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A Rede de Subjetividade Compartilhada e Inclusiva Expressa nos 

Discursos de Desejos dos Educadores 

Alex Sandro C. Sant’Ana 1 
INTRODUÇÃO 

As  problematizações  desenvolvidas  ao  longo  deste  breve  artigo  foram 


inter(in)ventadas  (SANT’ANA,  2006)  com  os  educadores  e  educadoras  da 
Educação  Básica,  do  turno  matutino  da  escola  Marechal  Mascarenhas  de 
Morais, localizada na cidade de Vitória/ES. O estudo é um subprojeto, inserido 
em um projeto de pesquisa 2  mais amplo, que objetiva analisar os possíveis do 
coletivo  escolar  numa  perspectiva  de  atuação  como  uma  comunidade 
compartilhada (CARVALHO, 2006). 

Ocorreram diversos encontros com os educadores e as educadoras na escola, 
sendo  que  os  diálogos  extremamente  (im)pertinentes  foram  inicialmente 
concebidos  principalmente  com  o  Projeto  Político­Pedagógico  (PPP)  e  com 
algumas  questões  que  o  mesmo  oportunizava  para (re)viver  alguns  caminhos 
percorridos e forjar novas discussões a fim de (re)abrir novas perspectivas de 
viver  com  um  cotidiano  problemático  mas  simultaneamente  inventivo.  Assim, 
entenda­se  “problemático”  tanto  no  sentido  que  se  concebe  no  denominado 
“senso  comum”  (lócus  de  situações  complicadas  de  se  obter  uma  solução. 
Exemplo:  indisciplina dos alunos  e das  alunas)  quanto  no sentido  que  propõe 
Kastrup (1999), como lócus de invenção de si e do mundo. 

Realizamos  algumas  inter(in)venções  com  o  grupo  de  educadores  e 


educadoras, numa perspectiva de pesquisa com o cotidiano (FERRAÇO, 2002) 
lançando  questões  e  oportunizando  espaços­tempos  de  explicitação  dos 


Pedagogo,  Especialista  em  Educação  e  Mestrando  em  Educação  no  Programa  de  Pós­ 
Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). 

Projeto  de  Pesquisa  "A  epistemologia  da  prática  docente  nos  processos  de  ensino,  de 
pesquisa  e  de  formação  continuada  no  cotidiano  escolar  do  ensino  fundamental",  sob  a 
coordenação  da  Prof.  Dra.  Janete  Magalhães  Carvalho  (PPGE­UFES),  registrado  junto  à 
Coordenação Nacional de Pesquisa (CNPq).
discursos de desejo dos mesmos, que geravam aproximações (divergências e 
convergências) desterritorializantes tanto para mim e os demais pesquisadores, 
quanto  para  o  próprio  grupo  de  educadores  e  educadoras.  Objetivou­se, com 
isso,  constituir  um  espaço­tempo  de  discussões  acerca  de  possibilidades­ 
outras  (GUATTARI,  2005)  de  se  educar,  bem  como  de  ser­sendo  educador 
pós­crítico. 

ENCONTROS  COM  EDUCADORES  E  EDUCADORAS:  FORJANDO  UMA 


EDUCAÇÃO PÓS­CRÍTICA 

Em um momento de diálogo com alguns dos educadores e das educadoras, no 
qual estavam divididos em um grupo para problematizar uma questão baseada 
no videoclipe “The Wall” da banda Pink Floyd, capturei um pensamento de uma 
delas  no  qual  ela  expressava  um  agenciamento 3  ocorrido  em  um  de  seus 
encontros  com  os  alunos  e  alunas.  A  questão  suscitada  era  a  seguinte:  “No 
videoclipe  “The  Wall”  os  professores/as  assumiram  um  lugar  de  poder 
opressivo,  característico  de  uma  “sociedade  disciplinar”.  Que  outros  lugares 
poderiam/deveriam  ser ocupados  por  professores  na  escola? Quais as  táticas 
de  sobrevivência  e  de  resistência  presentes  no  cotidiano  escolar?”.  Uma 
educadora gerou uma enunciação desafiadora: 

Educadora  A:  Utilizo  algumas  cenas  da  novela  “Rebelde” 4  como  ponto  para 
discussão e reflexão com meus alunos. 

