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CORPOREIDADE NA EDUCAÇÃO POÉTICA ATRAVÉS DA DANÇA

LUNA, Sávio Jordan Azevedo de∗

RESUMO: Para a construção de uma poética corporal, pensamos na dança como um


processo criativo do Ser através do corpo. Na perspectiva Bachelardiana, a imaginação, o
fazer criativo permite ao homem viver no instante presente todas as ambivalências da vida,
conseguindo elevar-se numa ascensão vertical que o leva até o centro de si mesmo. Na
formação de um Ser criativo, lúdico e sensível, o tocar é imbuído de emoção, colaborando
também de forma imprescindível para a humanização e, conseqüentemente, a
autotranscendência.

PALAVRAS-CHAVE: corporeidade, dança-educação e transcendência.

ABSTRACT: For the poetical construction of a corporal one, we thinks in the dance how a
creative process of the Being through the body. In the perspective Bachelardiana, the
imagination, creative making allow the man to live in the present instant all the ambivalences
of the life, being obtained to raise himself in a vertical ascension that exactly takes him until
the center of himself. In the formation of a creative Being, playful and sensible, the touch is
plenty of emotion, also collaborating of essential form for the humanization and,
consequently, the autotranscendence.

KEY WORDS: "corporeidade", dance-education and transcendence.

INTRODUÇÃO

* Faculdade de Artes do Paraná / Curitiba, Paraná, Brasil.
2

Trabalhar com o corpo indiscutivelmente nos forneceu a palavra corporeidade, tão


presente em nossas vidas e em processo de construção. O Atelier de Pesquisa Corporeidade na
Educação1, ministrado pelos professores doutores Kátia Brandão, Edson Claro e Edmilson
Pires, proporcionou através de vivências corporalizadas a um saber total do Ser constituído de
corpo, mente e emoção.

Nosso corpo somos nós. É nossa única realidade perceptível. Não se opõe à
nossa inteligência, sentimentos, alma. Ele os inclui e dá-lhes abrigo. Por
isso tomar consciência do próprio corpo é ter acesso ao ser inteiro… pois
corpo e espírito, psíquico e físico e até força e fraqueza, representam não a
dualidade do ser, mas a unidade (BERTHERAT, 2003, p. 03).

Para tanto, buscamos nossos saberes advindos, apoiando-se nos estudos bachelardianos
que favorecem a compreensão do saber criar, no qual a expressividade serve como área da base
de pesquisa, o saber brincar com o lazer, o saber sentir na sensibilidade e, finalmente, os saberes
humanizar-se e pensar para transcender-se. Na poética de Bachelard, o processo criativo permite
ao homem chegar ao centro de si mesmo, a partir dessa perspectiva procuramos desenvolver um
trabalho de educação poética através da dança, no qual a autotranscendência é permitida em um
vôo fecundo da imaginação.

1. A Metáfora

O pensamento científico que proporcionou-nos Bachelard veio trazer a metáfora como


forma de justificar e reconstruir o que estava já estabelecido como certo, invariável e
absoluto.
A construção metodológica desta pesquisa apresentou-nos mais um caminho de
entendimento e compreensão do simbólico, na qual a metáfora de uma teia de aranha veio
representar a formação dos saberes e sua transcendência humana e espiritual. A aranha
primeiro lança um fio de teia de um ponto a outro para formar o primeiro suporte da teia (fase
1
Disciplina ofertada no Programa de Pós-graduação em Educação da UFRN.
3

01), representando o saber brincar e o saber criar; depois puxa uma outra ponta com um outro
fio de teia para formar um suporte de três pontas da teia (fase 02), simbolizando o saber
sentir; abaixo do saber sentir está o saber pensar e na origem dos saberes brincar e criar está o
pensar no sentido mais amplo da palavra no qual tudo foi originado; para que em seguida
possa com o apoio e a utilização dos três saberes a partir do centro, completar e finalizar a teia
(fase 03) com o saber humanizar-se, a expandir-se e transcender-se.

O símbolo é o visível que aponta para o invisível, o trampolim para o


mergulho no desconhecido. Assim, torna-se possível transmutar a existência
numa criação permanente, escrevendo-a como uma epopéia que acrescenta
algo ao universo (LELOUP apud ROBERTO CREMA, 1998, p. 11).

