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CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quarta-feira, 12 de novembro de 2008 • 5

REFÉNS DO ABANDONO 3

Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press

Almas em
sofrimento
Monique Renne/CB/D.A Press

ATENDIMENTO
PSICOLÓGICO

SÃO POUCAS AS
UNIDADES DE
ATENDIMENTO QUE
OFERECEM AJUDA
PSICOLÓGICA ÀS
VÍTIMAS, ETAPA
FUNDAMENTAL PARA A
REJEITADA PELA FAMÍLIA APÓS O
DESCOBERTA ESTUPRO, SIMOME (DE PÉ), 9 ANOS,
NÃO RECEBEU QUALQUER
DOS TRAUMAS. ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA
SEM TRATAMENTO,
CRIANÇAS E
ADOLESCENTES

❛❛
sofrimento das vítimas portar de maneira diferente. Fi- não de um abrigo”, acrescenta a
GUARDAM CICATRIZES
PROFUNDAS NA
PERSONALIDADE
O de violência sexual se
traduz em agressivida-
de, revolta, timidez e in-
segurança. A dor de ter o corpo
violado provoca danos psicológi-
cou agressiva e desaparece de
casa sempre que pode. Diante
do problema, o padrasto da me-
nina, um desempregado de 41
anos, decretou: não quer mais
promotora.

Revolta interior
A revolta é recorrente entre as ví-
timas de violência sexual. “Mui-
O ABUSO DEIXA DIFERENTES MARCAS.
DEPENDE DO TIPO DE VIOLÊNCIA, DA IDADE
cos graves, que poderiam ser evi- Simone por perto. Está em bus- tas meninas que sofrem abuso EM QUE ELA COMEÇOU A SER PRATICADA, DO
tados ou minimizados com um
acolhimento eficiente. Mas de-
pois do abuso ou da exploração
ca de um abrigo e já procurou a
Justiça para dizer que prefere
“dar a menina”. “Vou acabar na
ou foram exploradas sexualmen-
te chegam aqui agressivas, in-
quietas, com uma revolta muito
TEMPO QUE DUROU E DE QUEM A PRATICOU
❛❛
sexual, a maioria dos meninos e cadeia por causa da garota. É só grande por conta desse histórico Eva Faleiros,
meninas tem mais um direito a gente se distrair que ela desa- de violência”, conta Sayonara pesquisadora do Centro de Referência,
violado: fica sem atendimento e parece. Não quero mais ficar Dias, diretora do Centro de De- Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria)
não recebe o apoio de profissio- com a menina em casa”, explica fesa da Criança e do Adolescente
nais como psicólogos, assisten- o padrasto, como se falasse de Casa Renascer, em Natal. A ONG
tes sociais ou pedagogos. uma mercadoria defeituosa. oferece atendimento de referên-
Distúrbios mentais, compor- Ainda com a família, ouvindo cia às crianças e adolescentes O trauma de Leandra
tamentos compulsivos, dificul- as discussões sobre seu destino, que não têm espaço na rede pú- Três anos depois da violência que viveu,Leandra,de 16 anos,ainda sofre .“Eu
dade de desenvolver laços afeti- ela brinca de boneca, alheia a blica de acolhimento. fico ruminando tudo o que aconteceu.Sentindo a dor inteira de novo”,conta a
vos e promiscuidade são algu- tudo. As marcas do estupro se Marcela, 15 anos, está na Ca- menina bonita.Explorada sexualmente por um médico de uma pequena
mas das conseqüências deixa- tornaram difíceis de apagar e as sa Renascer. O sorriso no rosto cidade do Pará,Leandra foi obrigada por ele a fazer um aborto.O caso se
Danos psicológicos das pelas situações de violência conseqüências ficaram eviden- da adolescente disfarça o passa-
graves tornou público,mas a população ficou ao lado do agressor.Estigmatizada,
sexual. A maneira de lidar com tes nos atos e na revolta de Si- do de sofrimento. Depois de
Crianças e adolescentes Leandra deixou a cidade onde vivia e hoje mora em Belém.“Eu não gosto nem
esses problemas precisa ser ela- mone. “Aquele homem fez coi- dois anos de ajuda psicológica,
abusados sexualmente quase de ir lá,minha vontade é apagar tudo o que aconteceu.”O passado virou
sempre dão sinais de que estão borada de acordo com a expe- sas muito ruins comigo, tenho ela começou a superar a dor de
riência de cada vítima. “O abuso vergonha só de lembrar”, conta ser estuprada pelo próprio pai. assunto proibido com os novos amigos.“Não falo,não sei como falar,não sei
sofrendo. Isolam-se do convívio
deixa diferentes marcas. Depen- a menina, com um riso de cons- “Quando ela chegou aqui, jun- como vão reagir.Acho sempre que vão me achar ‘a diferente’, a problemática.”
social, ficam desmotivados,
de do tipo de violência, da idade trangimento e as mãos sobre o tamente com a irmã mais nova,
Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press