Percebi  no  discurso  da  educadora  um  ato  de  apropriação  (destaque  para  o 
termo  “utilizo”)  de  um  evento  midiático  que  considero  um  acontecimento 5 


Pode­se dizer, em uma primeira aproximação, que se está em presença de um agenciamento 
todas  as  vezes  que  pudermos  identificar  e  descrever  o  acoplamento  de  um  conjunto  de 
relações materiais e de um regime de signos correspondente. (ZOURABICHVILI, 2004, p. 20) 

A novela “Rebelde” é uma produção da  TV mexicana e foi exibida  regularmente na rede de 
TV  SBT,  aproximadamente  no  horário  das  19:00  às  20:00,  de  segunda­feira  à  sexta­feira,  no 
ano de 2006. 

O acontecimento é o próprio sentido. O acontecimento pertence essencialmente à linguagem, 
mantém uma relação essencial com a linguagem; mas a linguagem é o que se diz das coisas.
(“cenas da novela”) no qual a educadora criou um dispositivo (ato de discutir a 
partir  da  “ferramenta”  novela)  para  atuar  com  seus  alunos  e  alunas.  Guattari 
(2005,  p. 56)  já  dizia  que “a relação de  um  indivíduo com  a  música ou com  a 
pintura  pode  acarretar  um  processo  de  percepção  e  de  sensibilidade 
inteiramente  novo”:  isso  vale  também  para  uma  novela  ou  filme.  Não  realizei 
uma observação participativa na sala de aula da educadora, mas apesar disso 
concebo  todo  o  discurso  de  desejo  dela  como  uma  possibilidade­outra  criada 
para  expressar  tanto  uma  nova  perspectiva  de  fazer­viver  uma  educação  em 
sala de aula escolar, quanto uma possibilidade de se utilizar deste dispositivo, 
apresentado de forma interessante pela mesma ao grupo de professores, para 
se auto­afirmar diante daquele coletivo pensante. 

Neste breve acontecimento, a educadora gerou um novo agenciamento, desta 
vez  local  (molecular),  mas  simultaneamente  total,  no  qual  ela  própria  é 
apanhada,  não  se  limitando  a  efetuar  as  formas  socialmente  disponíveis  (no 
caso,  o  discurso  “negativo”  acerca  da  escola,  enfatizado  pelo  videoclipe  e 
expresso  no  discurso  dos  demais  colegas)  e  modelando  uma  existência 
segundo  códigos  que  ela  própria  criava  e  englobava  numa  coletividade  (no 
caso,  o  grupo  de  discussão)  e  forjava  então  uma  nova  perspectiva  de  escola 
que não lhe pertencia, mas sim a uma coletividade que lhe habitava, fazia­lhe 
viver  de  forma  ativa  no  cotidiano  da  escola  e  que  era  inerente  tanto  para­si 
quanto para os outros e outras. 

Os  processos  de  constituição  da  subjetividade  coletiva,  segundo  Guattari 


(2005,  p.  37),  “não  são  resultado  da  somatória  de  subjetividades  individuais, 
mas  sim  do  confronto  com  as  maneiras  com  que,  hoje,  se  fabrica  a 
subjetividade  em  escala  planetária”.  Analisando  apenas  o  discurso  de  desejo 
da  professora,  pode­se  conceber  que  a  mesma  estava  (in)tentando 
desenvolver  uma  maneira  de  fabricar  uma  subjetividade  com  o  coletivo  de 

Em  todo  acontecimento,  há  de  fato  o  momento  presente  da  efetuação,  aquele  em  que  o 
acontecimento  se encarna em um estado de coisas, um indivíduo, uma pessoa, aquele que  é 
designado quando se diz: pronto, chegou a hora; e o futuro e o passado do acontecimento só 
são  julgados  em  função  desse  presente  definitivo,  do  ponto  de  vista  daquele  que  o  encarna. 
(ZOURABICHVILI, 2004, p. 15)
alunos  e  alunas,  com  o  grupo  de  educadores  e  educadoras  ali  presentes  e 
consigo  própria.  Percebi  naquele  instante  que  uma  subjetividade  coletiva 
aprendente e pensante foi ali forjada, mesmo que efemeramente. 

