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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A PROPÓSITO DA AVALIAÇÃO DO


DESEMPENHO DOS PROFESSORES

Ângela Rodrigues (Universidade de Lisboa)

Helena Peralta (Universidade de Lisboa)

O contexto que justifica este texto

A avaliação tem-se vindo a tornar um tema central no debate sobre as questões da


educação no nosso país, quer ao nível da opinião pública quer ao nível mais restrito
das medidas de política educativa.

Tópicos recorrentes são, sobretudo, a ausência de resultados satisfatórios dos alunos


portugueses quando o seu nível de competência é confrontado com o de outros
jovens do mesmo nível etário em avaliações internacionais (TIMSS, PISA), a taxa de
insucesso escolar no ensino básico e secundário e, ainda, o abandono escolar
precoce.

Mas a avaliação das aprendizagens dos alunos, a avaliação das escolas e a avaliação
dos professores são apenas mais alguns dos exemplos da recorrência desta temática.

Assim, têm vindo a ser introduzidas novas práticas de avaliação das aprendizagem,
com ênfase na sua função formativa e reguladora, por um lado, e, por outro, na
utilização de mecanismos de controlo, de natureza sumativa, final, de que são
exemplo, os exames nacionais.

Da mesma forma poderíamos falar do movimento de avaliação das escolas que


responde às exigências sociais relativas ao direito de saber “como vai a escola” mas
também aos desafios colocados pela desejável autonomia dos estabelecimentos de
ensino, o que requer a implementação de uma cultura de observação e análise da
realidade capaz de sustentar a intervenção esclarecida.

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Na procura de melhores resultados para a escola a avaliação do desempenho docente


tem vindo a ser preconizada como um instrumento fundamental. Na base desta ideia
encontramos alguma evidência investigativa que salienta a correlação positiva e
elevada entre a qualidade da actividade docente e os resultados dos alunos. Neste
sentido, recomendam-se novas e ousadas formas de formação profissional (inicial,
indução e contínua) de professores, assentes no seu desenvolvimento pessoal e
profissional bem como o acompanhamento avaliativo sistemático das práticas dos
docentes e dos efeitos/impacto da formação. Encontramos também uma outra forma
de argumentação que não situa na formação do professor o seu eixo de acção, mas
que remete para as práticas de gestão, mais centradas numa óptica de controlo nas
quais o professor é frequentemente percebido como um técnico ou mesmo como um
funcionário.

Em Portugal o Ministério da Educação publicou recentemente legislação relativa à


avaliação de desempenho docente. Este é o contexto temporal da nossa intervenção.

Não nos queremos substituir aos intervenientes directos deste processo nem, muito
menos, tornarmo-nos explicadoras do mesmo. O nosso propósito é, apenas, o de
partilhar, com os professores, algumas das reflexões que temos feito no campo da
formação e avaliação de professores e também algumas das nossas dúvidas.

Assumimos, na perspectiva de académicas, que estamos perante um campo de acção


novo que requer ponderação e esclarecimento, não devendo, na nossa óptica, ser
ocultada esta novidade e o facto de ela se aplicar a outros campos de acção - o
ensino e a aprendizagem – demasiado complexos para poderem ser alvo de decisões
extremas, sempre primárias e ineficazes. Só tem certezas quem sabe pouco – a
humildade da máxima – “só sei que nada sei” – deve aqui ser aplicada pelo menos por
quatro (boas) razões:

- sabe-se pouco sobre o assunto (não temos campo empírico para observar os
efeitos);

- pretende-se algo de muito substantivo e difícil de obter (uma boa educação para
todos os alunos, para quem converge o trabalho profissional do professor);

- está-se a intervir num campo marcado por grande complexidade (o que implica
conhecimento, ponderação e debate);

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- não é aceitável que a avaliação do desempenho de cada professor seja feita sem
acautelar questões éticas basilares.

Assim, consideramos que antes de transformar o processo de avaliação do


desempenho do professor num exercício de ansiedade e de conflituosidade
exagerada, antes de o tornar num campo de disputa técnica centrado na discussão
sobre os meios, nomeadamente os instrumentos e sobre quem os deve construir, o
devemos ponderar relativamente aos seus fins. Isso nos parece ser o fundamental do
debate na escola, nos grupos, na profissão.