apáticos. A auto-estima é
reduzida a zero.“Esses em que ela começou a ser prati- rosto. Como a família demorou não conseguia nem mencionar
indicativos comportamentais cada, do tempo que durou e de a denunciar o caso, o início do o abuso. Agora, com apoio psi-
dão a dimensão do quanto a quem a praticou”, explica Eva atendimento psicológico e so- cológico, Marcela começou a es-
vítima pode estar sofrendo. Faleiros, pesquisadora do Cen- cial também atrasou. Simone crever uma nova história”, co-
Mas, muitas vezes, essas tro de Referência, Estudos e passou mais de seis meses so- menta Sayonara.
atitudes são entendidas pelos
Ações sobre Crianças e Adoles- frendo em silêncio. “Meu pai me estuprou e fez o
adultos como atos de rebeldia,
desobediência, indolência, centes (Cecria). Ela acrescenta As autoridades de Maman- mesmo com duas das minhas ir-
afronta ou desrespeito”, explica que, quanto maior a proximida- guape discutem o futuro de Si- mãs. A mais nova teve até perfu-
o psicólogo Ângelo Motti, de entre a vítima e o agressor, mone. A promotora de Justiça rações no útero e precisou fazer
coordenador do Programa mais difícil fica o tratamento. local, Ana Maria França, revolta- cirurgia”, conta Marcela. Apesar
Escola de Conselhos da As evidências do abuso fica- se com o caso. “É um absurdo a do acompanhamento profissio-
Universidade Federal do Mato ram claras no comportamento família querer entregá-la à Justi- nal, a adolescente ainda de-
Grosso do Sul. de Simone, 9 anos. Nas ruas do ça só porque ela passa por uma monstra ódio pelo sexo mascu-
pequeno e miserável município fase difícil. Quando ela mais lino — sentimento comum en-
de Mamanguape, no brejo pa- precisa de apoio e carinho, fa- tre vítimas de abuso sexual. “Ho-
raibano, ela foi estuprada por lam em mandá-la embora de ca- mem nenhum presta. Não que-
um desconhecido. Após a vio- sa”, desabafa. “Ela só precisava ro nunca saber de filhos, muito
lência brutal, passou a se com- de um tratamento psicológico, menos de marido”, afirma.

correiobraziliense.com.br
3. Sexo no porto usa uma minúscula saia cor-de-rosa choque. Leia mais na internet:
Noite de quinta-feira em Breves, município do Cica procura clientes na avenida em frente ao Como identificar se a criança foi
Pará, região das ilhas do Marajó. Cica, de 15 porto do rio Parauhaú. Breves é uma das vítima de violência sexual
anos, pedala sobre uma bicicleta velha. O paradas para os que fazem trajetos entre o
apelido é uma referência a Daniela Cicarelli. Amazonas e o Pará de barco. O sexo com a
Em comum, as duas têm pernas longuíssimas. Cicarelli local custa R$ 20. Mas o preço pode
Para oferecer as dela aos passantes, a menina cair para R$ 15.

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