You are on page 1of 7

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA


SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA
2ª VARA FEDERAL

Processo: 2006.82.00.005358-2
Natureza: Ação penal pública
Autor: MPF
Réus: José Geraldo Maia Aguiar e Maria Nícia Maia Aguiar

S E N T E N Ç A1

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (CP, 168-


A). AUTORIA E NEXO CAUSAL. A autoria do crime depende
do efetivo exercício de poderes de administração na
sociedade. A inexistência desse dado leva à exclusão da
autoria por eliminação do nexo causal e, consequentemente,
a julgamento de improcedência do pedido.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (CP, 168-


A). RECOLHIMENTO DE VALORES E AUSÊNCIA DE
REPASSE. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO. ÔNUS DA
PROVA. Cabe ao autor da ação penal comprovar os aspectos
de fato que compõem os elementos objetivos do tipo. No
caso do CP, art. 168-A, o efetivo recolhimento ou retenção
de valores e seu não repasse à previdência são elementos
típicos a serem provados nos autos. Ausente a prova, julga-
se improcedente o pedido.

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL PÚBLICA promovida pelo


MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra José Geraldo Maia Aguiar e Maria
Nícia Maia Aguiar, já devidamente qualificados no processo, dando-os a peça
denunciativa como incursos nos artigos 168-A c/c 71, ambos do Código Penal
brasileiro.

Narra a denúncia (f. 02-3) que os acusados, na condição de sócios


administradores da empresa Pronto Socorro Infantil Rodrigues de Aguiar,
teriam deixado de repassar aos cofres do INSS as contribuições previdenciárias

1
Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006.
ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU
Juiz Federal
PODER JUDICIÁRIO
Página 2 de 7
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA
2ª VARA FEDERAL

descontadas dos salários de seus empregados no período de julho/2004 a


outubro/2004. Disso teria resultado um débito frente ao INSS no valor de R$
26.940,01 (vinte e seis mil novecentos e quarenta reais e um centavo). A denúncia
indicou uma testemunha.

Denúncia recebida em 17/10/2006 (f. 105-6).

Interrogatório (f. 118-20) e defesa prévia (f. 124-27) de José Geraldo


Maia Aguiar. Indicou três testemunhas.

Interrogatório (f. 154-5) e defesa prévia (f. 157-9) de Maria Nícia


Maia Aguiar. Indicou três testemunhas.

Inquirição de Dave Rosado Carrilho (f. 177-8), indicado pelo MPF.

Inquirição de Joaquim de Souza Faria (f. 215-6), Osório da Costa


Barbosa (f. 250-1), Reginaldo Guedes Sales (f. 285).

Aberto o prazo para diligências (f. 289), as partes não se manifestaram.

Em alegações finais, o MPF (f. 292-7) pediu a condenação de José


Geraldo Maia Aguiar e a absolvição de Maria Nícia Maia Aguiar. A defesa, de
sua parte, alegou a) a inconstitucionalidade material do CP, art. 168-A; b)
inexigibilidade de conduta diversa; c) atipicidade do fato em razão da ausência do
elemento subjetivo do tipo. Pediu, ao final, o julgamento de improcedência da
denúncia.

Autos conclusos para julgamento.

É o relatório. DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

Não há preliminares ou prejudiciais a examinar. Passo ao mérito.

Antes de examinar o mérito, observo alegação dos acusados no sentido


da inconstitucionalidade do art. 168-A do Código Penal por violação a princípios
aplicáveis ao direito penal moderno, a exemplo da intervenção mínima, da
lesividade e da fragmentariedade.
ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU
Juiz Federal
PODER JUDICIÁRIO
Página 3 de 7
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA
2ª VARA FEDERAL

A questão, contudo, já foi resolvida nos tribunais superiores,


considerando-se constitucional o apontado dispositivo. Para exemplificar,
transcrevo logo abaixo decisões do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região.

Origem: STF - Supremo Tribunal Federal. Classe: HC - HABEAS


CORPUS. Processo: 91704 UF: PR - PARANÁ Órgão Julgador: Data
da decisão: Documento: Relator: JOAQUIM BARBOSA.