Já em um novo encontro  com uma outra educadora (Educadora B), a mesma 
relatou que “no ano passado estava muito aborrecida com a escola, queria até 
sair,  mas  não  houve  a  possibilidade  de  saída”.  Provavelmente,  ela  (in)tentou 
forjar  uma  linha  de  fuga  em  relação  algum  problema  que  enfrentava  naquele 
cotidiano,  mas  não  ficou  explícito  de  início  do  que  se  tratava.  Uma  outra 
educadora respirou um pouco, e lançou algo que chamarei aqui de “desabafo”: 

Educadora B: Nós professores nos perguntamos: Qual a nossa relação com o 
saber?  Para  que  tenho  que  aprender:  Para  que  eu  tenho  que  estudar?  Eu 
estudo  para  ter  um  status,  para  me  preparar  para  um  emprego,  para  ser 
alguém  melhor,  qual  é  a  minha  relação  com  o  saber?  [...].  A  vida  é 
transdisciplinar, toda e qualquer disciplina está na vida, diariamente nossa vida 
perpassa  por  todas  as  disciplinas,  então  a  vida  e  qualquer  disciplina  está  na 
vida,  então  a  vida  é  interdisciplinar  e  transdisciplinar,  tudo  que  a  gente  faz 
perpassa  pelas  várias  áreas  do  conhecimento.  O  problema  não  está  no 
conteúdo,  mas  sim  como  trabalhá­lo.  Como  fazer  que  determinado  conteúdo 
passe a ter significação para nós e para os nossos alunos. 

Assmann  (2004)  afirma  que  processos  vitais  e  processos  cognitivos  são 


dimensões de um mesmo processo. Em um cotidiano de desejos de invenção, 
expressado  no  discurso  de  desejo  da  educadora,  a  palavra  que  permeia, 
subliminarmente,  a  rede  de  subjetividade  deste  coletivo  pensante  é  “mudar”. 
Talvez seja essa a palavra de ordem que a  educadora coloca para si própria: 
mudar para mudar os outros e outras, para mudar simultaneamente a si própria 
e  mudar  a  percepção  que  o  coletivo  de  educadores  e  educadoras  têm  em 
relação aos seus modos de ser­sendo educadora. Não provocar coerção é uma 
possibilidade­outra  que  a  educadora  coloca  aos  seus  alunos  e  alunas:  mas 
provocar o quê então, diante das situações extremamente desgastantes que se
colocam para ela diariamente neste problemático cotidiano escolar? Parece­me 
que a educadora (in)tenta gerar provocações de desejo: desejo de ouvir e ser 
ouvida; desejo de se expressar e ser expressada pelo outro e outra; desejo de 
que os alunos e as alunas aprendam também com a professora, fazendo com 
que a experiência de estar neste cotidiano escolar seja instigante, interessante 
e, enfim, prazeroso. 

Percebo  que  dúvidas  e  angústias  acompanham  o  ser­sendo  educadora  desta 


professora,  mas  que  a  mesma  (in)tenta  “driblar”  as  adversidades  com  seus 
alunos  e  alunas,  com  seu  coletivo  pensante  de  colegas  professores  e 
professoras,  com  toda  a  vida  que  habita  seu  cotidiano  visto  que,  segundo 
Assmann  (2004),  processos  cognitivos  e  vitais  fazem  parte  de  um  mesmo  e 
único processo de aprendência. 

Muitas  idéias­sínteses  foram  elaboradas  a  partir  dos  diversos  discursos  de 


desejos  dos  educadores  e  das  educadoras.  Quatro  pontos  importantes  que 
poderiam ser destacados são: O adoecimento dos professores , como um mal­ 
estar  que  já  está  fazendo  parte,  diariamente,  do  cotidiano  escolar;  uma  linha 
dura (engessamento) que muitas vezes perpassam as tentativas de mudanças 
de  suas  práticas  de  ensino  e  pedagógica,  e  impossibilitando  o  emergir  do 
educativo  (SANT’ANA,  2006): o  educativo seria  um entrelugar  situado  no que 
foi planejado pela instituição escolar  (currículo  prescrito)  e  no  que está sendo 
efetivamente  feito  no  momento  da  práxis  pedagógica  (currículo  em  ação  ou 
currículo  realizado);  mas  há  um  campo  de  possíveis  projetado  pelos 
educadores e educadoras em seu cotidiano que (in)tenta a (trans)formação de 
um cidadão  pós­crítico  (SANT’ANA,  2006):  um  cidadão  cosmopolita,  com  um 
conhecimento  local  e  total,  que  subverte,  burla,  insurge,  (trans)forma  e 
(re)inventa  o  cotidiano  diariamente,  num  ser­sendo  sujeito­participativo,  com 
discursos  de  poder  intrínsecos  e  extrínsecos,  dentro  de  um  meio  ambiente 
sócio­historicamente  determinado  mas  cujos  determinantes  são  forjados  pelo 
coletivo;  no  ato  de  atuar  desses  cidadãos,  os  educadores  concebem  a 
possibilidade­outra  de  emergência  de  uma  rede  de  subjetividade
compartilhada,  em  que  um  coletivo  participativo  e  pensante  poderia  se  auto­ 
fazer  (autopoiese)  portanto  por  uma  educação  pós­crítica.  Leia  abaixo  um 
diálogo entre os educadores e educadoras sobre suas respectivas concepções 
de  escola  bem  como  o  entrelaçamento  das  mesmas  numa  rede  de 
subjetividade compartilhada que pensa uma educação pós­crítica. 

