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Resumo
O presente artigo analisa o processo de criação de um jogo para Web em Flash, que teve
como proposta transcrever o conto “O Arrombador Aposentado” de Olivier Henry, focando em
seus principais pontos e características, para possibilitar que o jogador as vivencie em um
universo baseado na mitologia pirata. O projeto visou colher as características e ações dos
personagens principais do conto e transformá-los em matéria-prima necessária para uma
adaptação sem se prender à história original. Teve como objetivo satisfazer um público-alvo
específico levando em consideração o conhecimento prévio acerca do universo escolhido.
1. Introdução
A proposta do projeto Interdisciplinar era, a partir de uma seleção de contos, escolher
um deles para transcriar em um jogo para Web. Escolhemos o conto de O. Henry
porque dentre outros fatores, ele possui um enredo com várias possibilidades de
adaptação, e este fato nos trouxe a oportunidade de criar formas de gameplay
distintas.
2. O Conto
O. Henry narra a história de Jimmy Valentine, um arrombador de cofres que é posto em
liberdade após cumprir penas por inúmeros crimes de arrombamento.
Jimmy decide recomeçar sua vida como sapateiro de uma pequena cidade. Para obter
recursos que financiassem o inicio de sua nova vida, Jimmy volta a cometer crimes
pontuais. Feito isso, busca informações com os locais sobre a probabilidade de
sucesso do seu negócio. Acaba conhecendo, por acaso, Annabel Adams, filha do dono
de um banco, e esta desperta o interesse de Jimmy. Para conquistá-la, ele se propõe a
abandonar sua vida de crimes.
Passado um ano, Jimmy obtém sucesso com a sapataria, conquista o respeito dos
cidadãos de Elmore, e o coração de Annabel, com o casamento marcado em duas
semanas. O arrombador então envia uma carta a um antigo amigo e cúmplice, pedindo
que ele herde as ferramentas usadas nos crimes, já que passava por uma boa fase de
sua nova vida honesta.
No dia que carregava a mala com as ferramentas para entregá-las, Jimmy passeava
com seu sogro, Annabel e sua irmã que tinha duas filhas pequenas consigo. Ao
passarem no banco do Sr. Adams, este decidiu mostrar a todos o seu novo cofre, a
“última palavra em mecanismo de segurança”. Após sua explicação, uma das filhas da
irmã de Annabel trancou por acidente a irmã no cofre, causando desespero das
pessoas no local, uma vez que o cofre era novo e a combinação ainda não havia sido
registrada. Após uma súplica de Annabel, Jimmy abriu sua mala e começou o trabalho
de arrombamento como havia feito inúmeras vezes antes.
Ao abrir o cofre e salvar a menina, Jimmy dirige-se a Ben Price, detetive que estava em
seu encalço há muito tempo e que presenciou tudo da entrada do banco. Após Jimmy
dizer que poderia levá-lo pelo flagrante, Ben Price se nega alegando não conhecer o
arrombador que tanto perseguiu, retirando-se do local.
3. Transcriação
3.2 Arte
3.2.1 Concepts
Optamos por utilizar um traço simples e estilizado devido a sua praticidade. Este estilo
de desenho pode ser mais facilmente reproduzido, animado e é bastante expressivo.
Isso se fez necessário, pois os personagens têm tamanho reduzido na tela, criando a
necessidade do destaque de suas ações.
Uma das principais técnicas utilizada nas animações foi o “Elongated Inbetween” onde
os desenhos de transição, durante uma cena de movimento rápido, têm seu formato
alongado e distorcido, bem como os conceitos de Exagero, onde algumas partes dos
desenhos têm sua proporção aumentada, e de Flexibilidade, que simula a inércia nas
partes mais leves dos personagens, aumentando e reforçando a sensação de
naturalidade dos movimentos.