Fase 01

Fase 02
4

Fase 03
5

Nesse sentido, o aprendizado da dança é aqui pensado como possibilidade de valorizar


a expressividade de um sujeito que é capaz de saber criar, saber brincar, evidenciando a
sensibilidade no saber sentir, levando para fora do local da prática vivenciada no seu dia-a-dia
e na sua vida cotidiana, a contextualização com o saber humanizar-se.

2. Corporeidade nos Saberes da Educação


Partindo da vivência como um instrumento primordial da pesquisa, Maffesoli (1998,
p. 186) afirma:

Deixando fluir a metáfora, pode-se dizer que é a vivência que, em suas


formas paroxísmicas, irradia as diversas manifestações da existência do dia-
a-dia. Constitui, de certa forma, o conservatório energético desta última, sem
o qual não se pode compreender a espantosa perduração do ser, tanto social
quanto individual. É o que faz do sensível da naturalidade das coisas o
verdadeiro fundamento do ‘corpo místico’ que é toda sociedade. É o que
justifica e fundamenta na razão a abordagem erótica que se pode fazer do
conjunto social.

A elaboração de uma base epistemológica do saber, ainda em construção, buscando


através de uma vivência geradora de saberes e sensações a criação de um Ser total e livre, cuja
finalidade é produzir, criar, estabelecer elos de insights e conhecimentos pelas vias do
fundamento, sobretudo, corporal e sensitivo, em uma metodologia produzida através do tentar
vivenciar e aprender.
Valorizar o sentido de prazer em todo o processo pedagógico/educacional revela um
fortalecimento ainda maior do ensino-aprendizagem cuja expressividade, o lúdico e a
sensibilidade afirmaram-se por si só como base de pesquisa, pois sabemos que “Todas as
nossas tentativas são imperfeitas, mas cada uma dessas tentativas imperfeitas traz em si a
oportunidade de desfrutar um prazer que não se iguala a nada nesse mundo”.
(NACHMANOVITCH, 1999, p.24)
Conforme Langer (1980), a expressão está intimamente ligada à intuição, esta última,
sobretudo, fortalece o uso desses dois nomes: Bergson e Croce 2. Porém, torna-se paradoxal os
termos em que eles familiarizaram a palavra intuição, se considerarmos “intuição intelectual”.
Mesmo diante de todas as suas diferenças doutrinais, em uma coisa eles concordavam: que a
natureza da intuição é não intelectual. Afirmando, Croce, abertamente, ter “libertado o
2
Filósofos que tem nos seus postulados teóricos a importância da intuição.
6

conhecimento intuitivo de qualquer sugestão de intelectualismo”, Bergson opõe-se dizendo que


na intuição há uma falsificação da realidade para fins práticos e uma revelação direta da
realidade ao intelecto, sem deixar nenhuma necessidade de re-afirmação aqui. Porém, a forma
como Bergson concebeu a intuição foge completamente à análise filosófica por estar muito
perto da experiência mística. Ela é simplesmente um conhecimento que não falha, incomum, e o
que não se mede com o resto da vida mental, sem ajuizar se é fato ou fantasia, ou a respeito de
seu status metafísico, Croce tem uma percepção imediata, constante de uma coisa, imagem,
situação, sentimento individual. A intuição não é aqui uma experiência emocional da
“realidade” ou uma cega “toma de posse”, como estava na visão de Bergson a respeito do ato
intuitivo e sim um ato de percepção convertido em forma, o mesmo que dizer, pelo qual o
conteúdo é formado.
Para além da concepção de Croce sobre a intuição, mesmo quando ele e a maioria dos
teóricos têm de lidar com a falsa concepção da relação com o simbolismo e a intuição,
afirmando que a identificação de intuição e expressão, afinal, direciona a doutrina quando
uma obra de arte é nada mais que algo na mente do artista e que é incidental a sua reprodução
em termos materiais.

