You are on page 1of 9

PENSAR GLOBALMENTE, AGIR LOCALMENTE: O ECOTURISMO A PARTIR DA

PERSPECTIVA DE REDES COMUNITÁRIAS.

THINKING GLOBALLY, ACTING LOCALLY: ECOTOURISM FROM A


COMMUNITY NETWORK PERSPECTIVE.

MENDES JÚNIOR, Jaime Nogueira – Aluno de doutorado do Programa de Pós-graduação


em Geografia do Instituto de Geociências – Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Endereço: r. João Pandiá Calógeras, 51 – CP 6152 – CEP 13083-970 –
Campinas – SP – e-mail: jaime@yahoo.com.br

Resumo – As mudanças globais, notadamente as mudanças climáticas, têm colocado em


alerta a indústria turística mundial que, por meio dos principais órgãos representantes da
categoria, já inicia o planejamento estratégico visando diminuir os efeitos do fenômeno
sobre as receitas econômicas do turismo e propõe a adoção de medidas paliativas, tais como
a redução da emissão de gases-estufa como parte do projeto turístico sustentável. A partir
de uma outra perspectiva, o presente trabalho procura mostrar como o ecoturismo, por meio
da introdução da noção de redes, pode deixar de ser uma das atividades econômicas mais
ameaçadas pelas mudanças climáticas para se constituir num instrumento de reação e
transformação dos valores ideológicos que impulsionam a crise sócio-ambiental no mundo
moderno, bem como as mudanças globais decorrentes do modelo econômico ocidental.

Abstract – The global changes, notably the climate changes, have put the tourism industry
on the alert, which has already started a strategic planning focused on diminishing the
phenomenon effects over the tourism financial income through the adoption of half
measures, such as the greenhouse gases emission reduction, as part of the sustainable
tourism project. From another perspective, the present paper intends to show, by means of
the network concept introduction, how ecotourism may stop being one of the most
threatened businesses with global climate changes to become a tool for transformation and

1
reaction against the ideological values that are responsible for social-environmental crisis in
modern world, as well as the global changes which arise from the western Economy.

Palavras-chaves – Mudanças climáticas, ecoturismo, redes comunitárias, desenvolvimento


sustentável.

Key words – Climate changes, ecotourism, community networks, sustainable development.

Introdução

Nos últimos tempos, as mudanças globais têm exigido o desenvolvimento de métodos


novos que possibilitem abarcar a complexidade inerente ao fenômeno (LEFF, 2000), de tal
forma que se possa ampliar a visada de nossa percepção, e assim, permitir uma
compreensão integral das questões que vão se avolumando e obstruindo os possíveis
caminhos que podem conduzir às soluções para a atual crise mundial (KURZ, 2004).
Não obstante, esta crise mundial ganha proporções crescentes à medida que o capitalismo
vai ganhando terreno numa direção globalizante, amparado por redes de informação e
tecnologias inovadoras, onde a meta prioritária se define no acúmulo de capital e
enriquecimento infinito às expensas da deterioração ambiental e da exploração das camadas
pobres da população mundial (CAPRA, 2002).
Os resultados provenientes da ideologia que alicerça o modo de produção capitalista se
fazem sentir, em primeiro plano, na degeneração dos valores responsáveis pela aglutinação
social e pela perda de senso de responsabilidade e de compromisso ambiental.
Desta forma, a crise ambiental tem sua gravidade subestimada pela análise puramente
técnica e valorativa própria da abordagem reducionista e fragmentada da Ciência moderna,
enquanto a sociedade, totalmente desarticulada por meio da alienação ideológica e ausência
de valores comunitários, perde sua força de representação e seu potencial de mudança do
processo histórico, passando a servir às elites como massa de manobra política, força de
trabalho e mercado de consumo.
Surge a partir dessa condição paralisante, o sentimento desconfortável de impotência diante
de um sistema gigantesco, cuja voracidade, alimentada por fantasias modernas, calcadas na

2
acumulação financeira, coloca em risco crescente o bem-estar e a própria sobrevivência
humana.
Os efeitos mais imediatos provenientes da postura inconseqüente do modelo econômico
ocidental sobre o ambiente físico, e que têm causado maiores temores em função do caráter
imparcial de sua ação destrutiva, é certamente o fenômeno da mudança climática, cuja
polêmica resultante tem mobilizado diferentes segmentos da sociedade urbano-industrial,
entre os quais é objeto de análise deste trabalho a indústria turística, e mais precisamente, o
segmento do ecoturismo.

