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José Jacob Cabido

arquitecto, professor auxiliar da FAUTL


jacobcabido@fa.utl.pt
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O arquitecto... de salvador a testa-de-ferro

Num dos números anteriores da Artitextos, foi publicado um escrito meu em que
tecia críticas ao uso e abuso da teoria da arquitectura a desoras; quer por parte dos
arquitectos quer, sobretudo, pelos não arquitectos; neste domínio aberto a todos.
Surpreendentemente, as reacções de maior acrimónia vieram, não destes
últimos, o que até seria natural, mas de arquitectos. Dos verdadeiros, dos genuínos. É
claro que interpretei a bizarria pelo simples facto de a prosa ter tido uma escassa
audiência. Talvez apenas por aqueles a quem pedi o favor de uma opinião. Se outros
houvera que a tivessem lido e ter-me-ia colocado num sério aperto.
Na tentativa de apaziguamento dos espíritos que se sentiram pessoalmente
lesados, afirmei-lhes que se a reacção a uma crítica à teoria tinha levantava uma tal
celeuma, iria penitenciar-me. Por isso, como acto de contrição, registaria em próximo
rabisco a minha visão desencantada sobre a prática da arquitectura. Para ficar bem
com o diabo, iria afrontar os deuses.
A experiência anterior ensinou-me que estou, uma vez mais, a dar o passo maior
que a perna, pelo que deverei remeter-me desde já a uma atenta e prudente guarda.

Tal como a compra de clubes de futebol ingleses na bancarrota por valores


astronómicos, também a construção civil é hoje uma das maiores indústrias de
lavagem e branqueamento do dinheiro sujo. De norte a sul e de leste a oeste. Perto de
nós, mas numa escala incomparavelmente superior à nossa, está o exemplo acabado
das orlas mediterrânicas espanholas.

Diverte-me muito a insinuação que a hecatombe do subprime no imobiliário


americano e europeu, e de todos as outras fraudes ainda por vir à tona, foi coisa de
ineptos ou uma onda de súbita e irreprimível cupidez. Isso só colhe como nuvem de
fumo nos teatros de sombras chinesas que são os paraísos fiscais (offshores, para os
íntimos), quando se sabe que milhões ganharam com isso biliões.

Atribui-se a diatribe a fantoches, a anhos sacrificiais. Na verdade, não se


conhecem os rostos de quem realmente gere e manipula esta indústria de face, afinal,
tão benigna.
Nada que se pareça com a do armamento (que o digam as pombas brancas
da Suíça e Suécia). Nada que se pareça com a da droga (pobres dos miseráveis
agricultores colombianos e afegãos). Nada que se compare com a do tráfico de
carne humana (veja-se os rebanhos de escravos sexuais e casulos de órgãos mantidos
vivos, para transplantes no 1º mundo). Nada que se assemelhe aos programas
nucleares iraniano e norte coreano (atestam-no as hordas de esfomeados que os
financiam). Nada que se aproxime do programa espacial chinês, que enquanto
enviava três «chinonautas» a conhecer a órbita terrestre (não sei com os designar – os
americanos têm os astronautas e os russos, cosmonautas), cá em baixo andavam eles
a envenenar com leite e chocolates, milhões de crianças. As suas e as dos outros.

Não, definitivamente a indústria da construção civil é actividade séria e


respeitável. E o arquitecto recomenda-se!
Só que para os arquitectos, talvez o toque de finados que está a ditar o declínio
e o prenúncio do fim histórico da corporação, tal como a conhecemos, tenha soado
no primeiro quartel de oitocentos com a alteração, irreversível, daquele que tinha sido
até então o seu “cliente tradicional”.
É consabido que, dada a natureza do nosso trabalho, sempre estivemos reféns
do poder. De todo e de qualquer poder, desde que determinado em afirmar-se na
pedra para todo o sempre.
Estamos tão presos ao poder, que chegámos a fazer parte dele. O clímax da
dádiva total à profissão pelo sacrifício da própria vida, chega-nos dos antigos
«colegas» egípcios, que eram executados no final das obras, sanando-se assim a
tentação de virem a revelar os segredos – pensava-se que sobrenaturais – de que
seriam detentores. Grandes e valentes profissionais ou pios e ingénuos crentes, que
anteviam a glória chegar-lhes no outro mundo... mesmo se continuassem ao serviço
de quem, em vida, lhe tinha mandado esvaziar o cérebro, depois da imolação.
A subalternidade sempre se carregou até à cova. O que nunca ficou
estabelecido com rigor é se aceitavam as empreitadas de livre vontade, ou se eram
coagidos pela supressão imediata do futuro, caso recusassem a honraria. Tenho para
mim, que valerá mais esta segunda hipótese.
Certo é que com mais ou menos tragédias, com mais ou menos glórias para as
equilibrar, somos profissionais do poder.

