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Departamento de Música
Évora, Janeiro de 09
Ópera em Portugal: o caso de 7 libretos na BPE
Índice
Introdução .......................................................................................................2
A Ópera em Portugal no século XVIII: breve contextualização ....................3
A Ópera em Portugal no século XVIII: os principais compositores .............5
A Ópera em Portugal: os sete libretos na Biblioteca Pública de Évora..........7
Conclusão .....................................................................................................16
Bibliografia ...................................................................................................18
Anexo – tabela de síntese .............................................................................19
Introdução
cenários para esta ópera serem de tal forma majestosos que permitiram a introdução de
animais reais como um cavalo.
Após o terramoto, a ópera régia sofre uma reorganização e recomeça a sua
actividade a partir de 1763, em Salvaterra, servindo agora meramente como uma
diversão palaciana para a Família Real.
Até 1777 D. José I continua a contratar importantes cantores italianose a
importar materiais e adereços para os cenários, figurinos, roupa, libretos, partituras, e
inclusivamente contratos com compositores como Jommelli, que se comprometia a
enviar anualmente para o nosso país uma opera seria ou buffa e várias obras de música
religiosa.
É também durante o reinado de D. José que se funda a “Sociedade para a
Susbsistência dos Theatros Publicos de Lisboa”, cujo objectivo seria explorar os teatros
do Bairro Alto (sobretudo para teatro em português) e da Rua dos Condes (para obras
com libretos italianos).
Em 1777 sobe ao trono D. Maria I, a Viradeira, e nesta altura o país sofre certas
restrições económicas, pelo que foi necessário estabelecer uma política de contenção de
custos em relação ao que se podia gastar com esta actividade cultural.
Com D. Maria continua o domínio da representação de ópera italiana e o estilo
buffo começa a ganhar terreno em relação ao estilo sério, existindo partituras de
compositores tão célebres como Paisiello ou Cimarosa.
Durante o reinado desta monarca, paralelamente à actividade de ópera que se ia
desenrolando ao redor da família real, há a notar a reabertura de teatros públicos que
haviam sido destruídos aquando do terramoto de 1755: é o caso do Teatro do Bairro
Alto, Teatro da Rua dos Condes, abertura de um teatro na Rua do Salitre.
O reinado de D. Maria é caracterizado por uma apertada vigilância relativamente
à participação de elenco feminino nos espectáculos, vigilância e repressão esta levadas a
cabo por Pina Manique; no entanto, existiram zonas que não observavam estas
restrições: basta pensar-se por exemplo no caso do teatro que foi criado no Porto, Teatro
do Corpo da Guarda.
Para terminar esta breve contextualização histórica, falta referir que a escola
italiana de ópera que mais se evidenciou foi a de cunho napolitano (ópera séria
napolitana).
distanciando-se assim largamente dos outros libretos estudados (o único outro libreto
com várias cenas é “Amore e Psiche”, e mesmo assim apresenta apenas 21, o que
mostra de facto a enorme dimensão de “La finta giardiniera”). O mesmo se passa em
relação ao número de actos: o facto de serem 3 actos permite enquadrar esta obra na
categoria das óperas sérias italianas. É o único libreto com três actos, e também em
número de árias se distancia dos restantes, apresentando 15 árias. Inclusivamente a nível
da ocasião de representação e local este libreto é diferente dos restantes. De facto, é o
único que se destina a ser representado no Carnaval de 1786 (lembremos que é de facto
no Carnaval que as óperas se tornam um evento, sobretudo se pensarmos no caso
italiano de meados do século XVIII), e é a única obra destinada a ser representada no
Real Teatro de Salvaterra (inaugurado em 21 de Janeiro de 1753 com a ópera Didone
Abandonata). Todas estas características que acabaram de ser vistas permitem sem
dúvida enquadrar este libreto na categoria das óperas sérias italianas.
