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ADEUS LÊNIN:
A IDENTIDADE DO SUJEITO PÓS-MODERNO
Resumo: Este artigo pretende traçar um panorama acerca da condição do sujeito pós-moderno
através das temáticas que interpenetram o filme alemão Adeus Lênin (2003), do diretor Wolfgang
Becker. Nossa análise procura estabelecer uma relação entre o discurso fílmico, a constituição da
identidade e o impacto da imagem neste sujeito a partir da teoria bakhtiana e da perspectiva pós-
moderna de Jean-François Lyotard.
INTRODUÇÃO
And all you touch and all you see is all your life will ever be.
*
Aluna do quarto semestre do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda no Uni-
Facef Centro Universitário, em 2005.
2
Roger Waters
Adeus Lênin, filme alemão de 2003, é uma obra despretensiosa, mas que apresenta
uma visão penetrante sobre as relações humanas e a identidade do sujeito pós-moderno.
Aliás, o pós-modernismo é um paradigma amplamente discutido e contestado.
Neste artigo, não entraremos no mérito de solucionar estes impasses. Trataremos do assunto
conforme a perspectiva do filósofo francês Jean-François Lyotard.
O filme é contextualizado na Berlim oriental à época da queda do muro. Talvez,
somente esta premissa já servisse de justificativa à escolha do tema frente à perspectiva pós-
moderna, já que o conceito surgiu a partir de importantes rupturas teóricas e sociais nas quais
estão refletidas o pensamento marxista e o declínio socialista.
No entanto, Adeus Lênin trata das escolhas humanas numa realidade em
desmoronamento e da relação indivíduo-mídia-bens de consumo como fator que constrói e
determina a identidade do sujeito.
Sobre este aspecto (a constituição do sujeito) pesquisamos o dialogismo inerente
ao processo conforme postulado pelo teórico russo Mikhail Bakhtin. A seguir, confrontamos
teorias e o discurso fílmico a fim de identificar os traços que compõem a identidade do sujeito
pós-moderno.
1 PERSPECTIVA TEÓRICA
1
“[...] a linguagem não é falada no vazio, mas numa situação histórica e social concreta no momento e no lugar da
atualização do enunciado.” (BRAIT, 1997, p. 97).
2
Tema “é a expressão da situação histórica concreta em que se pronuncia o enunciado.” (DIAS, 1997, p. 106).
3
“[...] a descodificação da forma lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas a compreensão da palavra no
seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação no sentido da evolução e não do imobilismo.” ( BAKHTIN,
2002, p. 94). E ainda, “[...] se concedermos um estatuto separado à forma lingüística vazia de ideologia, só
encontraremos sinais e não mais signos.” ( BAKTHIN, 2002, p. 96).
4
Cf. capítulos 3, 4 e 5 em LYOTARD, 1998.
4
2 ANÁLISE CRÍTICA
2.1 Sinopse
7
“Os átomos são colocados em encruzilhadas de relações pragmáticas.” (LYOTARD, 1998, p. 30).
8
ADORNO, 1990.
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Adeus Lênin situa-se nos momentos que antecedem e que precedem a queda do
Muro de Berlim. Seu tom nostálgico já pode ser sentido durante os créditos iniciais: Fragmentos
da felicidade singela do período de férias das crianças Kerner, registrados pela Super 8 de um pai
amoroso.
O filme começa. Alex e Ariane, as crianças Kerner, assistem pela TV o lançamento
espacial do primeiro astronauta da Alemanha Oriental, Sigmund Jaehn. A história é narrada por
Alex, que conta ter sido este o momento em que sua família desmoronara. O pai, Robert Kerner,
havia trocado mulher e filhos por uma alemã ocidental. A mãe atravessa uma grave depressão,
abandona os filhos aos cuidados de uma vizinha. Após algum tempo, ela retorna curada e
completamente diferente. Dedica-se à casa, aos filhos e à licenciatura. “Casa-se com a pátria
socialista” e devota sua vida à ideologia marxista.
Anos depois, ela ainda é uma ativa militante. Seus filhos cresceram. Alex rejeita o
sistema que a mãe tanto ama. Numa noite, Christiane vê seu filho em uma manifestação contra o
regime. Ela não agüenta e sofre um ataque cardíaco, permanecendo em coma durante 8 meses.