Até à moderna idade, esse poder foi exercido, com excepções episódicas,
pelos príncipes militares e/ou religiosos e, numa fase tardia por alguns poucos que se
anteciparam às eras, como capitalistas avant la lêtre. Foram estes governantes que,
entre si, estabeleceram o «mecenato competitivo». Esta invenção notável trouxe o
sossego, a estabilidade e, porque não reconhecê-lo, a fama e o proveito, a que
finalmente começaram a aceder os maiores de entre os grão mestres. Parecia ter sido
encontrada, finalmente, a fórmula alquímica da ventura institucional da profissão, por
que tinham penado todas as anteriores gerações de construtores.

Seria sol de pouca dura. Eis que chega a 1ª Revolução Industrial, junto com o
fumo negro do carvão e o apito do relógio da fábrica.
O arquitecto, ainda pouco dado a essas modernices, embatuca e deixa livre o
caminho da arquitectura civil até – imagine-se – a uns filantropos e alguns higienistas;
mantendo-se encostado à antiga aristocracia, que presumia capaz de voltar a
retomar as rédeas dos acontecimentos. Não demorou muito, todavia, a constatar a
evidência: – o seu novo senhor provinha de uma outra estirpe, em que as linhagens
eram ditadas, já não pelo berço nem pela dízima, mas pelo sucesso no comércio e
pelos lucros das aplicações bancárias. Mais, o número potencial dos seus novos
clientes era desconcertante.
Entre os finais de oitocentos e o início de novecentos, o arquitecto tinha-se
ideologicamente reciclado quanto aos interesses, motivações e idiossincrasias dos
novos patrões. Quem agora detinha o poder era a alta burguesia industrial, mercantil
e financeira que promovia, não mais o palácio ou a catedral..., mas cidades inteiras.
Magnífico. Começou a dar-se a multiplicação dos pães entre os arquitectos. Onde
até então não tinha sido necessário mais que apenas alguns, deram em desabrochar,
só não digo de «geração espontânea», porque as academias e os exércitos os
puderam suprir em quantidade.
Era chic ser-se arquitecto! — Então, como agora.

A disseminação das ideias socialistas no século XIX e os morticínios da Grande


Guerra, contiveram o diletantismo desta personagem. Era chegado o tempo de se
dedicar à obra da depuração científica da arquitectura.

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Estabelece-se uma gramática, selecciona-se o material e a tecnologia
construtiva, define-se o destinatário – um certo homem novo – e, por pragmatismo,
seleccionam-se as «cabeças de cartaz» que dão corpo ao novo arquitecto, que
conduzirá as massas à felicidade e prosperidade, só possíveis nas “urbanidades” que
estavam a ser inventadas por esse mundo.
Foi o período heróico do arquitecto/salvador. Os patrões destes visionários
estimavam-nos e para os manter em bom recato, de quando em vez, permitiam-lhes
que construíssem alguma coisa. Era um júbilo – por cada esboço nascia uma obra-
prima e de cada traçado, uma proposta de cidade ideal.

A guerra seguinte, a maior de todas [até agora], haveria de trazer novas e


inesperadas oportunidades. A razia foi tão completa, que tudo ficou por fazer e tudo
se pôde fazer. A urgência, o descontrolo e a impunidade de que beneficiaram os
agentes, resultaram na vertigem de uma reconstrução assente na ausência total de
conhecimento e previsão, de que as metástases que estão agora a destruir a
civilização ocidental – já em estado de pré-guerra civil urbana – são as directas e
iniludíveis consequências.

Dir-se-á que tudo é culpa do poder, mas os arquitectos e urbanistas que


estiveram nisto desde o princípio e na primeira linha, sabiam bem que serviam más
políticas e piores políticos. Lembremos o que aconteceu para lá da cortina de ferro,
com os arquitectos do «proletariado» a projectarem casas, edifícios e cidades, que só
conseguiram promover o alcoolismo crónico e endémico. Será por isso que, ao
contrário dos antigos e esforçados arquitectos egípcios, os de agora recusam, exigem
mesmo, não ficar «enterrados» em tais mausoléus. Pudera.
Mas a História há-de sempre bater-nos à porta para o acerto de contas.