Por isso, deixamos agora algumas linhas sobre profissionalidade docente e avaliação
de desempenho.

Depois disso, pronunciar-nos-emos sobre a observação e análise de situações


educativas, que constituem o núcleo duro da actividade profissional do professor,
propondo um instrumento básico para a avaliação do desempenho docente - o
portefólio profissional do professor - válido quer para os momentos de avaliação
previstos na lei portuguesa (de dois em dois anos) quer para promover e sustentar a
análise e reflexão contínuas da prática de cada docente em cada escola ao longo da
sua carreira profissional, forma elevada e profissional de fazer a avaliação do
desempenho.

PROFISSIONALIDADE DOCENTE E AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO

É hoje relativamente consensual a consideração de que o desempenho profissional


dos professores, como o de outros profissionais, deve ser sujeito a avaliações
sistemáticas capazes de diagnosticar o estádio em que se encontram e, ao mesmo
tempo, disponibilizar informação para orientar processos de desenvolvimento.

Os consensos desaparecem, porém, quando nos colocamos na perspectiva de criar e


implementar um sistema de avaliação apropriado à consecução daquelas duas
finalidades.

O campo dos conceitos usados está muito longe de ser preciso e claro. A ambiguidade
e a polissemia dominam.

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Os pressupostos de natureza técnica, científica, pedagógica e política são muito


variados, mas emergem, no discurso e nas práticas, como se fossem portadores de
alguma congruência, sem que a clareza se imponha.

O ponto de vista a partir do qual se discursa ou se age no domínio da avaliação do


desempenho determina o olhar de quem avalia: avaliar o desempenho de um
professor no interior de um dado sistema de formação não se confunde com avaliar o
desempenho de um professor no quadro de um sistema de carreiras onde a
progressão, as condições de trabalho e a remuneração tomam a dianteira sobre o
desenvolvimento profissional da pessoa e do profissional que o professor é. Conjugar
os dois pontos de vista num só sistema é um desafio! Nenhum dos sistemas, nem o de
formação nem o de carreiras, é uno e universal, dependendo eles próprios de valores
e de políticas de variada natureza.

A ausência de consensos quando falamos de avaliação de desempenho do professor,


importa ainda referir, não provém quase nunca de questões de natureza técnica, mas
tão-só de não termos um ponto de vista comum sobre o objecto que pretendemos
avaliar. A questão parece simples, se à pergunta – “que vamos avaliar?” –
respondermos: “o desempenho do professor”. Mas a resposta é de uma complexidade
elevada quando tentamos explicitar os traços, as características, os indicadores que
consideramos na identificação, na observação e na apreciação do referido
desempenho. E, repetimos, as questões que se colocam não são técnicas. Sobre estas
há muita informação e também bons manuais. O que não há, e de que precisamos, é
de ponderação sobre as questões a montante e a jusante da avaliação do
desempenho, nomeadamente, as questões relativas ao perfil de desempenho
docente subjacente à avaliação de desempenho e às decisões esperadas como
resultantes dessa avaliação.

Assim, importa ponderar e reflectir sobre o que é que consideramos que o professor
é, o que é que consideramos que ele faz de específico e distinto de quaisquer outros
profissionais, como é que consideramos que ele aprende a ser e a fazer o que
entendemos ser a sua função, como é que ele se desenvolve ao longo da sua vida
profissional e, naturalmente, como é que consideramos que sabemos que a função foi
cumprida, e de que forma podemos diferenciar esse cumprimento.

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Em que consiste a profissionalidade docente?

Uma das maiores dificuldades na área da formação dos professores, tanto no plano
da sua concepção como no da análise e avaliação das suas práticas, é, porventura, a
ausência de um modelo abrangente da formação que se constitua como uma matriz
de referência global sobre (i) o que é a escola, o que se espera do professor e do
processo de ensino e de aprendizagem nela realizado; sobre (ii) como é que o
professor aprende a ensinar, e sobre (iii) como é que o conhecimento por ele
adquirido é usado na sua prática profissional.

Esta matriz global constituiria um referencial comum que estabeleceria critérios para
definir prioridades quanto aos conhecimentos e capacidades a deter pelo professor,
quanto às atitudes e aos valores desejáveis, dos quais se poderiam derivar as
orientações para a concepção, desenvolvimento e avaliação dos programas de
formação bem como para a avaliação, orientação e melhoria do desempenho
docente.

