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Capitulo Quinto

CONFIANÇA

Deveria estar a anos-luz de compreender aquela


situação. Porque estava tão… aturdido e desconfiado para o
motivo pelo qual os presentes, à excepção de Sally, me
olhavam quase com medo? Era evidente de que não sabia
nada acerca da família de Sally, ou até desta última –
completamente frágil, como se fosse partir a qualquer
momento –como se pudesse acontecer isso um dia.
Desconhecia a essência de todo aquele aparato, se
seria surpresa, medo, ou apenas uma grande ilusão da
minha mente. Era difícil ter uma ideia fixa, onde conseguiria
acumular todo o meu receio. Não podia deixar que eles
tomassem uma atitude daquelas, mas mesmo assim,
respeitei o seu momento… até não aguentar mais e quase
sair porta fora.
- Daniel – Exclamou Sally após um momento de fúria
meu, enquanto tentava controlar-me para não ser mal-
educado.
Virei-me na sua direcção e ela estava inclinada junto a
mim, quase estando a tocar-me. Quando a contemplei, vi
que os seus olhos, ainda que por pouco tempo, se tinham
tornado bastante meticulosos.
- Desculpa, Daniel! A minha mãe e o meu irmão não
são assim.
- Tudo bem – Respondi –Ao menos diziam o que se
passa…
De seguida Sally expirou em sinal de um pouco de
compreensão.
- Está bem, está bem – Concordou, deixando de me
olhar como anteriormente. Tornei a manter a postura mais
mole e cruzei os braços. A porta atrás de mim acabara de
fechar, o que me fez apenas perceber que Sally fizera um
sinal em direcção aos seus parentes, discreto mas visível.
Depois ambos saímos do restaurante.
Sally parecia transtornada com a confusão causada
momentos atrás. Em plena via publica debruçava-se para
conseguir fazer-me retornar o meu ar simpático, mas,
mesmo assim parecia não o conseguir. Não iria haver
discussão e ela olhou-me com os olhos afundados nos
meus, ao mesmo tempo que me travava o caminho para
me enfrentar.
O sol há muito que se pusera, e, com todo o cenário de
confusão, esquecera-me de quanto tempo permanecera
fora de casa. Aproximadamente duas horas, que o relógio
marcava como sendo oito e meia da noite.
- Pois… – Tentou, com a voz a falhar-lhe de
atrapalhação – Desculpa.
Virei o rosto, não querendo parecer zangado. Sabia
que ela não tinha culpa de nada.
- Obrigado – Disse ela, quando as suas sobrancelhas a
formarem uma forma descontraída. – Então isso quer dizer
que me perdoas?
Ri-me. O rosto foi sincero e natural, sem esforço.
Parecia que a tinha perdoado mesmo antes de o querer
fazer.
- Se houvesse maneira de ficar chateado contigo –
Esperei – Estaria claramente à beira de estar em total
insanidade.
Esta última parte fez crescer-lhe um largo sorriso, e
um pouco avermelhado de vergonha.
Logo tentei arranjar forma de a deixar de novo à
vontade.
- Onde vamos agora? – Perguntei em sinal de
brincadeira, com a voz num tom irónico, quase a rir-me.
- Acho… – Disse com lentidão –, Não te posso
confirmar… mas acho que está a ficar tarde para ires para
casa…
Sabia a que se referia. O olhar para o relógio tinha-lhe
despertado o problema de, na verdade, eu estar mesmo
atrasado para chegar a casa. Já passava das horas de jantar
e eu não avisara ninguém. Porém, como os meus padrinhos
chegavam sempre tarde a casa, deixei que a minha
expressão fosse de extrema inocência para tal.
- Talvez fosse melhor levar-te a casa. Não pretendo, de
todo, arranjar mais problemas.
- Problemas? – Perguntei com a voz bastante rouca.
- Na verdade, apenas saí uma vez sozinha, esta vez.
Não sei se devemos ficar mais tempo ou…
- Tenho tempo. – Cortei-lhe aquele raciocínio, dando-
lhe um beijo breve.
- És muito mau nisto das surpresas. Acho que não me
deves fazer isto mais vezes, senão…
Sally parou de falar e as palavras ditas sofriam uma
mutação a caminho do silêncio.
- Ah, sim… E antes de mais, aquela vez em que me
apanhas-te…
- Bem, penso que te teria de dar uma explicação a
qualquer momento, quanto mais não fosse, um dia destes –
Mostrava bastante nervosismo, e depois apontou para trás
de mim, desaparecendo de seguida. – Não hoje. Terei de te
falar nisto numa altura apropriada. Se quiseres voltar para
casa eu levo-te, mas não falo neste assunto agora. - O
silêncio imperou impacientemente.
- De acordo, mas, importas-te de aparecer? Não
entendo como fazes isto. A propósito – Acrescentei – Esta
noite podias ir lá a casa.
Observei-a para ver se estaria disposta a tal, para que
não ficasse a pensar outras coisas; no entanto ela pareceu
bastante agradada com a ideia, manteve o seu sorriso,
apesar de me ter olhado mal lhe fizera a interjeição, meia
surpreendida.

