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ENSINO E APRENDIZAGEM: EM BUSCA DE UM SIGNIFICADO

Gilberto Teixeira (Prof Doutor FEA/USP )

I – INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é analisar as diferenças entre ensino e aprendizagem e apresentar os paradigmas modernos
que reforçam a importância da aprendizagem ao contrário dos paradigmas conservadores que enfatizavam o papel do
ensino.

II – APRENDIZADO

Aprender, segundo Mira Y López[1], “é aumentar o capital dos próprios conhecimentos”. Aprender é, via de regra, um
caso especial do processo de comunicação. Considera-se aprendizado a aquisição, por um indivíduo, de conhecimentos que
lhe são transmitidos por outro.

A deseja informar B a respeito de alguma coisa. Estabelece-se imediatamente relação potencial entre A e B. O que
liga as duas pessoas não é um fio concreto; é a idéia de que A dispõe de mensagem que B irá receber; logo, o que as liga é
a mensagem.

Os termos primários de aprendizado são: A, B e a mensagem. Se A não dispuser de mensagem e se B não se


dispuser a receber a mensagem de A, não haverá aprendizado.

Cabe perguntar: como A será capaz de transmitir a mensagem e, simultaneamente, como B será capaz de recebê-la?

Há, evidentemente, nesse circuito da mensagem de A a B, condições ligadas às pessoas - transmissor e receptor - e
à própria mensagem. Essas condições, embora secundárias, afetam profundamente o processo de aprendizado.

É preciso pensar, inicialmente, que A e B são capazes de se entender, isto é, que os símbolos, válidos para uma são
válidos para outra. Imaginemos as duas pessoas em causa, nas duas extremidades de um fio telefônico: se a primeira disser
”chame a polícia; aqui há um ladrão”, é preciso que a segunda tenha clara as idéias de “polícia” e “ladrão” para que qualquer
providência possa ser tomada; se não tiver as idéias, a mensagem transmitida terá sido perdida.

O conjunto de símbolos usados no processo de comunicação constitui um verdadeiro código. Os símbolos do código
devem ser estruturados para que possam ter sentido. Desse modo, os símbolos são constituídos pelo vocabulário,
enquanto o sentido (estrutura) é dado pela sintaxe.

Todo o processo de aprendizado se apóia na existência de códigos.

Os símbolos usados na decodificarão precisam ser conhecidos pelo aluno. Por esse motivo a instrução é processo
progressivo. A medida que o indivíduo interessado em aprender vai ficando senhor de maior número de símbolos, vai ficando
apto a estruturá-los de maneiras mais complexas.

Os primeiros códigos (em uso no aprendizado de um curso primário), são extremamente simples; não exigem mais do
que uma tradução: a da idéia, para a coisa concreta. Exemplos: “A bola é do menino”, “O cachorro tem quatro patas”.

Quando o indivíduo progride intelectualmente, dispõe de maiores recursos para realizar abstrações. Capaz de ir do
particular ao geral e voltar deste ao particular, o código usado pode ser, e é, muito complexo. Exemplo: “A revolução
tecnológica que teve início por volta do século XVIII, modificou irremediavelmente a atitude das sociedades”. Essa frase não
teria o menor sentido para uma criança de segundo ano primário, mas é fácil e perfeitamente inteligível para um rapaz do
curso colegial.

A noção da existência dos códigos leva o professor a tentar, antes de discorrer sobre um tema, integrar os alunos
na compreensão dos termos que, por fundamentais, o caracterizam.

Se um professor, deve ensinar Citologia a um grupo de estudantes, precisa começar por definir Citologia para que os
alunos possam ter condições para acompanhá-lo nas digressões que vier a fazer, partindo do conceito inicial de “Citologia”,
isto é, de ser ela “o ramo que estuda a célula”.

Essa noção é importante, tanto para o aluno quanto para o professor, porque representa:

a) Para o professor, a obrigação de se colocar ao nível mental médio de seus alunos. (A frase: “fulano é um
grande professor, mas dá aulas muito elevadas para nós”, significa que fulano é um mau professor porque não sabe
colocar-se ao nível exigido pela média dos alunos)
b) Para o aluno, a necessidade de fazer perguntas sobre os tópicos obscuros, ou procurar esclarece-los pelo uso
de dicionários ou outras explicações mais elementares, quando lhe falharem os termos usados na aula.
c) A vantagem de que o professor forneça ao aluno, um resumo do assunto que vai ser tratado, o qual lido, servirá
de preliminar esclarecimento dos termos da mensagem.