Este esquema conceptual explica, legitima e constrói consensos em torno de


concepções fundamentais relativas às missões da escola, ao papel do professor, à
natureza do ensino e da aprendizagem, entre outras.

Muitos são os autores que sublinham a ausência desta matriz global, considerada
como responsável pela multiplicação de orientações, oriundas dos diferentes níveis a
que a acção dos professores é pensada, desde entidades que legitimam a prática de
ensino, às instituições que viabilizam essa prática, aos próprios práticos. A ausência
dessa matriz é, assim, sublinhada pela coexistência de diferentes modelos que se
reportam ora às funções sociais da escola, ora ao trabalho docente, ora às
concepções sobre ensino e/ou aprendizagem, ora à formação do professor.

Marcas de profissionalidade docente

Quais são as marcas da sua profissionalidade? Que faz o professor diferenciadamente


de outros profissionais? Que atributos o distinguem de outros profissionais? O que
sabe de específico? E, considerando a inserção socioinstitucional do professor,
importa interrogar também quem ou o quê interfere na determinação da sua
profissionalidade?

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O debate sobre a profissionalidade docente não pode, pois, dissociar-se dos


contextos onde se concretiza, nomeadamente do quadro das perspectivas que uma
dada sociedade tem para o seu sistema escolar, do quadro dos valores,
conhecimentos, crenças e rotinas que correspondem ao modelo de comportamento
profissional estabelecido pelo grupo profissional, das funções efectivamente
executadas diariamente pelo professor na sua sala de aula e na sua escola e também
da organização escolar que é responsável pelo desenho dos cenários onde decorre a
actividade do professor, cabendo-lhe uma parcela relevante na determinação das
componentes dessa profissionalidade.

Assim, sem prejuízo de melhor consideração dos resultados produzidos pela


investigação nesta área e das recomendações daí resultantes, parece relevante
analisar o referencial de profissionalidade docente inscrito nos documentos de
política educativa que definem a acção do profissional professor.

Em Portugal, hoje, o professor define-se como?

A leitura dos normativos fundamentais em vigor com incidência nesta matéria (Lei de
Bases do Sistema Educativo, Estatuto da Carreira Docente, Perfil de Desempenho,
Common European Principles1) permite afirmar que o professor é descrito como um
profissional cuja entrada na profissão se processa através de uma formação inicial de
nível superior. Esta formação integra quer a preparação científica na área de
especialidade de ensino quer a formação científica no domínio pedagógico e é
seguida por formação contínua que a complementa e a actualiza, numa perspectiva
de educação permanente. Entre os princípios que o capítulo IV LBSE, relativo aos
recursos humanos, estabelece para orientar a formação dos professores encontramos,
de forma explícita, a referência a uma formação que capacite o professor para a
inovação e investigação no âmbito da actividade educativa, para ter uma atitude
crítica e actuante face à realidade social bem como para conduzir uma prática
reflexiva (artº 33 LBSE).

                                                            

1 European Commission (2005). Common European Principles for Teachers’ Competence and Qualifications.
Brussels: European Commission.

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Assumir que o professor é um profissional com formação inicial de nível superior é


considerar que a sua actividade requer um corpo de conhecimentos especializado,
proveniente da investigação e da teorização da experiência dos práticos, ministrado
em instituições de ensino superior. Significa que esse corpo de conhecimentos lhe
permite observar, analisar, avaliar e decidir o que fazer e como fazer em cada
situação educativa para levar por diante a missão profissional de conseguir que o
maior número de alunos seus atinja os níveis mais elevados de aprendizagem.

Significa, pois, que esse corpo de conhecimento se deve materializar numa acção
autónoma e responsável, que permite ao professor agir nas situações incertas dos
diferentes contextos em que a sua actividade decorre, não sendo esta redutível à
aplicação estandardizada de quaisquer dispositivos previamente aprendidos. Entre os
contributos da investigação em Educação nos últimos trinta anos está certamente a
constatação de que o acto de ensinar, pertença do professor, é de uma elevada
complexidade, não podendo ser confundido com a aplicação de quaisquer receitas,
por mais elaboradas que elas sejam: os contextos da sua acção são marcados por
grande número de variáveis e os saberes exigidos são muitos e de diferente natureza.

