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O trabalho enobrece quem, cara-pálida?

Alceu A. Sperança*

Tripaliu

O mundo dá voltas, tudo muda. Cada tempo com sua noção. No futuro,
nossos netos vão nos chamar de calhordas por deixar o mundo ficar desse
jeito: dominado por uma ideologia fracassada, que gera crise uma atrás da
outra, produz miséria e guerras, destrói o ambiente, adoece e enlouquece as
pessoas.
Nas voltas que o mundo dá, aprendemos, desde cedo, que o trabalho
enobrece. O cidadão só pára de acreditar quando se aposenta. Dá uma extensa
olhada para trás e se pergunta: “Que nobreza, bolas, eu construí com meu
trabalho?”
Uma aposentadoria mixuruca, um país de engabeladores, estelionatários e
maus gerentes foi o que restou de suar a vida inteira. Uma coisa horripilante,
aí bem à vista, com o assaltante na esquina, o traficante na vila, a crise
americana e o 171 que bandidos e políticos em geral, salvo honrosas exceções,
nos aplicam no dia a dia.
O trabalho enobrece quem, cara-pálida? Como tudo tem uma origem, o
trabalho também tem a sua. A origem, nesse caso, vem do Latim: tripaliu.
Tomara você não tenha pesadelos com ele nem pense nisso quando estiver
trabalhando alegremente na firma, mas o tripaliu era um instrumento de
tortura formado três (tri) paus (paliu). Desse modo, originalmente, trabalhar
significava ser torturado nos três paus.
Quem eram os trabalhadores, ou seja, os forçados a agüentar o tripaliu? Os
escravos e os pobres que não podiam pagar os impostos. Assim, “trabalhar”,
naqueles tempos, era o equivalente a cair em cana e/ou na malha fina. O
trabalho, desde então, foi reservado a quem não tinha nada e precisava se
humilhar para conseguir o sustento. Não é de graça que muitos consideram o
trabalho uma tortura!
O PCB sempre teve a nacionalidade e a democracia como seus valores
centrais, e foi muito perseguido por isso. Hoje, parece incompreensível que
defender a nacionalização do petróleo, por exemplo, e a liberdade sindical, de
imprensa e reunião, dava cadeia, morte, exílio e o tripaliu da época – a tortura
nas masmorras das ditaduras. Defender o trabalhador, o Brasil e a democracia
eram considerados crimes, assim como o trabalho, que hoje tanto enobrece, foi
outrora uma tortura imposta aos escravos.
E nessas voltas que o mundo dá, vê-se muita gente boa (ou pelo menos
muito esperta) seguindo o mesmo princípio que o PCB defendia quando era
perseguido a ferro e fogo: estatizar o que era criminosamente controlado pelos
interesses transnacionais (trustes, como diziam os velhos camaradas).
A bagunça na economia liquidou o princípio central da ideologia
dominante: o progressivo encolhimento do Estado à medida que as forças da
economia se auto-regulassem.
Quer dizer, uma ideia exatamente oposta ao ideário marxista-leninista do
PCB, que defende a reestatização da Petrobrás e da Companhia Vale do Rio
Doce. E hoje, o que fazem os donos do mundo? Estatizam os grandes bancos
do planeta.
O mercado se tornou um pandemônio e, rigorosamente, quebrou. Mas nem
por isso os seus responsáveis vão trabalhar. Cada vez que uma Enron falisse,
deveríamos ouvir a turba gritando: “Três paus! Três paus!”
Talvez seja castigo muito cruel. Que tal obrigar seus executivos milionários
a viver com um salário mínimo? O do aposentado brasileiro, por exemplo.
alceusperanca@ig.com.br
....
* Escritor

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