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Planos de assistência à saúde:

ARTIGO ARTICLE
interfaces entre o público e o privado no setor odontológico

Health care plans:


interfaces between the public and private system in the dental sector

Louise Pietrobon 1
Cíntia Magali da Silva 1
Luciana Rodrigues Vieira Batista 1
João Carlos Caetano 1

Abstract The present work presents a brief his- Resumo O presente trabalho vislumbra um bre-
tory of health plans in Brazil examining the in- ve histórico dos planos de saúde no Brasil, exami-
terface between the public and the private sector. nando as interfaces entre o público e o privado.
The evolution and regulation of the supplemen- Realiza, ainda, uma análise da evolução e regula-
tary care system is analyzed, the different care mentação da saúde suplementar, definindo as mo-
modalities are defined and the main differences dalidades assistenciais de saúde, bem como enun-
between health plans and dental care insurance cia as principais diferenças entre os planos e assis-
are pointed out. The coverage provided by the tência médico-hospitalar e odontológico. Demons-
supplementary care system and its relationship tra, em dados atuais, a cobertura exercida pelos
with the public health system is shown on the planos de saúde suplementar e sua relação com a
basis of current data. On the other hand, the study assistência pública de saúde. Por outro lado, enfo-
focuses on the care services, health plans and the ca a assistência, planos de saúde e o mercado de
labor market in the sector correlating, also on the trabalho da odontologia, correlacionando, tam-
basis of current data, the challenges and new op- bém com dados atuais, os desafios e as novas opor-
portunities of the supplementary care market, tunidades do mercado de saúde suplementar, en-
mainly in the dental sector. Although the dental focado principalmente no setor odontológico. Ain-
sector is living an extraordinary moment within da que o setor odontológico esteja em um momen-
the private health care system and given that ANS to extraordinário dentro do sistema privado de
data are pointing to a growth of this sector of atenção à saúde, e que dados da ANS apontem
210% over last the 7 years, the service coverage of para um crescimento desse setor de 210% nos úl-
the supplementary care sector mainly directed to timos sete anos, a cobertura de serviços do setor
medical and inpatient care does not meet the real suplementar de saúde está aquém das reais de-
demand for integrated health care. mandas, não contemplando, portanto, a assistên-
Key words Private health plans, Regulation of cia integral à saúde.
1
Centro de Ciências da the supplementary health sector, Dental plans Palavras-chave Planos privados de saúde, Regu-
Saúde, Departamento de
lamentação da saúde suplementar, Planos odon-
Estomatologia, Programa
de Pós-Graduação em tológicos
Odontologia, UFSC.
Campus Universitário,
Trindade. 88040-900.
Florianópolis SC.
isepietro@terra.com.br
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Pietrobon, L. et al.