Podemos ainda referir algo importante que é mencionado no libreto: na
realidade, este indica quem foram os responsáveis pelos cenários, pela maquinaria e
pelo vestiário. Em relação aos cenários, o responsável foi Giacomo Azzolini e em
relação à maquinaria foi Petronio Mazzoni. Isto poderia parecer um dado irrelevante,
não fora o facto de estes dois homens terem sido assistentes na comitiva de Giovanni
Bibiena, arquitecto teatral que levou a cabo a construção de um teatro no Palácio de
Salvaterra (bem como outros teatros como a Casa da Ópera ou um teatro provisório
junto ao Torreã da Casa da Índia; é importante referir que esta comitiva vem para
Portugal em 1752, já no reinado de D. José I).
Para finalizar os dados que podem ser retirados do libreto de “L’endimione”,
podemos referir o facto de parecer existir um erro na contagem das cenas, o que poderá
remeter para um erro de impressão. No entanto, uma vez que se pretende retirar destes
libretos o máximo de informação possível, creio que se justifica apresentar este dado.
Em relação a “L’endimione”, há algo muito curioso a apontar. Na mesma cota
da Biblioteca Pública de Évora, existem dois libretos com este mesmo nome, e ambos
indicam como libretista Pietro Metastasio (1698-1782), sendo um apresentado como
serenata (apresentada em 1780, com música de Jomelli) e outro como drama per musica
da cantarsi (apresentada em 1783, com música de João de Sousa Carvalho). Ainda que
ambos apresentem o mesmo libretista, torna-se curioso reparar que há partes comuns
mas também partes diferentes entre cada libreto, sendo assim possível falar de uma
possível adaptação do texto consoante o resultado pretendido. Não é possível saber com
toda a certeza qual a versão original de Metastasio, porém foi possível encontrar no site
do Projecto Gutemberg uma versão de “L’endimione” que apresenta o início igual ao do
libreto do drama per musica (1783); ainda assim é possivel verificar que mesme este
libreto não é de todo igual ao encontrado no Projecto Gutemberg, já que faltam algumas
falas de Diana e posteriormente de Nice. Apenas para se ter uma ideia do que acabou de
ser dito, podemos transcrever o início do drama, o início da serenata e o início da versão
encontrada no Projecto Gutemberg:
Nice: Tu mi condanni a
torto,
1
O texto a itálico refere-se às falas omitidas no libreto do drama per musica da cantarsi
Ana Faleiro – nº 24138
11-19
Évora, Dezembro de 08
Ópera em Portugal: o caso de 7 libretos na BPE
Parece portanto ser a versão original a utilizada no libreto musicado por João de
Sousa Carvalho, apesar de também ela ter sido adaptada.
Um dado igualmente curioso em relação a esta obra é o facto de não apresentar
divisão em cenas (aliás, tal como o libreto de “Ercole sul Tago”) mas sim uma
organização baseada em diálogos entre as várias personagens; quanto a actos, não sai
muito do habitual nos outros libretos, estando dividido em dois actos e oito árias.
Para finalizar a apresentação de dados sobre L’Endimione, é importante referir
que o libreto aparece em duplicado, sendo que o segundo libreto é destinado a ser
apresentado aquando da celebração dos “augustissimi spozalizi de’ serenissimi signori
infanti di Portogallo, e di Spagna l’estate dell’anno 1785”.
Que dados mais podemos retirar da observação destes libretos?
Falando dos compositores, é de se notar que nem todos os libretos apresentam
compositores portugueses; na verdade, na amostra de 7 libretos apenas aparecem 4
compositores nacionais (António Leal Moreira, Luciano Xavier dos Santos, João de
Sousa Carvalho e José Anastásio da Costa e Sá), sendo que um deles musicou duas
obras (João de Sousa Carvalho). No entanto, torna-se necessário falar também dos
outros libretos uma vez que apesar de os compositores não serem portugueses, o facto é
que pela data de impressão e local de apresentação se pode saber que foram óperas
destinadas a solo português, pelo que se justifica plenamente a sua inserção neste
âmbito de estudo.
Quanto aos libretistas, foi também já possível verificar que não há, nestes
dramas per musica (designação de todos os libretos à excepção de, como já se viu, “La
finta giardiniera” e “A Ilha de Thetis”) nenhum que tenha sido escrito pela mesma
pessoa; no entanto, todos estes libretistas foram de renome internacional (basta
pensarmos em Metastasio, porventura o caso mais notável).
