O documento discute a contribuição de Aziz Nacib Ab'Saber para o desenvolvimento da geomorfologia geográfica no Brasil. Ab'Saber desenvolveu conceitos como variações cíclicas do relevo em ambientes tropicais úmidos e quentes, baseado nas noções de paleopavimentos detríticos. Ele também desenvolveu o conceito de regiões de circundesnudação e de redutos florestais, que tiveram ampla aplicação nos estudos de ordenamento territorial no Brasil.
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Vitte - Uma Introdução à Históriada Geomorfologia No Brasil
O documento discute a contribuição de Aziz Nacib Ab'Saber para o desenvolvimento da geomorfologia geográfica no Brasil. Ab'Saber desenvolveu conceitos como variações cíclicas do relevo em ambientes tropicais úmidos e quentes, baseado nas noções de paleopavimentos detríticos. Ele também desenvolveu o conceito de regiões de circundesnudação e de redutos florestais, que tiveram ampla aplicação nos estudos de ordenamento territorial no Brasil.
O documento discute a contribuição de Aziz Nacib Ab'Saber para o desenvolvimento da geomorfologia geográfica no Brasil. Ab'Saber desenvolveu conceitos como variações cíclicas do relevo em ambientes tropicais úmidos e quentes, baseado nas noções de paleopavimentos detríticos. Ele também desenvolveu o conceito de regiões de circundesnudação e de redutos florestais, que tiveram ampla aplicação nos estudos de ordenamento territorial no Brasil.
41 UMA INTRODUO HISTRIA DA GEOMORFOLOGIA NO BRASIL: A CONTRIBUIO DE AZIZ NACIB ABSABER
Antonio Carlos Vitte 1
Rafaela Soares Nielmann 2
RESUMO O trabalho examina a contribuio metodolgica e epistemolgica de Aziz Nacib AbSaber (1929 -) para o desenvolvimento da geomorfologia geogrfica no Brasil. A partir das contribuies de Pierre Monbeig, J ean Tricart e J ean Dresch, AbSaber desenvolve a noo variaes cclicas do relevo em ambiente tropical quente e mido, a partir da noo de paleopavimentos detrticos nas encostas florestadas do Brasil de Sudeste. A partir dos avanos da geologia na dcada de 1950 e a incorporao da teoria da pediplanao, AbSaber desenvolve o conceito de regies de circundesnudao, base para a sua interpretao da compartimentao do relevo brasileiro. Na dcada de 11970, a partir das influncias da biogeografia e da ecologia da paisagem, desenvolve a noo de redutos florestais, marco significativo para o desenvolvimento da geomorfologia geogrfica no Brasil, com ampla aplicao nos estudos de ordenamento territorial.
Palavras-Chave: Histria da Geografia; Geomorfologia Geogrfica; AbSaber; Paradigmas; Brasil.
AN INTRODUCTION TO THE HISTORY OF GEOMORPHOLOGY IN BRAZIL: A CONTRIBUTION OF AZIZ NACIB AB'SABER
ABSTRACT The paper examines the epistemological and methodological contribution of Aziz Nacib Ab'Saber (1929 -)for the development of geographical geomorphology in Brazil. From the contributions of Pierre Monbeig, J ean and J ean Tricart Dresch, Ab'Saber develops the concept of cyclical variations in topography tropical hot and humid from the notion of paleopaviments overburden the wooded slopes of the brazilian southeast. From the progress of geology in the 1950s and the incorporation of the theory of pediplanation, Ab'Saber develops the concept of regions of circundesnution basis for its interpretation of the subdivision of the brazilian relief. In the decade to 11,970, from the influences of biogeography and landscape ecology, develops the concept of forest redoubt, significant milestone for the development of geographical geomorphology in Brazil, with wide application in studies of land use.
Keywords: History of Geography, Geomorphology Geographic; Ab'Saber; Paradigms, Brazil.
