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ADEUS LÊNIN:
A IDENTIDADE DO SUJEITO PÓS-MODERNO

Orientação: Profª Ms Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira


Acadêmica: Érica Fernandes Silva *

Resumo: Este artigo pretende traçar um panorama acerca da condição do sujeito pós-moderno
através das temáticas que interpenetram o filme alemão Adeus Lênin (2003), do diretor Wolfgang
Becker. Nossa análise procura estabelecer uma relação entre o discurso fílmico, a constituição da
identidade e o impacto da imagem neste sujeito a partir da teoria bakhtiana e da perspectiva pós-
moderna de Jean-François Lyotard.

Palavras-chaves: Adeus Lênin, identidade, pós-modernismo, sujeito.

INTRODUÇÃO
And all you touch and all you see is all your life will ever be.
*
Aluna do quarto semestre do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda no Uni-
Facef Centro Universitário, em 2005.
2

Roger Waters

Adeus Lênin, filme alemão de 2003, é uma obra despretensiosa, mas que apresenta
uma visão penetrante sobre as relações humanas e a identidade do sujeito pós-moderno.
Aliás, o pós-modernismo é um paradigma amplamente discutido e contestado.
Neste artigo, não entraremos no mérito de solucionar estes impasses. Trataremos do assunto
conforme a perspectiva do filósofo francês Jean-François Lyotard.
O filme é contextualizado na Berlim oriental à época da queda do muro. Talvez,
somente esta premissa já servisse de justificativa à escolha do tema frente à perspectiva pós-
moderna, já que o conceito surgiu a partir de importantes rupturas teóricas e sociais nas quais
estão refletidas o pensamento marxista e o declínio socialista.
No entanto, Adeus Lênin trata das escolhas humanas numa realidade em
desmoronamento e da relação indivíduo-mídia-bens de consumo como fator que constrói e
determina a identidade do sujeito.
Sobre este aspecto (a constituição do sujeito) pesquisamos o dialogismo inerente
ao processo conforme postulado pelo teórico russo Mikhail Bakhtin. A seguir, confrontamos
teorias e o discurso fílmico a fim de identificar os traços que compõem a identidade do sujeito
pós-moderno.

1 PERSPECTIVA TEÓRICA

1.1 Constituição do Sujeito

Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou


escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más,
importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. (...) É
assim que compreendemos as palavras e somente reagimos
àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou
concernentes à vida.
BAKHTIN, 2002, p. 95
A análise do processo discursivo, através das formas de produção do sentido,
constitui o tema central de Mikhail Bakhtin, que teorizou a “lingüística social”, uma perspectiva
3

marxista do processo de significação e sentido da linguagem. Nestes termos, o dialogismo


inerente ao processo lingüístico constitui a forma como o enunciado se imbui da natureza dos
meios sócio-históricos em que são proferidos e, ou recebidos pelo outro1.
Com isto, Bakhtin insere a noção de tema2, querendo dizer que a linguagem não
deve ser compreendida ou estudada como combinação abstrata de signos, já que ela é viva e se
desenvolve no âmbito social. O signo carrega em si o sentido ideológico da relação dialógica
entre o enunciador e o outro; sem, contudo, limar a relação estabelecida entre significante e
significado3. O dialogismo bakhtiano propõe, portanto, que o papel do outro se inclui e implica a
enunciação. Ou seja, a palavra “é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como
pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do
locutor e do ouvinte” (BAKHTIN, 2002, p. 113).
A teoria bakhtiana instaura, desta forma, pelo menos dois pressupostos ao processo
de comunicação: a natureza ideológica do signo e o dialogismo da relação enunciador-ouvinte.
A partir desta perspectiva, vale citar Sodré, em seu Discurso da Neobarbárie, onde
“fica bastante claro que a linguagem cria, mais do que reflete, a realidade” (1997, p. 116). Neste
texto, o autor alerta de que forma uma ideologia aceita pelo corpo social se propaga legitimando
o discurso hegemônico através da linguagem e universalizando valores e pontos de vista
particulares. O discurso da neobarbárie dita e comanda uma “direção cultural” (SODRÉ, 1997,
p. 166), criando uma universalidade ilusória. Sodré ainda trata do “racismo” que surge neste
contexto, já que o discurso neobárbaro que não é aceito alija o individuo da integração social.
A seguir, veremos como os esclarecimentos de Lyotard acerca dos jogos de
linguagem e da natureza do vínculo social4, justificam e completam a visão bakthiana.
1.2 A Condição Pós-Moderna:
Se eu tivesse de resumir o século XX, diria que despertou as
maiores esperanças já concebidas pela humanidade e destruiu
todas as ilusões e ideais.
Yehudi Menuhin