No que toca à lingua em que foram escritos, apenas “A Ilha de Thetis” é em
português, pelas possíveis razões anteriormente apresentadas, sendo os restantes 6
libretos em língua italiana; apesar disso é possível percebermos por alto os argumentos,
sendo portanto possível chegar-se à conclusão de que a maior parte destes libretos são
baseados na mitologia greco-romana (o que vem mostrar que se enquadram
perfeitamente na categoria das óperas sérias italianas).
Se virmos agora a questão da ocasião para a qual estas óperas eram
representadas, chegamos à conclusão mais uma vez de que “La finta giardiniera” é o
elemento menos semelhante aos restantes; na verdade, é a única obra que se destina a
ser representada no Carnaval do ano de 1786. Todas as restantes são para ser
apresentadas nos aniversários dos monarcas (D. Pedro III ou D. Maria I, ou D. Maria
Francisca Benedita), sendo um dos libretos (“Amore e Psiche”) para a “celebração do
augusto nome de D. Pedro III”. Mas para além da ocasião para a qual eram
representadas, importa perceber qual o período de tempo abrangido por estes libretos.
São todos da década de 80 do século XVIII: duas de 1781, uma de 1783, duas de 1785 e
duas de 1786, ou seja, pertencem todas ao reinado de Dona Maria I. Assim se percebe
que praticamente todas as obras sejam a celebrar ou o aniversário de D. Maria I ou o de
seu marido, D. Pedro III; as únicas excepções são, como se pôde ver, “La finta
giardiniera”, para o Carnaval, e “Ercole sul Tago”, para o aniversário de D. Maria
Francisca Benedita, irmã (e mais tarde nora) de D. Maria I. Parece portanto ser o caso
de estas representações serem dedicadas exclusivamente à família real. O próprio facto
de todos estes libretos (à excepção de “A Ilha de Thetis”, impressa na oficina de Simão
Thaddeo Ferreira em 1786) terem sido impressos na Estamparia Real (provavelmente
no próprio ano em que foram apresentadas) pode estar ligado a esse facto.
Há outro dado importante que deve ser referido.
Desta amostra de sete libretos, vemos que 5 são apenas para serem cantados (não
nos podemos esquecer que depois da época de D. João V foi necessária alguma
contenção com certos gastos, pelo que é natural que se opte por esta forma de
apresentação, nitidamente mais barata que uma representação completa, que tinha de
incluir guarda roupa, cenários…). Quanto aos outros dois libretos, “Amore e Psiche” e
“A Ilha de Thetis”, a definição da sua categoria é diferente. De facto, em relação a “A
Ilha de Thetis”, vemos que ela é apresentada como “poema dramático para música”,
pelo que creio que se pode assumir que seria apenas para ser cantado e não
representado. Já em relação a “Amore e Psiche” a indicação que nos é dada é apenas
“drama per musica”. Em termos de características, é um libreto em muito semelhante
aos restantes, embora apresente também um elevado número de cenas (21); apresenta
também 5 personagens, 2 actos, 7 árias. Parece portanto ter sido apenas uma questãoo
de impressão não se ter definido se seria da cantarsi ou da raprasentarsi; no entanto, se
pensarmos numa questão de coerência para com o o conjunto dos libretos, poderemos
porventura adiantar que seria uma obra destinada a ser apenas cantada na ocasião
referida (celebração do nome do rei) e não representada.
Um último aspecto muito interessante a retirar da observação destes libretos
prende-se ao número de versos de cada ária e ao número de árias por cada acto/cena. A
maneira mais fácil de representar essa relação é graficamente:
Número de versos das árias e sua distribuição pelos actos/cenas
Da observação destes dados, percebemos que há dois libretos que são diferentes
dos restantes no que toca à organização do número de versos por árias. São eles “Amore
e Psiche” e mais uma vez “La finta giardiniera”. De facto, este último libreto não parece
apresentar muita consistência nas suas árias, havendo-as de vários versos, desde as mais
simples, de 4 versos, até árias muito grandes de 17. Mesmo em termos de organização
pelos vários actos não parece haver um grande equilíbrio, uma vez que os dois
primeiros actos têm 7 árias cada um e no último acto apenas existe uma ária de 7 versos.