Os patrões dos arquitectos são ainda os mesmos de há cem anos. Mais


confortados e robustecidos, porque ao colo de uma risível democracia, que apenas
concebo como rasa oclocracia.
O exercício da prática profissional funda-se, actualmente, na afirmação do
poder particular assente, ou no esmagamento de outro particular ou, pior, da
obliteração do interesse colectivo, por via da relação privilegiada entre a política e o
capital. Acresce que o arquitecto ocupa os dois lados do binómio; o de projectista –
no campo privado, e o de técnico decisor – nas instâncias públicas. E é esta dupla
face, que inviabiliza qualquer hipótese de inocentar a classe.

Faço testemunho de parte um diálogo travado há alguns anos, por debaixo da


latada de um tasquito algarvio, com um velho amigo e querido colega. À pergunta
sobre o que tinha ele andado a fazer agarrado ao estirador durante os últimos 30
anos, olhou-me fundo nos olhos e declarou: “a ajudar a dar cabo do que resta...”
Carrego comigo o amargo de, por não saber que seria aquele o nosso último
medronho, não ter tido a oportunidade de lhe pedir desculpa pela inconveniência da
pergunta.

O arquitecto que é bem sucedido hoje, dilui-se como sócio minoritário em


mega escritórios, ao qual o maioritário dá o nome e a cara, assegurando o marketing
operacional necessário ao sucesso empresarial do grupo. Os pequenos e médios
ateliers extinguiram-se com os dinossáurios da profissão, tentando remar contra esta
maré.
Ao mais alto nível de intervenção não somos hoje, urge confessá-lo, mais do
que testas-de-ferro de quaisquer uns que com dinheiro por desinfectar, entendam

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fazer o que quiserem, onde quiserem, contornando o que fôr preciso e anulando
quem se intrometer.
A nossa assinatura, que já foi sagrada, está ligada a incontáveis iniquidades
arquitectónicas e urbanísticas, que nos envergonham.
Tentamos disfarçá-las: na arquitectura, pelo surrealismo psicadélico dos
projectos; no urbanismo, pela paulatina e sobranceira destruição dos habitats, na
forma e na lógica de grandes traçados.

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Peço licença para alterar o rumo do tema, pois o evento levado a cabo no
último dia 8 de Outubro na FA, em que a Escola parou para reflectir sobre o Processo
de Bolonha, merece mais a atenção.
Dado não me ter sido possível participar nesses trabalhos e por entender que
uma publicação da faculdade pode, e deve, ser o veículo de transmissão e discussão
destas matérias, creio ser legítimo registar a opinião pessoal, sobre o que considero ser
um prego mais no caixão da formação do arquitecto, já de si muito depauperada.

Comecei por verificar a irónica coincidência entre o debate e o momento de


estupor generalizado que se vivia, assistindo-se ao descalabro do sistema económico
e financeiro mundial. Eu, que sou um ignorante do assunto, inventei para mim uma
razão muito simples. Tudo aconteceu, porque tinha de acontecer. Porque os
especuladores internacionais tinham decidido lucrar com a riqueza do mundo que,
diziam, ser 10, 100, 1 000, ... vezes superior à que é real, e nesses dias a verdade (que
não apenas a do Eça) ficou nua. Mas ao contrário desta, aquela não é nada bonita.
Os inventores da globalização ficaram expostos e a sua lógica desmascarada.
Quando os ventos sopram de feição, a globalização serve aos que mandam nela;
quando os ventos crescem para furacões, os que mandam na globalização zurram
que é tempo de ser cada um por si!

Vem isto a propósito para recordar que a Declaração de Bolonha não é mais
do que a tentativa de «globalização» do ensino superior no espaço europeu.
Por rigor e prestando-lhes homenagem, é forçoso reavivar a memória e
relembrar que, na sua génese, Bolonha foi um genuíno e generoso movimento
encabeçado por distintos académicos, que esboçaram o quadro de articulação em
rede de algumas universidades europeias. Seria a trave mestra de um sistema que, de
forma segura e consistente, se alargaria com a adesão de novas escolas que
aceitassem integrá-lo, por via da harmonização protocolada das respectivas
organizações internas. Tudo dentro do princípio sacrossanto da «autonomia
universitária», consagrado entre povos civilizados. — Era isto o que estava no espírito
dos seus primeiros mentores.
Evidenciada a justeza do princípio, os governantes viram neste esquema o
pretexto e a oportunidade de se imiscuírem no assunto e resolverem alguns problemas
delicados que tinham entre mãos, como o financiamento público das universidades.
A partir daí, o destino de Bolonha ficou traçado. A guarda parental do processo
foi retirada aos legítimos progenitores e entregue aos... experts!