1
“[...] a linguagem não é falada no vazio, mas numa situação histórica e social concreta no momento e no lugar da
atualização do enunciado.” (BRAIT, 1997, p. 97).
2
Tema “é a expressão da situação histórica concreta em que se pronuncia o enunciado.” (DIAS, 1997, p. 106).
3
“[...] a descodificação da forma lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas a compreensão da palavra no
seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação no sentido da evolução e não do imobilismo.” ( BAKHTIN,
2002, p. 94). E ainda, “[...] se concedermos um estatuto separado à forma lingüística vazia de ideologia, só
encontraremos sinais e não mais signos.” ( BAKTHIN, 2002, p. 96).
4
Cf. capítulos 3, 4 e 5 em LYOTARD, 1998.
4

Somente para traçar um panorama superficial do contexto em que surge o


pensamento pós-moderno, podemos dizer que a modernidade surgiu a partir do advento do
capitalismo e da valorização do sujeito da razão em detrimento do sujeito teocêntrico da Idade
Média. Este modelo moderno do sujeito cartesiano passou a ser desafiado por uma série de
rupturas teóricas e sociais que vemos refletidas nos trabalhos de pensadores como Freud, Marx,
Foulcault, etc. O filósofo francês Jean-François Lyotard denominou esta antítese ao pensamento
moderno de A condição pós-moderna (1998), texto que resenhamos neste artigo a fim de extrair
as bases teóricas de nossa análise.
A brochura de Lyotard é preciosa por popularizar um conceito que, hodiernamente,
tornou-se vedete da mídia e serve para adjetivar toda sorte de instrumental contemporâneo sem,
muitas vezes, designá-lo. Não queremos incorrer no mesmo erro, portanto, tentaremos verificar
quais os traços do texto interpenetram o discurso fílmico e, desse modo, identificar de que modo
o sujeito pós-moderno é metaforizado na película.
Nos cinco capítulos iniciais de sua obra, o pensador francês demonstra seu campo
e seu método de trabalho. Ele se propõe a desvendar o estatuto do saber na sociedade pós-
moderna e o faz a partir de uma perspectiva lingüística5. Ele expõe brevemente acerca dos jogos
de linguagem, que se estruturam a partir dos elementos do processo de comunicação, onde o
enunciado é legitimado pela autoridade de que se imbui o remetente6 ante o destinatário. Para
Lyotard existem diversas categorias de enunciados que pressupõem regras próprias. Os jogos de
linguagem são, dessa maneira, caracterizados pelo pensador:
Suas regras (...) constituem objeto de um
contrato explícito entre os jogadores (o que não
quer dizer todavia que estes as inventem). (...)
na ausência de regras não existe jogo, que uma
modificação, por mínima que seja, de uma
regra, modifica a natureza do jogo, e que um
‘lance’ ou um enunciado que não satisfaça as
regras, não pertence ao jogo definido por elas.
5
“Pelo que antecede, já se observou que, para analisar este problema no quadro que determinamos, preferimos um
procedimento: o de enfatizar os fatos de linguagem e, nestes fatos, seu aspecto pragmático.” (LYOTARD, 1998, p.
15).
6
Sachant, isto é, aquele que sabe (LYOTARD, 1998, p. 15).
5