Turismo e mudanças climáticas

A indústria turística, uma das mais prósperas da economia mundial (CEBALLOS-


LASCURÁIN, 1995), incluiu, há algum tempo, o tema sobre mudanças climáticas na
agenda de discussões, onde tem sido avaliado os aspectos negativos do fenômeno sobre a
economia do turismo, bem como as possibilidades de mercantilização dos efeitos
ambientais e processos resultantes da mudança climática (INTERNATIONAL
CONFERENCE ON CLIMATE CHANGE AND TOURISM, 2003).
O comprometimento estrutural e fisiológico da indústria turística com o modelo econômico
vigente inviabiliza quaisquer ações que comprometam as receitas financeiras da instituição
a favor da causa sócio-ambiental. Esta característica, não só conduz à reprodução, mas
também ao fortalecimento do mesmo sistema produtor das ameaças ambientais e da
degradação social, neutralizando outras iniciativas relacionadas à adoção de boas-práticas
ambientais apregoadas no discurso ecológico da indústria turística.
Paralelamente ao universo da economia capitalista, o paradigma do desenvolvimento
sustentável tem ganhado notoriedade e servido de baliza na construção de programas de
desenvolvimento local em regiões pobres de todo o mundo. Este processo é parte de um
fenômeno maior, que aos poucos ganha o caráter de projeto ecológico mundial, cuja
característica é a composição de redes comunitárias sustentáveis baseadas na alfabetização
ecológica (CAPRA, 2002).
Diferentemente do turismo convencional, o ecoturismo se define a partir da base conceitual
do desenvolvimento sustentável, onde são relevadas a educação baseada na conservação

3
ambiental e cultural, bem como o bem-estar e desenvolvimento das populações
envolvidas(ADAMS, 1992; GRUPO DE TRABALHO INTERMINISTERIAL MMA-
MICT-IBAMA-EMBRATUR, 1994).
Não obstante, as populações envolvidas, notadamente as comunidades tradicionais, têm
sido vítimas de uma série de problemas provenientes daquilo que poderíamos distinguir
como o ecoturismo de mercado que, longe de se identificar com o ecoturismo legítimo, tem
provocado a degradação ambiental, o impacto negativo sobre as culturas locais e a criação
de dificuldades econômicas por meio da inflação local (WEARING e NEIL, 2001;
CASTROGIOVANNI, 2004). Isto se deve, particularmente, ao fato do turismo ser, em
geral, promovido por interesses puramente econômicos de pessoas ou grupos estranhos à
região, bem como por não estar estruturado de forma a satisfazer as necessidades locais,
exportando os benefícios financeiros para fora da região (BRANDON, 1995; LUCHIARI,
1999).
Essa situação, comum em inúmeros cenários turísticos brasileiros, pode ser revertida
mediante a adoção de uma estrutura organizadora compatível com as características sociais
e cooperativas das comunidades tradicionais.

Redes, comunidades e ecoturismo.

Os princípios que norteiam o conceito de redes, bem como a sua arquitetura e função, se
configuram na estrutura ideal para viabilizar a organização da comunidade no processo de
administração do ecoturismo a partir de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável
(MARTINHO, 2004). Além disso, as exigências do ecoturismo por instalações pequenas
para meios de hospedagem e em conformidade com a cultura local, criam a oportunidade
para a implantação de um sistema de hospedagem familiar, exigindo poucos investimentos
adicionais e permitindo a inclusão de toda a comunidade, onde cada integrante pode
participar exercendo as mesmas funções que exerce no seu dia-a-dia, contribuindo com
seus serviços ou seus produtos, dentro de um processo cooperativo de ajuda mútua com
partilha justa dos rendimentos. A organização comunitária numa estrutura em rede
orientada aos princípios da sustentabilidade permite, ainda, o fortalecimento político local e

4
regional por meio do aumento de sua representatividade e força política na administração
pública (CASTELLS, 2003).
Um modelo assim definido produz uma forte dependência entre a conservação ambiental,
fortalecimento cultural, fortalecimento político e desenvolvimento sócio-econômico,
constituindo-se num instrumento eficaz para assegurar a prática do ecoturismo verdadeiro e
conduzir o processo de implementação do desenvolvimento sustentável.
O efeito auto-multiplicador de uma rede, assim definida, garante tanto a sua reprodução
estrutural, i.é., sua ampliação física e geográfica, como a difusão ideológica (Figura 1),
pois, sendo o ecoturismo uma modalidade turística fortemente caracterizada por seu aspecto
educacional, processa-se a sensibilização e a reaproximação do homem em relação ao
ambiente natural por meio da reconstrução de valores éticos vinculados ao bem-estar social
e à integridade ambiental. Como conseqüência desse processo, emerge a possibilidade
factível e necessária de trabalhar a re-orientação dos estilos de vida e consumo nas
sociedades urbano-industriais, uma vez que entende-se, de forma mais clara, serem, esses
fatores, importantes geradores da energia que impulsiona a dinâmica responsável pela
degradação ambiental e, conseqüentemente, de todos os outros efeitos que dela resultam
(HENDERSON, 2006; LATOUCHE, 2006; DALY, 2005; SACHS, 2002; FOLADORI,
2001; BARBIERI, 1996; CASTORIADIS; 1987).