EMENTA: HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA


PREVIDENCIÁRIA. CONDUTA PREVISTA COMO CRIME.
INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. VALORES NÃO
RECOLHIDOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. ORDEM DENEGADA.

1. A norma penal incriminadora da omissão no recolhimento de


contribuição previdenciária - art. 168-A do Código Penal - é
perfeitamente válida. Aquele que o pratica não é submetido à prisão
civil por dívida, mas sim responde pela prática do delito em
questão. Precedentes.

2. Os pacientes deixaram de recolher contribuições previdenciárias


em valores muito superiores àquele previsto no art. 4º da Portaria
MPAS 4910/99, invocada pelo impetrante. O mero fato de a
denúncia contemplar apenas um dos débitos não possibilita a
aplicação do art. 168-A, § 3º, II, do Código Penal, tendo em vista o
valor restante dos débitos a executar, inclusive objeto de outra ação
penal.

3. Ordem denegada.

Origem: TRIBUNAL - QUINTA REGIAO. Classe: ACR - Apelação


Criminal – 4423. Processo: 200385000048488 UF: SE Órgão
Julgador: Quarta Turma. Data da decisão: 08/04/2008 Documento:
TRF500158173. Relator: Desembargador Federal Lazaro
Guimarães.

Penal e Processual Penal. Apropriação indébita previdenciária.


Retroatividade penal. Aplicação da lei penal no tempo. Lei posterior
mais benigna. Compatibilidade entre o artigo 168-A do Código Penal
e o artigo 5º, LXVII da Constituição Federal. Distinção entre prisão
civil por dívida e prisão resultante de condenação penal.
Dificuldades financeiras não comprovadas. Inexigibilidade de
conduta diversa não verificada. Improvimento da apelação.

Em se tratando de ausência de repasse de contribuições


descontadas de empregados, aplica-se o disposto no artigo 168-A
do Código Penal a fatos ocorridos antes de sua edição, posto que a
lei nova é mais benéfica para o agente do que a lei antiga. Não há
inconstitucionalidade no artigo 168-A do Código Penal por prever
pena de reclusão para devedor de contribuições previdenciárias,
visto que a reclusão seria decorrente de processo judicial, com
observância do contraditório, não se constituindo prisão civil por
dívida, mas prisão penal.

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU


Juiz Federal
PODER JUDICIÁRIO
Página 4 de 7
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA
2ª VARA FEDERAL

A inexigibilidade de conduta diversa capaz de excluir a culpabilidade


do agente, consubstanciada na impossibilidade de recolher aos
cofres da Previdência Social os valores recolhidos dos salários dos
empregados, não pode ser apenas alegada, necessário se faz
produzir prova do que se afirma, já que a autoria e materialidade
criminosa restaram indubitáveis.

Tratando-se de crime omissivo próprio, o dolo é genérico,


caracterizando-se a omissão como ilícito penal e não civil.

Apelação improvida.

Diz o MPF que os acusados José Geraldo Maia Aguiar e Maria Nícia
Maia Aguiar, na condição de sócios administradores do HOSPITAL INFANTIL
RODRIGUES DE AGUIAR, teriam deixado de repassar aos cofres do INSS valores
descontados dos salários dos empregados entre julho/2004 e outubro/2005 que,
atualizados até a denúncia, importariam em R$ 26.940,01.

A denúncia se fez acompanhar do processo administrativo fiscal no seio


de que teria sido comprovado o fato de que a apontada empresa teria realmente
deixado de repassar aos INSS quantias referentes a contribuições previdenciárias
retidas dos salários dos empregados no período indicado na peça exordial. Os
discriminativos analítico (f. 13-6) e sintético (f. 17-8) de débito evidenciariam os
valores não recolhidos a tempo e modo. Em momento algum essas circunstâncias
de fato foram objetadas pelos acusados.

