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PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE


PROCURADORIA-GERAL DO MUNICÍPIO
Coordenação Jurídica de Assuntos Legislativos

Parecer nº : 1084/2003
Processo nº :
Requerente : GABINETE DE PLANEJAMENTO – GAPLAN
Assunto : Análise Jurídica do PLE - Orçamento Consolidado

EMENTA:

DIREITO ORÇAMENTÁRIO E CONSTITUCIONAL.


PROJETO DE LEI DE ORIGEM NO EXECUTIVO,
que estabelece a consolidação do orçamento
público municipal, estima a Receita e fixa a
Despesa do Município de Porto Alegre para o
exercício financeiro de 2004. Análise dos
dispositivos constitucionais e orgânicos, além
dos princípios que informam a instituição
orçamentária, e sua compatibilização com o
princípio fundamental da supremacia da
Constituição, a afastar incompletudes no plano
infraconstitucional. Exegese das Emendas
Constitucionais e legislação anterior.
Inconstitucionalidade Superveniente e revogação
das normas incompatíveis com o novo texto
constitucional.

Vem a esta Coordenação Jurídica de Assuntos


Legislativos – CJAL/PGM, aos cuidados do procurador signatário, solicitação de
análise jurídica prévia sobre minuta de Projeto de Lei, de origem no Executivo,
que “estima a Receita e fixa a Despesa do Município de Porto Alegre para o
exercício financeiro de 2004”. Basicamente, pretende o GAPLAN – órgão
formulador da consulta a esta PGM – verificar a compatibilização da obrigação
constitucionalmente assegurada de o Executivo Municipal consolidar as receitas
e despesas da Administração Direta e Indireta (DMAE, DEMHAB, DMLU, FASC
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e PREVIMPA) numa só lei, bem como demonstrar que este orçamento


consolidado não acarretará aumento de despesas.

No entendimento do GAPLAN, os órgãos da


Administração Indireta serão consignados na Lei Orçamentária Anual como
Unidades Administrativas, resguardando-se, outrossim, a autonomia
orçamentária desses órgãos, uma vez que a execução da despesa e da receita
continuará sendo específica de cada unidade e, posteriormente, consolidada
nos balancetes mensais e balanços anuais.

Antes de adentrarmos nos aspectos jurídico-


constitucionais relevantes a afastar, de plano, as inconcretudes e
inconsistências no trato da matéria, convém traçar algumas linhas
esclarecedoras a respeito do que, efetivamente, trata o chamado “orçamento
consolidado”. O orçamento é um dos mais antigos e tradicionais instrumentos
utilizados na gestão dos negócios públicos. Foi concebido inicialmente como um
mecanismo eficaz de controle político dos órgãos de representação sobre os
Executivos, e sofreu, ao longo do tempo, mudanças no plano conceitual e
técnico para acompanhar a própria evolução das funções do Estado. No Estado
liberal preponderava o aspecto jurídico do orçamento, cujos princípios, regras e
o próprio formato legal visavam dar à peça orçamentária maior força e eficácia.
Naquela fase de finanças neutras e equilibradas, o aspecto econômico do
orçamento não assumia maior significação. O Estado Moderno, às voltas com
encargos sempre crescentes, obrigou-se a incorporar formas avançadas de
organização e gerência. Tal contexto reservou ao orçamento papéis mais
complexos na área administrativa, particularmente como veículo da
programação de trabalho do governo, que liga funções decisórias, executivas,
de gestão financeira e de controle. Para tanto, a técnica e a linguagem
orçamentária sofreram significativas mudanças. A par de sua funcionalidade
administrativa, o orçamento moderno tem enorme importância econômica, haja
vista o peso que as despesas públicas têm na formação da renda de
praticamente todos os entes da federação.
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Desde seus primórdios, a instituição orçamentária foi


cercada de uma série de regras com a finalidade de aumentar-lhe a consistência
no cumprimento de sua principal finalidade: auxiliar o controle parlamentar sobre
os Executivos. Essas regras – princípios – receberam grande ênfase na fase em
que os orçamentos possuíam forte conotação jurídica e, alguns deles, chegaram
até hoje incorporados à matriz constitucional e legislação infraconstitucional. Os
princípios orçamentários, ao longo do tempo, não têm merecido aprovação
unânime. Jesse Burkhead, coerente com a tradição anglo-saxônica de minimizar
as questões formais do orçamento ao contrário dos tratadistas de origem latina,
interpreta assim a atualidade dos princípios:

“Estes princípios podem ser úteis como


meio de se estudar alguns aspectos do
processo orçamentário. Se considerarmos,
todavia, como mandamentos, são
completamente irreais. Os governos com
excelentes sistemas orçamentários violam
essas regras com bastante freqüência.”1

Para Sebastião de Sant’Anna e Silva, “esses


princípios não têm caráter absoluto ou dogmático, antes constituem categorias
históricas e, como tais, estão sujeitos a transformações e a modificações em
seu conceito e significação.” 2
Afora aqueles que perderam muito da sua
significação, a maioria dos princípios tradicionais continua apresentando
utilidade conceitual. Suas formulações originais, rígidas e simples, próprias da
pouca complexidade que caracterizava as finanças públicas do Estado Liberal, é
que não conseguem atender a todas as nuances do universo econômico-
financeiro do Estado Moderno. Prova disso são os dispositivos constitucionais
que estabelecem o princípio e, logo a seguir, as exceções ao mesmo.

1
BURKHEAD, Jesse. Orçamento público. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio
Vargas, 1971, p.140.
2
SILVA, Sebastião de Sant’Anna e. Os Princípios Orçamentários. Rio de
Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1962, p. 05.
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No tocante às bases jurídico-axiológicas para a


consolidação das leis orçamentárias anuais em uma só lei – PRINCÍPIO DA
UNIDADE, temos que o artigo 165, § 5º, inciso I, da Constituição Federal assim
dispõe, verbis:

“Artigo 165. Leis de iniciativa do Poder


Executivo estabelecerão:
(.....)
§ 5º A lei orçamentária anual
compreenderá:
I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da
União, seus fundos, órgãos e entidades da
administração direta e indireta, inclusive
fundações instituídas e mantidas pelo Poder
Público;”

Já a Portaria Interministerial nº 163, de 04 de maio de


2001, que dispõe sobre normas gerais de consolidação das Contas Públicas no
âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, evidencia a
necessidade de unificação das leis orçamentárias em um só instrumento, uma
vez que determina a supressão das transferências intragovernamentais do
elenco de contas da classificação orçamentária. Não há, portanto, sem tal
consolidação, como registrar orçamentariamente os repasses da Administração
Direta para a Indireta e vice-versa.

Na expressão mais simples desse princípio, o


orçamento deve ser uno, isto é, cada unidade governamental deve possuir
apenas um orçamento. Segundo Milatchitch, “unidade orçamentária tende a
reunir em um único total todas as receitas do Estado, de um lado, e todas as
despesas, de outro.”3 Os autores clássicos iam mais longe ao recomendarem
que, ao lado da unificação do documento orçamentário, houvesse também a
unidade de caixa, por onde passariam todos os recursos manipulados pelo
governo. Essa combinação de princípios tornava o controle parlamentar

3
MILATCHITCH, Stevan apud SILVA, S. Sant’Anna e. Os princípios
Orçamentários, p. 19.
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altamente eficaz. Com a descentralização do aparelho estatal, tornou-se


comum a prática dos orçamentos paralelos, onde o princípio da unidade,
configurado no artigo 165, § 5º, inciso I, da CF/88, representou a “crise”
vivenciada pelos princípios orçamentários em face da evolução do papel dos
orçamentos públicos.

Sepultado o ideal clássico da unidade orçamentária,


a doutrina tratou de reconceituar o princípio de forma que abrangesse novas
situações. Surgiu, assim, o princípio da TOTALIDADE, que possibilitava a
coexistência de múltiplos orçamentos que, no entanto, devem sofrer
consolidação de forma que permita ao governo uma visão geral do conjunto das
finanças públicas.

Hodiernamente, com a disciplina dada pela Portaria


Interministerial nº 163, fica clara a necessidade de consolidação dos
orçamentos paralelos da Administração Direta e Indireta, uma vez que os
orçamentos das entidades auto-suficientes deverão aparecer consolidados ao
orçamento geral. Cabe salientar que a inclusão, na lei orçamentária anual, da
despesa e da receita dos órgãos da administração indireta será feita em
dotações globais, de forma a não lhes prejudicar a autonomia na gestão legal
dos seus recursos próprios. Isto garante a necessária flexibilidade, pois as
receitas e despesas próprias da entidade autárquica somente aparecerão
globalmente agregadas ao orçamento geral, no espírito, aliás, do princípio do
totalidade.