[Abro aqui um parêntesis dedicado a esta casta de que cultivo o maior resguardo, já
que não são mais do que os “comissários políticos” do poder, nas instituições. Como agentes
infiltrados e em estado letárgico, são periodicamente acordados, estimulados e postos ao
serviço das chefias, sempre de olho num convite para as cíclicas «danças das cadeiras». – As
universidades estão pejadas deles.]

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Foi esta “expertise” que acabou a conduzir o processo de Bolonha até onde ele
nos trouxe.
O que me deixa estarrecido, é como um processo tão profundo, uma tal
alteração nos métodos e nas práticas universitárias (que já não eram as melhores),
que coloca uma tão grande pressão e responsabilidade sobre o aluno, foi decretado
e será implementado como se para trás não houvesse nada. Como se antes da
universidade não estivesse um secundário moribundo.
Não existindo qualquer articulação entre os dois ministérios que superintendem
estes ensinos, criou-se um projecto virtual de reforma. Como se fosse possível redefinir,
redesenhar o ensino superior, sem acautelar e certificar previamente, o sucesso dos
níveis de aprendizagem anteriores.
Conhecem-se os frutos da miopia e ligeireza das políticas que tornaram a
“avaliação de conhecimentos” e as “estatísticas do sucesso escolar”, desde a primária
até ao fim do secundário, um exercício que só não incomoda o Ministério, mas que
envergonha todos os interessados – professores e alunos (os pais há muito que se
demitiram das suas responsabilidades).
Pois, a primeira consequência da implementação do Processo de Bolonha será
a mais do que certa contaminação do ensino superior por aquelas desgraças. A
redução do nível de exigência na Universidade, ao contrário daquilo que se pretende
fazer crer e a despeito do esforço, da vontade e da diligência dos professores, vai ser
uma inevitabilidade.

Todas as reformas estão por fazer, mas começar por onde se começou é
inexplicável e inaceitável. Presumir, também, que o estado da universidade
portuguesa pré-Bolonha é bom, é esquecer que ela não é mais do que o reflexo da
situação geral do país. A necessidade de repensar os modelos de funcionamento de
todos os sistemas estruturantes da sociedade – neste caso o da educação e formação
avançada – não só é necessário, como já vem tarde.
Este regime parece ainda não ter percebido, que não conseguirá acomodar
por muito mais tempo outros insucessos.

Mas afinal, o que é isto de Bolonha?


Não tendo os tais experts engenho para melhor, não é mais do que o sistema
anglo-saxónico travestido do inocente nome latino. Se me fosse permitido, proibia já a
associação de nomes de cidades honestas a estes devaneios. Que o diga Lisboa e o
Tratado de que já ninguém quer falar.
Esta «bolonhice» é o bom e velho sistema de Oxford e Cambridge, massificado,
sem pedigree e sem os seus custos. Ou melhor, sobre os custos se falará lá mais para
diante, pois o que está no recôndito daqueles cerebelos é a empresarialização das
universidades. Não dos institutos superiores ou das escolas politécnicas, note-se. Das
universidades. Tenho a certeza que as mentes brilhantes que nos têm guiado ao céu
vai para 35 anos, nunca entenderam, sequer, quais as diferenças existentes nos
vértices deste triângulo.

Aviso prévio: se não formos capazes de nos adaptarmos a Bolonha, vêem aí uns
papões – na dupla acepção da palavra – e, zás, engolem-nos, digerem-nos e
expelem-nos.
Argumentos: unificação das estruturas curriculares, comparabilidade, livre
circulação de alunos e professores, competitividade, formação para a vida, etc., etc.;
tudo coisas a subscrever de cruz e, finalmente eis que chega ela, a grande, a
enormíssima, a simplesmente “investigação”.

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Entro em assunto grave. Devo, pois, medir bem as palavras com que me vou
expressar. — NÃO SEI O QUE É ISSO DE “INVESTIGAÇÃO EM ARQUITECTURA”, NEM
ADMITO QUE NÃO ARQUITECTOS CONTINUEM A INSISTIR EM IMPINGIR-ME O QUE TAL
POSSA SER. QUANTO AOS ARQUITECTOS, AGUARDO ANSIOSO PELA DISCUSSÃO.

Será coincidência, certamente, mas muitos daqueles que mais vejo clamarem
pela «investigação», são os de quem menos se conhece a obra. A obra de
arquitectura construída, entenda-se; não os papers, artigos e projectos virtuais.