A ‘atividade expressiva’ pela qual as impressões são ‘formadas e elaboradas’


e tornam-se acessíveis à intuição, acredito que seja o processo de feitura de
símbolos elementares, pois os símbolos básicos do pensamento humano são
imagens que ‘significam’ as impressões passadas que as geraram e também
as futuras que irão exemplificar a mesma forma. […] Nenhuma impressão
humana é apenas um sinal do mundo exterior; ela sempre é também uma
imagem em que são formuladas impressões possíveis, isto é, um símbolo
para a concepção de tal experiência. (LANGER, 1980, p. 390)

A consciência de forma ou uma abstração elementar traduz o que a expressão “tal”


quer dizer. Langer acredita que o indistinguível entre “intuição” e “expressão” foi o que Croce
quis dizer, ao escrever

O conhecimento intuitivo é conhecimento expressivo […] intuição ou


representação são distinguidas como forma do que é sentido e sofrido, e
essa forma, essa tomada de posse, é expressão. Intuir é expressar e nada
(nada mais, mas nada menos) além de expressar (LANGER apud CROCE,
1980, p. 39).
7

Refletindo sobre as contribuições de Bergson e Croce (In: LANGER, 1980),


detectamos a trilha que nos leva aos estudos da Corporeidade.

3. Objetivismo Racional e Subjetivismo Emocional

Para Hessen (1999), na visão de objetivismo só o objeto serve de elemento decisivo na


relação de conhecimento, ele ainda determina o sujeito, por incorporar e copiar, de algum
modo, as determinações do objeto. Então, o pensamento nuclear do objetivismo, faz-se por
pressupor diante da consciência cognoscente a colocação do objeto como algo pronto,
determinado por si só. Reconstruída pela consciência cognoscente esta estruturada e
inteiramente definida pelos objetos doados como algo.
O primeiro a olhar deste ponto de vista foi Platão, formulando numa visão clássica o
pensamento fundamental do objetivismo, através de sua doutrina de idéias, que por sua vez
são realidades objetivamente dadas. O mundo supra-sensível ver-se por trás do mundo
sensível, revelando-se, então, o primeiro a uma intuição não sensível, a apreciação das idéias,
enquanto o segundo, à intuição sensível, à percepção.
Atualmente é E. Husserl quem compartilha do pensamento fundamental da doutrina
platônica das idéias, pela sua própria fenomenologia fundada. Ao estar de acordo com Platão,
ele distingue claramente as duas intuições. A intuição sensível trabalha-se dos objetos
individuais, concretos; e a intuição não-sensível, opostamente, relaciona-se com as essências
universais das coisas. O que para um é essência ou essencialidade, para o outro é a idéia.
Enquanto que para Husserl as essencialidades formam um círculo próprio, um reino
autônomo, para Platão um mundo subsistente em si mesmo é apontado pelas idéias.
Suas doutrinas de idéias compartilham apenas com seu pensamento fundamental,
porém, os maiores detalhes de seu desenvolvimento, obviamente, não. Permanecendo-se no
reino das essencialidades ideais, Husserl considera-as uma instância última, Platão determina-
lhes realidade metafísica. Essa determinação das idéias como realidades supra-sensíveis,
caracterizada pela doutrina platônica das idéias é que podem ser chamadas de essencialidades
metafísicas. De igual forma, seu desvio é feito por Husserl quando coloca uma intuição das
essências induzidas pelo fenômeno concreto e finalizada no fenômeno em si, em lugar de uma
concepção mitológica, que deduz a preexistência da alma.
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Ao tentar fixar o saber e o conhecimento humano, está o objetivismo, cujo sujeito