Normalmente, um professor que dá uma aula em língua estrangeira, a uma classe, obtém cerca da metade do
rendimento que obteria outro professor que ministrasse a aula em vernáculo; isso porque escapa aos alunos, grande número
de símbolos usados na mensagem.

A noção da “dificuldade progressiva dos códigos” explica a importância e o porque da localização das chamadas
matérias básicas nos currículos de formação profissional especializada.

São as matérias básicas, verdadeiras chaves gerais de entendimento; representam a imprescindível iniciação aos
segredos dos códigos que serão usados futuramente no aprendizado específico.

Vejamos: um estomatologista deverá, no exercício de sua profissão, estar. Freqüentemente, em contato com a saliva.
Afirmo: “na saliva existem muco-proteínas”. O código, aqui, faz apelo a símbolos fundamentais, para estruturá-los em forma
peculiar: “saliva” é símbolo primário (qualquer criança ou leigo sabe o que é); “muco-proteínas” (o símbolo é complexo) -
observa-se que é uma classe particular de “proteínas”, “proteínas” é símbolo cujo conhecimento foi transmitido com o ensino
de matéria básica, a química orgânica. Qualquer aluno que tenha tido noções razoáveis de química orgânica, saberá que
“proteína é substância orgânica nitrogenada”, formada essencialmente de “ácidos aminados” com eliminação de moléculas
de água; em outras palavras, “proteínas” são verdadeiros anidridos de aminoácidos, acompanhados ou não, de substâncias
diferentes dos aminoácidos, as quais são chamadas “grupos prostéticos” que, freqüentemente, caracterizam a proteína. O
aluno conhecedor de todos os símbolos assinalados sabe, a um simples olhar, que “muco-proteína” é proteína cujo “grupo
prostético” está assinalado como “muco”: uma “substância glicídica com mais de 4 % de açúcar se for mucóide e, menos, se
for “glicoproteína”.

No caso analisado, os símbolos do código foram fornecidos pela química orgânica e bioquímica - matérias básicas.
O estomatologista desconhecedor dos símbolos estaria impossibilitado de compreender a frase: “na saliva existem muco-
proteínas”.

Se digo: “por irradiações ultravioleta há ruptura de um anel do núcleo fenantreno do ergosterol, formando-se um
composto com atividade antirraquítica, a vitamina D3”, deverei estar a par de códigos que fazem apelo a símbolos
fundamentais da “química orgânica” = anel do núcleo fenantreno; da “física” = radiações ultravioleta; da “biologia” =
raquitismo e substâncias antirraquíticas, da “farmacologia” = vitamina e pró-vitamina.

Uma criança de curso primário nada entenderia das frases referidas; para compreensão do código nelas empregado,
são necessários longos estudos preliminares.

Os exemplos poderiam ser multiplicados ao infinito. Sem o domínio dos símbolos codificados pelas matérias básicas,
o aprendizado das matérias especializadas (ou de aplicação) se torna ou, exclusiva memorização ou, técnica desvinculada
de qualquer significado científico ou cultural.

III - ENSINAR E APRENDER

De vez que o método didático visa por em jogo, sucessiva e simultaneamente, certo número de técnicas destinadas a
promover eficientemente o aprendizado, é óbvio que este é resultante do equilíbrio mantido entre a técnica de ensinar e a
técnica de aprender.

Ensinar-e-aprender é processo em circuito.

Admitindo que A e B interessados no aprendizado, estão de posse do código que vai ser usado, aptos portanto a
estabelecer um circuito, que permitirá a transmissão de conhecimento, é preciso ainda considerar o canal pelo qual passará
a mensagem.

O canal pode ser entendido como o caminho seguido pela mensagem para, saindo de A, alcançar B. Uma
conferência (ou aula teórica), uma demonstração prática, um filme ou a leitura de um livro exigem diferentes canais que
podem ser usados para a transmissão da mensagem.

Ao ser escolhido este ou aquele canal para a comunicação, no ensino, normalmente são tomados em conta os
seguintes fatores:

• Condições do transmissor (professor);


• Condições do recebedor (aluno);
• Espécie de mensagem (matéria em causa).

Os fatores referidos são interligados.

A espécie da mensagem é importante para a escolha do canal. Se desejo ensinar um aluno a identificar um
treponema, terei maior êxito projetando, para que ele veja, uma preparação microscópica de treponema, do que
descrevendo, pela linguagem oral, as características morfológicas de um treponema.

