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RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo investigar, por meio legislativo, teórico interdisciplinar e
empírico, a potencialização dos conflitos de gênero e vitimizações femininas quanto à questão da
violência doméstica contra a mulher. Comemorou-se no mês de setembro de 2007, o aniversário de
um (01) ano da Lei denominada “Maria da Penha”, Lei n° 11.340/06, considerada pelos órgãos
estatais e “senso comum” como uma inovação e uma conquista aos direitos das mulheres. Todavia,
busca-se demonstrar que no plano da efetividade dos direitos e garantias femininas – mulher enquanto
gênero, a resposta pela tutela jurídico-penal não corresponde à qualquer avanço ou forma de
contenção dessas violências. O arcabouço legislativo penal, que ora criminaliza outra descriminaliza,
nada tem contribuído para minimizar ou conter esses conflitos violentos no âmbito doméstico, que,
trabalhando no horizonte da criminologia crítica, demonstra-se que não reside na identificação do
sujeito criminoso, pautado no paradigma etiológico de criminalidade, e, sim, na perspectiva da
desconstrução da estruturação da Sociedade Moderna [capitalista-burguesa-patriarcal-sexista]. Porém,
todo este processo que a vítima é a mulher tem um duplo efeito muito perverso: esse sistema reproduz
a violência e potencializa a desigualdade sexual. Diante desta ótica apontada, constata-se a existência
de um processo de crescente criminalização de todos os estratos sociais e, especificamente, no que
toca à violência doméstica contra a mulher. Indica-se, por fim, que essa vitimização imposta pelo
Sistema Penal, aqui focado nas mulheres, frustra quaisquer projetos emancipatórios enquanto luta de
classe e gênero e, também, enquanto sujeito das suas relações domésticas.
1. INTRODUÇÃO
1 A Autora é Advogada e Mestranda no Programa de Mestrado CPGD/UFSC, sob a Orientação da Profa. Dra.
2
Para se entender como a mulher se constituiu como um ser singular na
sociedade Moderna2, precisa-se, primeiramente, compreender como foi trilhado o
seu caminho e o quanto ela contribuiu para fazer sua história.
Como caminho natural desta compreensão de ser, deve-se, de igual
forma, compreender como se constituiu o modelo de sociedade patriarcal, que
atravessou séculos e atualmente continua imperando neste início do séc. XIX, como
forma de dominação entre homens e mulheres e, ainda, quais são as perspectivas
de gênero que podem ser tomadas a partir desta compreensão histórica da Mulher.
Para tanto, necessário se faz o resgate desde a mulher primitiva, até
nosso modelo atual3.
Pois bem, pouco se sabe sobre a condição da mulher primitiva, mas é
preciso levar em consideração a sua constituição física diferente da do homem. As
mulheres, por serem mais frágeis e biologicamente destinadas à maternidade, não
puderam, nos primórdios da era atual, fazer parte das conquistas e da luta pela
existência.4
Ao período que antecede a fixação do homem à terra, a mulher, por
passar a maior parte da sua vida destinada à procriação, teve de depender da ação
masculina para garantir a sua sobrevivência e da sua prole. Ela desempenhava
tarefas pesadas, era ela que levava os fardos durante as migrações, porém era
subjugada ao poder do macho, pois este era quem provia os recursos necessários
para sua mantença, bem como a de seus filhos. À medida que necessitava buscar
recursos em outras regiões, devido ao aumento da população, escassez de
alimentos, mudanças climáticas, etc., o grupo precisava deslocar-se, surgindo, em
virtude destas contingências, os povos nômades. Foi nesse período que o homem
começou a utilizar-se das invenções para poder transcender ao meio em que vivia.