Elementos para um referencial da profissionalidade e da avaliação do


desempenho docente

Os mesmos normativos afirmam, de forma expressa, que o professor é considerado


como um factor determinante da qualidade do serviço educativo, desenvolvendo-se o
seu desempenho segundo quatro dimensões, a saber: (i) a dimensão profissional,
social e ética de acordo com a qual o professor promove aprendizagens curriculares,
fundamentando a sua prática profissional num saber específico resultante da
produção e uso de diversos saberes integrados em função das acções concretas da
mesma prática, social e eticamente situada; (ii) a dimensão de desenvolvimento do
ensino e da aprendizagem, segundo a qual o professor promove aprendizagens no
âmbito de um currículo, no quadro de uma relação pedagógica de qualidade,
integrando, com critérios de rigor científico e metodológico, conhecimentos das
áreas que o fundamentam; (iii) a dimensão de participação na escola e de relação
com a comunidade, uma vez que o professor exerce a sua actividade profissional no
âmbito das diferentes dimensões da escola como instituição educativa e no contexto
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da comunidade em que esta se insere; e (iv) a dimensão de desenvolvimento


profissional ao longo da vida, sugerindo que o professor incorpora a sua formação
como elemento constitutivo da prática pedagógica. A reflexão fundamentada sobre a
construção da profissão e o recurso à investigação, em cooperação com outros
profissionais2.

O perfil de desempenho traçado é o de um profissional, necessariamente


comprometido e empenhado na sua missão fundamental e implicado, em
profundidade, na aprendizagem dos seus alunos.

Por isso, para além do perfil de desempenho referido, é importante reter que o
currículo escolar dos alunos é também um elemento basilar do referencial da
profissionalidade docente.

E, porque a actuação profissional do professor tem lugar num contexto específico, os


objectivos de desenvolvimento estratégico da escola, inscritos no seu Projecto
Educativo de Escola, nomeadamente os que se reportam a intenções e acções de
melhoria das aprendizagens dos alunos e os projectos de intervenção, de investigação
e de formação dos professores neles incluídos3, deverão igualmente ser parte
integrante do referencial.

Ora, esta profissionalidade alargada e exigente não pode deixar de requerer que as
suas concretizações sejam avaliadas.

Em primeiro lugar, para sabermos que aquisições e desenvolvimentos se verificaram


e que dificuldades e limites se manifestaram. Isto é, o professor não é, como
tradicionalmente se entendia, um objecto a apreciar por um avaliador (externo), mas
um sujeito activo, um profissional, que vê na avaliação oportunidades de
desenvolvimento da sua prática profissional.

                                                            

2 O Decreto-Lei nº 240/2001, de 30 de Agosto – perfil geral de desempenho profissional dos educadores de


infância e dos professores dos ensinos básico e secundário

3 A existência destes elementos no PEE facilitaria grandemente a inserção dos planos individuais dos
professores na dinâmica colectiva que é a escola.

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Em segundo lugar, para permitir ao professor descrever, interpretar e reflectir sobre


a sua prática. Ou seja, a avaliação formativa no seu pleno, capaz de sugerir planos
de acção individual e/ou cooperativa susceptíveis de levar cada professor, no quadro
do seu contexto de trabalho, ao seu máximo possível sendo isso sinónimo de melhoria
contínua das aprendizagens dos seus alunos.

Em terceiro lugar, para que o professor-profissional possa prestar contas dos seus
êxitos e fracassos a si próprio e aos seus pares, mas também a todos os que a jusante
e a montante da sua acção estão envolvidos na educação, ou seja, em democracia, à
sociedade. Numa linguagem actual, trata-se de ir regulando, confirmando, a
qualidade do serviço prestado por cada professor em cada sala de aula e pelo
conjunto dos docentes em cada estabelecimento de ensino. Neste sentido, a
avaliação do desempenho docente é também um importante instrumento de
regulação da escola que, depois de ter experimentado a democratização do seu
acesso continua a reclamar a democratização da sua eficácia: a necessidade de
baixar a taxa de abandono escolar, a necessidade de incrementar a satisfação social
com as competências desenvolvidas e manifestas por cada um dos alunos que
frequentam a escola, são disso bons indicadores.

