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TEMPO COMUM. VIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO.

CICLO B

92. OUVIR A DEUS E FALAR DELE


– O milagre da cura de um surdo-mudo.

– Não devemos permanecer calados ante a ignorância religiosa.

– Falar com clareza e simplicidade; também na direcção espiritual.

I. A LITURGIA DA MISSA deste domingo é um apelo à


esperança, à plena confiança no Senhor. Num momento de
tribulação, o profeta Isaías levanta-se para reconfortar o Povo
eleito que vive no desterro1. Anuncia o alegre retorno à pátria.
Dizei aos covardes de coração: Sede fortes e não temais; eis
que o vosso Deus trará a vingança e a retribuição. Ele próprio
virá e vos salvará. E o Profeta vaticina prodígios que terão o seu
pleno cumprimento com a chegada do Messias. Descerrar- se- ão
os olhos dos cegos e abrir- se- ão os ouvidos dos surdos; os
coxos saltarão como os cervos, e desatar- se- á a língua dos
mudos; as águas jorrarão no deserto e as torrentes na estepe.
Com Cristo, todos os homens são curados, e as fontes da graça,
sempre inesgotáveis, convertem o mundo numa nova criação.

O Evangelho da Missa2 narra a cura de um surdo-mudo. O


Senhor levou-o a um lugar à parte, pôs os dedos nos seus
ouvidos e tocou-lhe a língua com saliva. Depois olhou para o céu
e disse: “Effetha”, que quer dizer, “abre- te”. E imediatamente se
lhe abriram os ouvidos e se lhe soltou a prisão da língua, e
falava claramente.

Os dedos significam a poderosa acção divina3, e a saliva


evoca a eficácia que lhe era atribuída para aliviar as feridas.
Ainda que a cura tenha resultado das palavras de Cristo, o
Senhor quis utilizar nesta ocasião, como aliás em outras,
elementos materiais visíveis, para dar a entender de alguma
maneira a acção mais profunda que os sacramentos iriam
efectuar nas almas4. Desde os primeiros séculos e durante
muitas gerações5, a Igreja serviu-se desses mesmos gestos do
Senhor para administrar o Baptismo, enquanto orava sobre a
criança que era baptizada: O Senhor Jesus, que fez ouvir os
surdos e falar os mudos, te conceda que a seu tempo possas
escutar a sua Palavra e proclamar a fé6.

Nesta cura que o Senhor realizou, podemos ver uma imagem


da sua acção nas almas: ela livra o homem do pecado, abre-lhe
os ouvidos para que escute a Palavra de Deus e solta-lhe a
língua para que louve e proclame as maravilhas divinas. É uma
acção que tem início no momento do Baptismo – por
intervenção do Espírito Santo, Digitus paternae dexterae7, o
dedo da destra de Deus Pai, como o chama a liturgia –, mas que
se prolonga pelo resto da nossa vida. Santo Agostinho, ao
comentar esta passagem do Evangelho, diz que a língua de
quem está unido a Deus “falará do bem, porá de acordo os que
estão desavindos, consolará os que choram... Deus será
louvado, Cristo será anunciado”8. É o que nós faremos se
tivermos o ouvido atento às contínuas moções do Espírito Santo
e a língua preparada para falar de Deus sem respeitos humanos.

II. EXISTE UMA SURDEZ da alma que é pior que a do corpo,


porque não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir. São
muitos os que têm os ouvidos fechados à Palavra de Deus, e são
também muitos os que se vão endurecendo cada vez mais ante
as inúmeras chamadas da graça. O nosso apostolado paciente,
tenaz, cheio de compreensão, acompanhado de oração, fará
com que muitos dos nossos amigos ouçam a voz de Deus e se
convertam em novos apóstolos que a apregoem por toda a
parte.