Diz a denúncia também que seriam sócios responsáveis pela empresa os


dois acusados: José Geraldo Maia Aguiar e Maria Nícia Maia Aguiar. Tal é o
que está igualmente registrado nas relações de co-responsáveis (f. 26) e de
vínculos (f. 27). Daí o motivo pelo qual ambos foram denunciados pelo MPF.

Os interrogatórios dos acusados e a tomada dos depoimentos das


testemunhas afastaram esse convencimento temporário, tendo ficado bastante
claro que a acusada Maria Nícia Maia Aguiar, já octogenária, jamais praticou atos
de administração na empresa, mantendo ali seu nome apenas para formação de
uma pluralidade societária. Tampouco retiraria pró-labore da sociedade, vivendo
com recursos próprios. Em momento algum essa tese foi contrastada, razão pela
qual o próprio MPF pediu-lhe, com justiça, a absolvição.

De fato, a autoria em tese de crimes como o narrado na denúncia exige


poderes de administração da empresa, sob pena de não haver como o denunciado
ter colaborado causalmente para o resultado. O nexo causal depende do exercício
efetivo de poderes gerenciais. Comprovada a inexistência dessa circunstância de
fato, é de se excluir a imputação em relação a Maria Nícia Maia Aguiar.

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU


Juiz Federal
PODER JUDICIÁRIO
Página 5 de 7
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA
2ª VARA FEDERAL

A prova testemunhal produzida a requerimento da defesa foi uníssona


ao apontar o que seriam condições financeiras precárias em relação ao HOSPITAL
INFANTIL RODRIGUES DE AGUIAR.

A testemunha Joaquim de Souza Faria disse ter conhecimento de


que: a empresa passava por dificuldades financeiras, o que chegava a causar
atrasos nos pagamentos aos funcionários; de que a empresa dependia das verbas
do SUS, as quais chegavam com atraso; de que o hospital atendia pessoas
carentes.

Osório da Costa Barbosa disse ter prestado consultoria tributária ao


HOSPITAL INFANTIL RODRIGUES DE AGUIAR, registrando ter conhecimento de
que: a empresa passa por dificuldades financeiras, havendo ações trabalhistas
contra o hospital e débitos bancários; que os acusados teriam comentado com o
depoente que estariam priorizando o pagamento de salários em detrimento do
fisco; que o hospital chegou a sofrer ameaça de greve de funcionários caso não
houvesse o pagamento dos salários; que havia demora nos repasses do SUS e
problemas da empresa para receber créditos perante o Governo do Estado da
Paraíba; que mesmo com a priorização da folha de salários ainda ocorrem atrasos
no pagamento; que a empresa teria pendências ainda com as concessionárias de
água e energia elétrica.

O próprio acusado José Geraldo Maia Aguiar disse taxativamente em


seu interrogatório que a empresa não dispunha de dinheiro para repassar ao INSS,
sendo meramente contábeis as informações de retenção prestadas ao fisco.
Esclarece que, na verdade, dinheiro em caixa não existia, pagando-se aos
empregados a diferença entre o salário bruto e os descontos.

Em vista disso, em suas alegações finais, a defesa alega a falta do


elemento subjetivo do tipo do art. 168-A do Código Penal e, como conseqüência, a
atipicidade da conduta. Na mesma linha, alega a inexigibilidade de conduta diversa
como causa supralegal de exclusão da culpabilidade dos acusados.

As questões a resolver agora cingem-se a dois pontos fundamentais:


considerar ou não como provada: a) a alegação de que o acusado efetivamente
reteve os valores das contribuições descontadas dos salários e b) a alegação de que
a empresa passava por dificuldades financeiras que lhe tornaram impossível
cumprir suas obrigações tributárias perante o INSS.

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU


Juiz Federal
PODER JUDICIÁRIO
Página 6 de 7
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA
2ª VARA FEDERAL

São questões a serem resolvidas sucessivamente, pois uma vez


comprovado pelo MPF que a empresa realmente reteve valores a título de
contribuições previdenciárias a cargo de seus empregados, deverá o acusado
demonstrar a existência das dificuldades financeiras que lho impediram o repasse
das contribuições descontadas. O primeiro aspecto, como parte integrante do tipo
penal, é ônus da prova do autor da ação penal. O segundo, fundamento de fato que
afasta o primeiro, é ônus da defesa.