Introdução dades coletivas e legitimado por políticas públi-


cas, sejam estas de regulamentação ou de renún-
Na década de 1980, houve uma intensa movi- cia à intervenção5.
mentação em torno da reforma do sistema pú-
blico de saúde, caracterizando-se como uma gran-
de prioridade político-social, com enorme envol- Modalidades assistenciais
vimento da sociedade brasileira e de seus dife-
rentes órgãos representativos1. Em uma primeira instância, insuficiências do SUS
Estudos recentes sobre os planos privados de são associadas à expansão da assistência médica
saúde se contrapõem especificamente à noção da suplementar, evocando os avanços das políticas
separação entre mercado e Estado, ao explora- de corte neoliberal. Essa equação, por sua vez,
rem outros ângulos da assistência médica suple- remete questões tanto às proposições reformis-
mentar. Cohn e Dain2,3 cunharam as expressões tas universalistas quanto às políticas assistenciais
“mercado artificialmente expandido” e “desmer- seletivas. Por um lado, o crescimento das alter-
cadorização do mercado”, para sublinhar a es- nativas particulares, corporativas desafia a cons-
trutural e extensa interface público-privado dos trução de um sistema de proteção social univer-
subsídios governamentais envolvidos com o fi- sal e redistributivo; por outro, evidencia pers-
nanciamento dos planos privados de saúde. pectivas para a regulação de uma segmentação já
O setor de saúde privado, no Brasil, não foi consolidada5.
observado com cuidado, a princípio, pelas mais Na configuração política de saúde no Brasil,
diversas razões, sendo que a mais provável é a de o tema da privatização é recorrente, principal-
que o poder público tenha considerado que a mente após os anos sessenta, mas centrados,
fatia da sociedade brasileira com cobertura as- principalmente, nas relações entre hospitais pri-
sistencial através de planos de saúde privados vados e Previdência Social6. O conceito continua
fosse composta de pessoas abastadas, e que po- sendo aplicado amplamente a processos distin-
deriam dispensar a proteção do Estado. Entre- tos mesmo após a ocorrência de muitas mudan-
tanto, há que se considerar que, quanto maior ças; entretanto, não impediu os esforços realiza-
fossem os recursos desse setor, financiados fun- dos na década de 1990 para melhor caracterizar
damentalmente pelas empresas e também dire- descritivamente os segmentos do setor privado,
tamente pela própria sociedade, mais recursos como os hospitais privados7, planos e seguros
sobrariam para a população carente e desassisti- de saúde6,8,9 e cooperativas médicas10.
da pelo setor público. Ou então, prevalecido e O sistema de atenção médica supletiva
reservado a interpretação de quanto maior o cres- (SAMS) é um sistema privado que, contudo, re-
cimento do setor de saúde suplementar, menor cebe subsídios diretos ou indiretos do Estado,
a necessidade de recursos públicos para o seg- sob forma de renúncias fiscais e contributivas.
mento de saúde do Brasil1. Segundo Mendes4, o SAMS está constituído por
Por outro lado, segundo Mendes4, apesar dos quatro modalidades assistenciais: a medicina de
serviços de saúde segmentados serem justifica- grupo, a autogestão, a cooperativa médica e o
dos dessa forma, as evidências mostram que esse seguro-saúde. Essas modalidades apresentam
suposto é falso e o que ocorre é o inverso. Ou racionalidades de estruturação distintas, cliente-
seja, quando se segmenta para criar um sistema las diferenciadas e formas de financiamento di-
para os pobres, esse tende a ser subfinanciado e versas. Ademais, ofertam, no mercado, produ-
acaba por oferecer serviços de menor qualidade. tos segmentados por diferentes clientelas.
Assim, ainda segundo o autor, os sistemas seg- A medicina de grupo opera mediante empre-
mentados de saúde penalizam o pobre e/ou fa- sas que administram planos de saúde sob a for-
zem os indivíduos gastarem duas vezes com a ma de pré-pagamento. A maior parte delas é con-
assistência à saúde. tratadora de serviços de terceiros, mas 36% es-
Ainda assim, os planos privados de saúde truturam serviços próprios11. Mais de 70% das
representam precipuamente uma alternativa de empresas são de tamanho pequeno e apenas 10%
transferência de riscos para instituições privadas são de grande porte (mais de 300.000 vidas). A
e não somente uma opção individual/familiar de medicina de grupo é representada politicamente
consumo. Ou, em outros termos, um processo pela Associação Brasileira de Medicina de Grupo
de “externalização” dos custos sociais, consubs- (ABRAMGE). A autogestão está configurada por
tanciado em instituições, regras e normas de fun- empresas que, a partir de sistemas pós-pagamen-
cionamento, mediado necessariamente por uni- to, administram elas mesmas ou contratam ter-
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ceiros para administrar planos de saúde para seus sas que administram planos ou serviços de as-
membros. A autogestão pode estruturar-se di- sistência à saúde, sendo que, no caso de adminis-
versamente: com autogestão de compra de ser- tração de planos, são financiados por operado-
viços, com produção própria de serviços, com ra, não assumem o risco decorrente da operação
serviços comuns para grupos de empresas ou desses planos e não possuem rede própria, cre-
com autoseguro de saúde. Seu maior segmento denciada ou referenciada de serviços médico-
são empresas estatais, em torno de 60%, sendo hospitalares ou odontológicos.
as demais empresas privadas. Sua representação Classificam-se na modalidade de autogestão
política faz-se por meio da Associação Brasileira as entidades de autogestão que operam serviços
dos Serviços Assistenciais de Saúde Próprios de de assistência à saúde ou empresas que, por in-
Empresas (ABRASPE), com atuação mais mar- termédio de seu departamento de recursos hu-
cada no segmento privado, e do Comitê de Inte- manos ou órgão assemelhado, responsabilizam-
gração das Entidades Fechadas de Assistência a se pelo plano privado de assistência à saúde des-
Saúde (CIEFAS), que atua especialmente no seg- tinado, exclusivamente, a oferecer cobertura aos
mento público. empregados ativos, aposentados, pensionistas ou
As cooperativas médicas são formadas por ex-empregados, bem como a seus respectivos
cooperativas de médicos que ofertam planos sob grupos familiares definidos, limitado ao terceiro
a forma de pré-pagamento, à semelhança da grau de parentesco consangüíneo ou afim, de
medicina de grupo. Por constituírem-se como uma ou mais empresas, ou ainda a participantes
cooperativas, consideram-se, a si mesmas, como e dependentes de associações de pessoas físicas
formas éticas, não-comerciais, de prestação de ou jurídicas, fundações, sindicatos, entidades de
planos de saúde. Operam com a interveniência classes profissionais ou assemelhados.
de 364 cooperativas regionais coordenadas por Com relação à cooperativa médica, são as
duas confederações: Aliança e a Brasil. sociedades de pessoas sem fins lucrativos, cons-
O seguro-saúde é constituído por empresas tituídas conforme o disposto na Lei nº 5.764, de
ligadas ao capital financeiro bancário. Esse siste- 16 de dezembro de 1971, que operam planos pri-
ma funciona, desde 1967, na lógica do seguro vados de assistência à saúde, bem como a moda-
privado, razão pela qual, historicamente, até a lidade de cooperativa odontológica.
criação da Agência Nacional de Saúde Suplemen- Na modalidade de filantropia, estão presen-
tar, sempre esteve sob o controle da Superinten- tes as entidades sem fins lucrativos que operam
dência de Seguros Privados (SUSEP). As segura- planos privados de assistência à saúde e tenham
doras atuam por pré-pagamentos de prêmios obtido certificado de entidade filantrópica junto
feitos pelos assegurados e prestam serviços me- ao Conselho Nacional de Assistência Social
diante contratação de terceiros; não podem ter (CNAS) e declaração de utilidade pública federal
prestação própria. Essa modalidade tem algu- junto ao Ministério da Justiça ou declaração de
mas características, como sensibilidade às varia- utilidade pública estadual ou municipal junto aos
ções da conjuntura econômica, tem preços mé- órgãos dos governos estaduais e municipais.
dios mais elevados relativamente às outras mo- Classificam-se na modalidade de medicina de
dalidades e constitui um mercado de alta con- grupo as empresas ou entidades que operam pla-
centração. Sua representação política faz-se por nos privados de assistência à saúde, excetuando-
meio da Federação Nacional das Empresas de se aquelas classificadas nas modalidades contidas
Seguros Privados e de Capitalização (FENASEG). nas Seções I, II, IV e VII da Resolução no 39 RDC12.
Entretanto, segundo a Resolução da Direto- Classificam-se na modalidade de odontolo-
ria Colegiada (RDC) de número 39 de 30 de ou- gia de grupo as empresas ou entidades que ope-
tubro de 200012, que dispõe sobre a definição, a ram exclusivamente planos odontológicos, exce-
segmentação e a classificação das operadoras de tuando-se aquelas classificadas na modalidade
planos de assistência à saúde, são sete as modali- contida na Seção III desta Resolução.
dades: administradora, autogestão (não patro- E há ainda a seguradora especializada em saú-
cinada e patrocinada), cooperativa médica, coo- de, que são as sociedades seguradoras autorizadas
perativa odontológica, filantropia, medicina de a operar planos de saúde, desde que estejam cons-
grupo e odontologia de grupo. tituídas como seguradoras especializadas nesse se-
Segundo tal resolução, são consideradas guro, devendo seu estatuto social vedar a atuação
como modalidade de administradora as empre- em quaisquer outros ramos ou modalidades.
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Pietrobon, L. et al.