1 Departamento de Geografia, Programa de Ps-Graduao emGeografia, Unicamp. Campinas (SP), Brasil. CP 6152, CEP 13087-970. e- mail: vitte@uol.com.br Pesquisador CNPq. 2 . Graduanda emGeografia, IG-Unicamp. Campinas (SP), Brasil. bolsista de Iniciao Cientfica Pibic/CNPq/Unicamp. CP 6152, CEP 13087-970. e-mail: rafaelaniemann@gmail.com.br
RBGF- Revista Brasileira de Geografia Fsica Recife-PE Vol.2 n.01 jan/abril 2009,41-50.
42 INTRODUO Nos ltimos anos, a literatura internacional relacionada geomorfologia,vm registrando um intenso debate sobre os caminhos da geomorfologia e da Geografia Fsica. Assim, por exemplo, Rhoads e Thorn (2002) registraram a necessidade de se realizar um balano crtico sobre a histria e a epistemologia da geomorfologia, uma vez que a mesma apresenta problemas filosficos e metodolgicos que precisam ser equacionados urgentemente, pois a cada dia a geomorfologia est sendo impregnada pela questo cultural e poltica. Para Gregory (2000) a geomorfologia geogrfica est descaracterizada na geografia Fsica, pois a maior produo de geomorfologia est acontecendo nas cincias naturais e multidisciplinares. E, esse atraso, segundo Gregory (2000, 2001)ocorre em funo do forte impacto do pragmatismo na geomorfologia, sendo que no h razo para no refletirmos sobre os conceitos e as prticas da Geografia Fsica e em particular pelageomorfologia. Atualmente, o cenrio internacional referente produo da Geografia Fsica e em especial a produo da geomorfologia, vem merecendo um amplo debate sobre a situao da geomorfologia na geografia e suas relaes com as cincias humanas e naturais. O que fica evidente a enorme necessidade de se realizar estudos sobre a constituio histrica e epistemolgica da geomorfologia, o que ir auxiliar na redefinio dos cursos de geografia e no prprio sentido de se fazer geomorfologia no contexto da Cincia Geogrfica. neste contexto que o presente trabalho pretende apresentar algumas consideraes sobre a produo epistemolgica de Aziz Nacib AbSaber, gegrafo responsvel pela formao da geomorfologia geogrfica no Brasil. O presente trabalho parte da Iniciao Cientfica (PIBIC/CNPq/UNICAMP), fundamentou-se no trabalho de Vitte (2008), que realizou ampla pesquisa sobre a histria da geomorfologia no Brasil.
A estruturao da geomorfologia no Brasil Genericamente, pode-se dizer que a estruturao cientfica da geomorfologia no Brasil est muito associada a dois grandes marcos na histria poltica e cultural do Brasil dos anos de 1930, que so de um lado a criao e a institucionalizao de vrias universidades, destacando-se neste caso a Universidade de So Paulo, USP e j com o Estado Novo (1937- 1945) a criao do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, que oficialmente ter incumbncia de coletar, sistematizar e pensar a questo do territrio brasileiro, a fim de fornecer elementos analticos que norteassem as polticas de Estado. Especificamente, no que se refere a concepo de elaborao das superfcies erosivas no sudeste brasileiro, a histria da geomorfologia registra a influncia de duas grandes matrizes epistemolgicas. A primeira RBGF- Revista Brasileira de Geografia Fsica Recife-PE Vol.2 n.01 jan/abril 2009,41-50.
43 compreende a dcada de 1930 e avana at aproximadamente meados da dcada de 1950, onde o paradigma dominante o Ciclo Geogrfico da Eroso, elaborado por Davis em 1899 (VITTE, 2008). Com a criao das universidades sero institucionalizados cursos de Geografia, assim como cursos de engenharia ligados as escolas politcnicas. Nestes cursos sero agregadas em suas grades curriculares a geologia e a geomorfologia, com ensino terico e prtico, que segundo AbSaber (1958) foi fundamental para a gerao de gegrafos- geomorflogos que passaram a contribuir para o conhecimento da diversidade da natureza no Brasil e ao mesmo tempo auxiliando na expanso das fronteiras internas do Brasil (VITTE, 2008).