Nas ciências e nas tecnologias, a investigação publicada e divulgada entre


pares, estabelece níveis de desempenho cada vez mais elevados e complexos, que
são testados e percorridos por todos aqueles que virão a contribuir com novas
descobertas o que, por sua vez, ajudará a colocar essa ciência e/ou tecnologia em
patamar sucessivamente mais alto. É assim desde a pedra lascada.

Referi, especificamente, a investigação publicada e divulgada.


Espero ainda um dia ver uma proposta séria de doutoramento, que se atreva a
avaliar e determinar “cientificamente”, qual o verdadeiro impacto na ARQUITECTURA,
da investigação que se faz e publica em arquitectura?
Quem dela toma conhecimento e quem beneficia, melhorando a sua
prestação como aluno, investigador ou arquitecto? Por quem, onde e porquê se
publica essa investigação? Estará para além da obrigação contratualizada pelo
complemento orçamental e de financiamento de um projecto? Ou vincula-se no
compromisso de apresentação a provas públicas académicas?
Quanta dessa publicação é, realmente, pertinente para o ESTADO DA ARTE?

Estas são perguntas, talvez incómodas, mas que se devem começar a fazer,
porque de há muito que toleramos ser bitolados por parâmetros que nos são
estranhos. É tempo de reagirmos por convicções, sem receio dos tais experts. Ainda
que eles andem muito por aí.

Passemos agora à divulgação da investigação, que é a componente lúdica do


trabalho do investigador.
O arquitecto tem dois defeitos que projecta como virtudes: é vaidoso e
palavroso (temo que já tenha escrito demais), e é neles que assenta o processo de
divulgação da sua investigação. De preferência como convidado. Muito convidado.
Uma boa rede de contactos pessoais, sociais e profissionais, é imprescindível.
Depois começa o jogo, que ninguém reconhece, o do «agora convidas-me tu para eu
ir à tua universidade, depois convido-te eu para vires tu à minha. Ah, e não te
esqueças – quando vieres traz um amigo também, que eu prometo-te retribuir em
dobro, combinado? Já agora e porque estamos a falar nisso e aqui ninguém nos ouve,
o meu orientador estrangeiro, excelente e interessante pessoa, que perdeu tanto
tempo comigo ao e-mail, não pode ser convidado também? É que de uma penada
resolvo dois problemas: o dele e o meu».

Entretanto, com tanta divulgação, tantas amizades, tanto convite e tantas


ausências, os alunos arriscam-se a ficar sem os professores/investigadores, porque
quase sempre equiparados a bolseiros. E a Escola exulta: somos finalmente
reconhecidos para além da Ajuda. Os estudantes é que ficarão sem a dita, entregues
a monitores e assistentes, seja lá qual fôr o grau que estes tiverem.
Mas como Bolonha veio promover a fácil circulação, o verdadeiro must será ver
no futuro os alunos a calcorrear a Europa, na peugada do seu professor predilecto.

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Há uma frase que começou por ser soprada há tempos por uns bem pensantes
e que é hoje debitada a torto e a direito por qualquer tolo, que diz que “a crise é uma
janela de oportunidades.” Não sei porquê, mas sempre que a oiço revejo aqueles
programas da Natureza que passam na TV, em que os super predadores – sem
alienarem nada da portentosa aura – seleccionam apenas os muito novos, os muito
velhos, ou os muito doentes, para suas presas de comezaina. Pois é... a crise é sempre
uma janela de oportunidades. — Então não há-de ser?
Prefiro outra, honestamente radical e afirmar que a humanidade está
multiplicada (no mínimo), por dois e que se metade dela se eclipsasse agora mesmo,
num piscar de olhos, não viria daí mal nenhum à espécie. Isto, desde que a família, os
amigos, eu e o leitor destas linhas, estivéssemos todos na metade sobreviva, claro está.

Poupando à tutela eventuais diligências na averiguação do que, afinal, andarei


eu aqui a fazer, devo manifestar que me sinto plenamente capaz e habilitado a
trabalhar com qualquer formato que me seja imposto. Simplesmente com este, receio
um maior insucesso e uma imensa frustração no horizonte; que antevejo como
inevitáveis, na situação actual e com estas condições objectivas.
Só não receio opinar contra a corrente, fazendo votos fervorosos de que possa
ser eu a estar profundamente errado. É que tenho boas razões para querer apostar
forte contra mim: duas filhas para cobaias desta reforma.
Mais uma reforma! Mais um falhanço?

Pela primeira vez, apetece-me subscrever a tal frase asnática: e se nós


aproveitássemos a crise para deixarmos cair este Processo de Bolonha?

p.s. – Tive um vislumbre do que poderá ser, afinal, a “investigação” em arquitectura: é


praticá-la. – Ética e civicamente.

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