Outro questionamento ventilado na manifestação


prévia do GAPLAN a respeito do assunto, tem sido sobre o princípio
orçamentário geral da não-afetação das receitas, traduzido
constitucionalmente pelo artigo 167, inciso IV, da Carta Magna, que assim reza:

“Art. 167. São vedados:


(.....)
“IV – a vinculação de receita de impostos a
órgão, fundação ou despesa, ressalvados a
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repartição do produto da arrecadação dos


impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a
destinação de recursos para as ações e serviços
públicos de saúde e para manutenção e
desenvolvimento do ensino, como determinado,
respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, e 212,
e a prestação de garantias às operações de
crédito por antecipação de receita, previstos
no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º
deste artigo; (inciso IV alterado pela EC nº
29, de 13.9.00)

Esse princípio é, sinteticamente, assim definido por


Sant’Anna e Silva: “nenhuma parcela da receita geral poderá ser reservada ou
comprometida para atender a certos e determinados gastos.”4A observância do
princípio sempre foi problemática, mesmo se tendo em conta que recursos
excessivamente vinculados são sinônimos de dificuldades, pois podem
significar sobra em programas de menor importância e falta em outros de maior
prioridade. A afetação de receitas, como bem salientado na manifestação do
Gabinete de Planejamento, tem sua dificuldade acentuada, no âmbito local,
pelo conflito aparente de normas que disciplinam as exceções constitucionais
ao princípio da não-afetação das receitas: manutenção e desenvolvimento do
ensino, ações e serviços públicos de saúde e Poder Legislativo Municipal.
No respeitante aos percentuais de vinculação da
receita de impostos para a manutenção e desenvolvimento do ensino, andou
bem o GAPLAN ao asseverar que a vinculação disciplinada pelo artigo 183 da
Lei Orgânica do Município de Porto Alegre em nada compromete a simetria
delineada pelo que reza o artigo 212 da Constituição Federal, uma vez que (i)
tratam-se de percentuais mínimos de vinculação da receita orçamentária
provenientes de impostos, nela compreendida a proveniente de transferências
da União e do Estado, na manutenção e desenvolvimento do ensino público
municipal, e (ii) não há nenhuma incompatibilidade com a adoção do orçamento
consolidado, uma vez que a receita vinculada está adstrita àquela
proveniente de impostos, que não estão presentes no orçamento de receita
da Administração Indireta.
4
SILVA, S. Sant’ANNA e. Op. cit., p. 26.
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Já com relação à vinculação de percentuais sobre a


receita a serem destinados para as ações e serviços públicos de saúde,
observamos a necessidade de enfeixar, no bojo dos lineamentos constitucionais
e orgânicos que norteiam o assunto, um entendimento que objetive preservar a
higidez do ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, convém, de plano,
analisar os preceitos constitucionais e orgânicos que disciplinam a afetação da
receita para aplicação na saúde, além do já citado inciso IV do art. 167 da
CF/88:

“Art. 198. As ações e serviços públicos de


saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único,
organizado de acordo com as seguintes
diretrizes:
(....)
“§ 2º - A União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações
e serviços públicos de saúde recursos mínimos
derivados da aplicação de percentuais
calculados sobre:
(....)
III – no caso dos Municípios e do Distrito
Federal, o produto da arrecadação dos impostos
a que se refere o art. 156 e dos recursos de
que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea
b e § 3º.

Como anotado pelo GAPLAN, a vinculação de um


percentual sobre a receita para aplicação foi fixada por meio da EC nº 29/2000,
que alterou o artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT), assim redigido:

“Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004,


os recursos mínimos aplicados nas ações e
serviços públicos de saúde serão equivalentes:
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(....)
III – no caso dos Municípios e do Distrito
Federal, quinze por cento do produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o
artigo 156 e dos recursos de que tratam os
arts. 158 e 159, inciso I, alínea b, e § 3º.”

Observe-se que o percentual incidente sobre a


receita auferida, para destinação às ações e serviços públicos de saúde,
refere-se aos impostos municipais (IPTU, ITBI e ISSQN) e aos recursos
oriundos das transferências de IR, ITR, ICMS, FPM, etc, aos Municípios.
Obviamente, a matriz constitucional aqui explicitada vai de encontro ao
disciplinado pelo artigo 164, § 2º, da LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO,
verbis:

“Art. 164 – O Sistema Único de Saúde, no âmbito


do Município, será financiado com recursos
orçamentários do Município, do Estado, da
União, da seguridade social, além dos
provenientes de outras fontes.
(....)
“§ 2º- O montante das despesas com saúde não
será inferior a treze por cento das despesas
globais do orçamento anual do Município,
excluídas do cálculo as transferências da União
e do Estado referentes ao Sistema Único de
Saúde.”