A contribuio de Aziz Nacib Absaber para a formao da geomorfologia geogrfica no Brasil. Segundo Vitte (2008) a geomorfologia no Brasil desenvolve-se a partir da influncia de Emanuel de Martonne e de Pierre Monbeig, (ABREU, 1994) acabou favorecendo o desenvolvimento de uma perspectiva metodolgica firme para a geografia. Para Monbeig, a anlise geogrfica deveria produzir monografias regionais, em quedelimitao regional era dada a partir da relao entre o natural e o social. Historicamente, este momento, coincide com a expanso cafeeira no sudeste do Brasil, particularmente So Paulo, o processo de industrializao e urbanizao de So Paulo e a mudana na rbita regional, particularmente entre o nordeste e o sudeste (OLIVEIRA, 1981; CANO, 1990). Ou seja, a geomorfologia na USP e na antiga Universidade do Brasil, desenvolveu-se a partir de uma leitura secundria do ciclo davisiano e particularmente na USP, com forte influncia do mtodo monbeiguiano, em que tambm a noo de histria e ocupao era importante para delimitar uma regio/compartimento. Em 1958, AbSaber chamava ateno para a enorme produo da geomorfologia brasileira, fruto da expanso dos cursos de geografia no Brasil e da interiorizao do desenvolvimento econmico do pas. A partir da dcada de 1950, a geomorfologia brasileira passar por uma grande ruptura paradigmtica com o surgimento da Teoria da Pediplanao e associada a grandes transformaes no interior da Geologia, particularmente no que tange a sedimentologia e a estratigrafia, alm do surgimento de novas tcnicas de representao e de aquisio de informaes, ocorrer uma ruptura paradigmtica na geomorfologia brasileira (VITTE, 2008). A dcada de 1950, sob o ponto de vista poltico e econmico marcada no plano mundial pela intensificao da Guerra Fria e pela Revoluo Chinesa. No Brasil a fase de J uscelino Kubstcheck de Oliveira (J K), e, pela implantao das idias nacional-desenvolvimentistas, com a construo de Braslia, a indstria automobilstica e a abertura de rodovias. RBGF- Revista Brasileira de Geografia Fsica Recife-PE Vol.2 n.01 jan/abril 2009,41-50.
44 Para as Cincias da Terra, a dcada de 1950 declarada a dcada dos oceanos, em que pesquisadores das Cincias da Terra procuram por meio do estudo dos sedimentos do fundo ocenico desvendar os processos continentais. o momento em que os conhecimentos da sedimentologia e da estratigrafia passam a auxiliar os estudos geomorfolgicos. Some-se a este fato, a descoberta das variaes climticas da Terra e a possibilidade de associar as evidncias destas variaes com os sedimentos continentais e, a partir da, estabelecer uma idade para as formas de relevo. Ainda dos anos 50, temos o uso, ainda que tmido, das fotografias areas para as pesquisas geogrficas e geomorfolgicas, possibilitando uma viso tridimensional das formas e de suas associaes em escalas, que associadas aos trabalhos de campo permitiriam construir hipteses mais condizentes para explicar os fenmenos geomorfolgicos em ambiente intertropical (VITTE, 2008). neste contexto cultural que a comunidade brasileira de geomorflogos entrar em contato com a Teoria da Pediplanao elaborada pelo gelogo sul africano Lester King (1956), que segundo Abreu (1982) surgir a partir da influncia do congresso de Chicago de 1936, que foi dedicado obra de Walter Penck. O incio dos anos 50 at aproximadamente 1957 marcado por um processo de transformao nas pesquisas geomorfolgicas, no propriamente uma ruptura, mas uma fase de transio devido a obstculos epistemolgicos (BACHELARD, 1992), como por exemplo os trabalhos de geologia que estavam mais avanados no conhecimento emprico da realidade brasileira, que os de geomorfologia, que guiados por um modelo anacrnico e incompatvel com a realidade tropical brasileira, acabava por no propiciar avanos significativos sobre a gnese do relevo brasileiro. Durante os primeiros sete anos da dcada de 50, intensos estudos regionais e com preocupaes genticas sero desenvolvidos por Fernando Flvio Marques de Almeida e Aziz AbSaber. Trabalhos esses propiciados por significativos avanos na geologia, pela divulgao no Brasil dos trabalhos realizados pelos franceses na frica e principalmente pela influncia das reflexes de Lester King e von Englen, que se realizaram a partir de 1940, logo aps o Congresso de Chicago, que discutiu a obra de Walter Penck. (ABREU, 1982). Um exemplo interessante desse momento da geomorfologia brasileira, a tese de doutoramento de Aziz AbSaber, Geomorfologia do Stio Urbano de So Paulo defendida em 1957 (ABSABER, 2007), tese orientada por Aroldo de Azevedo, tendo como um dos membros examinadores Fernando Flvio Marques de Almeida. Essa obra marca uma profunda transio e ao mesmo tempo uma reconstruo do modelo interpretativo do relevo e de sua gnese (VITTE, 2008). No h uma ruptura paradigmtica, mas a mudana interpretativa, propiciada por novas RBGF- Revista Brasileira de Geografia Fsica Recife-PE Vol.2 n.01 jan/abril 2009,41-50.