passa a receber os princípios do conhecimento transferido pelo mundo das idéias e, sobretudo,
estabelece-se como o centro, no qual a verdade do conhecimento humano fica suspensa, por
assim dizer. A visão que se tem do sujeito não é, obviamente, como pensante individual e
concreto, porém um sujeito superior, transcendente.
A mudança do objetivismo para o subjetivismo nessa lógica definida, fez-se pela filosofia
de Agostinho, transferindo o que Platão criou com o mundo flutuante das idéias para o espírito
divino e os conteúdos da razão divina, transformou-se através das essencialidades ideais
existentes por si, em pensamentos de Deus. Portanto, os objetos advindos de um mundo espiritual
já não possuía a verdade fixada em um mundo de realidades supra-sensíveis, e sim em uma
consciência e sujeito. A consciência cognoscente recebe seus conteúdos, não do objeto e sim do
sujeito supremo, voltado para si em detrimento do que foi o característico do conhecimento
quando tinha o mundo objetivo focalizado (HESSEN, 1999). O que pode se chamar de edifício
do conhecimento sustentado pela razão, resulta desses conteúdos superiores, desses conceitos e
princípios fundamentais. Conseqüentemente, é em Deus que resulta a fundação no absoluto desse
edifício.
A concepção que mais se aproxima da definição do subjetivismo proposta aqui, vem
da escola Marburgo3. O centro do pensamento subjetivista tem os elementos psicológicos e
metafísicos completamente ausenciados, apresentando um sujeito lógico em vez de
metafísico, quando o sujeito no qual o conhecimento aparece estabelecido, em última
instância. Caracterizando-se como “consciência em geral”, visando-se com ela uma
personificação no nosso conhecimento dos conceitos supremos e das leis, estaria os objetos
definidos pela consciência cognoscente através desses conceitos e leis. Por isso, é criada essa
definição, como uma produção do objeto, na qual todos os objetos são considerados produtos
do pensamento, produções da consciência, e não objetos independentes da consciência. Um
objeto correspondendo ao conceito define-se na realidade existente em Agostinho, já para a
escola de Marburgo, conceito e realidade, pensamento e ser, igualam-se: havendo apenas um
ser de pensamento, conceitual, sem que haja um ser real livre do pensamento. Do mesmo
jeito, toda posição de realidade é rejeitada, entretanto, do lado do objeto. O subjetivismo aqui
definido corresponde a uma síntese com o realismo, enquanto um idealismo seguido à risca
traz o subjetivismo, de acordo com modernos Kantianos. Provando que, outra vez, a atenção

3
É uma escola que as contribuições do movimento filosófico denominado de 'neokantismo' e a sua
importância para a teoria da metodologia das ciências sociais na contemporaneidade.
9

do subjetivismo mostra uma solução pré-metafísica do problema, ignorando qualquer


apossamento da decisão metafísica.
Importante contextualizar no tempo, os momentos de mudança do pensamento
cientifico que passou por três períodos: o estado pré-científico; que estariam compreendidos
da Antigüidade Clássica aos séculos XVI, XVII e até XVIII; o estado científico, que se
estendeu do fim do século XVIII até início do século XX; e o novo espírito científico,
iniciando a partir do ano de 1905 com a quebra de conceitos cristalizados, através da
Relatividade de Einstein, propondo a abstração a partir do concreto, sinônimo da razão no
conhecimento científico.

[…] ninguém pode arrogar-se o espírito científico enquanto não estiver


seguro em qualquer momento da vida do pensamento, de reconstruir todo o
próprio saber […] é preciso passar primeiro da imagem para a forma
geométrica e, depois, da forma geométrica para a forma abstrata
(BACHELARD, 1996, p. 10).

A partir daqui, destacamos o período do novo espírito científico ocorrendo uma


sincronia com a dança. É preciso estar fundamentado e apoiado em conceitos, assim,
naturalmente, encontraremos a abstração, constituindo uma base afetiva diante da cultura
intelectual, conseqüentemente, a imaginação faz-se presente e corporificada, na qual quase
sempre não damo-nos conta dela, e o que é pior, não conseguimos discernir que a razão e a
emoção andam juntas, basta que demo-nos os braços que o poder criativo da imaginação
transcende-se. Bachelard propõe uma formação do sujeito além do processo de memorizar e
repetir o conhecimento, mas sim valorizar e fomentar a criação e a invenção, possibilitando
novos saberes à negação dos anteriores pré-estabelecidos, retificando-os.
No entanto, para Best (1996), existem os que possuem uma concepção de espírito
subjetivista, que acordam implicitamente sobre o que estão renegando explicitamente, ao
concordarem que há significado artístico, isto é, que as idéias artísticas e os sentimentos não
implicam em ser obrigatoriamente subjetivos, mas pelo contrário são objetivos, no sentido de
que podem ser partilhados e compreendidos. Phenix (In BEST, 1964, p. 167), escreve, por
exemplo, acerca dos movimentos dum dançarino: “‘Eles tornam visível a subjetividade da
vida das pessoas por meio de uma série de gestos simbólicos’”, e Langer (1957, p. 26) escreve
que “‘o sentido da vida é tornado objetivo numa obra de arte’, e dessa maneira ‘As artes
objetivam a realidade subjetiva’”. Embora seja difícil observar de que outra maneira o possam
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ter construído, estas citações não comprometem por si mesmas os autores no subjetivismo
criticado. Para elucidar mais um problema importante, cito-os.