Não podemos ficar mudos quando devemos falar de Deus e da


sua mensagem sem constrangimento algum, antes vendo nisso
um título de glória: os pais aos seus filhos, desde a primeira
infância e continuando depois, com dom de línguas, na
puberdade e na juventude; o amigo ao amigo, com sentido de
oportunidade, mas sem receios; o colega de escritório aos que
trabalham ao seu lado, com o seu comportamento exemplar e
alegre e com a palavra que estimula a sair da apatia; o
estudante aos colegas de Universidade com quem convive
tantas horas por dia...

Os motivos para falar da beleza da fé, da alegria incomparável


de possuir a verdade de Cristo são muitos. Mas dentre todos
eles destaca-se a responsabilidade recebida no Baptismo9 de
não deixar que ninguém perca a fé ante a avalanche de ideias e
de erros doutrinais e morais que inunda o mundo e perante os
quais muitos se sentem indefesos.

“Os inimigos de Deus e da sua Igreja, manipulados pelo ódio


imperecível de Satanás, mexem-se e organizam-se sem tréguas.
“Com uma constância «exemplar», preparam os seus quadros,
mantêm escolas, dirigentes e agitadores, e, com uma acção
dissimulada – mas eficaz –, propagam as suas ideias e levam –
aos lares e aos lugares de trabalho – a sua semente destruidora
de toda a ideologia religiosa.

“– O que não deveremos fazer nós, os cristãos, para servir o


nosso Deus, sempre com a verdade?”10 Vamos permanecer
impassíveis?

Peçamos ao Senhor fé e audácia para anunciar com clareza e


simplicidade as magnalia Dei11, as maravilhas de Deus de que
somos testemunhas, como fizeram os Apóstolos depois do dia
de Pentecostes. Santo Agostinho aconselha-nos: “Se amais a
Deus, atraí para que o amem todos os que se reúnem convosco
e todos os que vivem na vossa casa. Se amais o Corpo de Cristo,
que é a unidade da Igreja, estimulai a todos para que gozem de
Deus e dizei-lhes com David: Engrandecei comigo o Senhor e
louvemos todos juntos o seu santo nome (Prov 21, 28); e nisto
não sejais parcos nem tímidos, mas conquistai para Deus todos
os que puderdes e por todos os meios possíveis, conforme a
vossa capacidade, exortando-os, suportando-os, suplicando-lhes,
conversando com eles e falando-lhes com toda a mansidão e
suavidade da razão de ser das coisas que dizem respeito à fé” 12.
Não fiquemos calados quando tantas são as coisas que Deus
quer dizer através das nossas palavras.

III. CHEGOU O TEMPO em que se descerrarão os olhos dos


cegos, e os ouvidos dos surdos se abrirão, e o coxo saltará
como um cervo, e a língua do mudo cantará... Esses prodígios
realizam-se nos nossos dias com uma profundidade muito maior
do que aquela que o Profeta tinha previsto; realizam-se na alma
que é dócil ao Espírito Santo.

São Marcos transmite-nos a palavra aramaica que Jesus


utilizou: Effetha, abre-te! É uma ordem que o Senhor nos faz
chegar de muitas maneiras à intimidade da alma, sob a forma de
um conselho imperativo do Espírito Santo. A boca deve abrir-se
e a língua deve soltar-se para falar com clareza sobre o estado
da alma na direcção espiritual.

Os que dispõem desse meio seguro de progresso espiritual


devem ser conscientes da necessidade absoluta de serem muito
sinceros, de exporem com simplicidade a sua situação interior,
os desejos de santidade que os movem e as tentações do
inimigo, as vitórias que alcançam e os desânimos que os
assaltam. E o ouvido deve estar desimpedido para escutar
atentamente os vários ensinamentos e sugestões que o Mestre
lhes quer fazer chegar por esse meio13.

