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ARTIGO TÉCNICO

TRATAMENTO DE ESGOTO PARA USO NA AGRICULTURA DO


SEMI-ÁRIDO NORDESTINO

TREATMENT OF SEWAGE FOR USE IN THE AGRICULTURE OF THE SEMI-ARID


NORTH EAST BRAZIL

JOSÉ TAVARES DE SOUSA


Mestre em Engenharia Civil, UFPB. Doutor em Hidráulica e Saneamento, USP. Professor da Universidade
Estadual da Paraíba (UEPB). Diretor do CCT/ UEPB

ADRIANUS CORNELIUS VAN HAANDEL


PhD em Engenharia Civil África do Sul. Pós-Doutorado Universidade Agrícola de Wageningen, Holanda.
Professor da Universidade Federal da Paraíba. Coordenador do PROSAB/UFPB

PAULA FRASSINETTI FEITOSA CAVALCANTI


Mestre em Engenharia Civil, UFPB. PhD na Wageningen University. Professora da Engenharia civil,
Universidade Federal da Paraíba

ANNA MITCHIELLE FERNANDES DE FIGUEIREDO


Mestranda do PRODEMA UFPB/UEPB

Recebido: 24/01/05 Aceito: 22/08/05

RESUMO ABSTRACT
O presente trabalho relata o desempenho de três sistemas de pós- The performance of three systems for the post treatment of digested
tratamento de efluente anaeróbio: wetland, leito de brita não sewage is discussed. The investigated systems were wetlands, rock beds
vegetado e lagoas de polimento, operados com o objetivo de and polishing ponds. The objective of the post treatment was to
produzir efluentes para reúso na agricultura do semi-árido do produce a final effluent for irrigation of cultures in semi-arid areas
Nordeste do Brasil. Para tanto, foram investigados os parâmetros: in North-East Brazil. From the obtained data COD, pH, solids,
DQO, pH, sólidos e suas frações, macronutrientes, ovos de macronutrients, helminths eggs and thermo tolerant coliforms it was
helmintos e indicadores de contaminação fecal. Apenas a Lagoa concluded that only polishing ponds were compatible with the WHO
de Polimento produziu um efluente compatível com as reco- recommendation for unrestricted irrigation. Effluents from the
mendações da OMS para irrigação irrestrita. Os efluentes dos wetland and rock bed systems, although free from helminths eggs,
sistemas wetland e leito de brita não vegetado, embora isentos contained a higher thermo tolerant coliform concentration than
de ovos de helmintos, apresentaram concentração de coliformes that recommended by WHO. The macro and micronutrient
termotolerantes acima dessas recomendações. A quantidade de concentrations in all three post treatment systems effluents were high
macro e micronutrientes contida nos três efluentes é suficiente enough for the demand of most cultures in the semi-arid region of
para a maioria das culturas cultivadas na região semi-árida do North-East Brazil .
Nordeste do Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Esgoto doméstico, tratamento anaeróbio, KEYWORDS: Domestic sewage, anaerobic treatment, post
pós-tratamento, reúso de água. treatment, water reuse.
INTRODUÇÃO atenuar o problema da escassez hídrica blemas de saúde pública, uma vez que
no semi-árido, sendo uma alternativa para acarretam enfermidades (Metcalf &
A região semi-árida do nordeste do os agricultores localizados especificamen- Eddy, 2003). Particularmente, o esgoto
Brasil é caracterizada por apresentar um te nas áreas circunvizinhas das cidades doméstico quando utilizado sem trata-
curto período chuvoso, temperatura ele- (Sousa et al, 2003). mento adequado pode contaminar o
vada e alta taxa de evaporação. Quanto à As águas residuárias tratadas e desti- ambiente, os trabalhadores das áreas cul-
quantidade de água no solo disponível às nadas ao reúso agrícola devem ser avalia- tivadas e os consumidores das culturas
plantas, nessa região, registra-se uma de- das sob os aspectos de sodicidade, irrigadas (Shuval et al, 1997).
ficiência hídrica na grande maioria dos salinidade, excesso de nutrientes e, sobre- Os esgotos detêm teores considerá-
meses do ano. O reúso planejado de águas tudo, sob os aspectos sanitários: bacté- veis de nutrientes. Estudos realizados por
residuárias domésticas na agricultura vem rias, cistos de protozoários, ovos de Monte e Sousa (1992); Vazquez-Montiel
sendo apontado como uma medida para helmintos e vírus que criam graves pro- et al (1996); Mota et al (1997) e Sousa e