Se, por ‘subjetivo’ eles querem significar que a ‘vida’ ou concepção é


independente do meio de transmissão, então, como vimos, tal tese não
produz sentido. Se, por outro lado, eles significam que é possível formular
idéias e sentimentos, que não necessitam de ser expressos de modo
completo, então isso é correto desde que seja reconhecido que tal
possibilidade pressupõe a existência de uma forma de arte objetivamente
disponível e pública (BEST, 1996, p. 176).

Os critérios partilhados que levam à expressão de sentimento em uma forma artística,


significa, em grande escala, quando se diz que a arte é sentimento objetivado, ou que as artes
dê sentido objetivo a realidade subjetiva. “Em resumo, os sentimentos expressos pela arte não
são mais ou menos objetivados do que quaisquer outros sentimentos.” (BEST, 1996, p. 177)
Ao estabelecer essa coexistência do subjetivo com o objetivo, no qual os sentimentos
que permeiam a arte, e em nossa vivência, a dança, a poética evidencia-se naturalmente no
processo educativo.

4. A Poética e a Dança

Barbosa e Bulcão (2004) dizem que a razão e a imaginação, para Bachelard, são os
eixos principais para a problemática educacional, ao ser opostos e contraditórios, o paradoxo
estaria instalado, porém, apesar disso, eles complementam-se ontogenicamente renovando o
mundo e contribuindo para o crescimento do espírito humano. É necessário, então, que para a
poética manifestar-se no homem, tome o instante e não o tempo linear e sua continuidade, já
que para Bachelard todas as imagens poéticas surgem e desenvolvem-se conscientemente na
solidão do instante. As imagens criativas e poéticas são vividas no tempo do instante,
distanciando-se do tempo comum, o tempo vivido supostamente contínuo e linear.
A respeito da criatividade, para Best (1996, p. 127) é importante que se saiba que, não
é só nas artes, ainda que não nos preocupemos principalmente com ela em detrimento de
nossas concepções erradas, que podemos ser criativos, e sim, nas ciências, matemática e
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filosofia como em qualquer outro assunto, ou seja, no teatro, poesia, música, pintura e na
dança.
Imaginou-se, que o único espaço criativo no contexto educacional curricular, fosse de
pura exclusividade da arte, durante muito tempo, criando a expressão do Mito subjetivista, no
qual, para além de constituir não só uma distorção da arte, como na educação em geral,
negligenciando assim a igual importância da criatividade em todas as matérias. Entretanto,
Best (1996), ainda afirma que o conceito da criatividade está relacionado com a imaginação e
originalidade. “Para além disso, a minha argumentação aplica-se, de igual modo, ao criador e
espectador, uma vez que a imaginação é necessária para compreender um trabalho de
imaginação” (BEST, 1996, p. 128).
Diante desse pressuposto, podemos perceber a importância e a relação que a
imaginação tem com a poética na dança.
De acordo com Best (1996), a expressão livre não pode apenas ser deixada sob toda a
responsabilidade no plano subjetivista, dando-nos um exemplo de um professor universitário,
que diz que, não devemos intervir de modo algum em um trabalho de uma criança, abrindo
uma lacuna na noção de educação. Desse ponto de vista perde-se o significado, e muito
menos, a justificação para empregar professores de arte e dança, alertando-nos desse perigo.