2 Por Modernidade entende-se o período compreendido entre o final do século XVIII e os dias atuais, cf.
ANDRADE: “emergindo como um processo sóciocultural entre o século XVI e o final do século XVIII, é apenas
no século XVIII que a modernidade passa a se materializar, e este momento coincide com a aparição do
capitalismo como modo de produção dominante nas sociedades capitalistas avançadas. Embora, pois, preceda
ao aparecimento do capitalismo, desde então está vinculado ao seu desenvolvimento” [ANDRADE, Vera Regina
P. de. A ilusão da segurança jurídica, p. 24].
3 A contextualização histórica da mulher foi construída a partir de duas obras centrais, eleitas pela acadêmica
como importantes, sem prejuízo de quaisquer outras bibliografias que versem sobre a temática, todavia, como
fidelidade temporal seguiu-se a cronologia e a concepção histórica propostas por: BEAUVOIR, Simone. O
segundo sexo. trad. Sérgio Milliet. vol. 1. 4. ed. Portugal: Bertrand, 1987. 355 p. (segunda parte); e
HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX, 1914/1991. trad. Marcos Santarrita. 2. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995. 598 p. Na medida em que se fez necessário, foram incluídas outras obras,
para ilustrar e complementar o texto.
3
Conquistando novos territórios, o homem viu-se como capaz de modificar e ir além
das barreiras impostas pela natureza, momento no qual começou a ter projetos e
forjar o seu futuro. É nesse instante que o homem diferenciou-se do animal
irracional.5
Na seqüência histórica, verifica-se um segundo momento importante que
é quando o homem se fixa à terra, tornando-se sedentário, vivendo basicamente da
agricultura. Com essa nova organização, a mulher passa a ter um valor relevante na
comunidade, o trabalho agrícola recebe sua colaboração, a maternidade passa a ser
valorizada devido à necessidade de força de trabalho na terra, vindo, assim, a
surgirem comunidades de regime matriarcal. Por outro lado, a mulher continua não
tendo direitos políticos, cabendo ainda ao homem o poder de decisão, ou seja, em
termos de avanços, a mulher não obteve muitos ganhos com relação a sua condição
de sujeito.6
Como sempre legada à procriação e ao valor que se dava aos filhos, a
mulher reinou durante um curto período de tempo enquanto chefe do clã. Na busca
do homem em superar as dificuldades da realidade material e de seu futuro,
verificou-se a passagem do sistema matriarcal ao patriarcal, quando o homem
passou a exercer plenamente o poder de decisão da comunidade e da família7.
BEAUVOIR relata esta passagem: “A exigência de força física dá início à
supremacia masculina e a estrutura, até então matricêntrica, transforma-se em
patriarcal. O homem passa a dominar a cultura, a educação e a tecnologia […]”.8
A mulher grega foi relegada à igual situação dos servos, destinada à
maternidade, tratada como se fosse uma mercadoria, não tendo direito a nada. Da
mesma forma se caracteriza a mulher romana, tendo como único diferencial a
institucionalização da propriedade da mulher ao pai, marido ou tutor, instituto esse
denominado pater familias9.