Na década de 30, quando animadores começaram a estudar filmes live-
action quadro a quadro, eles ficaram impressionados com a quantidade
de distorções transparentes nas imagens vivas. Para fazer o movimento
de suas animações ficarem mais convincentes, eles começaram a
utilizar transições com desenhos esticados (...). (WILLIANS, 2001, p. 96,
tradução nossa)
Figura 1: Referência do livro “The Animator’s Survival Kit” sobre a técnica de “Elongated Inbetween” (WILLIANS,
2001, p. 96).
Figura 3: Referência do livro “The Animator’s Survival Kit” sobre a técnica de Antecipação (WILLIANS, 2001, p. 212).
3.3.1 Pirata
3.3.2 Papagaio
Outro personagem que se fez necessário transcrever do conto para o jogo foi o policial
Ben Price. Para que o enredo do jogo fluísse conforme o planejado, foi decidido que o
detetive seria representado por todos os inimigos do jogo.
4. Interface
Durante a definição dos elementos e da aparência da interface, foram avaliados as
funções e comandos que seriam necessários ao jogador em cada fase, levando em
consideração o fato de que será um jogo para web. Em todas as fases, há no canto
inferior direito da tela, um botão para pausar o jogo, e outro para deixá-lo sem som. Em
fases onde o Pirata pode morrer ao ser atingido por inimigos (segunda, terceira e
quinta), há um marcador em forma de garrafa de rum cheia, do lado esquerdo superior
da tela, que vai se esvaziando cada vez que o Pirata é atingido. Na primeira fase, onde
o jogador tem um tempo para completar os desafios propostos, surge um “timer” no
canto esquerdo superior da tela, no mesmo lugar onde ficaria a garrafa de rum nas
fases onde ela aparece. Na quarta fase, há do lado esquerdo da tela, enfileiradas,
formas de setas ocas que correspondem às teclas direcionais do teclado, e seguindo a
mesma linha onde as formas estão, setas vêm do lado direito da tela, movendo-se para
a esquerda. Sendo um jogo de ritmo, as formas e as flechas servem para indicar o
momento em que o jogador deve pressionar cada tecla direcional (quando uma flecha
vinda da direita sobrepõe sua forma oca na esquerda). A maior diferença de interface
ocorre na sexta fase, o puzzle onde o jogador deve levar a bala de canhão até o
canhão. Na fase da floresta e na fase final (quinta e sétima), aparece no canto superior
direito da interface o indicador de personagem. Este item aparece já que nessas fases
há a possibilidade de inversão de personagens, e esse indicador serve para mostrar ao
jogador qual deles está selecionado.
5. Level Design
Procuramos cenários típicos que compõem o universo dos piratas e selecionamos os
que poderiam gerar jogabilidades diferenciadas a cada estágio. A partir dessa seleção,
elaboramos concepts que ajudaram a criar os elementos necessários para gerar o
gameplay, adaptando os cenários para a linguagem escolhida. “Essa é a essência do
level design - a aplicação das idéias da equipe de uma forma jogável.” (BRYNE, 2005,
p. 3, tradução nossa)
Pensamos no fluxo de dificuldade que o jogador deve ter durante o jogo, portanto
arquitetamos cada estágio pensando em elevar o grau de dificuldade
progressivamente, tanto no nível local (a fase que o jogador se encontra) como em
nível global (o jogo como um todo), obedecendo assim conceitos como o de Bryne
sobre o “flow” a ser seguido durante o jogo. “Cada mapa precisar ter seu próprio gráfico
de dificuldade que permitirá ao jogador melhorar suas habilidades e fornecer desafios
adequados com recompensas adequadas.” (BRYNE, 2005, p. 72, tradução nossa)
A maioria dos jogos possui uma forma de história ou narrativa que atrai
o jogador, e muitos jogos usam os levels assim como livros usam
capítulos – dividem a história em segmentos (...). Em muitos casos, um
level é como um romance – uma história curta com conteúdo próprio
que possui introdução série de encontros e desafios, e uma solução
final. (BRYNE, 2005, p. 11, tradução nossa)
Dessa forma, tendo a prisão como o primeiro level, pensamos em obstáculos como
tochas, correntes e mãos de prisioneiros e o fato de o Papagaio precisar agir com
discrição para obter a chave da cela sem chamar a atenção do guarda. Após minuciosa
análise e testes, verificamos a necessidade de remover as correntes, mantendo
apenas as tochas e as mãos.