45 fontes bibliogrficas, como no caso de von Englen e principalmente pelos obstculos que a geologia, particularmente os trabalhos de Ruy Osrio de Freitas que chamavam ateno e passavam a exigir trabalhos analticos e de profunda correlao entre os elementos da natureza, como o papel da tectnica e das litologias na estruturao da drenagem e na definio do compartimento geomorfolgico, no caso a bacia de So Paulo. Outra influncia marcante no trabalho de Aziz o texto de Fernando Flvio Marques de Almeida O Planalto Paulistano, publicado em 1954 pela AGB no livro A Cidade de So Paulo (VITTE, 2008). A tese de doutorado de Aziz paradigmtica pois nela alm da mudana de concepo sobre a gnese e evoluo do relevo, percebe-se claramente um tmido ensaio metodolgico que caminhar para o trabalho de Aziz de 1969 (A geomorfologia a servio das pesquisas do quaternrio). um trabalho de geomorfologia, mas de cunho essencialmente geogrfico, haja visto as preocupaes do autor em construir uma espacialidade do relevo, a bacia de So Paulo, e, de sua gnese altamente complexa, mas preocupado tambm com as questes histricas voltadas para a construo do espao, no caso o stio urbano e, como o relevo influenciou decisivamente a opo da ocupao e a prpria valorizao imobiliria dos terrenos. No ano de 1956, realiza-se no Rio de J aneiro, o Congresso da UGI, em que as discusses internas so intensificadas com as que se desenvolvem nos trabalhos de campo ps-congresso, que foram comandados por J ean Tricart, J ean Dresch e AbSaber. O foco central das discusses foi o da problemtica dos materiais nas vertentes, principalmente para os paleopavimentos detrticos e o seu significado paleoambiental e geomorfolgico (VITTE, 2008). um trabalho que marca definitivamente o nascimento de um mestre da geografia brasileira, demonstrando claramente influncia de Deffontaines e de Monbeig, com a preocupao regional e histrica e, do ponto de vista da geomorfologia, as influncias de Francis Ruellan, von Englen, J ean Dresch e Tricart. No ano de 1964, J oo J os Bigarella, engenheiro qumico de formao e discpulo de Reinard Maack por opo e paixo, publicar um trabalho Variaes Climticas no Quaternrio e suas Implicaes no Revestimento Florstico do Paran(Bol. Paranaense de Geografia, n.10 a 15, 1964), que ser um marco referencial muito importante para os estudos cronogeomorfolgicos e pela primeira vez no Brasil ser demostrada a validade da teoria da biostasia e da resistasia para explicar a evoluo do relevo brasileiro (VITTE, 2008). Nesse momento, Aziz trabalha na USP como assistente do professor Aroldo de Azevedo na cadeira de geografia do Brasil, ao mesmo tempo em que o professor Kullmann leciona biogeografia para os alunos de geografia e detalha hipoteticamente os RBGF- Revista Brasileira de Geografia Fsica Recife-PE Vol.2 n.01 jan/abril 2009,41-50.
