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4 • P2 • Sexta-feira 28 Agosto 2009

Os taliban estão a vencer,


por que haveriam
de querer negociar?
Christina Lamb começou a trabalhar em Peshawar com apenas 21 anos e muito idealismo.
Hoje é uma repórter consagrada com mais de duas décadas de experiência no Paquistão e
no Afeganistão e uma enorme capacidade, por sempre ter tido a preocupação de falar com
as pessoas comuns, de analisar os erros cometidos pelo Ocidente. O retrato que nos deixou é
tudo menos optimista. Por José Manuel Fernandes

a Há apenas seis meses, de uma e idealista” – como se descreve estavam exaustos após tantos anos aconteceu. Permitiu-se que Times de muitos dos “especialistas”
das últimas vezes que esteve a si mesma – que procurava no de caos. mantivessem as suas bases de enviados pelas potências ocidentais
no Afeganistão, Christina Lamb jornalismo um pouco de aventura. Para Christina Lamb, 2001 foi o poder, que continuassem a bloquear ou pelas agências humanitárias.
procurou em Herat um grupo de Em Fevereiro, Christina Lamb já momento da grande oportunidade estradas e a extorquir dinheiro às É perceber, por exemplo, que
mulheres com quem se encontrara tinha o estatuto de especialista que perdida. Uma oportunidade que pessoas. Foi um erro tremendo nas aldeias do Sul e do Leste do
pouco depois da derrota dos taliban. leva a que participe, com frequência, dificilmente se repetirá, pois não se ter dado prioridade à país os taliban estão a recrutar
“Naquela cidade, desde sempre em palestras para militares, os soldados que nessa altura reconstrução do país, antes ter dado combatentes: “Em todas as aldeias,
considerada a capital cultural do decisores políticos e académicos. foram vistos como libertadores toda a atenção às operações para há imensos jovens desempregados
Afeganistão, famosa pelos seus Mas o episódio de Herat reforçou a começam hoje a ser olhados encontrar as bases da Al-Qaeda e Bin que não têm nada que fazer. Quando
escritores e poetas, encontrei-me sua convicção de que o Ocidente está como instrumentos de potências Laden. Foi então que se recorreu aos os taliban chegam, basta-lhes
então com um grupo de mulheres a perder o Afeganistão e não parece ocupantes. ‘senhores da guerra’ como guias ou darem-lhes uma arma ou pagarem-
de uma imensa coragem”, conta-nos capaz de corrigir os muitos erros “Em 2001, criaram-se muitas como apoios. Ou seja, voltou a dar- lhes alguma coisa.” Apesar do antigo
esta jornalista inglesa do jornal The cometidos desde a intervenção para expectativas sobre um futuro se poder aos que tinham criado o ódio dos “estudantes de teologia”
Sunday Times, várias vezes premiada derrubar os taliban no final de 2001. melhor e essas expectativas não se caos que abrira caminho aos taliban a tudo o que era tecnologia, os
pelo seu trabalho de reportagem. materializaram. Pelo menos não se e lhes permitira serem vistos quase taliban utilizam hoje também as
“Essas mulheres, mesmo durante Debandada e vazio materializaram para a maioria dos como libertadores e pacificadores.” mais modernas tecnologias para
o período dos taliban, tinham “Bem sei que se passaram muitos afegãos”, explica-nos. “Os afegãos E não é por ter encontrado difundirem a sua propaganda, “uma
continuado a reunir-se, a ler poesia, anos, mas continuo a sentir que, acreditaram que se estavam a em Herat situações como a propaganda muito mais eficaz do
a discutir Shakespeare, Dostoievski, para o Ocidente, para o Reino libertar dos taliban e também dos das mulheres-escritoras que que a da NATO”: “A sua mensagem
até Virginia Woolf. Encontravam-se Unido, para os Estados Unidos, o ‘senhores da guerra’, e até estes, Christina está pessimista: está é simples e atraente: nunca