Também “Amore e Psiche” apresenta uma grande disparidade em termos do número de
versos por ária, oscilando entre os 4 e os 12.
Conclusão
Como foi possivel ver ao longo deste trabalho, a ópera italiana foi a que mais
estava difundida em Portugal, por várias condicionantes políticas e culturais.
É impossível não nos lembrarmos de todos os compositores que a Coroa mandou
para Itália enquanto bolseiros (sobretudo para Nápoles, “berço” da ópera séria italiana),
ou de todos os sábios italianos que para Portugal vieram, existindo assim uma
verdadeira infiltração do gosto italiano no nosso país.
Foi possível constatar que de facto a ópera em Portugal estava amplamente
ligada à Família Real, embora a atenção que a ela foi dada tenha sido bastante diferente
durante o século XVIII, dependendo do monarca que em determinada altura estivesse
no poder.
Todos os libretos da Biblioteca Pública de Évora estão de acordo com os
cânones do que seria a ópera séria italiana: argumentos, número de actos, de
personagens, impressões didascálicas…
Tudo isto nos mostra que são de facto óperas sérias. No entanto, é importante
verificar-se que apenas um dos libretos apresenta a indicação de ser para representação;
os restantes são apenas para serem cantados. Quanto ao libreto que apenas é apresentado
como “drama per musica”, é impossível saber-se ao certo se seria para cantar ou para
representar; no entanto, visto que a maior parte deles são para serem meramente
cantados, será possível pressupor-se que seria também o caso deste?
Dentro desta amostra de libretos da Biblioteca Pública de Évora é importante
tomar especial atenção ao libreto de José Anastásio da Costa, musicado por ele próprio.
É uma obra que pretende enaltecer o povo português, tal como o autor diz, ao basear-se
num episódio dos Lusíadas. Poderá esta ser uma característica que aponta para o que no
século XIX se desenvolverá como um ideal nacionalista?
Tudo aponta e mostra a ópera como um espectáculo essencialmente virado para
a Família Real; até o local das representações assim o mostra. Dos 7 libretos, 4 são
especificamente apontados como sendo apresentados no Palácio de Queluz (Vila de
Queluz). Visto que esta era a residência de veraneio da família real, será possível dizer-
se que os outros libretos (excepção feita a “La finta giardiniera”, que mostrou ser ao
longo do trabalho o libreto mais dissonante em relação aos outros) seriam também para
ser apresentados neste palácio?
São estas algumas das conclusões que um primeiro estudo a esta amostra de
libretos permite retirar; no entanto, sem dúvida que muito mais há a fazer nesta área de
estudo, uma vez que ainda pouco se sabe sobre a ópera em Portugal.
Seria porventura interessante conseguir-se encontrar a partitura de José
Anastásio da Costa e ver que características apresenta em relaçao às músicas dos
restantes compositores, uma vez que José Anastásio da Costa e Sá não era, como se viu,
compositor de formação.
Foram poucos os libretos analisados, mas já permitiram retirar algumas
conclusões.
Seria necessário numa próxima etapa estudar mais libretos depositados em
Évora, tentar perceber como estão la depositados e ver se as conclusoes que aqui se
retiraram continuam as mesmas ou se é possível introduzir algumas alterações.
Bibliografia
Fonte: sete libretos da Biblioteca Pública de Évora, cota Sala Nova E27C 3º
Maço 5
BRANCO, João de Freitas, História da música portuguesa, Col. Saber 42, Lisboa,
Europa-América, 1959 (2.ª ed. rev. e aumentada, org., fixação de texto, pref. e notas de
João Maria de Freitas Branco, Lisboa, Europa-América, 1995; 3.ª ed., 1995; 4.ª ed.,
2005)
NERY, Rui Vieira, e CASTRO, Paulo Ferreira de, História da música, Sínteses da
Cultura Portuguesa, Lisboa, Europália '91, IN-CM, 1991
http://www.w3c.org/TR/1999/REC-html401-19991224/loose.dtd, acessed 21
December 2008