(...) todo enunciado deve ser considerado como


um ‘lance’ feito no jogo. (LYOTARD, 1998,
p.17)
Dessa forma, ele conclui que “falar é combater” (LYOTARD, 1998, p.17), que
são os lances que fazem a língua evoluir e, a partir deles, pode-se observar o vínculo social.
Na perspectiva pós-moderna de Lyotard, o vínculo social está em extinção. Ele
postula acerca da “(...) dissolução do vínculo social e a passagem das coletividades sociais ao
estado de uma massa composta de átomos individuais lançados num absurdo movimento
browniano” (LYOTARD, 1998, p. 28). O indivíduo está entregue a si mesmo. E o si mesmo está
exposto a todos os efeitos dos jogos de linguagem7, leia-se, o discurso travado entre indivíduo e a
ideologia hegemônica.
Aqui podemos traçar um paralelo com o pensamento dos frankfurtianos, que
teorizaram a indústria cultural e sua capacidade de atomizar o indíviduo, clivando-o de seu eu
mesmo8. Lyotard também diz que “o si mesmo é pouco” (LYOTARD, 1998, p. 28). Se as
premissas da sociedade constituem-se a partir dos jogos de linguagem, na sociedade pós-moderna
observamos que estes vínculos são muito mais estreitos entre o indíviduo e a aparelhagem técnica
do sistema do que entre os homens e seus semelhantes.
Em termos gerais, a contribuição do filósofo francês para o pensamento
contemporâneo foi identificar como condição pós-moderna “a decomposição dos grandes
Relatos” (Lyotard, 1998, p. 28), ou seja, a substituição das grandes verdades ou das narrativas
absolutas por verdades provisórias e mutantes. Lyotard reconhece o sujeito fragmentado e
socialmente determinado, apesar de ignorar o papel da mídia na formação do sujeito. Ele afirma
que o conhecimento valorizado nas sociedades pós-industriais, ou seja, nas sociedades
capitalistas, é o conhecimento como valor de troca. O saber torna-se mercadoria e privilegia-se as
áreas do saber que são potencialmente e imediatamente lucrativas. O saber reificado torna-se
facilmente substituível.

2 ANÁLISE CRÍTICA

2.1 Sinopse
7
“Os átomos são colocados em encruzilhadas de relações pragmáticas.” (LYOTARD, 1998, p. 30).
8
ADORNO, 1990.
6

Adeus Lênin situa-se nos momentos que antecedem e que precedem a queda do
Muro de Berlim. Seu tom nostálgico já pode ser sentido durante os créditos iniciais: Fragmentos
da felicidade singela do período de férias das crianças Kerner, registrados pela Super 8 de um pai
amoroso.
O filme começa. Alex e Ariane, as crianças Kerner, assistem pela TV o lançamento
espacial do primeiro astronauta da Alemanha Oriental, Sigmund Jaehn. A história é narrada por
Alex, que conta ter sido este o momento em que sua família desmoronara. O pai, Robert Kerner,
havia trocado mulher e filhos por uma alemã ocidental. A mãe atravessa uma grave depressão,
abandona os filhos aos cuidados de uma vizinha. Após algum tempo, ela retorna curada e
completamente diferente. Dedica-se à casa, aos filhos e à licenciatura. “Casa-se com a pátria
socialista” e devota sua vida à ideologia marxista.
Anos depois, ela ainda é uma ativa militante. Seus filhos cresceram. Alex rejeita o
sistema que a mãe tanto ama. Numa noite, Christiane vê seu filho em uma manifestação contra o
regime. Ela não agüenta e sofre um ataque cardíaco, permanecendo em coma durante 8 meses.
Neste período, cai o Muro e tudo o que representava o ideal socialista. Alex arranja um emprego
como vendedor de antenas parabólicas e sua irmã, Ariane, abandona a faculdade para vender
hambúrgueres na rede internacional Burger King. Christiane acorda num mundo novo e, temendo
uma recaída, Alex empreende um plano absurdo para reconstruir a extinta República Democrática
Alemã no quarto de sua mãe.
A principio o plano consiste em apenas redecorar o quarto, no qual sua irmã tinha
rapidamente acumulado toda sorte de bugiganga capitalista. É preciso encontrar as marcas de
gêneros alimentícios da RDA, que não são mais vendidos em nenhum supermercado Seu plano
torna-se cada vez mais audacioso, Alex e um amigo videomaker produzem noticiários fictícios
simulando os antigos programas do canal socialista. Através destes noticiários, eles negam a
realidade e justificam todos os acontecimentos que se passam do outro lado da janela de
Christiane.
O ápice da narrativa acontece quando, já recuperada, Christiane deixa o
apartamento e depara-se com a realidade que Alex teima em negar. A paisagem de Berlim
Oriental agora se constitui de outdoors e feirões de automóveis. Um helicóptero sobrevoa a
cidade levando a estátua de Lênin. O noticiário de Alex salva a situação. O jornalista atesta que
7