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Tratamento de esgoto para uso na agricultura do semi-árido

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Leite (2003) mostraram que a produti- coordenadas geográficas de 07º 13’ S buição do fluxo foi depositada, na entra-
vidade (t/ha) de culturas irrigadas com e 35º 52’ W e altitude de 550 m, onde se da e na saída, uma camada de cascalho
esgotos tratados foi superior (15 a 30%) localizam a Estação de Tratamento Bioló- com 40cm de largura por 60cm de altu-
àquela de culturas irrigadas com água de gico de Esgotos (EXTRABES) e o grupo ra, com granulometria variando de 15 a
abastecimento e solo adubado com NPK, de pesquisa do Programa de Pesquisa em 20mm. O wetland era vegetado com
demonstrando a viabilidade do uso de Saneamento Básico ( PROSAB). macrófitas do tipo Juncus spp, apresen-
esgoto na irrigação. Foi operado, durante vinte meses, tando uma densidade de 25 propágulos
Aspectos relativos à qualidade sani- um reator de fluxo ascendente com man- vegetativos por metro quadrado. A vazão
tária e doenças de veiculação hídrica, ta de lodo (UASB), como unidade de tra- de alimentação e o TDH eram, respecti-
devido à utilização de esgotos domésticos tamento anaeróbio, seguido de três uni- vamente, de 0,325m3/dia e 7 dias.
na agricultura, são tratados na literatura dades de pós-tratamento, constituídas de O leito de brita foi construído em
especializada por Feachem et al, (1983); wetland, leito de brita não vegetado e la- alvenaria, também com 10m2 de área
Shuval et al, (1986); Strauss e goas de polimento. O esquema da Figura (10m de comprimento e 1m de largura),
Blumenthal (1989); Bastos et al (2003). 1 representa as unidades, estando as ca- tendo como enchimento brita com
Desta forma, a qualidade sanitária de es- racterísticas físicas e operacionais apresen- granulometria variando de 15 a 35mm,
gotos tratados tem que ser estabelecida tadas na Tabela 1. formando uma camada de 0,60 metros
para garantir o uso seguro na irrigação. O reator UASB, fabricado em PVC de altura e percentual de vazios de 48%.
No Brasil, não existem normas nem crité- com volume útil de 5m3, foi operado com A alimentação era sub-superficial, com
rios próprios para reúso de água de quali- um tempo de detenção hidráulica (TDH) uma vazão de 0,411m 3 /dia o que
dade inferior, apesar da utilização de es- de 6 horas, sendo alimentado com esgoto correspondia a um TDH de 7 dias.
gotos domésticos na agricultura ser uma bruto coletado de um poço de visita do As lagoas de polimento, em núme-
prática milenar realizada em todos os con- sistema de esgotamento da cidade de ro de 5, totalizaram uma área de 50m2.
tinentes. Campina Grande, Paraíba – Brasil. Funcionando em série, cada uma com
Na falta de normas, seguem-se as O wetland foi construído em alve- 10m de comprimento, 1m de largura e
recomendações da Organização Mundi- naria e revestido internamente com mas- 0,60m de profundidade útil. O sistema
al da Saúde (OMS, 1989) que, tratando- sa impermeabilizante. Com área de 10m2 de tratamento UASB mais as lagoas de
se de irrigação irrestrita, recomenda me- (1m de largura e 10m de comprimento) polimento em série já vinham sendo ope-
nos de 1 ovo de helminto por litro e me- tinha, como enchimento, areia lavada rados há cerca de três anos. No período
nor ou igual a 1000 coliformes fecais por com granulometria variando de 2,8 a de monitoramento, a vazão de alimenta-
litro. Essas recomendações parecem mui- 4,8mm, formando uma camada de ção das lagoas (efluente do reator UASB)
to rigorosas, mesmo tratando-se de irriga- 60cm, com percentual de vazios de 38%. era de 2m3/dia. O TDH total nas lagoas
ção de alimentos que podem ser ingeri- Com a finalidade de melhorar a distri- era de 15 dias.
dos crus, sendo, ao mesmo tempo, omis-
sas em relação aos protozoários e vírus.
Para o uso adequado de esgotos na
irrigação se faz necessário o seu tratamen-
to para, além de garantir a qualidade hi-
giênica, corrigir certas características in-
desejáveis tais como: alta concentração de
sólidos e matéria orgânica putrescível.
Reatores anaeróbios de alta taxa, a
exemplo do reator UASB – Upflow
Anaerobic Sludge Blanked, seguidos de
unidades de pós-tratamento, atualmen-
te, vêm sendo largamente utilizados para
o tratamento de esgoto doméstico. Nesse Figura 1 - Esquema dos sistemas de tratamento operados
contexto, foi realizado um estudo, do qual
trata este artigo, sobre o pós-tratamento
de efluente anaeróbio em três diferentes Tabela 1- Características físicas e operacionais das unidades experimentais
sistemas: wetland, leito de brita não ve-
getado e lagoas de polimento, tendo como Unidade Dimensões TDH Vazão
finalidade avaliar e comparar a qualidade Profundidade (m) Volume (m ) (dia)3 (m3/dia)
dos efluentes produzidos para fins de ir-
rigação. UASB 2,50 5,00 0,25 20
Wetland 0,60 2,28* 7 0,325
MATERIAL E MÉTODOS
Leito de brita 0,60 2,88** 7 0,411
O experimento foi instalado e con- Lagoas de Polimento 0,60 30,00 15 2
duzido em área pertencente à Compa-
nhia de Águas e Esgotos do Estado da * volume de vazios (0,38 do volume total)
** volume de vazios (0,48 do volume total)
Paraíba (CAGEPA), localizada no muni-
cípio de Campina Grande – PB, com