sob o pretexto de irem costurar, mas, Afeganistão continua a não ser visto quando viram chegar os B-52 e as pessimista porque se cansou de ir fomos colonizados, nunca fomos
debaixo das burqas, o que levavam como um país a reconstruir. Foi essa tropas ocidentais, pensaram que os a conferências onde se mostravam conquistados, e estes soldados
era livros”. percepção que tive logo em 1989, seus dias tinham gráficos sobre a utilização de estrangeiros que cá estão querem de
Os olhos verde quase quando as tropas russas deixaram acabado. telemóveis como se isso mostrasse novo dominar-nos. Entram nas casas
transparentes de Christina turvam-se o país, é essa percepção que Mas não que o país está a evoluir no bom das nossas mulheres e bombardeiam
por um momento quando recorda a mantenho ainda hoje”, explica-nos. foi isso sentido; está pessimista porque sabe os nossos casamentos. Se os taliban
sua última viagem a Herat. “Foi tão Em 1989, o choque da então jovem que que é cada vez mais difícil sair de dissessem estas coisas em 2001,
triste”, desabafa. E compreende-se repórter foi o de verificar que, mal os Cabul e são cada vez menos os locais ninguém os teria escutado, mas
porquê. De todas as mulheres que russos saíram do Afeganistão, “todos seguros onde se pode deslocar; a verdade é que os soldados se
encontrara há menos de oito anos, se foram embora de Peshawar”, a está pessimista porque fala com as portaram muitas vezes de forma
só uma continuava a escrever. Todas cidade paquistanesa mais próxima pessoas, com os afegãos. desastrada e foram perdendo
as restantes tinham desaparecido ou da fronteira afegã. “De um dia para o “Quando vou às aldeias do Sul, o apoio inicial com que foram
desistido: uma tinha sido morta pelo outro, desapareceram as centenas de dizem-me que não sabem o que recebidos”.
marido porque este não queria que diplomatas, de militares, de agentes fazer”, conta-nos. “Por um lado, Pior: ao contrário do que
escrevesse poemas; outra morrera humanitários, de jornalistas, até não querem os taliban de volta, sucedeu em 2007 e 2008, no
na sequência de um acidente, apesar espiões, que só ali estavam porque mas, por outro, não vêem nada Iraque, quando o general Patraeus
de não ter ficado muito ferida, se preocupavam com os que o Governo esteja a fazer conseguiu estabelecer alianças com
apenas porque estava com outro russos, não com os afegãos.” para os proteger e melhorar os líderes tribais para combater
homem e a família teve vergonha O resultado dessa debandada o seu nível de vida. Quando os extremistas, no Afeganistão “os
de a levar ao hospital; uma terceira foi que ninguém ocupou o muito, há por lá uns polícias, líderes locais não se queixam hoje
preferira trocar o Afeganistão pelo vazio deixado pela saída dos mas muitos são corruptos. dos taliban, queixam-se é de quem
Irão. afegãos, deixando campo aberto aos É por isso que muitas aldeias os desiludiu”.
Em Fevereiro, quando esteve diferentes “senhores da guerra”, que estão presas entre duas más Mais: Christina, que ainda
em Herat, Christina já não era a depressa mergulhariam o país no opções, e cedem aos taliban no tempo da guerra contra os
jovem repórter que, aos 21 anos, caos e na guerra civil. Sem esse caos porque têm medo das suas ameaças soviéticos andou pelas montanhas
viajara para Peshawar para cobrir e essa violência, nunca os taliban e o Governo está muito longe.” do Afeganistão com Hamid Karzai,
a guerra entre os mujahedin e as teriam conseguido tomar conta do É este conhecimento esteve em sua casa e conhece a sua
tropas soviéticas que ocupavam o Afeganistão e serem bem recebidos do terreno que distingue família, não gosta de culpá-lo pelo
Afeganistão. Já não era a “ingénua por todos os que, simplesmente, esta repórter do Sunday que correu mal, mas reconhece que

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