46 mecanismos que poderiam explicar as diferenas fitogeogrficas no territrio brasileiro. Esse o momento em que ser estruturada sob o ponto de vista da geomorfologia a Teoria dos Refgios e Redutos Florestais por Aziz em 1979, e ao mesmo tempo a criao dos domnios morfoclimticos do Brasil (AbSaber, 1967), a partir de uma associao entre as formulaes de Tricart e de Cholley com a sua noo de sistemas de eroso, mais as reflexes de Kullmann, Monbeig e Aroldo de Azevedo (VITTE, 2008). A Teoria dos Refgios Florestais representa uma imensa revoluo da geomorfologia brasileira em contexto mundial, uma vez que Aziz imprime em sua elaborao a necessidade de considerarmos a compartimentao geomorfolgica como sendo condio sine qua non para compreendermos de um lado a complexidade do tecido biogeogrfico brasileiro e de outro a prpria especificidade dos ditos refgios. A partir da Teoria dos Refgios Florestais, a geomorfologia climtica dinamizada. Agora torna-se possvel especificar as relaes entre as variaes do Wurm-Winsconsin, por exemplo, com a distribuio do tecido florestal, a existncia e a persistncia de formas de relevo e depsitos correlativos em ambientes morfoclimticos distintos ou mesmo contrastantes com as condies atuais (VITTE, 2008). Estava constituda assim, uma das maiores revolues na geomorfologia climtica mundial, a qual far parte Aziz AbSaber, J oo J os Bigarella e Maria Regina Mousinho, que em muitas ocasies trabalharo conjuntamente formando a estrutura poltica e cientfica que garantir a manuteno do paradigma climtico na interpretao do relevo brasileiro (VITTE, 2008). Assim, em funo das especializaes da geologia, das novas tcnicas e o cimento terico-metodolgico que foi a Teoria da Pediplanao e a Teoria da Bio-Resistasia, os gegrafos-geomorflogos foram despertados para o estudo dos materiais superficiais e principalmente para o possvel papel das Stones-lines e cascalheiras enquanto registro das mudanas climticas no Brasil (ABSABER, 1962). No final dos anos de 1960 a geomorfologia brasileira presenciar duas grandes revolues. Primeiramente, com AbSaber, que fruto de uma longa reflexo e muita experincia em campo, que j comeara durante a sua tese de doutoramento em 1957, AbSaber ir publicar em 1969 o clssico trabalho Um Conceito de Geomorfologia a Servio das Pesquisas sobre o Quaternrio, um trabalho de cunho metodolgico e que exerce influncia nas pesquisas geomorfolgicas at os dias atuais (VITTE, 2008). No trabalho de 1969, AbSaber apresenta a sua concepo de geomorfologia, que para Abreu (1982) um marco terico e metodolgico nos trabalhos de geomorfologia e RBGF- Revista Brasileira de Geografia Fsica Recife-PE Vol.2 n.01 jan/abril 2009,41-50.
47 ao mesmo tempo, em que coloca AbSaber como sendo aquele que incorpora e desenvolve as proposies da linhagem epistemolgica germnica (ABREU, 1982). Para AbSaber (1969) para a anlise geomorfolgica dever estar centrada no Quaternrio. Esta anlise envolve trs etapas, sendo o relevo o produto de uma interao complexa que tecida pelas foras endogenticas e exogenticas. Assim, em um trabalho de geomorfologia, devemos considerar como primeiro nvel de anlise a compartimentao topogrfica, que envolve no apenas a anlise da topografia, mas principalmente a influncia da geologia e da estrutura nesta compartimentao, que regionalmente definida pelos remanescentes de aplainamentos. No segundo nvel de anlise, o geomorflogo deve considerar a estrutura superficial da paisagem, que corresponde aos solos, mas principalmente aos colvios, as rampas coluviais e neste caso a possibilidade de cascalheiras e Stones-lines no apenas no contato rocha-colvio, mas inclusive com linhas embutidas no pacote coluvial. As anlises fsicas, qumicas, micromorfolgicas permitem a deduo dos processos e a qualidade dos mesmos que atuaram na destruio ou mesmo no reafeioamento das formas pretritas (VITTE, 2008). A correlao dos dois primeiros nveis permite j o estabelecimento de uma compartimentao das formas geneticamente homogneas, com grande utilidade no planejamento ambiental. O terceiro nvel de anlise de AbSaber (1969) a fisiologia da paisagem, compreendida