5
Figura 1 – Representação esquemática do processo auto-reprodutivo de uma rede: 1. Introdução da noção de
redes numa localidade ecoturística; 2. Ativação da rede local; 3, 4 e 5. Estabelecimento e adensamento das
conexões – formação da rede; 6. Difusão ideológica por meio do ecoturismo; 7. Ativação de redes em outras
localidades; 8. Estabelecimento de conexões entre redes locais; 9. Propagação da rede local em direção à
esfera global.

Considerações finais

Ao contrário de outras estratégias pautadas na adoção de medidas puramente paliativas para


a solução de conflitos sócio-ambientais, as quais apenas protelam o colapso iminente da
sociedade moderna e amparam a manutenção do mesmo sistema produtor da crise mundial,
as soluções propostas neste trabalho procuram uma solução possível para o nó górdio
representado pela ideologia desenvolvimentista. Ao mesmo tempo, as soluções aqui
apresentadas se configuram numa contra-ofensiva ao processo de expansão e incorporação
ao capitalismo global, o qual entendemos ser a força motriz das mudanças globais sobre o
ambiente e sociedade, notadamente, as mudanças climáticas e o acirramento da pobreza

6
como efeito colateral do enriquecimento de grupos melhor posicionados dentro da política
econômica mundial.

Referências

ADAMS, W. M. Green development: environment and sustainability in the Third World.


New York: Chapman & Hall, Inc., 1992. 257p.

BARBIERI, E. Desenvolver ou preservar o ambiente? São Paulo: Ed. Cidade Nova, 1996.
62p.

BRANDON, K. Etapas básicas para incentivar a participação local em projetos de turismo


de natureza. In: LINDBERG, K.; HAWKINS, D. E. Ecoturismo: um guia para
planejamento e gestão. São Paulo: SENAC, 1995. 223-252 p.

CAPRA, F. As conexões ocultas: Ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Ed.
Cultrix, 2002. 296p.

CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Editora Paz e Terra S/A, 2003. 698p.
Volume 2.

CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto II: os domínios do homem. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1987. 466 p.

CASTROGIOVANNI, A. C. Turismo, ecoturismo e sustentabilidade: inquietações e


possibilidades. In: MOESCH, M. M. Um outro turismo é possível. Porto Alegre: Contexto,
2004. 106-110p.

7
CEBALLOS-LASCURÁIN, H. O ecoturismo como um fenômeno mundial. In:
LINDBERG, K.; HAWKINS, D. E. Ecoturismo: um guia para planejamento e gestão. São
Paulo: SENAC, 1995. 23-29p.

DALY, H. E. Sustentabilidade em um mundo lotado. Scientific American, ano 4, n. 41, p.


92-99. Outubro de 2005.
FOLADORI, G. Limites do Desenvolvimento Sustentável. Campinas – SP: Ed. UNICAMP/
Imprensa Oficial do Estado, 2001. 221p.

HENDERSON, H. Sociedade sustentável e desenvolvimento sustentável: limites e


possibilidades. Cadernos IHU idéias, São Leopoldo, ano 4, n. 58, 21p. 2006.

GRUPO DE TRABALHO INTERMINISTERIAL MMA-MICT-IBAMA-EMBRATUR


Diretrizes para a política nacional de ecoturismo. 1994, 18p. Disponível em
http://www.ecobrasil.org.br. Acesso em: 02 de maio de 2004.

INTERNATIONAL CONFERENCE ON CLIMATE CHANGE AND TOURISM, 1.,


2003, Djerba, Tunisia. Proceedings… Djerba: World Tourism Organisation, 2003.

KURZ, R. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da


economia mundial. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2004. 231p.

LATOUCHE, S. O decrescimento como condição de uma sociedade convivial. Cadernos


IHU idéias, São Leopoldo, ano 4, n. 56, 14p. 2006.

LEFF, E. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez Editora, 2000. 240p.

LUCHIARI, M. T. D. P. O lugar no mundo contemporâneo: turismo e urbanização em


Ubatuba – SP. 1999. 218 f. Tese de doutorado. Departamento de Sociologia do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
Campinas, SP.

8
MARTINHO, C. Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-
organização. Brasília, D.F., 2003. 91p. Disponível em http://www.wwf.org.br. Acesso em:
22 de abril de 2004.

SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond,


2002. 95p. Segunda edição.

WEARING, S.; NEIL, J. Ecoturismo: impactos, potencialidades e possibilidades. Barueri:


Editora Manole Ltda, 2001. 256p.

You might also like