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Sousa, J. T. et al.
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Enquanto os sistemas wetland e lei- Na Tabela 4, estão apresentadas as fatores contribuem para manter a dispo-
to de brita não vegetado foram operados espécies de helmintos e a freqüência rela- nibilidade do fósforo para a planta: ma-
com fluxo sub-superficial, as lagoas de tiva da presença desses no esgoto bruto e nutenção do pH perto da neutralidade,
polimento foram interligadas por tubu- nos efluentes tratados. A partir dessas ta- solo adequadamente arejado e a perma-
lações em conexão denominada topo- belas, discute-se a seguir os parâmetros nente incorporação da matéria orgânica
fundo, o efluente sai na parte superior e analisados. que permite a humificação, aumentando
através de tubulação de 20mm chega na o tamponamento e possibilitando a liga-
base inferior onde era distribuído. Nutrientes ção do fósforo em compostos de húmus
As análises físico-químicas e micro- que mantêm formas de fósforo disponí-
biológicas eram realizadas semanalmente O efluente do reator UASB con- veis para a maioria das plantas. Dessa for-
e seguiram recomendação do Standard tinha uma alta concentração de nutrien- ma, a fertirrigação com efluentes tratados
Methods for the Examination of tes (50mgNTK.L -1 , 7,0mgP.L -1 e fica favorecida devido à constante dose
Wastewater (APHA, 1998). A concen- 25,08mgK.L-1). Nas unidades de pós- de macronutrientes e matéria orgânica
tração de coliformes termotolerantes foi tratamento, as concentrações de N e P durante todo o ciclo da planta.
realizada através da técnica de membrana mantiveram-se ainda altas, exceto no
de filtração que expressa os resultados em efluente final das lagoas de polimento Matéria orgânica
Unidade Formadora de Colônias por (8,9mgN-NH4+.L-1 e 4,71mgP.L-1). Ob-
100mL da amostra, apesar de a WHO serva-se que concentrações de nitrogênio A presença de matéria orgânica
(1989), nas diretrizes e recomendações amoniacal maiores que 30mg.L-1 não são no esgoto tratado, nesse trabalho, foi
para uso de esgoto tratado na agricultura, recomendadas para a irrigação e, tratan- mensurada em termos de Demanda Quí-
recomendar para irrigação irrestrita quan- do-se de culturas sensíveis, teores de ni- mica de Oxigênio (DQO). A matéria or-
tidade de coliformes expressa em Núme- trogênio amoniacal acima de 5mg.L-1 já gânica estabilizada e na forma de húmus
ro Mais Provável por 100mL. Já os ovos causam efeitos negativos para as culturas exerce efeitos positivos sobre suas pro-
de helmintos foram determinados pelo sensíveis (Ayers e Westcot, 1991). No en- priedades físicas e químicas do solo, além
método de Bailenger (WHO,1989). Aos tanto, quando se observa a Tabela 3, a de possibilitar a formação de “grumos”
dados obtidos, foi dado um tratamento quantidade de nitrogênio disponível por que são agregados secundários constituí-
estatístico, estimando-se medidas de dis- hectare pode ser insuficiente, por exem- dos de microrganismos (Primavesi, 2002;
persão e de tendência central. Para testar plo, para irrigação de gramíneas durante Brady, 1989).
as médias amostrais entre os sistemas de a estação quente e em solos com teor de Conforme Tabela 2, a baixa con-
tratamento, foram aplicados métodos es- matéria orgânica menor que 2,5%, que, centração de sólidos suspensos voláteis