Em síntese, e no que diz respeito à profissionalidade docente e à avaliação do


desempenho do professor, podemos salientar que:

- o exercício profissional do professor não pode ser apreciado em exterioridade face


aos contextos da sua realização (atenção ao Projecto Educativo de Escola, ao
Projecto Curricular de Turma, aos projectos de grupo disciplinar, ao contexto
sociocultural);

- o exercício profissional do professor não é redutível a um somatório de


comportamentos, antes depende de um juízo profissional em situação (atenção ao
uso de grelhas de observação cuja fundamentação e construção escapa aos seus
utilizadores e cujo uso não pode deixar de ser contextualizado);

- a observação e sequente avaliação do exercício profissional não pode ser feita sem
que antes sejam definidos e consciencializados os quadros de referência

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relativamente aos quais será legítimo proceder a apreciações (atenção à construção


e discussão dos referentes locais);

- não pode o professor em exercício ser comparado com o professor em formação


inicial – os procedimentos de formação e de avaliação de uns e de outros não
obedecem nem aos mesmos objectivos nem aos mesmos parâmetros, critérios e
indicadores (atenção às práticas de observação de aulas ou de análise de planos e
outros documentos que tentam fazer a transferência de práticas de formação inicial).

AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOCENTE

Os desafios que se colocam aos sistemas educativos em toda a União Europeia são, no
essencial, semelhantes. Uma das suas preocupações mais comuns é a que diz respeito
à melhoria da qualidade do ensino e, consequentemente, das aprendizagens dos
alunos. A implementação de sistemas de avaliação do desempenho dos professores
insere-se na procura de soluções para esta inquietação. Em muitos países há já uma
cultura de avaliação de desempenho e trata-se de ajustar sistemas existentes, sejam
eles de pendor mais centralista e orientados para medidas que abrangem todos os
professores e escolas de modo igualitário, como em França, sejam sistemas apoiados
na autonomia da escola, como nos casos inglês, finlandês e holandês.

Em qualquer dos casos, parece ser propósito comum implementar um sistema que
permita incluir o desempenho docente entre os vectores a avaliar no desempenho da
escola. E, considerando os princípios europeus aplicados às competências e
qualificações dos professores, a concepção prevalecente parece ser a de abandonar
as perspectivas mais tradicionais de avaliação de professores centradas na
verificação da presença/ausência dos requisitos mínimos para exercer a actividade
docente, aproximando-se de perspectivas cuja intenção de base é a de colocar a
avaliação ao serviço do desenvolvimento do professor e, consequentemente, da
escola e dos seus alunos. Importa relembrar que os mesmos princípios concebem o
trabalho dos professores, não no isolamento da sua sala de aula, mas como membros
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activos, responsáveis e autónomos de equipas escolares, ou seja, o professor é


percebido como membro do colectivo da escola que, por sua vez, se integra numa
dada comunidade.

Mas, o que é a avaliação do desempenho docente?

A avaliação, como domínio científico tem a sua linguagem própria, utiliza uma
terminologia específica, que se articula e se adapta e evolui em função dos
paradigmas que enformam a educação em diferentes momentos da sua evolução.

Assim, no contexto em que produzimos este escrito, avaliar o desempenho dos


professores é um processo que implica a observação, a descrição, a análise, a
interpretação da actividade profissional para tomar decisões relativas ao professor –
de ordem pedagógica, administrativa, salarial, ou outras.

As finalidades do juízo de valor feito com base nos elementos observados, descritos,
analisados e interpretados dependem do sistema implementado, mas as operações a
realizar são as indicadas. Trata-se sempre de saber, por inferência, através da
observação da sua actividade no local de trabalho se, e em que medida, os
professores adquiriram e desenvolveram as competências consideradas como
integrando os referentes da avaliação: entre nós, como antes salientámos, constam
do perfil de desempenho, do currículo nacional dos alunos, do projecto local de
escola e do plano individual do professor.

Avaliar o desempenho docente implica, assim, ter em atenção um conjunto de


princípios, determinados pela concepção de profissionalidade dos professores -
conhecer as suas práticas para as melhorar, conhecer os factos e os contextos que os
condicionam e conhecer essas práticas e esses factos de forma integrada e
sistemática – e de operações – da construção dos referenciais à tomada de decisões.

