de viso: S17: ...e quando tenho algum problema, penso naquele momento delicioso de descer as trilhas e avistar aquela linda cachoeira, da fico tranquilo e bem o suficiente pra enfrentar todos meus problemas. S5: Sempre que vou praticar os esportes radicais sinto um bem-estar to grande, s vezes faltam dois dias pra viagem e j percebo os benefcios desse meu contato com a natureza... (p.63). Depoimentos parecidos so destacados tambm na pesquisa de Bahia e Sampaio (2007), que buscou identificar as atitudes, motivaes e comportamentos que tm permeado a experincia dos praticantes de esportes na
3 Segundo Gutirrez e Prado (2000), o sentido e as prticas de aprendizagem produtivas encontram-se na vida cotidiana, pois, partindo de condutas inditas construdas pedagogicamente, na vivncia cotidiana que ocorrero as transformaes em prol de relaes sustentveis entre os equilbrios dinmicos e interdependentes da natureza e o desenvolvimento humano. natureza tambm no municpio de Brotas. Nas falas de alguns sujeitos, mesmo os que estavam vivenciando pela primeira vez alguma modalidade, algumas palavras-chave ou expresses se destacaram, sendo as mais citadas: a busca por um contato maior com a natureza; seguida de perto pelas palavras adrenalina; busca de emoo; sair da rotina; desestressar; desafio; risco. Alm das evidentes associaes entre as atividades na natureza com a fuga do cotidiano e com o universo dos esportes de rendimento, alguns discursos mostram tambm uma ligao direta com paradigmas dominantes da esttica e da moda, como pode ser percebido no depoimento de um dos entrevistados da pesquisa de Tahara et al.(2006): S14: Apesar de nunca ter sido uma preocupao minha, pude perceber que a prtica regular me proporcionou pernas mais fortes e torneadas, e tambm consegui emagrecer um pouquinho com a quantidade enorme de trilhas que fao todos os finais de semana (p.63). Diante do exposto, ao mesmo tempo em que as atividades esportivas e recreativas na natureza parecem cada vez mais ganhar um merecido lugar nos debates de insero de contedos curriculares nos cursos de educao fsica, tanto por causa da popularizao desse tipo de atividade quanto pela evidente necessidade de formao de profissionais que atuem como mediadores, inclusive buscando uma participao crtica e at mesmo alicerada em elementos pedaggicos nessas e por meio dessas atividades (educao para e pelo lazer), fica evidente tambm que propostas que buscam o desenvolvimento da educao ambiental por meio dessas atividades ainda esto bem distantes dos ideais de um currculo ambientalizado. Consideraes finais O desenvolvimento do saber ambiental fortalecido pela incorporao do discurso ambiental por outros discursos contemporneos. Como consequncia das representaes resultantes da diversa teia de contextos em que os encontros entre esses discursos acontecem, a constituio do saber ambiental configura-se enquanto um processo heterogneo que envolve constantes e contnuas disputas pela hegemonia de significados. No campo da educao, esses C. Rodrigues
Motriz, Rio Claro, v.18, n.3, p.557-570, jul./set. 2012 567 encontros ocorrem, em grande parte, no mbito da ambientalizao curricular e na insero da educao ambiental na formao inicial de professores. Nesse contexto, a insero da dimenso ambiental nas polticas curriculares da educao superior est diretamente associada a questes particulares de cada campo cientfico-acadmico. Isso significa que a insero da dimenso ambiental nos currculos da educao superior oferece elementos para a construo de variados discursos/significados que englobam o conceito de ambiental. Esses discursos/significados devem ser analisados partindo das condies contextuais que esto na base de sua formulao, ou seja, a partir das referencias, estruturas e dinmicas que operam cada campo cientfico-acadmico especfico. No entanto, apesar das determinaes legais e das demandas sociais pela insero da educao ambiental nos cursos de formao inicial, as dificuldades associadas ao complexo processo de emergncia de uma base epistemolgica e de identificao enquanto rea de construo de conhecimento em um espao que se prope transversal e interdisciplinar acaba criando uma espcie de no-lugar no qual a educao ambiental deveria ocupar. Esse no lugar fica evidente ao analisarmos a produo cientfica que aborda a educao ambiental na formao inicial de professores de educao fsica. Apesar do crescente interesse pelo tema nos ltimos anos, resultando em pesquisas e publicaes que apresentam uma interessante diversidade de abordagens e propostas, essas aparecem espalhadas em diferentes textos, especialmente artigos em peridicos da rea e eventuais trabalhos de concluso de curso, como monografias, dissertaes e teses. Apesar de similaridades entre as propostas apresentadas nos diferentes textos serem por vezes encontradas, h tambm uma grande diversidade de propostas, algumas inclusive contraditrias, ficando evidente que falta rea um documento que rena essas propostas e suas principais caractersticas, tornando-se referncia na questo. Em meio diversidade de propostas e abordagens, as atividades esportivas e recreativas na natureza aparecem como principal ponto em comum. Essa ocorrncia pode ser compreendida se considerarmos a prpria literatura da rea, que evidencia que as discusses envolvendo os contextos de atividades na natureza surgiram e ganharam fora (tanto em eventos como em publicaes cientficas) num momento bem anterior do que as discusses envolvendo a insero da educao ambiental na educao fsica (inclusive na formao inicial de professores). Considerando a prpria historicidade do tema (atividades na natureza), seu alcance global, e o crescente espao que ocupa em produes cientficas de todos os tipos, sua institucionalizao no currculo da educao fsica no ensino superior constitui-se enquanto significativo movimento particular da rea. No entanto, considerando propostas de ambientalizao do currculo de educao fsica e a insero da educao ambiental na formao inicial de professores da rea, uma abordagem restrita a essas atividades revela-se insuficiente/simplista, considerando que, de maneira geral, essas atividades ainda associam- se a abordagens preservacionistas de educao ambiental, afastando-se dos ideais da educao ambiental crtica. De qualquer maneira, o aparente interesse da educao fsica pelas questes ambientais aparece como uma interessante proposta de insero da dimenso ambiental nos currculos de cursos do ensino superior, considerando ainda que a formao de profissionais que entrem em contato com essas questes fundamental para o desenvolvimento da temtica ambiental em diferentes espaos. No entanto, para no correr o risco de circundar um no lugar no qual a educao ambiental deveria ocupar na educao fsica, h necessidade de um esforo coletivo dos acadmicos da rea para encontrar pontos de convergncia entre as diversas propostas apresentadas nas produes acadmicas. Dessa maneira, no s se destacaria a relevncia da insero da dimenso ambiental na educao fsica, mas igualmente a relevncia dos contedos especficos da educao fsica na prpria (re)construo dos conceitos que definem o ambiental. Referncias AUGUSTO, A. V. L.; LAMBERTUCCI, H.; SANTANA, L. C. Busca da identidade epistemolgica da educao ambiental: a Ambientalizao na Educao Fsica
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Apoio: O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico Brasil.
Endereo: Cae Rodrigues Praa Santa Mercedes, 136 Nova Jaguarina Jaguarina SP Brasil 13820-000 Telefone: (19) 3867-2276 e-mail: cae_jah@hotmail.com
Recebido em: 22 de novembro de 2011. Aceito em: 8 de maio de 2012.
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