pelo autor como sendo a expresso do funcionamento atual da geoesfera. No caso, corresponde aos processos atuais que atuam no modelamento das formas. Com esta proposio metodolgica, AbSaber (1969) desprende-se dos problemas advindos com a adoo da taxonomia das formas de relevo, como as propostas por Tricart (1965). Agora, as formas so produto dos processos passados e dos atuais, em um quadro em que participam tanto a geologia quanto as foras climticas e paleoclimticas (VITTE, 2008). Apesar de poucos questionamentos ao modelo de Aziz e Bigarella, a dcada de 1960 foi fundamental para se construir um verdadeiro paradigma na geomorfologia brasileira. Pois, montou-se uma estrutura terica, metodolgica e interpretativa do relevo e de seus processos, construindo juntamente, uma verdadeira geomorfologia geogrfica. Onde a grande marca do modelo o artigo de 1969 de Aziz, A geomorfologia a servio das pesquisas do quaternrio, que at hoje (2008) exerce forte poder nas pesquisas geomorfolgicas do Brasil e nada mais foi construdo em termos tericos e metodolgicos para se buscar anlises mais precisas e profundas sobre a gnese do relevo brasileiro (VITTE, 2008). Talvez ai esteja um dos RBGF- Revista Brasileira de Geografia Fsica Recife-PE Vol.2 n.01 jan/abril 2009,41-50.
48 maiores problemas da geomorfologia geogrfica brasileira, pois esse modelo e esse mtodo desenvolvido exerceram tamanho poder por geraes de gegrafos- geomorflogos ao longo do tempo, que a prpria criatividade cientfica, por parte da geografia, tenha sido afetada, a tal ponto que hoje estamos com enorme dificuldade de manter a geomorfologia na geografia e desenvolver modelagens mais apropriadas ao atual estgio de desenvolvimento cientfico do Brasil.
Consideraes Finais Nos ltimos anos as preocupaes com a histria da geomorfologia no mundo e no Brasil em particular est aumentando fato que pode ser observado nas seces temticas dos congressos e encontros de geografia fsica e de geomorfologia. O motivador desse processo est relacionado s transformaes que a cincia geogrfica e a prpria geologia esto sofrendo a partir da crise da cincia moderna e intensificada a partir dos processos de globalizao e de degradao ambiental. Esses fatos esto catalizando o processo de re- discusso sobre os fundamentos da racionalidade moderna, contexto esse, em que se estruturou a geografia e a geologia. nesse contexto que se achou oportuno a construo de linhas de pesquisa em histria e epistemologia da geomorfologia, assim como a ampliao das discusses sobre esse tema nos congressos, seminrios e simpsios; bem como nos cursos de ps-graduao em geografia no Brasil. O aumento quantitativo e qualitativo das discusses auxiliar na construo dos parmetros sobre a nova geomorfologia, sua cognio e representao, j que uma nova superfcie da Terra e um novo patamar de complexidade e organizao dos processos naturais esto em construo. H uma mutao da Terra e do Mundo e, o relevo, um elemento agregador da discusso sobre uma nova geoesfera que est em construo, agora no mais telrica como no sculo XIX, mas baseada na raridade da natureza e de novos padres de interrelaes espao-temporais dos processos geomorfolgicos que se desencadeiam a partir da interveno humana na construo do Mundo. O breve apanhado histrico e epistemolgico das reflexes do professor Aziz AbSaber, demonstram o quanto complexo e ao mesmo tempo rico, a construo do pensamento geomorfolgico no contexto da cincia geogrfica. Mais do que rupturas, foi um pensamento construdo e motivado por obstculos prticos, metodolgicos e epistemolgicos que apareciam no momento da descoberta e da organizao da geomorfologia brasileira. Essa situao atualmente, acreditamos que est potencializada com a geoinformao, que nos coloca uma nova forma de olhar a superfcie da Terra e exige uma discusso metodolgica sobre os RBGF- Revista Brasileira de Geografia Fsica Recife-PE Vol.2 n.01 jan/abril 2009,41-50.
49 procedimentos de campo e ao mesmo tempo a considerao dos elementos a serem considerados em uma nova teia em que se insere o relevo.
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