Com essa sinceridade e docilidade, a batalha está sempre


ganha, por mais difícil que seja; com a duplicidade, o isolamento
e a soberba do critério próprio, está sempre perdida. É o Senhor
quem cura e utiliza os meios que quer, sempre
desproporcionados. São Vicente Ferrer afirmava que Deus “não
concede nunca a sua graça àquele que, tendo à sua disposição
uma pessoa capaz de instruí-lo e dirigi-lo, despreza esse meio
eficacíssimo de santificação, julgando que se basta a si própria
e que pelas suas próprias forças pode procurar e encontrar o
que é necessário para a sua salvação... Aquele que tiver um
director e lhe obedecer sem reservas e em todas as coisas –
ensina o Santo – chegará mais facilmente à meta do que se
estiver sozinho, ainda que possua uma inteligência muito aguda
e muitos livros sábios sobre coisas espirituais...”14

Há um qualificativo que define perfeitamente como deve ser a


nossa sinceridade nos assuntos relativos à nossa alma:
selvagem. É a sinceridade do homem recto, sem duas caras, que
não se importa de ficar mal, que sabe que é uma insensatez
fingir ou “dourar a pílula” diante de quem lhe pode dar a
orientação certeira para sair dos seus problemas, desde que os
conte: “Tens de amar e procurar a ajuda de quem orienta a tua
alma. Na direcção espiritual, põe a descoberto o teu coração,
por inteiro – podre, se estiver podre! –, com sinceridade, com
ânsias de curar-te; senão, essa podridão não desaparecerá
nunca.

“Se recorres a uma pessoa que só pode limpar a ferida


superficialmente..., és um covarde, porque no fundo vais ocultar
a verdade, com prejuízo para ti próprio”15.

Não nos esqueçamos, por fim, de que os conselhos que


recebemos para a nossa orientação espiritual são instrumento
da acção do Espírito Santo na nossa alma. E que é por isso –
não por nos convencerem ou para fazermos uma experiência –
que os escutamos com docilidade, decididos a praticá-los a
todo o custo: “Não te limites a falar ao Paráclito, escuta-o! [...]
Reza-lhe assim: – Divino Hóspede, Mestre, Luz, Guia, Amor: que
eu saiba acolher-te, e escutar as tuas lições, e inflamar-me, e
seguir-te, e amar-te”16.
Na Santíssima Virgem temos o modelo completo desse
escutar com o ouvido atento o que Deus nos pede, para pô-lo em
prática com uma disponibilidade total. “Na Anunciação, Maria
entregou- se a Deus completamente, manifestando “a obediência
da fé” Àquele que lhe falava mediante o seu mensageiro,
prestando-lhe o “obséquio pleno da inteligência e da vontade”
(Const. Dei Verbum, 5)”17. Recorremos a Ela ao terminarmos a
nossa oração, pedindo-lhe que nos ensine a ser muito sinceros,
a ouvir atentamente tudo o que nos é dito da parte de Deus, e a
pô-lo em prática com docilidade de crianças.

(1) Is 35, 4-7; (2) Mc 7, 31-37; (3) cfr. Ex 8, 19; Sl 8, 4; Lc 11, 20; (4) cfr. M.
Schmaus, Teologia dogmática, vol. VI, Os sacramentos; (5) cfr. A. G.
Martimort, La Iglesia en oración, 3ª ed., Herder, Barcelona, 1986, pág. 596; (6)
cfr. Ritual do Baptismo, Baptismo das crianças; (7) cfr. Hino Veni Creator; (8)
Santo Agostinho, Sermão 311, 11; (9) cfr. Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium,
33; (10) Josemaría Escrivá, Forja, n. 466; (11) cfr. Act 2, 1; (12) Santo
Agostinho, Comentário aos Salmos, 33, 6-7; (13) cfr. R. Garrigou-Lagrange, As
três idades da vida interior, vol. I, pág. 295 e segs.; (14) São Vicente Ferrer,
Tratado sobre a vida espiritual, II, 1; (15) Josemaría Escrivá, Forja, n. 128;
(16) Josemaría Escrivá, op. cit., n. 430; (17) João Paulo II, Enc. Redemptoris
Mater, 25-III-1987, 13.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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