Sally apresentava ser muito mais do que eu podia


observar nela. Não parecia ser uma humana qualquer, e era
ao mesmo tempo uma rapariga cheia de segredos, o que
despertava em mim a paixão que nunca tivera por
ninguém. A sua mãe seria decerto mais velha, pelo que, de
algum modo, conseguia aparentá-lo, e, em termos lógicos,
isto era completamente normal.
Voltei a falar a Sally, tendo alguma inveja por ser tão
bela.
Ela reparou e ficou calada. Eu estava demasiado
absorto para ver o seu rosto que parecia um manto de neve
em pleno Inverno, claro, mas em sintonia com a noite sem
estrelas.
Sentia-me diferente. Ao olhá-la, o meu ser estremecia.
- A forma como me olhas parece ser de admiração –
Sussurrou – Não quero que te prendas demasiado a mim,
Daniel.
Soltou as palavras como se fossem tormentos a saírem
do seu interior. Estava em agonia.
- Daniel… se eu te pedisse uma coisa e que não podias
contá-lo a ninguém, guardavas segredo?
A minha resposta não saiu prontamente. Sally ansiava
que eu respondesse.

- Penso que… sim, acho eu. Mas depende da coisa que


me pedirias. Alias, eu não gosto muito de guardar segredos,
porque sou um pouco distraído – Pus as mãos no rosto – E
posso cometer o erro de o contar.
De uma forma descontraída, ela agarrou-me uma mão,
segurando-a firmemente na sua, ao mesmo tempo que se
preparava para me revelar algo.
- Confiaria em ti para tal, mas tenho medo de me
precipitar – Abanou a cabeça – Sei que estou a ser
incorrecta, mas não nos conhecemos tão bem para te
contar algo assim. Terás de descobrir isto sozinho. Eu dar-
te-ei pistas.
Subitamente, senti-me gelado ao ver que Sally cerrara
o sorriso como se tratasse de uma porta fechada a sete
chaves. Assustei-me e ela retraiu-se. Era claramente a
noção de que tinha ido para lá do limite do razoável, ao
quase desprezar algo tão precioso como um segredo que
aquela rapariga tinha para contar.
Um “sim” em vez daquela frase incómoda, daria uma
conversa mais que interessante.
Pisquei os olhos com tanta força que comecei a ficar
tonto. Era muito melhor ser eu a não querer ver a realidade
do que sucedera. Ela tinha visto que era um mau começo,
para ambos.
Depois, os olhos de Sally pareceram apagados, com a
íris num tom escuro e monótono, o que me surpreendeu; a
minha «ideia» de boa noite seria um desfecho que acabaria
no mínimo com o adeus que tanto tentara adiar.
Sentia-o eminente.
Fez-se silêncio de repente, e, apenas me senti
consciente quando o barulho de um motor soou de
rompante pela estrada fora. Os meus olhos recusaram-se a
deixar de olhar Sally, e a principio pensei que até
começassem a fechar-se de tão monótono que a noite se
tinha tornado, sem conversa.
- Tens alguma coisa contra motas?
- Não – Repliquei de seguida. O meu tom de voz quase
parecia um silêncio pensante.
Depois a cbr600, amarela e preta, parou mesmo à
nossa frente e a pessoa que a guiava tirou o capacete,
passando-o a Sally e apontando para aquela bomba.
Subitamente, fez com que a minha expressão
parecesse sombria, mostrando-me de dentes cerrados e
com o olhar atentar transmitir alguma ironia.
- Consegues montá-la?
- Mas o que te interessa isso? - Questionei com
ferocidade - Afinal és tu que vais andar e não eu... Quem é
aquele que te entregou o capacete?
Os seus olhos começaram-se a semicerrar e o seu
rosto mostrou um ligeiro tom avermelhado. Sally parecia
prestes a sorrir timidamente.
- Vamos? - Desviou o olhar para não responder – Vou
levar-te a casa. - Não sei – Mantive o pensamento em
seguimento do que me tinha dito. Será que não confiava
em mim? Afinal o seu segredo teria de ser permanecido em
sigilo, com a resposta negativa que lhe dera.
Senti-me envergonhado por tal; no entanto o momento
não poderia ser para voltar atrás, e, talvez no dia seguinte
eu pudesse saber qual era o mistério que ela guardava.
Tentei pensar noutro assunto antes de nos dirigirmos à