Neste período, cai o Muro e tudo o que representava o ideal socialista. Alex arranja um emprego
como vendedor de antenas parabólicas e sua irmã, Ariane, abandona a faculdade para vender
hambúrgueres na rede internacional Burger King. Christiane acorda num mundo novo e, temendo
uma recaída, Alex empreende um plano absurdo para reconstruir a extinta República Democrática
Alemã no quarto de sua mãe.
A principio o plano consiste em apenas redecorar o quarto, no qual sua irmã tinha
rapidamente acumulado toda sorte de bugiganga capitalista. É preciso encontrar as marcas de
gêneros alimentícios da RDA, que não são mais vendidos em nenhum supermercado Seu plano
torna-se cada vez mais audacioso, Alex e um amigo videomaker produzem noticiários fictícios
simulando os antigos programas do canal socialista. Através destes noticiários, eles negam a
realidade e justificam todos os acontecimentos que se passam do outro lado da janela de
Christiane.
O ápice da narrativa acontece quando, já recuperada, Christiane deixa o
apartamento e depara-se com a realidade que Alex teima em negar. A paisagem de Berlim
Oriental agora se constitui de outdoors e feirões de automóveis. Um helicóptero sobrevoa a
cidade levando a estátua de Lênin. O noticiário de Alex salva a situação. O jornalista atesta que
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os alemães ocidentais, acuados pelo capitalismo selvagem, buscam refúgio no lado leste da
cortina de ferro.
Numa das seqüências mais hilariantes do filme, Alex convida velhos amigos para
comemorar o aniversário da mãe. “Contrata” os ex-alunos de Christiane para entoarem as, agora,
mudas canções socialistas. Enquanto Alex discursa, uma Christiane estarrecida, assiste pela
janela um gigantesco banner da Coca Cola ser desdobrado no prédio em frente. Alex não se
aflige, na próxima edição do telejornal da RDA uma notícia bombástica afirma que a marca de
refrigerantes era invenção comunista que agora o governo decidiu reaver.
Alex não mede esforços para preservar a mãe. Por amor a ela, desdobra-se para
reerguer um sistema em que ele mesmo não acreditava. O desfecho da trama permanecerá oculto,
para que o leitor não perca o prazer de desvenda-lo. A partir destes elementos já podemos
empreender a análise proposta.
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“(...) Washington sentiu que o fortalecimento da economia européia (...) era a prioridade mais urgente, e o Plano
Marshall, um projeto maciço para a recuperação européia (...) assumiu mais a forma de verbas que de
empréstimos.” (HOBSBAWN, 1995, p. 237).
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Europa Oriental sofreram revoltas, a população sentia que os soviéticos haviam invadido seu
território e não pretendiam sair.
O Muro de Berlim, construído em 1961 pelo governo oriental servia para deter os
‘imigrantes’. A metade ocidental da cidade era uma ilha dentro da Alemanha Oriental. No pós-
guerra os cidadãos ocidentais deixaram de ser reféns dos soviéticos graças a uma ponte aérea de
medicamentos e alimentos liderada pelos EUA.
Apesar da Guerra Fria, os dois países ingressam na ONU em 1973 e no ano
seguinte se reconhecem mutuamente. A corrida armamentista no lado ocidental em 1983, quando
Helmut Kohl era o líder da RFA, criou uma crise entre as diversas promessas de acordos mútuos
e reaproximação das duas Alemanhas.
Quando Gorbachev subiu ao poder russo, a Guerra Fria chegava a seu fim e com
isto, chegava ao fim a influência soviética no leste europeu. Uma série de acontecimentos que
forçavam o fim do regime impulsionou a renúncia de Erich Honecker, o líder linha dura da RDA.
Esta renúncia acelerou ainda mais o processo de unificação e em novembro de 89 o muro era
enfim destruído. No primeiro semestre de 1990, o país teve eleições livres e Alemanha ocidental
acelera a unificação monetária para engendrar o processo de anexação.
É importante lembrar, que como o filme retrata, a Copa do Mundo de 1990 foi um
importante fator de união entre o povo alemão. O time da Alemanha Ocidental venceu o
campeonato, mas o título foi comemorado igualmente nos dois lados do país.