tatísticos de inferência com a análise de segundo Malavolta et al (2002), necessi- (75 mg SSV.L-1) e o reduzido valor de
variância (ANOVA), considerando um tariam de adubação mineral na ordem de DQO (220mg. L-1) apresentados no
nível de significância de 5%. 200kgN/ha por ciclo. efluente do reator UASB são fatores que
Lagoas rasas, com localização geo- contribuem para que a lagoa de poli-
APRESENTAÇÃO E gráfica no Nordeste, possibilitam o apro- mento tenha baixa turbidez e apresente
DISCUSSÃO DOS veitamento de mais de 84% da radiação maior transparência para a passagem de
RESULTADOS incidente, com uma duração média de luz solar, favorecendo desta forma, a in-
insolação de 2800h.ano-1. Esses fatores tensa atividade fotossintética com gran-
A Tabela 2 apresenta os valores mé- favorecem o processo de fotossíntese, re- de produção de oxigênio pelas algas.
dios e desvio padrão da concentração dos duzindo sobremaneira a concentração de Cavalcanti (2003) estudando a re-
parâmetros determinados, durante o pe- CO2. Com a diminuição da acidez, ocor- moção de matéria orgânica, em diferen-
ríodo experimental, no esgoto bruto, re a elevação do pH, prevalecendo a fase tes lagoas de polimento em função do
efluentes do reator UASB, Wetland, Lei- gasosa da amônia e o desprendimento de tempo de detenção hidráulica, para dife-
to de Brita (L.B) e efluente final das La- gás amônia da fase líquida, associado à rentes profundidades, observou que a
goas de Polimento (L.P). precipitação de sais insolúveis de fósforo, DQO oriunda do reator UASB foi rapi-
Já na Tabela 3, estão apresentados os tais como a estruvita (Mg(NH4)PO4) e damente reduzida na lagoa de polimen-
valores médios de nitrogênio, fósforo e apatita (Ca10(OH)2 (PO4)6). to, devido, sobretudo, ao processo físico
potássio, disponíveis por hectare, a partir Com relação ao fósforo e ao potássio de sedimentação de flocos de lodo
dos efluentes do reator UASB, leito de expressos em P2O5 e K2O, respectivamen- anaeróbio. No entanto, à medida que au-
brita não vegetado, wetland e o efluente te, estes encontram-se em quantidades mentava a profundidade da lagoa, a di-
final das lagoas de polimento. Para estimar consideráveis. No entanto, no caso espe- minuição da DQO ocorria mais lenta-
a quantidade disponível de cada cífico do fósforo, observa-se (Tabela 3) mente.
macronutriente, foram feitas as seguintes uma menor quantidade para o efluente Os efluentes advindos do leito de
considerações: a maioria das culturas regi- advindo do sistema wetland. brita e do sistema wetland apresentaram
onais tem ciclo vegetativo de 100 dias e Sabe-se que o fósforo é um consti- DQO relativamente baixas, 78 e
atinge uma ótima produtividade com tuinte fundamental que armazena e trans- 60 mgO2. L-1, respectivamente (Tabela 2).
600mm de chuva bem distribuída. Por fere energia à planta, e sem a presença A análise de variância (ANOVA), testan-
hectare, o volume de água seria de 6.000m3 desse não ocorre nenhum processo meta- do os valores médios entre os sistemas de
por ciclo da cultura. Considerando, por bólico. Sabe-se também que se deve evi- tratamento, não detectou diferença sig-
exemplo, o efluente do reator UASB, o tar a fixação do fósforo na formação de nificativa (p<0,05), entre os efluen-
nitrogênio amoniacal disponível seria de complexos que a planta não consegue tes do wetland e do leito de brita. Estes
6000m3*38,37 =230kg/ha por ciclo. absorver. Segundo Primavesi (2002) três efluentes quando utilizados na