Educador C: a idéia de escola para mim é de formar pessoas que acaba sendo 
um referencial para se formar personalidade. 

Educador  A:  eu  concordo  com  você,  que  a  escola  participa  da  formação  da 
personalidade,  que  escola  é  espaço  de  lazer  da  socialização,  a  maioria  dos 
alunos não tem outro espaço para essa socialização, isso acontece em nossa 
comunidade. É aqui que eles vêm para adquirir conhecimentos, para socializar, 
para  formar.  Mas  o  que  a  gente  está  se  perguntando,  é  que  ela  serve  para 
tanta coisa, que no final perguntamos o que nós fizemos, o que podemos fazer. 
O problema é esse. 

Educador  C:  a  escola  é  um  local  que  dá  oportunidade  aos  alunos,  para  que 
esses expressem os seus pensamentos, por isso a escola não deveria ser um 
local  somente  de  aquisição  dos  conhecimentos,  mas  um  lugar  onde  que  os 
alunos pudessem se expressar, “jogar para fora!” seus sentimentos. 

Educador D: Quando você fala, “para que serve a escola?”. Quer dizer, qual o 
conceito de escola que a gente tem, em relação ao tradicional, ou as pessoas 
que freqüentam esse espaço, mas de uma forma ampla? Eu costumo falar com 
os alunos que eu considero o planeta Terra como uma grande sala de aula, e 
no  sentido  amplo,  nós  estamos  ensinando  e  aprendendo  o  tempo  todo,  no 
espaço escolar, no caso formal, tachada como escola tradicional, seja na nossa 
família, no clube, no ambiente de trabalho. Então, ao nos relacionarmos com as 
pessoas, nós estamos ensinando coisas que a gente sabe, e está aprendendo 
com  elas.  Esse  processo  do  desenvolvimento,  não  só  intelectual,  como 
também  o  emocional,  o  psicomotor,  estão  acontecendo  constantemente,  até
independendo  da  escola,  visto  que  antes  da  criança  entrar  na  escola,  ela  já 
está aprendendo uma porção de coisas, desde a vida uterina, do engatinhar ao 
seu  relacionamento  com  o  mundo.  Mas,  eu  vejo  a  escola  hoje,  como  ainda 
reproduzindo  a  conservadora  cultura;  por  que  reproduzimos  o  que  está  na 
sociedade? Porque nós tivemos pessoas que reproduziram isso para a gente; 
para você que aprendeu de um jeito, passar a ensinar de outro jeito, você teria 
que  estar  se  questionando,  se  o  jeito  que  você  aprendeu  seria  o  mais 
adequado.  Naquele  contexto  histórico  talvez,  mas  hoje,  o  contexto  histórico 
mudou  muito,  a  dificuldade  está  em  você  se  reformular  em  um  outro  cenário 
com  novas  crianças  e  jovens;  eu vejo  que  ainda  preciso  muito  me  reportar  a 
essa nova clientela. 

Mudar  continuamente  e,  logo  abaixo,  trabalhar  e  viver  com  uma  coletividade 
pensante,  que  questiona,  infere  novos  possíveis,  e  enfim,  faz­viver  uma 
possibilidade­outra de escola, que denominarei aqui de escola pós­crítica. 