Com o Cristianismo a mulher associou-se de maneira mais restrita ao
marido. O casamento e a monogamia concretizaram-se, de forma que a mulher
constituiu-se como dependente e objeto do macho. A sociedade baseava-se na
4
família e na propriedade, e a mulher exercia um papel diferente das épocas
pretéritas.10
O Renascimento trouxe novos ares à condição da mulher, pois se baseou
em alguns preceitos romanos de democracia e direitos. Esta passou,
gradativamente, a fazer parte da cultura, integrar-se aos meios acadêmicos e
literários, porém de forma restrita, privilégio de poucas pertencentes à elite. Como
conseqüência da importância social alcançada e evolução da sua condição de
mulher, alguns grupos conservadores e machistas sentiram-se ameaçados,
lançando severas críticas por esse progresso.11
O modo de produção feudal, baseado na agricultura de subsistência e na
relação entre senhor e servo, fez da mulher uma peça importante na esfera
doméstica. Juntamente com o marido e os filhos, contribuía na garantia da
sobrevivência, pelo cultivo da terra e da produção de manufaturas, podendo-se até
dizer que houve ganhos na sua condição histórica por ter desenvolvido um papel
relevante na sociedade. Este avanço se deu pelas mãos das camponesas, pois as
mulheres da nobreza – a elite que usufruía da produção dos servos, dada como
imposto pelo uso da terra – eram ociosas e apenas ostentavam o luxo da exploração
entre as classes.12
Com as Revoluções, Industrial e Francesa, inaugurou-se um novo modelo
de produção: o Capitalismo. Passou-se da fase agrícola à industrial, surgindo outras
classes sociais denominadas burguesia e proletariado. A primeira, detentora dos
meios de produção, a outra, da força de trabalho.13
A diferenciação entre os sexos continuou, demonstrada na prática pela
diferença salarial entre homens e mulheres, e pelas péssimas condições e jornadas
de trabalho às quais as mulheres eram submetidas. Legadas aos baixos salários, à
insalubridade e à penosidade no trabalho, é como classe trabalhadora que elas se
unem, reivindicam seus direitos (por melhoria de salários, diminuição da jornada
laboral, licença maternidade, etc.) e não em prol de diferenças de gênero.14
Assim, de nada contribuiu um novo sistema para a resolução de tais
diferenças. Pela divulgação das idéias liberais o capitalismo foi-se desenvolvendo e
5
se solidificando, concomitantemente, houve, o desenvolvimento acelerado da
ciência, da filosofia, da arte, da literatura.15 Tornou-se dia-a-dia mais evidente a
ideologia burguesa: distinção de classes e acúmulo de capital sob a ótica da
propriedade privada e do individualismo.16
Em contrapartida, como reação a esse sistema, surgiu o pensamento
comunista, tendo como maiores expoentes Karl Marx e Frederich Engels. A filosofia
marxista baseou-se na propriedade dos meios de produção na mão do Estado, e o
proletário – enquanto classe oprimida – detentora do poder, tornando, por meio de
um processo dialético, uma sociedade igualitária, pois os ideais liberais – liberdade,
igualdade e fraternidade –, não contribuíram para a resolução das desigualdades
entre classes.17
Ainda, pondera-se que
6
a mulher trabalhadora ainda continuou com a tarefa doméstica e a maternidade, ou
seja, desempenhando dupla jornada de trabalho. Isso se dava pela necessidade de
força de trabalho e os baixos salários a que o proletariado era submetido; sendo
assim, o homem sozinho não conseguia prover o sustento de sua família.21
Nesse momento, acontece também um importante marco em relação à
maternidade: a evolução e o acesso aos modos de contracepção, resultante,
genericamente, da necessidade de um controle da natalidade e da conquista do
poder de escolha da mulher em ser mãe, ou não, conforme suas atribuições
laborais.22
Por ocasião das Grandes Guerras deste Século XX, o trabalho da mulher
foi ganhando maior valor, pois o contingente masculino estava destinado às
batalhas, e assim, o feminismo ganhou um caráter de movimento social.23
Simone de Beauvoir foi uma das grandes expressões do feminismo entre
os Anos 40-60, por ser uma das primeiras mulheres a refletir seriamente a questão
da mulher, legado que deixou às mulheres que retomam a discussão do feminismo
décadas após.
Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, o Mundo entrou na denominada
Guerra Fria, vindo a se fechar em regimes totalitários nacionalistas, de direita e de
esquerda – os EUA representavam a supremacia capitalista e a URSS, a socialista –
, fortaleceram-se a ciência, a tecnologia e as indústrias, principalmente a indústria
bélica, pois havia um clima de tensão, baseado nas ideologias antagônicas, e a
probabilidade da eclosão de uma Terceira Guerra Mundial era latente. Por isso, a
necessidade de ser o melhor. A idéia era de que quem vencesse a guerra
conquistaria o mundo com sua economia.24
Isso durou até o início da Década de 90, terminando com dois fatos
históricos: a queda do Muro de Berlim na Alemanha Oriental, e o fim da Cortina de
Ferro na União Soviética, representando o fim do Socialismo e conseqüente
supremacia do Capitalismo.25
O papel da mulher nesse período pós-guerra tornou-se ambíguo, pois com
o fim da guerra e o retorno dos homens à casa, foram fechadas algumas portas no
7
mercado e no espaço social que haviam sido abertas por elas, tendo em vista a
“necessidade” de as mesmas ficarem no lar a cumprir seus ofícios domésticos.
Nessa guerra velada, entre 1945 e 1990, surgiram os grandes
movimentos sociais, que criticavam toda a ideologia burguesa e religiosa vigente. É
dentro desse movimento que o Feminismo enquadra-se, batalhando na construção
de uma sociedade justa e igual. Questões como o aborto, o divórcio, o racismo, o
amor livre passaram a ser ampla e profundamente discutidas, constituindo-se como
conquistas no espectro social. E é justamente no interior destas esferas que se
mostra a revolução cultural que ocorre nas relações amorosas e familiares,
desdobrando-se numa transcendência da condição feminina.26
Os modelos de família existentes historicamente, não obstante, seguiram
pelos tempos e em diversas sociedades, apresentam uma constante em vários
aspectos: casamentos com privilégios sexuais entre os cônjuges; patriarcado;
privilégio dos pais em relação aos filhos e gerações mais novas. E, geralmente
encontrava-se a ocorrência de famílias nucleares, isto é, casal e filhos, dentro de
várias estruturas parentais. A família nuclear vai tornar-se o modelo padrão em
praticamente todas as sociedades, nos Séculos XIX e XX.27
8
Um segundo aspecto refletiu-se direto na forma de constituição da família
e também na escolha da livre sexualidade.31
Foi aqui que a mulher passou a se experimentar como um ser livre, pois
diante dessa liberdade ela começou a se utilizar do que lhe era permitido, o que
pôde ser constatado pelo aumento dos divórcios: “Enquanto o divórcio aumentava
em todos os países onde era permitido […], o casamento tornara-se claramente
muito menos estável em alguns deles. […]”.33
9
determinaram a sua escolha, seu modus vivendi, transcendendo os limites dados e
avançando cada vez mais em direção a seu campo de possibilidades.
mulher: sua efetivação jurídico-penal ante as Leis n° 9099/95 e 10886/2004. In: MARIOT, Giovani R. (Org). OAB
em Movimento, p. 330.
38 Id., Op.cit., p. 330.
Independente. Publ. 04 set, 2006. Disponível em: <www.ciranda.net/spip/article460.html>. Acesso em: Acesso
22 out, 2007.
10
No campo jurídico, a Lei Maria da Penha […] sanar a omissão
inconstitucional do Estado Brasileiro, que afrontava a
Convenção sobre Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres – a Convenção CEDAW da ONU, ratificada pelo
Brasil em 1984 e sua Recomendação Geral 19, de 1992, que
reconhecem a natureza particular da violência dirigida contra a
mulher, porque é mulher ou porque a afeta
desproporcionalmente. Esta omissão afrontava também a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher – a “Convenção de Belém do Pará” –
ratificada pelo Brasil em 1995. Note-se que, diversamente de
várias dezenas de países do mundo e de dezessete países da
América Latina, o Brasil até 2006 não dispunha de legislação
específica a respeito da violência contra a mulher. Até então
aplicava-se a Lei 9099/95, que instituiu os Juizados Especiais
Criminais (JECrim) para tratar especificamente das infrações
penais de menor potencial ofensivo e que, nos casos de
violência contra a mulher, implicava naturalização deste padrão
de violência, reforçando a hierarquia entre os gêneros e a
subsequente vulnerabilidade feminina40.