os alemães ocidentais, acuados pelo capitalismo selvagem, buscam refúgio no lado leste da
cortina de ferro.
Numa das seqüências mais hilariantes do filme, Alex convida velhos amigos para
comemorar o aniversário da mãe. “Contrata” os ex-alunos de Christiane para entoarem as, agora,
mudas canções socialistas. Enquanto Alex discursa, uma Christiane estarrecida, assiste pela
janela um gigantesco banner da Coca Cola ser desdobrado no prédio em frente. Alex não se
aflige, na próxima edição do telejornal da RDA uma notícia bombástica afirma que a marca de
refrigerantes era invenção comunista que agora o governo decidiu reaver.
Alex não mede esforços para preservar a mãe. Por amor a ela, desdobra-se para
reerguer um sistema em que ele mesmo não acreditava. O desfecho da trama permanecerá oculto,
para que o leitor não perca o prazer de desvenda-lo. A partir destes elementos já podemos
empreender a análise proposta.

2.2 Breve história da Alemanha Oriental

Após a 2ª guerra mundial a Alemanha foi dividida em quatro zonas de ocupação e


posteriormente em dois países. Os EUA lideravam a parte ocidental e a URSS o lado oriental.
Durante os quatro primeiros anos do pós-guerra a maior preocupação era capturar e punir os
líderes nazistas.
Porém, as desavenças entre russos e norte-americanos tornaram-se insustentáveis e
em 1949 a zona de ocupação estadunidense transformou-se na República Federal da Alemanha
(Bundesrepublik Deutshland – BDR ou RFA) e a zona soviética tornou-se República
Democrática Alemã (Deutsche Demokratische Republik – DDR ou RDA). A RFA seguiu a linha
capitalista estadunidense, e graças ao Plano Marshall9 viu florescer sua economia. No início dos
anos 60 já era uma das maiores potências mundiais. Por sua vez, a RDA, conduzida pelos
soviéticos seguia sua economia estratificada. Muitos cidadãos do leste, pressionados pela
opressão russa, começam a escapar em massa para o lado ocidental.
Em 1953, acontece o primeiro levante contra os soviéticos na RDA. A revolta de
trabalhadores na Berlim Oriental foi suprimida pelo exército russo. Quase todos os países da

9
“(...) Washington sentiu que o fortalecimento da economia européia (...) era a prioridade mais urgente, e o Plano
Marshall, um projeto maciço para a recuperação européia (...) assumiu mais a forma de verbas que de
empréstimos.” (HOBSBAWN, 1995, p. 237).
8

Europa Oriental sofreram revoltas, a população sentia que os soviéticos haviam invadido seu
território e não pretendiam sair.
O Muro de Berlim, construído em 1961 pelo governo oriental servia para deter os
‘imigrantes’. A metade ocidental da cidade era uma ilha dentro da Alemanha Oriental. No pós-
guerra os cidadãos ocidentais deixaram de ser reféns dos soviéticos graças a uma ponte aérea de
medicamentos e alimentos liderada pelos EUA.
Apesar da Guerra Fria, os dois países ingressam na ONU em 1973 e no ano
seguinte se reconhecem mutuamente. A corrida armamentista no lado ocidental em 1983, quando
Helmut Kohl era o líder da RFA, criou uma crise entre as diversas promessas de acordos mútuos
e reaproximação das duas Alemanhas.
Quando Gorbachev subiu ao poder russo, a Guerra Fria chegava a seu fim e com
isto, chegava ao fim a influência soviética no leste europeu. Uma série de acontecimentos que
forçavam o fim do regime impulsionou a renúncia de Erich Honecker, o líder linha dura da RDA.
Esta renúncia acelerou ainda mais o processo de unificação e em novembro de 89 o muro era
enfim destruído. No primeiro semestre de 1990, o país teve eleições livres e Alemanha ocidental
acelera a unificação monetária para engendrar o processo de anexação.
É importante lembrar, que como o filme retrata, a Copa do Mundo de 1990 foi um
importante fator de união entre o povo alemão. O time da Alemanha Ocidental venceu o
campeonato, mas o título foi comemorado igualmente nos dois lados do país.
Outro ponto relevante é o fato de a corrida espacial ter importância fundamental na
superioridade dos regimes. Em 26 de agosto de 1978, o astronauta Sigmund Jaehn era o primeiro
alemão oriental a ir para o espaço a bordo de uma nave soviética. Este acontecimento é retratado
em Adeus Lênin e mostra como Jaehn tornou-se um herói nacional que após a queda do Muro,
torna-se um anônimo taxista.