Assim, os desempenhos individuais são avaliados em comparação com dados que lhe
são externos, estabelecidos por normativos legais, comuns a todos os professores e
escolas, e fixados, de acordo com peculiaridades locais da turma, do grupo
profissional, na escola. Mas os desempenhos individuais também são avaliados em
comparação com dados intrínsecos a cada profissional, nomeadamente as decisões
tomadas sobre o seu desenvolvimento como profissional, os objectivos que definiu,
os projectos em que decidiu empenhar-se, as inovações que entendeu introduzir nas

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suas práticas. Os padrões de referência que predominam e condicionam, em última


instância, a avaliação docente são, contudo, os estabelecidos pela entidade
empregadora, neste caso, o Ministério da Educação.

Então, o que pode ser considerado como referencial de desempenho?

Um referencial de desempenho é grosso modo um sistema de referências,


desejavelmente legitimado, constituído por um conjunto de dados, relevantes, a
partir dos quais é possível traçar um perfil/perfis de desempenho (projecção do
desempenho desejável, previsto, potencial) com o(s) qual(is) se compara o
desempenho real (observado) do profissional, e que permite identificar/acentuar
pontos fortes e fracos nesse desempenho.

De acordo com a leitura dos normativos produzidos recentemente, são considerados


elementos de referência imediata do processo de avaliação do desempenho dos
professores, no plano da prescrição, ao nível nacional, oficial, os documentos
enunciados nas Recomendações sobre a Elaboração e Aprovação pelos Conselhos
Pedagógicos de Instrumentos de Registo Normalizados, do Conselho Científico para a
Avaliação de Professores, de 25 de Janeiro de 20084.

Com base nos referenciais nacionais – leis, princípios orientadores,


padrões/critérios/objectivos definidos - e locais – Projecto Educativo de Escola,
Plano de Actividades, Projecto Curricular de Turma, entre outros -, a escola, de
acordo com as suas especificidades, desenvolve modos de os converter em objectivos
claros e pertinentes, incluídos em planos de acção (Projecto Educativo de Escola,
Planos de Actividades, …) que visam o desenvolvimento da escola como um todo. O
plano de trabalho do professor, do grupo disciplinar, do grupo de projecto… é então
definido. Indicadores de qualidade deste plano serão, certamente, as propostas aí
apresentadas e o grau de convergência que têm para a realização, com sucesso, dos

                                                            
4
O Decreto-Lei nº 15/2007, de 19 de Janeiro – Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos
Professores dos Ensinos Básico e Secundário (nomeadamente o Artigo 42º, nº1 e Artigo 45º, nº2); O Estatuto do Aluno
do Ensino Não Superior; O Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro; O Decreto-Lei nº 240/2001, de 30 de
Agosto – perfil geral de desempenho profissional dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e
secundário; Decreto-lei nº 241/2001, de 30 de Agosto – perfis específicos de desempenho profissional do educador de
infância e do professor do 1º ciclo do ensino básico; Os parâmetros classificativos e itens de classificação,
designadamente os que se encontram contidos nas fichas de avaliação e auto-avaliação.

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objectivos do Projecto Educativo de Escola, obviamente aprovado pelos professores.


São estes os documentos a ter em conta no momento de auto-avaliação e também
nos de hetero-avaliação.

E um indicador de desempenho, o que é?

Um indicador de desempenho pode ser definido como um item de informação


recolhida a intervalos regulares para acompanhar o desempenho do professor, no
âmbito dos documentos que constituem o sistema de referências definido para a
avaliação. Os indicadores são apontadores importantes sobre o desempenho e
permitem apoiar a observação das competências profissionais bem como acompanhar
a evolução das mesmas. Não é uma operação isenta de erro ou de problemas de
definição e/ou de interpretação, antes exigindo um acompanhamento processual que
vá eliminando aspectos negativos e incorporando aquisições e experiências
consideradas úteis e relevantes.