Saúde suplementar Cobertura

No âmbito da saúde suplementar, que atinge hoje O setor de saúde suplementar é extremamente
35 milhões de brasileiros, a gestão da atenção concentrado no Brasil. Aproximadamente du-
também entrou na agenda de debates. Com a zentas operadoras detêm 80% do mercado. E 95%
redução importante das taxas de inflação a par- dos consumidores de planos de saúde estão lo-
tir de 1994 e o fim da ciranda financeira, os pla- calizados na área urbana, sendo que cerca de 77%
nos de saúde buscaram implementar práticas de na região Sudeste do país, principalmente em São
gestão de custos e de riscos. A “medicina preven- Paulo e Rio de Janeiro16,17.
tiva” e outras estratégias de organização do cui- Segundo Duarte e Di Giovanni10, o sistema de
dado, como caminho para redução de custos, atenção médica suplementar cresceu a passos lar-
passaram a fazer parte do vocabulário dos em- gos durante a década de 80, de tal modo que, em
presários da saúde. Além disso, a Agência Nacio- 1989, cobria 22% da população total do país. So-
nal de Saúde Suplementar desencadeou, a partir mente no período 1987/89 incorporaram-se a esse
de 2004, o Programa de Qualificação da Saúde subsistema 7.200.000 beneficiários. Atualmente,
Suplementar, segundo o qual as operadoras são o número de usuários registrados na ANS é de
avaliadas também pela qualidade da atenção à aproximadamente 37 milhões17.
saúde prestada a seus beneficiários. Novidade, O setor de planos privados de assistência à
pois a saúde suplementar, como setor econômi- saúde envolve mais de quarenta milhões de vín-
co mobilizado pela busca do lucro, sempre teve a culos de beneficiários, dos quais aproximada-
saúde financeira das empresas como fator pri- mente 85% a planos de assistência médica com
mordial de avaliação13. ou sem odontologia e 15% a planos exclusiva-
O sistema privado de planos e seguros de saú- mente odontológicos; duas mil empresas opera-
de cresceu e experimentou grande diversificação doras; e milhares de prestadores de serviços –
nas modalidades empresariais que o compõem entre médicos, dentistas e outros profissionais
entre os anos de 1987 e 1998, sem que estivessem de saúde – em hospitais, laboratórios, clínicas e
submetidas à regulação pública. Apenas em 1998 consultórios15.
foi aprovada legislação regulatória (Lei no 9.656, Isto exclui os clientes de esquemas particula-
de agosto de 1998), que estabeleceu regras para res administrados diretamente pelas instituições
os contratos e coberturas, e em 2000 foi criada a públicas, como os institutos de previdência esta-
Agência Nacional de Saúde Suplementar- ANS duais e municipais e pelas forças armadas. Em
(Lei no 9.961, de 28 de janeiro de 200014), respon- 1998, foram contabilizadas pela Pesquisa Nacio-
sável pelo controle dessa área15. nal por Amostra de Domicílios – PNAD/IBGE –
Apesar de diversos autores correlacionarem 9.673.993 pessoas cobertas por planos categori-
as dificuldades enfrentadas pelo SUS com a ex- zados como “instituição de assistência ao servi-
pansão da assistência suplementar, sugerindo um dor público” e 29.003.607 de planos denomina-
processo de compensação ou de substituição, os dos “empresas privadas” 5.
dados disponíveis sugerem uma correlação mai- De acordo com o PNAD/IBGE, em 200318,
or da cobertura por planos e seguros privados estimou-se em 43.202.545 de pessoas cobertas por
com a concentração de renda e de oferta de servi- pelo menos um plano de saúde. Destes, 34.198.206
ços. Assim, a região Sudeste apresenta maior co- de pessoas (79,2%) estavam vinculados a planos
bertura de planos privados de saúde e é a mais de saúde privado (individual ou coletivo); os res-
expressiva na produção de serviços para o SUS, tantes 9.004.339 de pessoas (20,8%) estavam co-
enquanto a região Norte figura como a mais des- bertos por planos de instituição de assistência ao
provida em relação aos dois setores. servidor público (municipal, estadual ou mili-
Como se vê, diferentes lógicas de acumula- tar). Verificou-se um aumento da participação
ção de capital, de racionalização de custos e de dos planos privados (79,2%) em relação ao ob-
humanização da atenção compõem as vertentes servado em 1998 (75%); entretanto, esse aumen-
que operam em favor de uma reorganização da to pode ter sido gerado pela exclusão dos servi-
atenção à saúde, todas elas prevendo novos lu- dores públicos federais dos planos de “institui-
gares e papéis para os hospitais dentro da rede ção de assistência ao servidor público”, pelo fato
de serviços de saúde. de que os planos voltados a estes servidores eram
todos privados18.
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Contudo, essa classificação, pressupondo cesso de construção: a Lei Orgânica da Saúde, no
uma dicotomia, entre os esquemas assistenciais 8.080/90, a extinção do INAMPS, a NOB – Nor-
de servidores públicos civis e militares da admi- ma Operacional Básica/93, a NOB/96 e a implan-
nistração direta e aqueles voltados aos emprega- tação do PAB - Piso da Atenção Básica em 199819.
dos de empresas estatais, privadas e comprado- Em 2000, através da Lei no 9.961/2000, criou-
res individuais, exprime apenas uma localização se a Agência Nacional de Saúde Suplementar
inicial das clientelas5. (ANS) e definiu, também, a sua finalidade, es-
Na realidade brasileira, parte dos servidores trutura, sua receita, a vinculação ao Ministério
públicos da administração direta está vinculada da Saúde e a sua natureza.
ao segmento comercial do mercado de planos e A Agência Nacional de Saúde Suplementar é
seguros-saúde e, por outro lado, empresas pri- uma autarquia sob regime especial vinculada ao
vadas organizam planos próprios sem fins lu- Ministério da Saúde e responsável pela regula-
crativos. Ou seja, não há uma relação unívoca ção, normatização, controle e fiscalização das
entre a natureza jurídico institucional da empre- atividades que garantam a assistência suplemen-
sa empregadora e a das empresas que comerci- tar à saúde. A ANS tem por finalidade institucio-
alizam/ofertam planos/seguros saúde. Portanto, nal promover a defesa do interesse público na as-
parte das pessoas classificadas pela PNAD como sistência suplementar à saúde, regulando as opera-
clientes de planos de servidor público integra o doras setoriais, inclusive quanto às suas relações
mercado privado de planos de saúde5. com prestadores e consumidores, contribuindo para
