Versión en portugués do artigo publicado polo profesor de Historia Moderna, Francisco Carlos Teixeira. A versión en galego pódela ler en Cadernos de Comunicación e Análise http://cadernos.net/2014/05/09/sobre-bananas-e-odio-por-francisco-carlos-teixeira/
Original Title
Artigo de Francisco Carlos Teixeira: "Sobre bananas e ódio" (Versión orixinal en portugués)
Versión en portugués do artigo publicado polo profesor de Historia Moderna, Francisco Carlos Teixeira. A versión en galego pódela ler en Cadernos de Comunicación e Análise http://cadernos.net/2014/05/09/sobre-bananas-e-odio-por-francisco-carlos-teixeira/
Versión en portugués do artigo publicado polo profesor de Historia Moderna, Francisco Carlos Teixeira. A versión en galego pódela ler en Cadernos de Comunicación e Análise http://cadernos.net/2014/05/09/sobre-bananas-e-odio-por-francisco-carlos-teixeira/
O futebol, como todos os demais esportes de carter popular e massivo
depois do incio do sculo XX, foi alvo, e palco, de manifestaes racistas. Nos primeiros tempos, na poca da fundao dos grandes clubes e associaes (ainda no final do sculo XIX), eram as elites que dominavam as instituies esportivas, que mantinham um frreo controle sobre o mundo dos esportes, considerado um privilgio o cio das classes superiores. Na Inglaterra, ou no Brasil, as associaes e ligas de futebol impunham regras que excluam pobres e estrangeiros das reas coloniais na Inglaterra, claro e negros e pardos no caso do Brasil da participao efetiva nos esportes. Regras que impunham o desinteresse e o amadorismo aos esportistas, quer dizer, no poderiam ter remunerao de qualquer dito, afastava todos aqueles que no tinham rendas elevadas da prtica regular de esportes.
No dizer de Peter Gay, um historiador que se debruou sobre a chamada Era Vitoriana, as elites das public school (escolas das classes superiores inglesas) no queriam seus filhos sofrendo caneladas de operrios, caixeiros, ou taverneiros. Assim, durante sua poca heroica, o futebol foi placo de um amplo espao de excluso e discriminao social. Ao mesmo tempo, outras modalidades esportivas, como tnis, hipismo, iatismo, crquete e polo eram considerados esportes mais nobres, menos suados e que evitavam as paixes das multides.
No entanto, a fora do prprio futebol, sua capacidade de empolgao e seu carter democrtico afinal todos podem jogar futebol, posto que o equipamento (ao contrrio do polo, do crquete, do iatismo, por exemplo) mnimo e barato, e tudo pode ser uma bola e uma baliza acabou por se impor como um esporte de multides.
As ligas e associaes britnicas procuraram, ainda, ter o cuidado de separar os filhos de sua aristocracia da massa de trabalhadores, providenciando campos e equipes que no deveriam ser frequentadas indiscriminada ou mutuamente, originando equipes elitistas e outras, excludas, de carter popular. Os trajes e o comportamento do pblico eram vigiados e serviam como elemento de separao, alm da criao de camarotes e lugares VIPs para as elites no interior dos estdios. Contudo, desde cedo, os clubes de futebol operrios, como foi o caso Arsenal, acabaram conquistando os coraes e a fidelidade das massas de esportistas ingleses, rompendo com a pretensa hegemonia aristocrata nos esportes. Desde sua origem, obra de um grupo de trabalhadores da Woolwich Arsenal Armament Factory, que decidiram ter seu prprio time em 1886, o Arsenal pode facilmemnte superar as agremiaes da elite universitria das grandes school e, em seguida, superar o criquete, o plo e o hoipismo como um esporte de massas.
Na Alemanha, onde o futebol tornou-se popular desde o final da Grande Guerra, superando os esportes de tipo ginstica coletiva, as associaes tentaram afastar estrangeiros e trabalhadores dos gramados oficiais (inclusive os catlicos), o que ocasionou uma longa disputa, em especial em torno de uma equipe de jogadores do Schalke 04, que nos anos de 1920, colocou em campo um time de trabalhadores ( eram mineiros ) e com alguns jogadores de origens polonesa e catlica, chocando a elite ariana das ligas esportivas alem. Contudo, a firmeza do Schalke 04, o azulo, tornou-o, ento, o papel de clube socialmente integrador.
Na Alemanha, at 1919, antipatia com o futebol era bastante grande, em particular entre os adeptos do Turn, a ginstica coletiva e praticada ao ar livre. Somente o Turn era considerado um esporte tipicamente alemo, ligado bem mais ao aperfeioamento fsico e a disciplina do que a competio (esta seria a noo de esporte, competio regrada, tipicamente britnica e contrria a uma Kultur germnica). Somente depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a com a morte de milhares de atletas do Turn quase todos voluntrios no conflito que o futebol se generaliza na Alemanha, passando dos campos de rua nas cidades da Rennia para as fbricas. Assim, surgem clubes de feio operria, que tero forte oposio e das elites locais, em especial no tocante ao tema do amadorismo ou seja, o monoplio daqueles que tinham rendas e podiam se dedicar aos esportes desinteressadamente. O Schalke 04 (fundado em 1904, da o 04), com uma equipe de jogadores-operrios (a maioria mineradores), nos anos 20 contemporaneamente ao enfrentamento do Vasco da Gama com a Associao carioca ser punido e desliga da Liga de Futebol por incorporar operrios ao time. Na Alemanha como no Brasil a histria do futebol uma histria da luta pela incluso social e pela construo da identidade nacional.