Indicadores são, em síntese, a designação daquilo que se deve observar para obter a
informação pertinente em função dos objectivos definidos. Um sistema de
indicadores está, assim, intimamente dependente, por um lado, dos objectivos que
se pretende atingir (Quais os aspectos do objectivo que convém observar para obter
os dados necessários?) e, por outro lado, do modo como se recolhem informações
sobre esses aspectos a observar (Que modos e que instrumentos de recolha de
dados?).

Na construção dos instrumentos de recolha de dados, pode-se optar por uma visão
mais global do desempenho docente, construindo grades criteriais abertas, nas quais
a actuação do professor é perspectivada de forma holística, mais coerente e
integrada, ou optar por uma visão mais atomística do comportamento, e traçar
instrumentos de observação, registo e classificação com muito maior detalhe
analítico.

A primeira destas opções remete para uma concepção da acção do professor como
uma actuação situada, isto é, dependente das condições variadas dos contextos onde
actua, não sendo aceitável pensar-se que a sua competência resulta de um somatório
de características analiticamente consideradas. A sua maior dificuldade é,
porventura, obter um bom índice de concordância entre diferentes

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observadores/avaliadores, o que pode ser minimizado pela discussão extensiva dos


critérios e da sua aplicação à realidade, entre os intervenientes.

A outra opção, parecendo mais objectiva, reforça uma concepção segundo a qual a
competência do professor seria a resultante de um somatório de traços analíticos.
Desvaloriza os dados contextuais e fixa a sua atenção na observação e valoração de
indicadores mais específicos e mais facilmente observáveis por diferentes actores, de
forma fiável. A criação de um sistema de indicadores com elevada fiabilidade nesta
perspectiva é um processo muito difícil e moroso, exigindo índices de clareza, rigor e
validade elevados.

Assim, dadas as perspectivas sobre a profissão docente anteriormente referidas,


nomeadamente a complexidade de que se reveste o seu agir em situação, a
dificuldade de construção, bem como a pouca experiência dos avaliadores, pelo
menos neste sistema, não nos parece que esta última perspectiva seja a mais
aconselhável.

Avaliar o desempenho requer, pois, o uso de indicadores apropriados. Podem


seleccionar-se indicadores de natureza quantitativa, isto é, aqueles que são
contáveis e têm uma representação numérica (por exemplo, a percentagem de
alunos aprovados numa determinada disciplina ou a taxa de abandono dos alunos de
uma turma ou de um ano, etc.) e de natureza qualitativa, geralmente quando os
dados não se podem traduzir por números (por exemplo, o envolvimento dos alunos
nas actividades de aprendizagem; a criação de um clima de trabalho adequado pelo
professor, etc. ).

Trata-se de identificar o indicador adequado ao objecto a ser avaliado. Escolher os


indicadores errados pode levar a problemas futuros (no momento da avaliação final,
ao fim de dois anos). Assim, ao definir cada indicador, é importante questionar as
suas implicações e, por isso, é de todo o interesse envolver os interessados neste
processo. Tratando-se o desempenho docente de um objecto complexo por
natureza, não é aconselhável, tendo em conta o grau de conhecimento e de
experiência detido, um exercício de selecção de indicadores predominantemente
quantitativos. A objectividade depende mais da partilha intersubjectiva do
significado do indicador. Por exemplo, a objectividade deste indicador “constrói
sequências de conteúdos coerentes com os objectivos de aprendizagem definidos

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no currículo dos alunos” resulta mais da discussão (formativa) entre os


intervenientes na avaliação do que da sua formulação com recurso a uma
expressão quantitativa.

É a escola que decide, de forma integrada e coerente com os documentos antes


referidos, sobre os critérios e indicadores que orientam a procura de informações. É
ela também que constrói os instrumentos de recolha dessas informações, no campo
das actividades profissionais dos professores, tendo em conta as circunstâncias em
que estas se desenrolam, comparando-as, depois de descritas e interpretadas, com
os padrões de referência.