o desenvolvimento das ações de saúde no País20.
Os objetivos básicos e as estratégias diferen-
Regulamentação da assistência ciadas de implementação da regulamentação sur-
gem claramente do marco regulatório e evoluem
Durante mais de trinta anos, o setor de saúde a partir da ampliação do conhecimento sobre o
suplementar operou sem controle do governo. setor de saúde suplementar. Os objetivos da re-
Em período anterior a 1998, os consumidores gulamentação podem ser resumidos em seis pon-
passaram a ser mais protegidos com a adoção tos: 1) assegurar aos consumidores de planos
do Código de Defesa do Consumidor e com a privados de assistência à saúde cobertura assis-
atuação nos Procon estaduais e municipais. O tencial integral e regular as condições de acesso;
acolhimento de demandas pelos Procon benefi- 2) definir e controlar as condições de ingresso,
ciou os consumidores em seus conflitos com as operação e saída das empresas e entidades que
operadoras de planos de saúde. No entanto, a operam no setor; 3) definir e implantar mecanis-
atuação desses organismos estatais mostrou-se mos de garantias assistenciais e financeiras que
insuficiente para regular as relações entre consu- assegurem a continuidade da prestação de servi-
midores e operadoras. Houve a necessidade de ços de assistência à saúde contratados pelos con-
intervenção estatal, visando corrigir e atenuar as sumidores; 4) dar transparência e garantir a in-
falhas do mercado e somente após a promulga- tegração do setor de saúde suplementar ao SUS e
ção da Lei no 9.656, em 1998, o setor de saúde o ressarcimento dos gastos gerados por usuári-
suplementar ganhou a sustentação legal para que os de planos privados de assistência à saúde no
iniciassem as ações de regulamentação1. sistema público; 5) estabelecer mecanismos de
O modelo de regulação do setor de saúde controle da abusividade de preços; 6) definir o
suplementar é diferenciado em relação à experi- sistema de regulamentação, normatização e fis-
ência internacional. Na maioria dos países, a re- calização do setor de saúde suplementar19.
gulação é feita a partir da atividade econômica
em si, atuando sobre as empresas do setor, ga-
rantindo suas condições de solvência e a compe- Diferenças entre a assistência
titividade do mercado. No Brasil, a opção foi por e os planos médicos e odontológicos
regular também - e fortemente - o produto ofe-
recido, ou seja, a assistência à saúde, com medi- Os planos médico-hospitalares possuem uma
das inovadoras como a proibição da seleção de quantidade de estudos muito superior em rela-
risco e do rompimento unilateral dos contratos. ção aos planos odontológicos. Isso devido ao fato
A regulamentação do setor de saúde suplemen- que uma grande parcela dos estudiosos conside-
tar, exigida pela Constituição de 1988, surge ape- ra a saúde bucal com características comuns às
nas em 1998, quando o SUS já apresentava, no da saúde como um todo; entretanto, a odonto-
mínimo, cinco importantes marcos em seu pro- logia possui diferenças marcantes da medicina e,
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portanto, também, são diferentes os seus planos to indicado. Já na medicina, o término do trata-
e assistências, como por exemplo, nos aspectos mento tende a não poder ser estabelecido.
operacionais. Também segundo Covre e Alves21, as dife-
Segundo Covre e Alves21, as principais dife- renças entre os planos médico-hospitalares e
renças entre as assistências médicas e odontoló- odontológicos são:
gicas são: 1) quando um indivíduo adquire um plano
1) as principais doenças bucais são apenas médico-hospitalar, seu objetivo é se proteger fi-
duas; já na medicina são inúmeras; nanceiramente contra perdas em sua renda decor-
2) a previsibilidade de acontecimento de doen- rentes do risco de adoecimento. No caso da odon-
ças bucais é alta, enquanto na medicina a previsi- tologia, este risco é razoavelmente conhecido, pode
bilidade de ocorrência de doenças ainda é baixa; ser prevenido e o gasto esperado é menor compa-
3) o número de especialidades: na odontolo- rativamente aos gastos médicos. Esta primeira
gia existem dezessete, enquanto na medicina, 66; diferença já implica distinções na abordagem de
4) o custo do diagnóstico na odontologia (ge- estruturação dos planos odontológicos;
ralmente exige apenas radiografias) é menor que 2) em função das peculiaridades da odonto-
na medicina (diversos exames); logia, o gerenciamento dos riscos e dos custos
5) maior possibilidade de escolha dentre os tendem a ser mais acurado que nos planos médi-
procedimentos existentes para um mesmo trata- co-hospitalares;
mento odontológico (por exemplo, diversos ti- 3) a maioria dos planos médico-hospitalares
pos de materiais para a confecção de uma próte- trabalha com uma alta sinistralidade, porém com
se unitária implica em diferentes preços). Já na uma baixa freqüência (enquanto a maioria dos
medicina, normalmente não existem muitas al- beneficiários não se encontra hospitalizada, aque-
ternativas, o que pode justificar a maior sensibi- les que estão hospitalizados incorrem em altos
lidade dos indivíduos às mudanças de preços dos custos). No caso dos planos odontológicos, ocor-
serviços odontológicos, bem como uma maior re o contrário: há uma alta freqüência de eventos
possibilidade de poder de mercado por parte das de baixo custo (a maioria da população possui
empresas médicas. algum tipo de doença bucal a ser tratada e a
6) na odontologia, existem formas de se pre- maioria das doenças bucais tratáveis a custos
venir o surgimento de doenças bucais e a respos- menores que as doenças médicas);
ta à prevenção é mensurável (doenças bucais não 4) muitos procedimentos odontológicos po-
são tão imprevisíveis); dem ser repetidos e, caso não sejam bem feitos,
7) com exceção de acidentes ou dores de den- podem ser corrigidos. Tal fato não ocorre na
te, a necessidade de tratamento odontológico medicina: muitos erros médicos ou procedimen-
raramente pode ser considerada uma emergên- tos realizados com baixa qualidade, uma vez re-
cia e, relativamente às doenças médicas, raramen- alizados, são irreversíveis;
te há risco de vida nos casos de doenças bucais. 5) a freqüência de utilização nos planos odon-
Por conseguinte, os indivíduos podem se plane- tológicos coletivos se comporta de forma dife-