No Brasil, aps a experincia notvel de Francisco Carregal, o primeiro jogador negro no Brasil, que brilhou entre 1905 e 1910, pelo time do Bangu A. C. afastado, contudo, dos gramados por insistncia da AMEA, a Associao Metropolitana de Esportes Amadores ( uma associao monopolizada ento pela elite carioca, com os Guinle frente ) , coube o Vasco da Gama, no memorvel torneio de 1923, trazer negros, pardos e populares para o interior de time de primeira grandeza, mesmo tendo como consequncias o rompimento com as instituies dirigentes diviso essa s sanada com o Jogo da Amizade (Amrica versus Vasco, nos anos de 1930), j sob insistncia do Governo de Getlio Vargas. Destacou-se a o jogador Bolo (que viria a ser treinador do clube, o primeiro negro nesta posio).
Assim, mesmo, em vrias equipes, muitas vinculadas a clubes de perfil elitista, o pblico e, principalmente, o jogador negro (tambm rbitros) foram, ainda, durante bastante tempo alvo de discriminao, como nas famosas histrias do encobrimento das caractersticas tnicas de negros com o uso da boina e do p de arroz em pleno gramado, como construiu-se a imagem do Fluminense carioca. Talvez tenha sido o grande jogador Tesourinha, j em 1952, no Grmio, o ltimo grande nome do futebol brasileiro a enfrentar de forma clara as agruras da discriminao racial.
Porm, o preconceito ainda imperou, e atrapalhou, o futebol por bom tempo. O caso clssico foi em 1925, quando o presidente da CBD, Oscar Costa, impediu que jogadores negros ou mestios fossem escalados para a seleo brasileira que jogaria o Campeonato Sul-Americano em Buenos Aires. Suas razes eram claras: era necessrio preservar a boa imagem do pas!. Venceram os argentinos, em cuja seleo jogava o genial De Los Santos, um heri negro, artilheiro do campeonato!
A popularizao do futebol, irresistvel depois da popularizao do rdio, do jornal da tela (o inesquecvel Canal 100) e, enfim, com televiso, acabou por tornar o fenmeno esportivo massivo, popular e dar ao mesmo a cara do povo brasileiro: mestio, empolgado, participativo. Neste sentido, as manifestaes de racismo e de m educao, e de ausncia de esprito esportivo tornaram-se raras nos nossos estdios at frequentemente. Alguns clubes escolheriam, mesmo, smbolos da negritude, como o Urubu flamenguista, como smbolo identitrio. Da mesma forma, a Legislao brasileira, desde da Lei Afonso Arinos, de 1951, at a Constituio cidad de 1988, passaram a punir com rigor manifestaes racistas, reduzindo a casos espordicos e, de qualquer forma, chocantes os atos de ofensa racial.
A globalizao e a multiplicao de equipes em campos com clubes jogando em reas socialmente homogneas e muitas vezes de mentalidade provinciana -, nos grandes campeonatos nacionais e internacionais, colocando face face equipes de culturas e tradies diferentes, num momento que o fenmeno de massificao cultural assoma aos meios de comunicao, acentuou, por paradoxo, manifestaes de estranheza, inconformismo e, no limite, de dio tnico e recusa diferena. A globalizao pasteurizadora e, mesmo, a crise econmica mundial depois de 2008 criando nichos de xenofobia e de desconfiana frente ao diferente e ao estrangeiro at o limite de manifestaes fascistas em torcidas como do Lazio ou do Borrusia - pode, infelizmente, trazer de volta aos nossos estdios na Itlia, Espanha, Inglaterra e tambm na Amrica do Sul, incluindo o Brasil manifestaes de racismo contra jogadores e juzes, em especial negros e pardos.
Infelizmente, quando os casos comearam a se multiplicar, as associaes e federaes esportivas, foram lenientes e evasivas. Trataram de tapar o sol com a peneira da miopia. Tal ausncia de resposta pronta e direta, incentivou a transformao de manifestaes de frustrao social e de decepo perante as atuais condies de crise social e desemprego, em dio racial. Em especial na Europa, em pases atingidos por um brutal desemprego (na Espanha cerca de 45% entre os jovens), a fora, o sucesso e a boa remunerao de outros jovens, estes jogadores de sucesso e de origens etnicamente diversas, constitui-se em alva de dio. O combate a este dio, originado na frustrao no atual ambiente de crise, deve ser, claro, enfrentado pela educao e pelo esclarecimento. Mas, tais medidas, de longo prazo, no podem justificar a ausncia de uma ao direta das associaes, a busca de direitos junto justia por parte dos ofendidos.
O racismo a raiva de uns que causa dor em outros. Assim, alm da educao e do uso da lei, importa tambm, e muito, a corajosa e inteligente reao dos prprios jogadores, negando-se a aceitar a regra do silncio e do desconhecimento olmpico do dio gratuito. O racismo se responde com educao e ao racista com a fora da lei. FRANCISCO Carlos TEIXEIRA DA SILVA O Professor Francisco Carlos Teixeira da Silva Professor titular de histria moderna e contempornea da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador do CNPq e professor visitante do Ncleo de Altos Estudos da Amaznia, do Centro de Ps-Grau em Desenvolvimento Agrcola e do Instituto de Relaes Internacionais da PUC-RJ. Dentre seus diversos cursos acadmicos, destaca-se o doutorado em Histria Social pelas Universidades de Berlim e UFF e o Ps-Doutorado pelas Universidades de So Paulo e Tcnica de Berlim. Alm de ser autor de uma considervel gama de livros, captulos e artigos publicados, tambm Editor de histria da Revista Cincia Hoje e Coordenador do Projecto PRONEX, dentre outras actividades.