2.3 O sujeito pós-moderno

Em Adeus Lênin, os personagens estão desmoronando como o muro que os cerca.


A identidade do sujeito pós-moderno “torna-se cada vez mais frágil e instável” (KELLNER,
2001, p. 298). A tentativa de perpetuar um sistema decadente pode ser entendida como um último
9

esforço de preservar os papéis que cada membro da família de Alex representavam. Aceitar a
queda do muro implica em aceitar que aquelas identidades também se extinguiam.
As identidades fragmentam-se após a unificação da Alemanha e reduzem-se aos
objetos que compõem a estética socialista do quarto de Christiane, à estrutura discursiva do
noticiário da RDA, às marcas dos produtos que os cidadãos orientais consumiam.
É muito interessante observar como esta relação entre pessoas e coisas é tratada no
filme. Para Alex, encontrar os pepinos Spreewald, café Mocca, ervilhas Globus torna-se uma
espécie de cruzada. Nos novos hipermercados que agora dominam a capital germânica estas
marcas não existem e Alex fica desorientado diante da diversidade capitalista.
Numa outra seqüência, a RFA estipula um prazo para a unificação monetária. Os
filhos não conseguem fazer com que Christiane se lembre do esconderijo de suas economias
antes que o prazo expire. Alex não consegue efetuar a troca e, colérico, indigna-se contra a
rapidez com que este símbolo da solidez socialista, o dinheiro, perdeu seu valor.
Outro aspecto importante da narrativa trata da relação entre indivíduo e mídia. O
noticiário fajuto que Alex criou tem que dar conta de toda realidade que se passa do lado de fora
da janela de Christiane.
Conforme o esquema de Lyotard a respeito dos jogos de linguagem, observamos
que a mãe de Alex deposita total confiança no que diz o pseudojornalista da RDA. A todo
momento, a realidade do avanço capitalista estampa-se com todas as cores, porém a autoridade
que ela deposita naquelas notícias legitima todas as mentiras do filho.
O que Alex conseguiu, foi identificar e reproduzir a estrutura discursiva dos
telejornais socialistas. A partir de então, ele poderia manipular as imagens em favor de seu
propósito. De que outra forma ele poderia convencer a mãe do absurdo da autoria da fórmula da
Coca Cola? Este fato é um exemplo explícito de como a realidade é mediatizada para o sujeito
pós-moderno. Creio que não é por acaso que o novo emprego de Alex é o de vendedor de antenas
parabólicas, disponibilizando o mundo nas salas dos alemães.
Quanto à origem da marca de refrigerantes, lembremo-nos do que Lyotard
escreveu sobre a relação entre domínio do conhecimento técnico e a hegemonia das nações: “Sob
a forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo, o saber já é e será um
desafio maior, talvez o mais importante, na competição mundial pelo poder.” (LYOTARD, 1998,
p.05).
10

A respeito do tema da vinculação social, o filme mostra as divergências entre Alex


e sua irmã. Ariane deixa a faculdade de economia para vender hambúrgueres numa rede de
lanchonetes americana, arranja um namorado ocidental e em pouco tempo, após a queda do muro,
consegue redecorar a casa toda de acordo com as influências capitalistas. Ela muda o cabelo e o
estilo de se vestir. Quando Alex empreende sua mentira para salvar a mãe, ela se irrita por ter de
voltar a usar as roupas antigas, que agora ela considera lixo. Esta atitude de ânsia consumista
compreende um mecanismo de busca por integração social frente ao novo regime10.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É o ovo de Colombo: não se consegue manter de pé a


promessa de que, agora, o livre mercado trará a todos a tão
sonhada emancipação humana. Mas que importa que fique
deitado, desde que cada um ‘fique na sua’?
Frei Betto