Na terceira fase, tivemos que expandir o conceito fantasioso do jogo pelo fato dela se
passar do lado exterior de um navio em alto mar. Por isso tivemos que adicionar
elementos inverossímeis como plataformas na lateral do barco, muitas janelas sendo
abertas, cordas, barris que caem do convés constantemente e remos que não
necessariamente tocam na água. Na idéia inicial do level, o mesmo foi construído de
maneira que as plataformas formassem andares, cada um com a dificuldade
acumulada. Montando a fase, percebemos que a distribuição linear dos desafios
comunicava melhor o fato do jogador se encontrar em um grande navio e assim, os
desafios ficaram mais bem distribuídos em plataformas de níveis irregulares. Retiramos
o elemento corda, pois possui um funcionamento similar ao gancho que o jogador
encontrará posteriormente.
O primeiro projeto da sexta fase era uma interação maior entre o Papagaio e o Pirata
que deveriam resolver quebra-cabeças para prosseguir. O jogador deveria alternar
entre os personagens para guiar uma bala até um canhão para destruir a parede que
leva até a fase do navio abandonado, tomando cuidado com obstáculos como
estalactites, estalagmites, pedras e tochas. No intuito de deixar essa maior interação
para a fase final, transformamos a fase em um quebra-cabeça único. Decidimos deixar
de lado o controle Pirata/Papagaio para fazer o jogador controlar unicamente a bala
para guiá-la até o canhão. Alteramos a movimentação da bala para um grid em que o
jogador deve posicionar setas em quantidade pré-definidas que definirão a direção que
a bola seguirá. Isso fará o jogador raciocinar primeiramente uma solução possível e
então testá-la para buscar alternativas em caso de falha. Removemos os obstáculos
pensados anteriormente e adicionamos outros únicos para deixar a nova jogabilidade
mais interessante, como uma chave que a bola deve “coletar” (mais uma vez
expandindo a fantasia do jogo) e levar a um pequeno portão, onde acionará um botão
que abre o portão para o canhão e uma caixa que deve ser empurrada para tapar um
buraco que está em caminho importante. Esses elementos ajudaram a modelar o high
concept desejado para o level, um quebra-cabeça que o jogador deve resolver
testando suas próprias soluções.
Com a sexta fase alterada, para o desafio final pensamos no ápice da interação entre o
Pirata e o Papagaio. A fase se passa em um navio abandonado e o jogador deve
alternar entre os dois personagens, acionando alavancas e apertando botões, que
fazem caminhos se abrirem e fecharem, abrindo frequentemente caminho para um
personagem, mas bloqueando o caminho do outro; isso faz com que o jogador tenha
que pensar em soluções para que os dois prossigam, utilizando recursos que ele
aprendeu ao longo do jogo, como o gancho para acessar outras plataformas, enquanto
os dois personagens sobem para chegar até o convés do navio onde o baú com a
papagaia se encontra. Não colocamos inimigos nem condição de derrota no cenário
para transmitir a idéia de que caso o Pirata e o papagaio não consigam resolver o
desafio, ficarão presos eternamente no navio.
6. Regras e Desafios
O jogo é predominantemente do gênero plataforma com visão lateral. A partir dessa
premissa, decidimos as ações dos personagens e, em seguida, definimos desafios que
fazem o jogador utilizar essas ações, superando os obstáculos. Visando implementar
um diferencial na jogabilidade, decidimos que as regras e os desafios mudam de fase
para fase.