jar “livremente” em relação a quando realizar um renciada dos planos médico-hospitalares. Naque-
tratamento odontológico (comum o adiamento les, após um pico de utilização inicial, existe uma
do tratamento mesmo na presença de doenças tendência de estabilização, reduzindo os custos e
bucais); a sinistralidade ao longo do tempo;
8) a característica acima possibilita maior li- 6) as operadoras de planos odontológicos
berdade na escolha do profissional - mais um tendem a criar mecanismos que incentivem os
motivo que o torna mais sensível às alterações beneficiários a freqüentarem o dentista regular-
nos preços dos procedimentos odontológicos. mente, uma vez que seus custos aumentam quan-
Na presença de uma doença, o indivíduo tende a do o tratamento é adiado, e este adiamento é
ficar disposto a pagar qualquer quantia para a uma prática freqüente entre os usuários;
realização do seu tratamento. 7) procedimentos odontológicos são alta-
9) doenças bucais são crônicas e não comu- mente rastreáveis, ou seja, podem ser averigua-
nicáveis. Isto é, apesar de a doença cárie ser infec- dos radiograficamente e podem auxiliar na ava-
to-contagiosa, ela não é capaz de provocar epi- liação de sua qualidade. As auditorias radiológi-
demias. cas são relativamente fáceis e resultam em uma
10) na odontologia, após a primeira consul- relação custo/benefício positiva. Geralmente, cin-
ta, o paciente normalmente fica sabendo quanto co ou mais dólares são economizados para cada
tempo será necessário para finalizar o tratamen- um dólar investido em auditoria odontológica;
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8) estruturas de relacionamento entre os agen- milhões de vidas que representam 62,87% de todo
tes: o setor de operadoras de planos médicos o segmento odontológico. No segundo lugar, as
possui uma rede de contratos muito mais abran- cooperativas odontológicas, com 21,47% do mer-
gente (hospitais, clínicas, laboratórios, medica- cado, seguidas de medicinas de grupo com pla-
mentos) que o setor de operadoras de planos nos odontológicos (7,59%); seguradoras
exclusivamente odontológicos; (7,05%); autogestões (0,46%); cooperativas mé-
9) nos planos odontológicos, não há uma dicas com planos odontológicos (0,41%); e fi-
relação direta entre o aumento da idade do usu- lantropias (0,15%). Segundo Serra e Henriques22,
ário e seu nível de utilização. essa divisão é devido aos cirurgiões-dentistas
Entretanto, alguns desses pontos geram dis- pensarem que a odontologia de grupo é um bom
cordâncias entre médicos e cirurgiões-dentistas. sistema para aumentar a sua renda, bem como
Um dos pontos controversos é o fato de que er- sua clientela no momento atual do mercado da
ros em procedimentos odontológicos podem ser odontologia.
corrigidos. Por um lado, há o ciclo restaurador Ao acompanhar a lógica da distribuição geo-
repetitivo, em que se refaz o trabalho várias vezes gráfica da população brasileira e das operadoras
desgastando as restaurações, mas, também, teci- de planos odontológicos nas cinco regiões do país,
do dentário sadio. Por outro lado, há ainda o temos o Sudeste e o Nordeste com, respectiva-
fato de que alguns procedimentos quando mal mente, 64,93 e 17,42% do total de beneficiários; e
realizados podem causar a perda do elemento as regiões Sul, Centro-Oeste e Norte, 17,65%.
dental, considerado uma amputação. Essa dis- Essas concentrações acompanham, além das
cordância deve-se, principalmente, à não valori- distribuições populacionais do país, as distribui-
zação ou não consideração da perda dentária ções de concentrações de capitais financeiros e as
como um problema grave. distribuições de assistência pública à saúde, prin-
cipalmente a odontológica.
A população brasileira está distribuída de for-
Assistência, planos odontológicos ma desigual pelo território brasileiro, havendo
e mercado de trabalho na odontologia concentração maior, segundo o IBGE23, nas áre-
as de maior desenvolvimento econômico, ou seja,
O segmento operador de planos odontológicos na região Sudeste, região Sul e região Centro-
vive, atualmente, um momento extraordinário Oeste e as regiões menos povoadas são a Nor-
dentro do sistema privado de atenção à saúde. A deste e a Norte, acompanhados de maneira sig-
trajetória ascendente evidencia que, cada vez mais, nificativa pela expansão das operadoras de pla-
a população está contratando os serviços destas nos odontológicos.
operadoras, sejam eles planos coletivos ou indi- O PIB – Produto Interno Bruto – dos muni-
viduais. cípios revela a concentração das riquezas do país,
Segundo os dados reunidos pela ANS publi- o ranking se mantém desde 2002, segundo o
cados no Caderno de Informações da Saúde Su- IBGE23, e registra os maiores PIBs entre as capi-
plementar15,17, o segmento odontológico saltou tais brasileiras em Vitória (ES), Brasília (DF),
de pouco mais de três milhões de beneficiários, Manaus (AM), São Paulo (SP), Rio de Janeiro
em 2001, para 7.448.151 em 2006 e para 8.590.076 (RJ), Porto Alegre (RS) e Florianópolis (SC). E
em 2007. Um crescimento, nos últimos sete anos, não há nenhuma capital do Nordeste com PIB
de cerca de 210%. Também a receita das opera- acima do nacional.
doras exclusivamente odontológicas, no período A distribuição da assistência pública à saúde
de 2001 a 2005, aumentou em, aproximadamen- obedece às mesmas distribuições populacionais
te, 112%. Dados que confirmam a expansão do e econômicas descritas anteriormente. Está con-
setor e seu potencial ambiente de contínuo cres- centrada nos grandes centros urbanos, primor-
cimento dos próximos anos em todo o território dialmente, na região Sudoeste e Sul, e, de maneira
brasileiro enfatizado pela previsão do caderno mais isolada nas regiões Nordeste, Centro-Oeste
de informações da ANS de dezembro de 200717. e Norte.
Entre 2005 e 2006, embora o crescimento te- Ao analisarmos somente a região Sul, obser-
nha se verificado em todas as modalidades de va-se, em dezembro de 200615, 622.940 novos
operadoras de planos odontológicos, é na odon- beneficiários de planos exclusivamente odonto-
tologia de grupo que os números ficam mais evi- lógicos, sendo destes 545.641 coletivos e 77.299
dentes: um acréscimo de 764 mil novos benefici- de tipo individual. Estes, somados aos 165.614
ários, totalizando uma carteira de mais de 4.600 beneficiários anteriores, totalizam 788.554 usuá-
1596
Pietrobon, L. et al.