No caso dos autos, em termos de provas, vejo que em momento algum


houve qualquer preocupação das partes em demonstrar documentalmente se a
empresa tinha disponibilidades financeiras que pudesse transferir aos cofres do
INSS. O auditor fiscal indicado na denúncia como testemunha e ouvido em juízo
disse taxativamente que não houve qualquer exame da contabilidade ou do caixa
da empresa para fins de apuração de suas condições financeiras. A existência de
recursos à disposição da sociedade tornaria possível o repasse e, assim, poderiam
seus administradores ser responsabilizados pelo não-repasse. Em sentido contrário,
como responsabilizar alguém por deixar de repassar o que não existe?

Não se trata, aqui, de examinar a segunda questão antes da primeira. O


tipo do art. 168-A do CP criminaliza a conduta de “deixar de repassar à
previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e
forma legal ou convencional”. Ao falar em repassar as contribuições recolhidas, o
dispositivo em questão contempla dois elementos do tipo que não podem ser
simplesmente alegados, mas devidamente comprovados: o recolhimento de
contribuições dos contribuintes e a ausência de seu repasse à previdência social.

Nesse ponto, registro mais uma vez que a prova dos fatos que
compõem os elementos objetivos do tipo penal é ônus da acusação, não se
podendo atribuir ao réu o ônus da prova contrária para liberar o acusador da
atividade probatória quanto a esse ponto.

Quanto ao caso concreto, aqui insisto em que, se houvesse o MPF


comprovado os elementos objetivos do tipo penal a partir da demonstração de que
houve recolhimento de contribuições pela empresa e seu não repasse ao INSS,
caberia em seguida ao réu demonstrar as alegadas más condições financeiras da
empresa e o nexo de causalidade entre esse fato e o não repasse das contribuições
recolhidas (tal como provado pelo MPF).

A prova de que a empresa dispunha de valores para repasse ao INSS –


implicando aceitação de que realmente houve o desconto de valores dos salários
dos empregados – poderia ter sido feita através de exames sobre a contabilidade
ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU
Juiz Federal
PODER JUDICIÁRIO
Página 7 de 7
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA
2ª VARA FEDERAL

da empresa, contas bancárias, declarações de rendimentos etc. Em momento


algum o órgão acusador requereu ao juízo qualquer dessas providências no sentido
de comprovar a imputação contida na denúncia – não cabendo ao juízo suprir,
contra o réu, ônus probatório da acusação.

Em vista de todos esses fundamentos, entendo que não há nos autos


provas suficientes para a condenação do réu José Geraldo Maia Aguiar, uma vez
que não foram demonstrados todos os elementos objetivos do tipo, em especial: o
recolhimento ou retenção de valores (reais, não meramente escriturais) a título de
contribuição previdenciária dos salários dos empregados e seu não-repasse aos
cofres da previdência social.

Quanto à ré Maria Nícia Maia Aguiar, em sintonia com a posição


ministerial, entendo ter ficado demonstrado nos autos que não participara dos fatos
narrados na denúncia, uma vez que não exercia ativamente poderes de
administração na empresa em questão.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, julgo improcedente o pedido para absolver os


acusados José Geraldo Maia Aguiar (CPP, art. 386, II) e Maria Nícia Maia
Aguiar (CPP, art. 386, IV) das imputações contidas na denúncia.

Transitada em julgado a presente sentença, certifique-se, dê-se baixa


na distribuição e arquivem-se os autos.

Custas “ex lege”.

Sentença publicada em mãos do diretor de secretaria da 2ª vara.


Registre-se no sistema informatizado. Intimem-se os réus e seus defensores.
Cientifique-se o MPF.

João Pessoa, 02 de março de 2009.

Juiz Federal ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU


Substituto da 2ª vara – SJPB

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU


Juiz Federal

You might also like