estrada. Pensei naquela companhia incrível, linda e
resplandecente, querendo falar-me.
Segurei a sua mão enquanto ela me olhava com
alguma precaução, e montamos aquela quase "assassina".
- Isto é horrível – Afirmei. Tinha demorado poucos
segundos a compreender de que a brisa que passava
através do meu cabelo em magotes, era na verdade um
vento gélido e cortante, fazendo-nos quase tombar de tão
forte que era.
A mota estava em pleno andamento, e o ponteiro das
velocidades não se afastava dos cento e vinte quilómetros.
Assim, era preferível desfrutar da viagem enquanto ainda
era tempo.
Abri os olhos e Sally permanecia concentrada no
manto negro com listas brancas que estavam a precipitar-
se na escuridão.
- Assusta-te? - Murmurou com a voz suave.
- De vez em quando – A minha voz pareceu
descontraída – Acho que quase voámos aqui. Andas com
velocidade mas com suavidade, o que não me põe
nervoso... – Sentia-me bem.
Estávamos perto das árvores que rodeavam a minha
rua.
Quase sem se notar, Sally pousou um pé no chão,
anunciando a nossa chegada, e eu, saí do seu veículo a
cambalear, porque além da mítica Harley, esta seria a
segunda moto em que andara, e a velocidade da cbr era
estonteante.
Estávamos agora ambos inclinados, um sobre o outro.
Sally mantinha as mãos nos bolsos; inclinei-me mais para
lhe beijar a testa fria, com a minha mão direita a segurar-
lhe o queixo. Sabia que me tinha de manter positivo em
relação ao dia seguinte, pensar que ela viria à escola,
provavelmente com muito receio disso é que o meu beijo
saiu mais prolongado do que eu esperava.
Era demasiado para mim, ter de esperar por ela.
- Achas que gostas de mim ao ponto de não quereres
que me vá embora. – Admitiu ela em tom baixo, pondo as
suas delicadas mãos à volta dos meus ombros.
Fiz um esforço para me lembrar do primeiro dia em
que a vira: aqueles olhos, aquela face...
– Estás preocupado comigo – Disse entre dentes. Os
meus dedos agarraram os seus braços com firmeza.
- A deslumbrar-te apenas – Esclareci, mostrando
concentração nas palavras, pois estava claramente a
mentir.
- Confias em mim assim tanto? - Baixei o olhar para
não responder. Ela sabia a resposta.
- Preferes não responder a esperar que me vá embora,
para ficares na ânsia de me veres amanhã, para saberes o
que tenho para te contar?
- Estás enganada. Olhei-a rapidamente e vi que o seu
sorriso voltara.
- Como posso sabê-lo? - Perguntou num sussurro.
- Porque pensas assim?
Depois o silêncio arrastou-se. Recusei deixá-la sair dali
sem responder, procurando que ela não desaparecesse no
instante seguinte.
Mantinha os olhos pregados nela, como um caçador
com atenção redobrada à presa.
- Olha para mim – Disse, com grande reflexão que vira
nos seus olhos – Sou uma rapariga estranha, à excepção de
quando me beijas e eu a ti. Mas se eu olhar para ti... –
Percorreu a sua mão pelo meu rosto, passando pelos meus
ombros onde bateu duas vezes com alguma força – Tu tens
uma imagem bonita, inteligente, sabes que mais cedo ou
mais tarde isto terá de acabar não sabes?
- Não acredito.
- Se parares para pensar no que se passou hoje, verás
como tenho razão. Não é vulgar nada do que se passou no
restaurante.
Apressei-me a responder-lhe, em sinal de conclusão.
- Não te deixarei, seja o que for que tenhas para me
contar. Confio plenamente em ti. Os meus sentimentos são
mais fortes que eu – Tentava debater-me contra a
despedida – E se não te vir mais? E depois, se eu souber
que és demasiado importante para mim e tu não estiveres
lá?
- Jamais o faria.
De repente desapareceu. Para mim tinha sido uma boa
opção, já que não pretendia mais despedidas.
A sua presença, por outro lado, era fundamental. Eu
não iria desistir, e ela seria o que de melhor tinha agora.
- Até amanhã – Concluiu com a voz a arrastar-se pela
rua fora.

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