rios na região Sul. A taxa percentual de cobertura ras deverão implementar o novo plano de con-
dos planos exclusivamente odontológicos é vari- tas estabelecido pela ANS, além de ajustar suas
ável de 2,1% a 3% na região Sul. reservas técnicas. Ainda, a implantação da Troca
Os mesmos dados de dezembro de 200717 de Informações de Saúde Suplementar - TISS,
mostram uma população na região Sul de que padronizará as guias preenchidas nos diver-
27.308.919; existem 834.843 beneficiários de pla- sos prestadores de serviços médicos e odontoló-
nos de saúde exclusivamente odontológicos, per- gicos, e a instituição do Programa de Qualifica-
fazendo um percentual de 3% da população, ção, cujo principal interesse é a produção da saú-
mantendo-se estável em relação ao ano de 2006. de, com a realização de ações de promoção à saú-
Em relação ao total de 559 operadoras de pla- de e prevenção de doenças, são parte de um in-
nos de saúde odontológicos, na região Sul, 60 de- vestimento humano e tecnológico que cada em-
las detêm 80% do total de beneficiários, números, presa deverá dispor a curto prazo24.
esses, que se têm mantido estáveis no último ano, Para atender a estas necessidades e às atrela-
enfatizando a grande concentração de mercado das a uma redução de custos administrativos
por parte destas operadoras odontológicas. associada à economia de escala, algumas empre-
A expansão pode ser atribuída, também, ao sas, principalmente as localizadas nos grandes
aumento da expectativa de vida da população centros urbanos, estão se fundindo, sendo in-
brasileira. Conforme dados do IBGE23, houve um corporadas ou até mesmo abrindo o seu capital,
considerável incremento da população idosa, aci- lançando ações na Bolsa de Valores, para uma
ma de 70 anos, e um decréscimo de crianças e rápida capitalização. Já as operadoras de peque-
adolescentes, de 0 a 14 anos; entretanto, a propor- nas localidades, onde operam isoladamente e não
ção de indivíduos economicamente ativos passou têm o risco da eminente concorrência, deverão
de 39% em 1995 para 50% em 2005, correspon- unir forças, por meio de suas entidades repre-
dendo a um crescimento dessa população na or- sentativas, a fim de garantir o acesso às informa-
dem dos 130%, estando em franca ascensão, da- ções e à troca de experiências.
dos que comprovam um aumento da população O Sinog (Sindicato Nacional das Empresas
com possibilidades de uso de planos de saúde. de Odontologia de Grupo), por exemplo, vem
Embora este segmento esteja expandindo seus orientando suas associadas, seja de qual porte
números, o espaço para crescimento dos planos for, nestes quesitos que demandam maior aten-
odontológicos é bastante grande, tendo em vista ção, criando grupos técnicos que as instruam e
que os atuais beneficiários atendidos por estas ope- subsidiem de informações.
radoras representam apenas 4% de toda a popu- Também neste cenário de desafios, não se
lação brasileira. Isto mostra que há, ainda pela fren- pode esquecer que se torna imprescindível capa-
te, uma demanda a ser suprida e um longo cami- citar as empresas operadoras com a adoção de
nho a ser percorrido para que os planos odonto- práticas de boa governança, a correta gestão de
lógicos cheguem a um número maior de pessoas, seus negócios, além da otimização da organiza-
já que as políticas públicas de promoção e atenção ção e dos métodos gerenciais aplicados ao qua-
da saúde bucal à população são deficientes. dro de colaboradores, capacitando-os para suas
tarefas a fim de atender o objetivo da empresa.
Enfim, prestadores de serviços, gerentes de
Regulamentação e desafios contas, supervisores, pessoal de apoio e, inclusi-
ve, corretores deverão fazer parte desta estraté-
Desde que o sistema privado de atenção à saúde gia de crescimento da empresa e no conseqüente
foi regulamentado, em 1988, com a publicação aumento da participação de mercado.
da Lei nº 9.656/98 e suas sucessivas alterações,
além da implantação da ANS, as empresas ope-
radoras, sejam elas de quais segmentos forem, Novas oportunidades
têm procurado se ajustar e enquadrar-se aos
padrões e normas estabelecidas - que não são Para o caso dos planos odontológicos, que se
poucas - visando um equilíbrio financeiro inter- encontram em plena expansão, sejam eles coleti-
no e a satisfação de seus usuários e a dos presta- vos, aqueles contratados pelas empresas como
dores de serviços. E essa tarefa não tem sido fácil benefício a seus funcionários, ou os individuais,
perante os desafios e exigências impostas pela advindos da contratação por pessoas físicas, vis-
agência reguladora. lumbram-se várias oportunidades e desafios para
No ano de 2007, todas as empresas operado- a sua consolidação.
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Ciência & Saúde Coletiva, 13(5):1589-1599, 2008