É verdade, sem dúvida, que uma intervenção excessiva ou inapropriada


pode restringir ou distorcer o desenvolvimento individual duma criança.
Mas não se pode interferir a partir disso que todas as intervenções sejam
prejudiciais. Longe disso, porque é igualmente verdade que deixem de
intervir, de modo apropriado, pode restringir de modo severo o
desenvolvimento artístico duma criança. (BEST, 1996, p. 113)

Ao perceber que a criatividade carregada de expressão e imaginação, não nos é


exclusiva, ou seja, para além das artes, na dança percebemos ainda mais a importância do
momento, do instante criativo e poético advindo da expressão e imaginação.
Diante desses pressupostos, nossas vivências apresentaram saberes e sensações mais
refinadas e humanizadas, tornando mais livre toda à imaginação criativa, racionalizando todas
as fundamentações de forma questionadora e dinâmica em pleno movimento sem nunca
fechar um conceito estaticamente. E foi na dança que se fez a contextualização do Atelier de
Pesquisa Corporeidade na Educação.
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Wosien (2000) em Dança: um caminho para a totalidade, cujo bailarino através de


seu corpo transcende-se com a sua mais pura alegria e prazer, mostra-nos que nossa
experiência de vida também foi assim na dança, ao trabalhar em um processo de pesquisa cuja
busca da linguagem corporal e técnica era o objetivo. Técnica essa denominada Dança Fluida
na Base Baixa4. Nela encontrou-se o caminho para o desenvolvimento da qualidade e estética
corporal. Porém foi nas vivências do Atelier de Pesquisa Corporeidade na Educação que se
instalou o elo que faltava do Ser sensível e lúdico, pois o Ser criativo já existia, visto que,
também, usava-se o processo de improvisação para se criar, apenas materializou-se quando
houve o contato com os escritos de Stephen Nachmanovitch, assim como ele diz que através
da música passou a ouvir-se ele próprio, faço de suas palavras as minhas quanto à dança,
“Alguma coisa imprevisível salta de dentro do ser e sentimos a clareza, o poder e a
liberdade”. (NACHMANOVITCH, 1993. p. 22).
A corporeidade na educação poética através da dança proporciona uma experiência de
conhecimentos objetivos e subjetivos pela via corpórea, valorizando, sobretudo a
subjetividade tão intrínseca ao homem e muitas vezes pouco explorada, trazendo sentido e
razão a tudo que fazemos ou queremos fazer: a alegria, o prazer, a imaginação, o prazer de
criar e se expressar, de estar presente e vivo no seu habitat, tornar-se um ser humano pleno na
sua sensibilidade.
O tocar sensível traz uma forte carga de sentimento e ligação interpessoal e a sua
ausência, sobretudo, em fases específicas, pode levar à falta de vontade de viver e até mesmo
à morte, mostrando o papel imprescindível que os sentimentos desempenham na saúde e nas
doenças. “Quando você toca um corpo, lembre-se de que você toca um Sopro, que esse Sopro
é o sopro de uma pessoa com seus entraves e dificuldades e, também, é o grande Sopro do
universo. Assim quando você toca um corpo, lembre-se de que você toca um Templo”.
(LELOUP, 1998, p. 26)
Ao abordarmos os sentimentos, temos que abordar também a espiritualidade na visão
conceitual de Lowen, considerando que a saúde não se trata apenas da ausência de doenças,
por possuirmos também os sentimentos, coisa que a máquina não tem daí a nossa ligação tão
grande à natureza, cuja espiritualidade advém-se dessa simbiose com uma força ou ordem
superior.
Ao aceitar que somos criaturas espirituais, então, também, a saúde estará intimamente
relacionada com a espiritualidade. A verdadeira graciosidade humana é algo herdado por
4
Propõe uma construção de conhecimento teórico-prático através de três técnicas de corpo: kung fu,
break dance e dança contemporânea.
13