Educador D: Uma das coisas importantes que eu vejo para que serve a escola, 
é a gente aprender e ensinar as pessoas a trabalhar e conviver em grupo, e a 
outra seria aceitar as diferenças, as pessoas, as idéias. Aprender, mesmo que 
você  não concorde,  a respeitar  a  idéia  do outro.  Ao  organizar  um  trabalho  de 
grupo  e  apresentar  para  a sua turma,  ocorre  a  aprendizagem  de questões  de 
personalidade e da dificuldade de ser feito este trabalho. 

Após  um  discurso  de  desejo  sobre  uma  possibilidade­outra  de  escola,  o 
“Educador  D”  infere  a  necessidade  de  se  inventar  um  novo  papel  para  o 
educador, forjar um ser­sendo educador pós­crítico. 

Educador D: Eu vejo os educadores hoje com papel assim de facilitador deste 
processo,  do desenvolvimento grupal,  a  partir  do  momento  em  que  os  alunos 
comecem, a saber, a ouvir, em assumir as suas responsabilidades; esse é um 
desafio,  de  aprender  a  trabalhar em  grupo, de  saber  a respeitar  a  opinião  do 
outro,  aprender  a  ouvir,  aprender  a  falar,  esse  é  um  dos  grandes  papeis  da
escola, ou seja, eu não vou deixar o conhecimento, mas tudo é conhecimento e 
um conhecimento muito importante é o de como trabalhar em grupo. 

PÓS­ESCRITO 

É  possível inferir  que  não se  pode conceber,  considerando a  insurgência  pró­ 


paradigmática de uma educação pós­crítica, uma etimologia tal a qual tem sido 
concebida  para  o  termo  “cotidiano”:  “No  século  8º  havia  a  forma  cotidião,  em 
português.  ‘Cotidiano’  vem  do  latim  quotidianus,  derivado  de  quotidie  (cada 
dia),  de quotus,  ‘quão  numeroso’  porque conteria  a idéia  de que viver  um  dia 
após  o  outro  tende  a  ser  angustiante.  Essa  idéia  repercute  em  vários  níveis” 
(Revista Língua Portuguesa, 2006, p. 18, grifo do autor). Espiar a vida cotidiana 
por  meio  da  etimologia  é  uma  forma  de  expandir  um  pouco  mais  nossa 
capacidade  de  pensar  o  nosso  próprio  dia­a­dia,  por  isso  se  faz  necessário 
(re)pensar as ações pró­educativas que os educadores e educadoras instituem 
em  seu  cotidiano  e (in)surgir com  processos  instituintes  (revolução molecular) 
que se  rebelem em  relação as  amarras  implantadas  pelas  instituições (molar) 
no  status  quo  dessa  perspectiva  de  cotidiano  escolar  gerada  pela  sociedade 
moderna.  Considera­se  efemeramente,  portanto,  que  “a  lógica  que  preside  o 
desenvolvimento das ações cotidianas é profundamente diferente daquela com 
a  qual  nos  acostumamos  a  pensar  na  modernidade,  na  medida  em  que  o 
cotidiano  tem  como  características  fundamentais  a  multiplicidade,  a 
provisoriedade, o dinamismo, a imprevisibilidade” (OLIVEIRA, 2003, p. 52). 

Educador D: Quando você sai com os alunos para visitar uma exposição como 
a  de  Sebastião  Salgado,  para  muitos  pais  e  alunos  isso  não  é  aula,  e  nem 
aprendizagem, se for com os alunos para praça de Ciências, para alguns pais 
isso  não é  aula,  é  simplesmente  um  passeio. Temos  que  trabalhar  tanto com 
os pais como com os alunos: o que é aprendizagem? O que é aula? Ao passar 
um  filme  como:  “Um  dia  depois  do  Amanhã”,  que  aborda  sobre  a  questão
ecológica,  alguns  o  vêem  como  um  passatempo.  Como  mudar  essa 
mentalidade do que é aula e aprendizagem? 