Do total de beneficiários dos planos odonto- modelo liberal da profissão, representada até pou-
lógicos em 2006, 82,25% enquadram-se na mo- cos anos essencialmente por consultórios priva-
dalidade coletiva. A discrepância deste número dos, exige dos profissionais uma reavaliação na
em relação aos planos individuais está em consi- forma de organização e de atendimento. As mu-
derar que, em geral, o benefício que as empresas danças no mercado de trabalho devem levar em
concedem a seus colaboradores, como forma de conta a participação das empresas de odontolo-
atender às reivindicações sociais nos dissídios e gia de grupo e administradoras de convênios27. A
convenções coletivas, é de baixo impacto finan- literatura ainda demonstra que devem ser leva-
ceiro e de intensa capacidade de gerar melhoria dos em conta não somente os interesses das em-
na auto-estima do trabalhador, uma vez que o presas, mas, também, as reivindicações dos pro-
sorriso bonito e a dentição sadia melhoram sua fissionais responsáveis pelo atendimento. Desse
qualidade de vida. modo, pode ser concretizada a realização das ne-
Segundo a ANS15, mesmo os planos indivi- cessidades dos usuários, as quais são viabilizadas
duais, que representam hoje a menor porcenta- pelo sistema de pré-pagamento ou de convênio27.
gem de participação no segmento odontológico, Os mesmos autores puderam evidenciar que a
têm um mercado promissor a ser desbravado se modalidade de atendimento representada pelos
novas possibilidades de atuação forem explora- planos odontológicos é reconhecida pelos cirur-
das. Mas é óbvio também saber que o cresci- giões-dentistas, possivelmente em virtude da cri-
mento de qualquer setor, como é o esperado para se no mercado liberal, demonstrada pelo interes-
o odontológico, depende diretamente do desem- se que os profissionais apresentam em firmar
penho da economia do país. convênio com as empresas.
Como se vê atualmente, o Brasil passa por A odontologia de grupo tem contribuído para
uma boa fase de investimentos externos, risco- a expansão da odontologia, atingindo uma mai-
país em baixa, reservas internacionais elevadas, or parte da população. Uma outra vantagem da
um congresso recém-empossado e um pretendi- emergência deste ramo é que os profissionais
do plano de aceleração do crescimento (PAC) acreditam ser uma possibilidade de aumento da
implantado pelo governo com medidas para re- sua renda e clientela22. Serra et al.22 observaram
duzir impostos de alguns setores e permitir in- que grande parte de profissionais trabalha com
vestimentos em infra-estrutura. Cabe ao empre- algum tipo de odontologia de grupo, por meio
sário, neste momento, ter a iniciativa concreta de de contratos, realizando o atendimento em seus
sair de seu patamar para crescer com solidez e próprios consultórios, mais comumente através
segurança15,17. do sistema de cooperativas. Os autores salien-
Segundo dados do IBGE18, em 2005, o estado tam ainda que a maior parte dos cirurgiões-den-
de Santa Catarina contava com o contingente tistas relatam estarem insatisfeitos com relação a
populacional de 5.866.568 habitantes. O número sua participação no sistema de odontologia de
de cirurgiões dentistas em atividade, em abril de grupo. No entanto, apesar da insatisfação, so-
2007, era 7.149, que resulta numa relação aproxi- mente uma pequena parte dos profissionais par-
mada de 820,61 habitantes por profissional devi- ticipantes do estudo pretendem se desligar do sis-
damente inscrito25. tema de odontologia de grupo.
Na década de 1990, as características do mer- Um aspecto importante com relação aos pla-
cado de trabalho na área odontológica sofreram nos de sistema de saúde e de seguros odontoló-
mudanças significativas. Alterações no contexto gicos diz respeito aos critérios usados para a se-
mundial como a abertura comercial e o fenôme- leção dos profissionais participantes. Tal fato é
no da globalização acabaram por ampliar a com- relacionado diretamente também com a quali-
petitividade no setor privado e, por conseguinte, dade da prestação dos serviços. O processo de
na ocupação e rendimento dos indivíduos26. Tais credenciamento é uma importante etapa para
mudanças são sentidas na odontologia e no se- obtenção da eficiência, para a qualidade e a satis-
tor saúde de um modo geral. fação dos usuários. Apesar da importância des-
Nos últimos anos, os convênios odontológi- tes aspectos, nem sempre os mesmos são leva-
cos tornaram-se cada vez mais presentes na rea- dos em conta, como demonstra o estudo reali-
lidade da população, sendo que a adesão aos sis- zado por Sekulic et al.28, no qual os autores, ava-
temas de convênio e de credenciamento torna liando empresas do ramo, puderam perceber que
propícia maior participação de grupos econô- a preocupação com a formação, a habilidade e a
micos de médio e grande porte26. competência do profissional são inexpressivas no
Também é importante frisar que a crise do momento do credenciamento. Os autores enfa-
1598
Pietrobon, L. et al.