Longe de apologizar o socialismo, Adeus Lênin empreende uma dupla crítica:


reconhece as limitações de ambos os sistemas econômicos. O filme mostra que uma alienação foi
substituída por outra e que, como proposto pelo pensador pós-moderno, qualquer ação dentro do
sistema é uma ferramenta que o regula11. Assim há a desintegração do sujeito, atomizando-os e
convertendo-os em massa, entregues a si-mesmos.

O fim da cortina de ferro talvez tenha significado o fim dos embates que moviam a
história contemporânea. A supremacia capitalista venceu e todas as utopias foram soterradas. A
atitude de Alex de reconstruir a História no quarto de Christiane é uma tentativa de resgatar a
temporalidade que o neoliberalismo assassinou quando derrubou o muro. O neoliberalismo
desistorizou o tempo. Sem a História, todas as verdades e valores tornam-se circunstanciais.
Alex tenta recuperar os grandes Relatos e os antigos heróis nacionais. Tanto, que
em sua farsa, na última edição de seu noticiário, o ex astronauta agora anônimo taxista Sigmund
Jaehn torna-se o chanceler da nova Alemanha socialista e unificada.

10
“Nas sociedades de consumo e de predomínio da mídia, surgidas depois da Segunda Guerra Mundial, a
identidade tem sido cada vez mais vinculada ao modo de ser, à produção de uma imagem, à aparência pessoal.”
(KELLNER, 2001, p. 297).
11
LYOTARD, 1998.
11

O próprio Lyotard (1998), ao expor a decomposição dos grandes Relatos e a


dificuldade de identificação com grandes heróis da história atual, cita os nomes dos líderes das
revoluções que tomaram lugar no breve século XX12. Dizer adeus a Lênin é dizer adeus à visão
crítica da história. A nostalgia que dá tom ao filme mostra que o muro era o espelho que permitia
à humanidade confrontar suas duas faces e assim, quem sabe, recuperar a Verdade.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. et al. A indústria cultural: o iluminismo como mistificação de massas. .


In: LIMA, Luiz Costa (org). Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: paz e Terra, 1990.

BAKTHIN, Mikhail. Língua, fala e enunciação. In: _______. Marxismo e filosofia da


linguagem. São Paulo: Annablume: Hucitec, 2002.

__________. A interação verbal. In: _______. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:
Annablume: Hucitec, 2002.

BRAIT, Beth. Bakhtin e a natureza constitutivamente dialógica da linguagem. In: _______(Org.).


Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. São Paulo: Unicamp, 1997.

DIAS, Luiz Francisco. Significação e forma lingüística na visão de Bakhtin. In: BRAIT,
Beth(Org.). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. São Paulo: Unicamp, 1997.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

__________. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: Edusc, 2001.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

SODRÉ, Muniz. O discurso da neobarbárie. In: MORAES, Denis de (Org.). Globalização, mídia
e cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Letra Livre, 1997.

ANEXO

Ficha técnica

12
HOBSBAWM, 1995.
12

Título original: Good bye Lenin!


Gênero: Drama
Duração: 118 min
Ano: 2003 (Alemanha)
Site oficial: <http://www.good-bye-lenin.de>
Estúdio: arte/ Westdreutscher Rundfunk/ X-Filme Creative Pool
Distribuição: Sony Pictures Classics
Direção: Wolfgang Becker
Roteiro: Wolfgang Becker e Bernd Lichtenberg
Produção: Stefan Arndt
Música: Yann Tiersen
Fotografia: Martin Kukula
Desenho de produção: Daniele Drobny e Lothar Heller
Edição: Peter R. Adam
Efeitos especiais: Das Werk
Elenco: Daniel Brühl, Katrin Sass, Maria Simon, Chulpan Khamatova, Florian Lukas, Alexander
Beyer, Burghart Klaubner, Michael Gwisdek, Christine Schorn, Rudi Völler, Helmut Kohl.

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