A questão é saber se, efetivamente, está o comando


definido no dispositivo da Lei Orgânica revogado pela EC nº 29/00, ou não,
considerando que não há, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade,
declaração judicial transitada em julgado retirando o indigitado § 2º do artigo 164
da LOM do ordenamento jurídico nacional. Nesse sentido, torna-se relevante o
tipo de olhar jurídico incidente sobre a Constituição, sua compreensão como
norma e, por conseguinte, como norma fundamental. Essa concepção
normativa permite ampla margem de atuação para o operador do direito que,
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ultrapassando os métodos clássicos de interpretação, desenvolverá uma


metódica concretista (não há interpretação sem problemas concretos a resolver)
que deve transitar entre a norma e o problema concreto a resolver. Para tanto, o
reconhecimento do escalonamento hierárquico das normas jurídicas e, ato
contínuo, a compreensão da Constituição como Lei Fundamental implica, não
apenas o reconhecimento de sua supremacia na ordem jurídica, mas,
igualmente, a existência de mecanismos suficientes para garantir juridicamente
apontada qualidade. A supremacia, diga-se logo, não exige apenas a
compatibilidade formal do direito infraconstitucional com os comandos maiores
definidores do modo de produção das normas jurídicas, mas também a
observância de sua dimensão material. É ordem fundamental, eis que reside em
posição de supremacia. É, ademais, ordem material porque, além de
normas, contém uma ordem de valores: o conteúdo do direito, que não
pode ser desatendido pela regulação infraconstitucional. Cumpre concordar
com Hesse: a Constituição “a) determina os princípios directores (Leitprinzipien)
segundo os quais se deve formar a ‘unidade política’ e prosseguir a actividade
estatal; b) regula o processo da solução dos conflitos dentro da comunidade; c)
ordena a organização e o processo de formação da unidade política e da
actuação estadual; e d) cria os fundamentos e normativiza os princípios da
ordem jurídica global”5 . Mas para cumprir essas funções, sem risco de quebra
de seus postulados, precisa ser compreendida com norma e como lei
fundamental.

Posto inicialmente o entendimento de que a Carta


Magna é lei fundamental, o que implica a aceitação de sua primazia e a
consciência da necessidade de garantia dos seus princípios e preceitos, temos
que o principal mecanismo de defesa ou de garantia da Constituição consiste na
fiscalização da constitucionalidade, fiscalização essa que somente ocorre
porque a própria Constituição atribui, expressamente, competência a um ou
mais órgãos para exercitá-la. Esse órgão pode tanto exercer função jurisdicional,
como política; tanto pode, no primeiro caso, integrar a estrutura do Judiciário,
como residir fora dele. Importante é que promova a fiscalização da
5
Konrad Hesse, A força normativa da Constituição, Trad. Gilmar Ferreira
Mendes, Porto Alegre, Fabris, 1991, p. 15.
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constitucionalidade dos atos normativos do Poder Público, censurando aqueles


violadores de preceitos ou princípios constitucionais.

Convém, portanto, precisar o tipo de


inconstitucionalidade que estamos tratando no caso concreto e oferecer um
panorama a respeito dos mecanismos de garantia da supremacia da
Constituição. Com relação ao comando contido no dispositivo do artigo 164, §
2º, da Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, em face da Emenda
Constitucional nº 29/00, podemos dizer que, desde a ótica dos efeitos da
reforma constitucional sobre normas anteriores, (i) a alteração da regra
constitucional dispondo sobre competência ou procedimento não implica a
inconstitucionalidade formal superveniente da norma anterior (não há, pois, em
princípio, lugar para a inconstitucionalidade formal superveniente); e (ii) ao
reverso, havendo alteração, em virtude de reforma constitucional (decorrente de
emenda ou revisão), no conteúdo da Constituição, todas as normas anteriores
incompatíveis com o novo conteúdo, embora até o momento da reforma
estivessem em perfeita harmonia com a Constituição, são automaticamente
atingidas pela inconstitucionalidade material superveniente.