Deus, cuja espiritualidade do corpo é o único caminho para recuperar a graciosidade, caso a
tenha perdido. “O espírito divino manifesta-se na graciosidade natural do corpo e na
amabilidade das atitudes da pessoa para com todas as criaturas de Deus. A graça é um estado
de santidade, de inteireza, de conexão com a vida e de unidade com o divino”. (LOWEN,
1990, p. 14)
Quando há uma diminuição em seu nível energético, há uma atenuação do seu espírito
vital e a redução de sua vitalidade corporal, somos levados a uma falta de sensibilidade
corporal, que por sua vez vem da quebra das ligações com o mundo externo e
conseqüentemente, com o self corpóreo. “[…] a profundidade e a intensidade dos sentimentos
de uma pessoa são, na maioria das vezes, expressas através de respostas corporais. Toda
experiência vivida por uma pessoa afeta o seu corpo e é registrada na sua mente”. (LOWEN,
1990, p. 27)
Lowen (1990) estabelecia uma relação entre a energia e o espírito, investindo numa
espiritualidade do corpo, fazendo uma fusão dos pontos de vista oriental e ocidental, para
compreender as tensões que afetam o corpo pelo poder da mente, denominando de análise
bioenergética. Quando falamos que o espírito ou a espiritualidade está associado com uma
perspectiva energética do corpo, falamos do pensamento do Oriente. As energias opostas que
podemos citar do povo indiano e chinês, cuja busca do equilíbrio entre essas forças para uma
melhor saúde são, respectivamente, Ha, ou energia do Sol e Tha, ou energia da Lua; e Yin e
Yang que representam à energia da terra e a energia do céu. Essas energias que fluem em
canais, na medicina chinesa são reconhecidas pela acumputura, redirecionando a energia do
corpo para manter a saúde ou sanar doenças através de pressões de pontos determinados ou na
introdução de agulhas especiais. Também, eles possuem e utilizam a favor da saúde,
imobilizando a energia corpórea, através do Tai chi chuan, conhecido como um programa
especial de exercícios, executado de forma lenta e ritmada, gastando o mínimo de força
possível, em uma descontração generalizada, no qual o chi para os chineses e o ri5 para os
japoneses são facilitados. “Nosso corpo é percorrido por correntes positivas e negativas que
entrecruzam; quando essas correntes estão em completo equilíbrio, gozamos de perfeita
saúde”. (Yesudian e Haich apud LOWEN, 1990, p. 31)
Entretanto, a energia no ponto de vista ocidental não é reconhecida pela comunidade
científica, pois sua visão é principalmente em termos mensuráveis e mecanicistas. Sabemos,
então, que organismos vivos, ao contrário das máquinas, reagem a determinados aspectos da

5
chi e ri – fluxo de energia interna.
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energia do corpo. São sensações indescritíveis, são fenômenos energéticos impossíveis de se


mostrar ou detectar por nenhum instrumento.
Mesmo com o desenvolvimento de técnicas de pesquisa científica e métodos a estarem
em desenvolvimento, demonstrando para quase todas as atividades do corpo, a essência de
uma base bioquímica, a investigação cientifica perde o alcance do conceito metafísico que o
vitalismo recebeu e, consequentemente, a realidade objetiva. Infelizmente, esse ponto de vista
ainda está presente na ciência moderna. Lowen (1990) sempre quis saber mais sobre o corpo e
suas doenças, mesmo tendo antes trabalhado como terapeuta durante alguns anos e ter sido
aluno na faculdade de medicina de Wilhem Reich. Porém, sua curiosidade em saber e
compreender ia além do diagnóstico médico, e sim, em termos humanos, mostrando para si,
especificamente, o papel dos sentimentos na saúde e nas doenças, além de podermos explicar
a coragem, o amor, a dignidade, a beleza e a alegria.
Por ser considerado apenas o funcionamento dos órgãos, especializando-se nos
diferentes sistemas, tais como, o respiratório, o circulatório e o digestivo, entre outros, a
ciência médica ocidental não conhece nenhuma ciência que investigue a pessoa como um
todo. Apenas quando aparece a concepção holística do organismo, é que o corpo seria
reconhecido como possuidor de um espírito ativador de sua psique e ciente de suas ações.
(LOWEN, 1990).
Daí, quando o bailarino toma consciência de seu corpo, não apenas em aulas
direcionadas a obtenção da técnica, ou no uso das terapias somáticas na ajuda e na formação
do autoconhecimento e de sua consciência corporal. Mas muito, além disso, carregando para
si no cotidiano e nas ações mais básicas e vitais, ao saber respirar melhor e de maneira
objetiva, carregar e utilizar seus pertences para a prática da dança de maneira correta, levantar
ou sentar de qualquer lugar utilizando seus melhores apoios, realizar as atividades mais
básicas e comuns com um mínimo de gasto de energia possível.
Toda essa corporeidade presente no contexto de nossa prática, a dança, vai para além
do corpo, da mente e seus sentimentos, fazendo-nos a olhar também, para nossa energia
corpórea que impulsiona a vida e nosso estado animatório em um turbilhão de emoções e
sentimentos.
Tomar consciência desse corpo como um todo, faz-nos perceber ainda mais a
importância dos sentimentos e seus efeitos para a mente e o corpo, além da nossa energia
vital, que muitos consideram como estado de espírito.
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A vida pode ser definida como um estado de contida excitação no qual é