40 PIOVESAN, Flávia; PIMENTEL, Sylvia. Lei Maria da Penha: inconstitucional não é a lei, mas a ausência dela.
Carta Maior. Publ. 12 out, 2007. Disponível em: <www.cartamaior.com.br/templates/analise
Mostrar.cfm?coluna_id=3743>. Acesso em: 22 out, 2007.
41 “Violência contra a mulher – é qualquer ação ou conduta que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual
ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado, motivada apenas pela sua condição de
mulher. Violência intrafamiliar/violência doméstica – é a violência perpetrada no lar ou na unidade doméstica,
11
violência sexual, violência patrimonial e violência moral; e, por fim, a promoção
dessas políticas por meio da união conjunta da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios, contando, ainda, com a participação de ações não-
governamentais.
Em que pese a boa intenção do Legislador, a resposta do Sistema, por
via do Sistema Penal, e, ainda, medidas protetivas de urgência, com vias a coação e
dissolução do núcleo familiar, pouco contribuem para a resolução dos conflitos,
conforme se pretende, vez que se opera sob a lógica da seletividade e do trato das
conseqüências da violência, num estado em que o Sistema Penal já não mais
contribui para a construção da cidadania feminina e práticas políticas
emancipatórias.
geralmente por um membro da família que viva com a vítima, podendo ser esta homem ou mulher, criança,
adolescente ou adulto(a)” In: HERMANN, Leda Maria. Violência doméstica, p.143.
42 Cf. SOARES: “(...) é uma das formas de organização que as sociedades humanas podem assumir. Seus
elementos componentes são: um povo relativamente homogêneo, denominado ‘nação’, uma porção de espaço
terrestre, marítimo e aéreo, denominado ‘território’, porção essa delimitada por fronteiras reconhecidas pelo
Direito Internacional, e um elemento de relativa autonomia normativa dentro de tais espaços e sobre essa nação,
exercida por um governo independente, denominado ‘a soberania’” (In. SOARES, Guido Fernando. Curso de
direito internacional público, p. 21).
12
(...) desde o século XVII e sobretudo, desde o XIX a unidade
política fundamental do sistema mundial, e o seu impacto nos
demais espaços-tempo foi sempre decisivo. O espaço mundial,
se é espaço da economia mundial, é também o espaço do
sistema interestatal, assente na soberania absoluta dos
Estados e nos consensos entre eles obtidos como meio de
previnir a guerra. O espaço-tempo doméstico começou a ser
fortemente regulado pelo Estado a partir do século XIX
num crescendo atingiu o seu clímax no estado-Providência
(...) (sem negrito no original)43
13
desigualdade de classes) e a violência das relações patriarcais
(trazidas na desigualdade de gênero) recriando os estereótipos
inerentes a estas duas formas de desigualdade, o que é
particularmente visível no campo da moral sexual46.
Seguindo este raciocínio, cabe dizer que o sistema penal vigente criou
uma série de questões controvertidas na esfera da violência doméstica contra a
mulher. A tutela jurídico-penal não abrange de forma a pacificar os conflitos ali
existentes e o pior é que muitas vezes acentua mais ainda as diferenças.
HERMANN analisa que a intervenção do Estado na esfera privada, por via
do sistema penal, ao tentar conter ou controlar essa ocorrência, “(...) está ensaiando
alternativas para reinseri-la, mas ainda sem o compromisso de uma solução efetiva
em termos de pacificação (...) Quando constatam a ineficácia de sistema penal em
lhes prestar a assistência de que necessitam, muitas vezes procuram-na em outras
fontes”.47
Outro fator de extrema relevância é o processo de criminalização do
agressor que vem tendo grande ênfase no campo legislativo, materializado com a
edição da Lei n° 11.340/2006, que retira a violência doméstica e familiar da
jurisdição dos juizados especiais, independente da pena aplicável ao caso concreto,
porém este endurecimento penal não atinge a todas as esferas a que se destina.