Muitos  educadores  e  educadoras  estão  habituados  a  ensinar  estilos 


padronizados  e  generalizados  de  resolução  de  problemas.  Nesse  sentido,  é 
preciso  (re)pensar  a  prática  idiossincrática 6  de  ser­estando  professor7 
  e 
problematizar  a  possibilidade­outra  de  ser­sendo  educador,  no  qual  os 
educadores  e  educadoras  adotem  uma  prática  de  saberes  e  fazeres  pós­ 
críticos,  promovendo  inter(in)venções com o cotidiano escolar, conscientes  de 
que suas ações educativas e conseqüentes interações discursivas de desejo e 
poder  no  âmbito  político,  cultural  e  social  compromissadas  são  condição sine 
qua non  para a (trans)formação de cidadãos pós­críticos  (SANT’ANA, 2006) e 
participativos,  aptos  a  (con)viverem  no  mal­estar  ou  desassossego  da 
sociedade (anti)contemporânea ou (pós)moderna e capazes ainda de implantar 
coletivamente uma sociedade mais harmônica (o que não significa a supressão 
das diferenças), justa (com igualdade de oportunidades) e feliz (exatamente no 
sentido  de  felicidade  que  temos  no  senso  comum).  Finalizo  este  breve  artigo 
com um discurso de desejo de um dos educadores: 

Educador  E:  Independentemente  do  número  de  alunos  precisamos seduzir  os 


alunos.  Temos  que  trabalhar  o  afeto.  Essa  coisa  da  sedução  tem  haver  com 
ganhar  o  aluno.  Ganhar  com  o  olhar,  com  o  toque,  com  uma  atenção. 
Pressupõe que todos nós professores temos, mas nem todos os dias estamos 
dispostos  a  isso.  Quando  puxamos  o  aluno  pelo  afeto  tudo  parece  melhorar, 
entretanto,  como  trabalhar  com  um  problema  que  não  consigo  lidar  e  não 
disponho  de  tempo  para  isso.  É  necessário  sentar  com  o  aluno,  conversar 
sobre  os  palavrões.  Aí  bate  o sinal.  Entra  a questão estrutural.  Não adianta o 
professor  ter  realizado  um  monte  de  cursos,  ter  uma  excelente  formação 


Predisposição  particular  do  organismo  que  faz  que  um  indivíduo  [professor,  educador, 
pedagogo,  etc]  reaja  de  maneira  pessoal  à  influência  de  agentes  exteriores  [Secretarias  de 
Educação,  educandos  ou  alunos,  diretora  da  escola,  etc].  (Dicionário  Houaiss  da  língua 
portuguesa, Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br>. Acesso em: 13 mar. 2006) 

Termo que inter(in)ventei para me referir a uma prática descompromissada com a educação, 
no  qual  o  professor  é  mero  profissional  “auleiro”  que  não  tem  consciência  das  possíveis 
implicações de suas práticas pró­educativas no cotidiano escolar.
continuada, se  não  tem  tempo  para  por  em  prática.  Quem  não  quer trabalhar 
num ambiente melhor?
REFERÊNCIAS 

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8. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. 251 p. ISBN 85­326­2024­8. 

FERRAÇO, Carlos Eduardo. Ensaio de uma metodologia efêmera: ou sobre as 
várias maneiras de se sentir e inventar o cotidiano escolar. In: OLIVEIRA, Inês 
Barbosa de; ALVES, Nilda (org) at al. Pesquisa no/do cotidiano das escolas: 
sobre  redes de saberes.  2  ed.  Rio  de Janeiro:  DP&A  Editora,  2002.  ISBN  85­ 
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GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: Cartografias do Desejo. 7 ed. 
rev. Petrópolis: Vozes, 2005. ISBN 85­326­1039­0. 

KASTRUP, Virgínia. A invenção de si do mundo: uma introdução do tempo e 
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OLIVEIRA,  Inês  Barbosa  de.  Currículos  praticados:  Entre  a  regulação  e  a 


emancipação. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2003. 152 p. ISBN 95­7490­251­ 
9. 

SANT’ANA, Alex Sandro C. Educação e Pós­modernidade: Problematizações 
Efêmeras  a  partir  das  Idéias  de  Zygmunt  Bauman  e  Boaventura  de  Sousa 
Santos.  2006.  73  f.  Monografia  (Especialização  em  Educação)  –  Centro  de 
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[?].  A  etimologia  do  cotidiano.  Revista  Língua  Portuguesa:  Especial 


Etimologia, São Paulo, ano 1, n. [?], p. 18, jan. 2006. ISSN 1808­3498. 

ZOURABICHVILI,  François.  O  Vocabulário  de  Deleuze.  Tradução  de  André 


Telles. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. 126 p. ISBN 85­7316­380­1.

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