Na primeira fase, o jogador se move livremente com o Papagaio pela tela, devendo
escolher o momento em que baterá as asas para voar mais alto, uma vez que os
obstáculos se encontram em alturas diferentes. O jogador deve guiá-lo pela prisão
evitando tocar nas mãos e nas tochas, e após recuperar a chave, fazer o caminho de
volta à cela do Pirata em segurança antes que o tempo acabe. O jogador não pode
passar por baixo das tochas, e se tocar nas chamas (que explodem ocasionalmente),
nas mãos (que tentam agarrá-lo), no guarda (que o persegue após obter a chave) ou
se o tempo acabar, o jogador perde e deve tentar novamente.
A fase do bote possui visão lateral e o jogador deve pressionar as setas do teclado a
fim de acertar a sincronia da música através das flechas que surgem na tela. Após
errar vinte setas, o jogador é engolido pelo tubarão que o persegue e deve reiniciar a
fase.
Na fase que se passa na floresta, o jogador pode alternar entre o Pirata e o Papagaio,
que possuem movimentação semelhante à primeira e segunda fase. O Pirata pode
usar o gancho para se pendurar em galhos, acessando, assim, plataformas distantes.
O Papagaio pode por sua vez agarrar cocos e lançá-los nos inimigos. Os inimigos são
macacos, que se movimentam horizontalmente e pulam ao mesmo que o jogador, e
aranhas, que se movem verticalmente em suas teias. Na segunda parte da fase, onde
o jogador desliza pelo cipó, há morcegos que vêm em linha reta e o jogador deve evitá-
los. O jogador pode saltar do cipó e pisar em plataformas que estão logo abaixo, que
podem desmoronar. O objetivo do jogador é chegar até a caverna no final do cipó.
Caso seja atingido três vezes pelos inimigos ou caia em um buraco, o jogador deverá
reiniciar a fase.
A sexta fase é um quebra-cabeça onde o jogador deve levar uma bala a um canhão,
podendo utilizar setas que direcionarão a bola pelo caminho. A qualquer momento o
jogador pode apertar um botão de recomeço para tentar resolver o desafio de outra
maneira.
7. Sound Design
Tomamos o cuidado de escolher temas musicais e efeitos sonoros que se
encaixassem no clima do jogo, que se passa no universo pirata. Selecionamos músicas
que realçassem o ambiente de cada estágio e proporcionassem a imersão do jogador.
Além disso, as músicas deveriam ter qualidade sonora semelhante aos jogos de
plataforma 16 bits, que pudessem ser editadas de maneira satisfatória. Seguindo tal
critério, fizemos uma lista de possíveis músicas para cada fase e selecionamos as mais
adequadas. Para os efeitos sonoros, escolhemos detalhar os diversos elementos dos
ambientes para que o jogador tivesse os feedbacks necessários e, ao mesmo tempo,
dessem vida aos estágios, usando efeitos exagerados que ajudassem a transmitir a
linguagem cartunizada adotada. Fizemos assim as edições necessárias que não
comprometessem o desempenho do jogo, sobretudo quando este for publicado em
uma página da web.
Conclusão
Durante o processo de transcriação do jogo, procuramos desenvolvê-lo evitando
recontar a história escolhida, mas ainda assim manter sua essência presente.
Nesse mesmo alicerce, evitamos criar um jogo de visão lateral tradicional, mas sim, um
que possui diversos elementos distintos de jogabilidade para que cada etapa do jogo
possuísse um conceito maior, propiciando ao jogador uma experiência particular
projetada e fazendo o jogador indagar enquanto percorre o jogo qual seria a
modalidade da fase a seguir.
Referências Bibliográficas
BRAIT, Beth. A personagem. São Paulo: Ática, 2000.
BRYNE, Ed. Game Level Design. Boston: Charles River Media, 2005.
WILLIANS, Richard. The Animator’s Survival Kit. Nova York: Faber and Faber Inc.,
2001.