Esta perspectiva de produção normativa jurídica acompanha a visão da
ideologia da defesa social que demonstra o Direito Penal48 como “justifica[-va de]
que a pena [atua] como meio de defesa social e seus fins socialmente úteis: a
prevenção especial positiva (recuperação do criminoso mediante a execução penal)
assentada na ideologia do tratamento que impõe, por sua vez, o princípio da
individualização da pena como meio hábil para a elaboração de juízos e prognose
estático de normas, mas como sistema dinâmico de funções, no qual podem diistinguir três mecanismos
analisáveis separadamente: o mecanismo da produção das normas (criminalização primária), o mecanismo da
aplicação das normas, isto é, o processo penal, compreendendo a ação dos órgãos de investigação e
culminando com o juízo (criminalização secundária) e, enfim, o mecanismo da execução da pena ou das
medidas de segurança” (BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal, p. 161).
14
no ato de sentenciar”49, vangloriando-se, assim, como “a condensação dos maiores
progressos realizados pelo direito penal moderno”50.
Todavia,
Esta visão, sob a ótica da defesa social, merece sua superação por
completo, pois
Isso é o mesmo que dizer que somente pelo sistema penal não se
chegará à erradicação ou à pacificação dos conflitos provenientes da esfera
doméstica contra a mulher, como intensiona a lei. O problema não reside no âmbito
do direito penal ou processo penal, suplanta o direito. É um problema, também,
histórico, sócio-econômico, cultural, filosófico, político, como muito bem coloca
ANDRADE:
15
Nenhuma conquista, nenhuma libertação, nenhum caminho
para o paraíso pode simbolizar o sistema penal e realizar-se
através dele. Penso que é apenas matando o mito e
reinventando o paradigma jurídico, imperial e masculino, que
podemos buscar uma simetria para a “balança” jurídica já
milenar […]53
16
Em primeiro lugar, elas colocaram ênfase sobre as
características particulares que distinguem a socialização e os
defeitos de socialização, às quais estão expostos muitos dos
indivíduos que se tornam delinqüentes. Em segundo lugar, elas
mostram como esta posição não depende tanto da
disponibilidade, quanto das diferenciações dos contatos sociais
e da particiapação na subcultura. Em terceiro lugar, estas
dependem, por sua vez, em sua incidência sobre a socialização
do indivíduo segundo o conteúdo específico dos valores
(positivo ou negativo), das normas e técnicas que as
caracterizam, dos fenômenos de estratificação, desorganização
e conflitualidade ligados à estrutura social. Enfim, estas teorias
mostram também que, pelo menos dentro de certos limites, a
adesão a valores, normas, definições e o uso de técnicas que
motivam e tornam possível um comportamento “criminoso”, são
um fenômeno não diferente do que se encontra no caso do
comportamento conforme à lei.55
17
Desta forma, têm-se que “A redução à esfera privada desta equação faz
com que muitas desigualdades e opressões que ocorrem em cada um dos espaço-
tempo estruturais sejam invisíveis ou, se invisíveis, trivializadas”59.
Como assevera SANTOS: “Nada mais erróneo que transformar as
mulheres em vítimas abastractas e irrecuperáveis nas teias da dominação sexual e a
dominação de classe que entre si tecem”60.
Pois bem, é nesta perspectiva que cabe a reinvenção, redefinição ou
deslocamento do paradigma para a compreensão do papel da mulher neste contexto
histórico, social e jurídico da violência contra si perpetrada no âmbito doméstico,
pois, como justifica ANDRADE,
18
5. REFERÊNCIAS
19
TONELOTO, Carolina. A Lei Maria da Penha, finalmente. Ciranda Internacional de
Informação Independente. Publ. 04 set, 2006. Disponível em:
<www.ciranda.net/spip/article460.html>. Acesso em: Acesso 22 out, 2007.
WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro:
Zahar, 2001. 174 p.
20