Outro ponto relevante é o fato de a corrida espacial ter importância fundamental na
superioridade dos regimes. Em 26 de agosto de 1978, o astronauta Sigmund Jaehn era o primeiro
alemão oriental a ir para o espaço a bordo de uma nave soviética. Este acontecimento é retratado
em Adeus Lênin e mostra como Jaehn tornou-se um herói nacional que após a queda do Muro,
torna-se um anônimo taxista.
esforço de preservar os papéis que cada membro da família de Alex representavam. Aceitar a
queda do muro implica em aceitar que aquelas identidades também se extinguiam.
As identidades fragmentam-se após a unificação da Alemanha e reduzem-se aos
objetos que compõem a estética socialista do quarto de Christiane, à estrutura discursiva do
noticiário da RDA, às marcas dos produtos que os cidadãos orientais consumiam.
É muito interessante observar como esta relação entre pessoas e coisas é tratada no
filme. Para Alex, encontrar os pepinos Spreewald, café Mocca, ervilhas Globus torna-se uma
espécie de cruzada. Nos novos hipermercados que agora dominam a capital germânica estas
marcas não existem e Alex fica desorientado diante da diversidade capitalista.
Numa outra seqüência, a RFA estipula um prazo para a unificação monetária. Os
filhos não conseguem fazer com que Christiane se lembre do esconderijo de suas economias
antes que o prazo expire. Alex não consegue efetuar a troca e, colérico, indigna-se contra a
rapidez com que este símbolo da solidez socialista, o dinheiro, perdeu seu valor.
Outro aspecto importante da narrativa trata da relação entre indivíduo e mídia. O
noticiário fajuto que Alex criou tem que dar conta de toda realidade que se passa do lado de fora
da janela de Christiane.
Conforme o esquema de Lyotard a respeito dos jogos de linguagem, observamos
que a mãe de Alex deposita total confiança no que diz o pseudojornalista da RDA. A todo
momento, a realidade do avanço capitalista estampa-se com todas as cores, porém a autoridade
que ela deposita naquelas notícias legitima todas as mentiras do filho.
O que Alex conseguiu, foi identificar e reproduzir a estrutura discursiva dos
telejornais socialistas. A partir de então, ele poderia manipular as imagens em favor de seu
propósito. De que outra forma ele poderia convencer a mãe do absurdo da autoria da fórmula da
Coca Cola? Este fato é um exemplo explícito de como a realidade é mediatizada para o sujeito
pós-moderno. Creio que não é por acaso que o novo emprego de Alex é o de vendedor de antenas
parabólicas, disponibilizando o mundo nas salas dos alemães.
Quanto à origem da marca de refrigerantes, lembremo-nos do que Lyotard
escreveu sobre a relação entre domínio do conhecimento técnico e a hegemonia das nações: “Sob
a forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo, o saber já é e será um
desafio maior, talvez o mais importante, na competição mundial pelo poder.” (LYOTARD, 1998,
p.05).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fim da cortina de ferro talvez tenha significado o fim dos embates que moviam a
história contemporânea. A supremacia capitalista venceu e todas as utopias foram soterradas. A
atitude de Alex de reconstruir a História no quarto de Christiane é uma tentativa de resgatar a
temporalidade que o neoliberalismo assassinou quando derrubou o muro. O neoliberalismo
desistorizou o tempo. Sem a História, todas as verdades e valores tornam-se circunstanciais.
Alex tenta recuperar os grandes Relatos e os antigos heróis nacionais. Tanto, que
em sua farsa, na última edição de seu noticiário, o ex astronauta agora anônimo taxista Sigmund
Jaehn torna-se o chanceler da nova Alemanha socialista e unificada.
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“Nas sociedades de consumo e de predomínio da mídia, surgidas depois da Segunda Guerra Mundial, a
identidade tem sido cada vez mais vinculada ao modo de ser, à produção de uma imagem, à aparência pessoal.”
(KELLNER, 2001, p. 297).
11
LYOTARD, 1998.
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REFERÊNCIAS
__________. A interação verbal. In: _______. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:
Annablume: Hucitec, 2002.
DIAS, Luiz Francisco. Significação e forma lingüística na visão de Bakhtin. In: BRAIT,
Beth(Org.). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. São Paulo: Unicamp, 1997.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SODRÉ, Muniz. O discurso da neobarbárie. In: MORAES, Denis de (Org.). Globalização, mídia
e cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Letra Livre, 1997.
ANEXO
Ficha técnica
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HOBSBAWM, 1995.
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