tizam ainda que a adoção de critérios adequados Constatou-se que a cobertura de serviços do
para seleção e credenciamento de cirurgiões-den- setor suplementar de saúde está aquém das reais
tistas poderia garantir a qualidade do produto demandas por abrangerem apenas os serviços
oferecido aos usuários, pois os prestadores de médico-hospitalares, não contemplando, portan-
serviço são, em grande parte, responsáveis pela to, a assistência integral à saúde.
manutenção da boa imagem do plano. Na odontologia, essa cobertura está se am-
pliando, o crescimento do setor de saúde suple-
mentar odontológico cresceu 210% nos últimos
Considerações finais anos. Ainda se está aquém da supressão das ne-
cessidades sentidas pela população e pelos indi-
Refletindo sobre as constatações realizadas, res- víduos que obtêm acesso ao sistema de saúde
salta-se a necessidade do investimento social no suplementar; entretanto, há a possibilidade de
sentido de melhorar e adaptar o SUS e a assistên- uma ampliação do acesso.
cia privada à saúde às constantes transforma- Enfim, sugere-se a necessidade de ampliar a
ções da sociedade brasileira. Reforça-se que o agenda de debates e pesquisas sobre o mosaico
modelo mais desejável é aquele que responda com público-privado que estrutura o sistema de saú-
dignidade, eficácia e eficiência de forma acessível de brasileiro.
a todos os que dele necessitem.

Colaboradores

CM Silva, L Pietrobon, LRV Batista realizaram a


pesquisa bibliográfica e elaboração da primeira
versão do artigo. JC Caetano contribuiu com a
revisão crítica do artigo.
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