produzida a energia que impulsiona os processos internos, que dão
sustentação às funções vitais, e às ações externas, que mantêm ou
aumentam a excitação do organismo. […] O conceito de espiritualidade do
corpo inclui um espírito arrebatado e uma forte consciência da ligação
espiritual (LOWEN, 1990, p. 39).

De acordo com Lowen (1990, p. 44) “O nível básico de energia do indivíduo só pode
ser aumentado fazendo-se o corpo ficar mais cheio de vida através da manifestação dos
sentimentos. A repressão dos sentimentos sempre resulta na falta da vivacidade”.
Em nossa técnica corporal citada acima, o toque e o contato foram fundamentais na
prática, que através de algumas terapias ou educações somáticas vivenciamos. A eutonia vem
ao encontro, quando utiliza o toque para sentir. “Embora o tato não seja uma emoção, seus
elementos sensoriais induzem mudanças neurológicas, glandulares, musculares e mentais que,
combinadas, podem produzir ou despertar uma emoção” (VISHNIVETZ, 1995, p. 29).
“Alguns de nós tem memórias muito antigas, muito arcaicas, que têm raízes na vida
intra-uterina” (LELOUP, 1998, p. 19). Entretanto, foi com Ashley Montagu em seu livro Tocar:
o significado humano da pele que vimos o quanto é importante o toque para os laços entre mãe
e filhos, de um para o outro, enfim, para os relacionamentos e o quão importante é sua
utilização na técnica referida acima e no seu processo de socialibilização.

A pele é a ponte sensível do contato com o mundo e pode ser também um


abismo. É o nosso órgão mais extenso, é o nosso código mais intenso, um lar
de profundas memórias. O corpo sente, toca, fala, comunga. Vida
incorporada, corpo da vida (Leloup apud ROBERTO CREMA, 1998, p. 09).

Tomar consciência do corpo e sua cinestesia tornou-se imprescindível para a prática da


técnica, porém, a consciência de nossos sentimentos e suas nuances como: prazer, desprazer,
conforto, desconforto, alegria, tristeza, entre outros, foi-nos evidente quando em nossas
vivências sentimos o prazer da disponibilidade e alegria, presente e indispensável no processo
criativo e educacional. Segundo Lowen (1997, p. 08) “A alegria emerge como a essência do
nosso verdadeiro ser”.
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CONCLUSÃO

O presente trabalho está no papel de um degrau de uma longa escada dos estudos
voltados para a dança, sugerindo a compreensão de que a mesma demanda estudo de
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pressupostos teóricos e práticos. Para tanto, foram selecionados autores que puderam
subsidiar a nossa reflexão sobre a dança que queremos propor, contextualizando o que já se
fazia com a técnica corporal e com o vivido nesse momento no Atelier de Pesquisa
Corporeidade na Educação, possibilitando-nos a uma maior compreensão da corporeidade
presente em nosso ser, levando-nos também a uma maior transcendência.
Constata-se, então, que a forma encontrada de alcançar os saberes em nossa vivência
foi o da reconstrução e da renovação da razão, através da emoção, do subjetivismo,
impregnado de sentimentos e sensações, toques e contatos, empenhados apenas, na
formação de um Ser criativo, lúdico e sensível, mais humano e espiritual através da
experiência teórico-prática na dança.

REFERÊNCIA

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conhecimento. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
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