A construção destes instrumentos é, pois, um momento essencial do processo de


avaliação. A informação por eles angariada marca definitivamente as possibilidades
de análise e as consequentes decisões. É um momento chave, talvez por isso muitas
vezes valorizado em si mesmo. Mas, os instrumentos não são universais e denunciam
os valores que lhes subjazem. O risco é, portanto, muito amplo. Um mesmo
instrumento de análise de uma aula, por exemplo, não deve ser aplicado a um
professor em início de funções e a um professor experiente – seria reduzir a docência
a um exercício técnico cuja qualidade seria a conformidade com um padrão rígido e
pré fixado. O acto de ensino e a sua qualidade, sobretudo se pensarmos na
heterogeneidade da população escolar e no desígnio de elevar o nível de qualificação
de todos, dependem de um conjunto de variáveis complexas em número muito
elevado, não sendo possível ocultar especificidades que, naturalmente, terão de
estar configuradas nos objectivos do desempenho da escola e nos de cada professor
e, operativamente, nos diferentes instrumentos de observação e análise do
desempenho docente.

Mas, se se desligar o processo de avaliação do desempenho dos professores do seu


processo de formação e de desenvolvimento profissional, não o aproveitando também
como processo formativo experiencial5, e se aos professores, os principais

                                                            

5 A competência desenvolve-se num contínuo de aprendizagem experiencial, reflexiva e situada.

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interessados no seu desenvolvimento e na melhoria das aprendizagens dos seus


alunos, não for dada informação de retorno (feedback) sobre o seu desempenho,
quer durante o processo – no sentido da sua melhoria – quer no momento da
avaliação final – de modo a que possa reflectir sobre causas, consequências,
progressão em função dos objectivos definidos, necessidades futuras, etc. – então
esta avaliação será mais um exercício burocrático e terá apenas uma função de
controlo.

Finalizando e com o propósito de questionamento reflexivo, reunimos algumas


questões simples, mas exigentes, sobre a avaliação do desempenho docente, na
perspectiva de um professor que se define (e se deseja) como um profissional.

Avaliar o desempenho, para quê? – Requer assumir com clareza as finalidades do


que vier a ser feito. Tomar decisões administrativas? Tomar decisões de formação?
Tomar decisões de carreira? De salário? De promoção? De desenvolvimento
profissional? Decisões individuais? De grupo??

Avaliar o desempenho, que objecto é este? – Requer definir com clareza os


contornos do que se entende por desempenho, mas também, o que se entende por
bom desempenho, quem, como e onde identifica, descreve, apreende um
desempenho.

Avaliar o desempenho, em nome de quê? O que fundamenta a avaliação? – Requer


coerência entre os fins e os meios; proíbe a criação de instrumentos de recolha de
dados e a interpretação dos dados recolhidos sem que se verifique e pondere a
congruência entre as metas desejadas e expressas e os juízos fundamentadores de
decisões (sobre carreira, sobre formação e desenvolvimento ou outras).

Avaliar o desempenho, que competência profissional é a dos avaliadores? – Requer


ponderar em que medida é aceitável proceder à avaliação de um objecto como o
que está em causa sem que antes se ponderem as competências (conhecimentos,
capacidades e valores postos em acção) dos avaliadores. Salientamos que não
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estamos a defender primeiro formem-se os avaliadores, depois podem avaliar. Não!


Estamos apenas a chamar a atenção para a necessária contenção que se impõe
como exigência ética e de racionalidade.

A consideração do conhecimento científico e técnico acumulado, entre outros, sobre


avaliação, formação e gestão, não nos permite naturalizar a competência do
avaliador, por maioria de razão se ao sistema de avaliação se colocarem metas tão
importantes como as que agora são assumidas e que agora sintetizamos a partir
dos normativos em vigor, que anteriormente referimos:

A avaliação de desempenho do pessoal docente visa a melhoria dos


resultados escolares dos alunos e da qualidade das aprendizagens e
proporcionar orientações para o desenvolvimento pessoal e profissional
no quadro de um sistema de reconhecimento do mérito e da excelência.
Constituem ainda seus objectivos contribuir para a melhoria da prática
pedagógica do professor e para a sua valorização e aperfeiçoamento
individual, permitir a inventariação das suas necessidades de formação,
detectar os factores que influenciam o rendimento profissional dos
professores, diferenciar e premiar os melhores profissionais, facultar
indicadores de gestão em matéria de pessoal docente, promover o
trabalho de cooperação entre os docentes, tendo em vista a melhoria
dos resultados escolares e promover a excelência e a qualidade dos
serviços prestados à comunidade.

Se bem que educar e avaliar sejam processos inerentes ao viver social humano,
não se nasce professor, muito menos avaliador.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2008

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