O artigo 164, § 2º, da LOM, é claramente


incompatível com o novo conteúdo da Constituição Federal, trazido pela
Emenda Constitucional nº 29/2000, enquadrando-se no fenômeno da
inconstitucionalidade superveniente, pois o ato, que era constitucional no
momento de sua edição, deixa de sê-lo em virtude de reforma constitucional,
diante de renovada interpretação do dispositivo constitucional. No Brasil, a
alteração da norma constitucional, decorrente de reforma constitucional
(emenda ou revisão) ou de promulgação de nova Carta, implicará, segundo
entendimento do Excelso Pretório, não a inconstitucionalidade superveniente
da lei (material ou formal), mas sim a sua revogação. Nem por isso, no nosso
entendimento, seria uma eventual declaração de inconstitucionalidade do § 2º
do artigo 164 da LOM de todo inútil, apesar de considerá-lo, segundo a melhor
doutrina, plenamente revogado pela EC 29/00, pois, mesmo que não se altere
o destino da norma de direito anterior, pelo menos, se desempenharia um
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importantíssimo papel de clarificação jurídica, de acertamento dentro do sistema


e na vida política e social do Município.

Por derradeiro, cabe traçar algumas considerações a


respeito da vinculação de receitas para o Poder Legislativo Municipal, nos
termos da manifestação do GAPLAN sobre o assunto. O artigo 29-A, com
redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 14 de fevereiro de 2000, é
claro ao dispor, no caput e no inciso IV, o seguinte:

“Art. 29 – A . O total da despesa do Poder


Legislativo Municipal, incluídos os
subsídios dos Vereadores e excluídos os
gastos com inativos, não poderá
ultrapassar os seguintes percentuais,
relativos ao somatório da receita
tributária e das transferências previstas
no § 5º do art. 153 e nos arts. 158 e 159,
efetivamente realizado no exercício
anterior:
(.....)
IV – cinco por cento para Municípios com
população acima de quinhentos mil
habitantes.”

Pelo princípio da simetria, temos que há um limite, um


teto, acima do qual, qualquer dispositivo infraconstitucional que contrarie o
percentual estabelecido no inciso IV do artigo 29-A estará inquinado de
inconstitucional. Nesse sentido, o artigo 20 da LDO em tramitação na Casa
Legislativa deverá ter sua redação alterada conforme o disposto no inciso IV
do art. 29-A da CF/88, vinculando o total da despesa do Poder Legislativo –
incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos – ao
somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5º do art. 153
e nos arts. 158 e 159 da Magna Carta.
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A redação sugerida pelo GAPLAN em sua


manifestação, com a devida venia, repete a afetação de receitas a serem
destinadas nas ações e serviços públicos de saúde, na forma do artigo 77,
inciso III, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e não guarda
relação com o estatuído pelo novel artigo 29-A, da Constituição Federal de
1988, uma vez que aquele dispositivo afeta a receita oriunda do produto da
arrecadação dos impostos municipais (IPTU, ITBI e ISSQN) e aos recursos
oriundos das transferências de IR, ITR, ICMS, FPM, etc, aos Municípios,
enquanto que este artigo 29-A vincula o percentual das despesas totais do
Legislativo Municipal tão-somente às transferências intergovernamentais e
repasses de Fundos, e às transferências especificadas no inciso II do § 5º do
artigo 153 da CF/88.

S.m.j., é o Parecer.
À consideração superior.

Porto Alegre, 08 de setembro de 2003.

Marcelo Dias Ferreira


Procurador do Município de Porto Alegre
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OAB/RS 39.942 MATR. 61.264.8
marcelo@pgm.prefpoa.com.br
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HOMOLOGAÇÃO

APROVO o Parecer nº 1084/2003, subscrito pelo


Procurador Marcelo Dias Ferreira, que orienta pela viabilidade legal e
constitucional de adoção de orçamento municipal consolidado, incluindo
administração direta e indireta, destacando a inclusão das receitas e despesas
dos órgãos da administração indireta não afeta a sua autonomia na gestão e
aplicação dos seus recursos próprios.

Cumpre sublinhar a conclusão pela revogação do 2º


do art. 164 da Lei Orgânica do Município, diante da superveniência da Emenda
Constitucional nº 29/2000, que alterou o art. 77 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, conferindo novo parâmetro mínimo (15%) e base
de cálculo para aplicação de recursos públicos nas ações e serviços públicos de
saúde.

Registre-se. Encaminhe-se cópia do parecer


homologado à CJAL/PGM, encaminhando-se o expediente ao GAPLAN, o qual
já possuía informalmente a orientação oficial externada pela Procuradoria-Geral
do Município.

PGM, 10 de outubro de 2003.

ROGERIO FAVRETO

Procurador-Geral do Município

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