O uso da vista representa pois, para o caso, o canal de eleição: o canal visual.
Se desejo ensinar realizar, em laboratório, uma determinação quantitativa de glicose, por processo titométrico, devo:

• Informar sobre a marcha da operação;


• Demonstrar a própria operação, inclusive as condições em que se dá a intitulada “viragem”, no decorrer da
titulação.

O canal escolhido deverá, portanto, ser simultaneamente capaz de permitir o uso de palavras para serem ouvidas e
gestos e fatos para serem vistos: canal audiovisual.

As condições de quem vai receber a mensagem são importantes para a escolha do canal. Se esse alguém está
familiarizado com os símbolos do código que vai ser utilizado (ou seja, com a matéria) é possível usar exclusivamente o
referido código - sob forma oral ou escrita; todavia, se os símbolos são ainda desconhecidos, a primeira medida visará a
familiarização do recebedor como mesmos. Se eu disser aos alunos que já manipularam durante um ano o microscópio:
“façam correr o “charriot” um centímetro, da direita para a esquerda”, eles serão capazes de fazê-lo mas, se for a primeira vez
que os alunos vêem um microscópio, embora deseje que realizem exatamente o que eu disse, devo informar, inicialmente,
mostrando, o que é o “charriot”. No primeiro caso referido o canal usado é o auditivo; no segundo o audiovisual.

Se, numa aula de Higiene do Trabalho, for dito aos alunos: “o primeiro indício de contaminação de um ambiente por
ácido cianídrico é o cheiro reinante de ameixas amargas”, o professor parte do pressuposto de que os indivíduos conhecem e
identificam o odor referido. Na dúvida, deve ser promovida a oportunidade de que os componentes da classe experimentem,
nesse momento, a sensação olfativa em causa. O canal olfativo estará sendo usado no processo de aprendizado.

É dos vários recursos de diferentes canais que se beneficiam, hoje, os processos educacionais. Os canais mantêm
relação com os sentidos dos indivíduos, sentidos que são considerados receptores de estímulos. Quando, no ensino, há
possibilidade de ser usado, simultaneamente, mais de um canal, via de regra, o aprendizado se dá com maior facilidade.

IV - A TÉCNICA DE APRENDER

Enquanto muito se tem escrito e falado sobre a técnica de ensinar (didática) pouco se tem tratado da técnica de
aprender.

A técnica de aprender consiste na utilização do maior número possível de recursos ou artifícios que permitem a
compreensão da mensagem transmitida e a sua fixação.

Como já dissemos[2], “o fulcro da teoria do aprendizado é a cooperação entre o professor e o aluno”. Ora, para que
essa cooperação atinja o máximo de sua eficiência, é preciso que, enquanto o professor põe em jogo a didática - “conjunto
de técnicas destinado a dirigir o ensino para que o aprendizado se efetue com mais eficiência”[3], o aluno se disponha a por
em ação técnicas complementares às do método didático.

Estas técnicas repousam nos seguintes pontos básicos:

• Conhecimento e compreensão dos termos (código) da mensagem;


• Capacidade de acompanhar a estrutura da mensagem (seguir o raciocínio expositivo do professor);
• Capacidade de fixação da mensagem.

O desenvolvimento da técnica de aprender exige, por parte do aluno:

1) Informação básica suficiente para o conhecimento dos símbolos codificados (terminologia) usado nas aulas;
2) Integridade dos sentidos necessários à recepção da mensagem (capacidade de ouvir, ver e, às vezes, tocar ou
cheirar);
3) Raciocínio lógico completamente desenvolvido (e capaz de funcionar em ritmo compatível com o do raciocínio
do professor);
4) Memória válida.

O conhecimento da existência de uma técnica de aprender interessa profundamente ao estudante no decorrer de


suas atividades, de vez que permite a descoberta de recursos capazes de facilitar a aquisição do saber, procurado como
meta.
A técnica de aprender encontra aplicação no desenvolvimento de aulas teóricas (ou expositivas), de demonstrações
e exercícios práticos e, particularmente, no estudo individual (leitura de textos, consulta bibliográfica, etc.).

Referências
[1]MIRA Y LÓPEZ, Emílio. Como estudar e como aprender. trad. de PEDROSO, José Carlos Correa, ed. Mestre Jou. São
Paulo. 1965. p.30.
[2]POURCHET-CAMPOS, M.A. A docência e a investigação científica. São Paulo, Giosa, 1962, p.45.
[3]NERICI, Imideo. Didática Geral. Rio de Janeiro.Ed. Fundo de Cultura, 1960. p.7

Data de publicação no site: 28/03/2005


Fonte: http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/ler.php?modulo=12&texto=771

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