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Tratamento de esgoto para uso na agricultura do semi-árido

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Tabela 2 - Valores médios e desvio padrão da concentração dos parâmetros determinados
no esgoto bruto (EB), efluentes do reator UASB e das unidades de pós-tratamento

Parâmetros n Medidas E.B UASB L.B Wetland L. P


estatísticas
NTK 30 Média 52,23 50,0 34,96 28,03 15,57
(mg.L-1) δ 4,45 6,84 7,98 9,01 4,83
Nitrogênio 30 Média 39,52 38,37 30,86 23,52 8,90
amoniacal δ 1,13 7,06 8,63 8,98 7,94
(mg.L-1)
Fósforo total 30 Média 7,09 6,97 4,99 3,03 4,71
(mg.L-1) δ 1,28 0,95 2,33 1,26 0,15
Ortofosfato 30 Média 4,51 5,83 3,00 2,68 3,1
(mg.L-1) δ 0,71 1,04 2,42 1,12 1,48
Potássio 30 Média 25,08 23,76 25,01 24,36 26,0
(mg.L-1) δ 2,99 3,3 3,47 3,15 1,36
Sólidos totais 30 Média 1140 788 377 102 806
(mg.L-1) δ 105 178 209 59 92
DQO 40 Média 682 220 78 60 129
(mg.L-1) δ 129 40 20 18 63
Sólidos suspensos 30 Média 331 98 15 6 28
(mg.L-1) δ 206 57 2 4 15
Sólidos suspensos 30 Média 249 75 10 4 21
voláteis (mg.L-1) δ 150 51 2 3 15
pH 48 Média 6,71 6,85 7,51 7,41 8,82
Máximo 6,9 7,04 7,82 7,8 9,20
Mínimo 6,61 6,68 7,26 7,05 8,29
Condutividade 30 Média 1,648 1,579 1,565 1,517 1,46
elétrica (25°C) δ 0,186 0,129 0,111 0,091 0,077
Cloretos 15 Média 214 197 189 160 210
(mg.L-1) δ 42 9 7 10 17
Coliformes 28 Média 1,0x107 9,8x106 9,8x103 7,9x103 9,2x102
termotolerantes geométrica
(UFC/100mL)

Tabela 3 - Valores médios dos nutrientes: nitrogênio, fósforo e


potássio contidos nos efluentes e calculados para culturas regionais
de 100 dias de ciclo vegetativo
Unidades N P2O5 K2O
(kg/ha) (kg/ha) (kg/ha)
UASB 230 80 175
Leito de Brita 185 41 181
Lagoas de Polimento 53 42 188
Wetland 141 37 176

fertirrigação têm valores nutritivos (ni- bioestrutura granular aumenta a capaci- Potencial hidrogeniônico -
trogênio e fósforo) superiores ao efluente dade de armazenar umidade, reter e fi- pH
da lagoa de polimento, bem como uma xar fósforo e nitrogênio, aumenta a capa-
DQO mais estabilizada. cidade de troca de cátions (CTC) , ajuda Um solo é ácido quando possui
Dessa forma, a matéria orgânica es- a reter potássio, cálcio, magnésio, entre muitos íons H+ e poucos íons de Ca2+,
tabilizada é fonte de energia para os outros nutrientes disponíveis para a Mg2+, K+ e Na+ adsorvidos nas suas partí-
microrganismos, de forma que a fertirrigação. culas. Na prática, o pH torna-se relevante

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Sousa, J. T. et al.
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quando se conhece a textura e a estrutura Dados parasitológicos remoção representa uma significativa di-
do solo. A absorção dos nutrientes pela minuição de carga orgânica, favorecen-
raiz capilar depende do pH da água e do Ascaridíase é uma das helmintoses do, portanto, o pós-tratamento em siste-
solo e da espécie vegetal. de maior prevalência, sobretudo no nor- mas como Wetland, Lagoas de Polimento
A faixa de pH adequado à irrigação deste do Brasil. Observa-se na Tabela 4 e Leito de Brita.
está entre 6,5 e 8,4. Efluentes de siste- que a espécie Ascaris lumbricoides prevale- Devido à baixa qualidade higiêni-
mas biológicos de tratamento de esgotos ceu sobre as outras no esgoto bruto, com ca, efluentes de reatores UASB só devem
com pH fora dessa faixa poderão causar freqüência relativa de 56,5%. Valor simi- ser usados na irrigação com restrição.
desequilíbrios nutricionais à planta (Ayers lar (55%) foi obtido em esgotos brutos Os sistema wetland, Leito de Brita
e Westcot, 1991). Nesse contexto, ape- na área do canal de Suez (Stott et al,1997). não vegetado e Lagoas de Polimento, ope-
nas o pH do efluente final das lagoas de No efluente do reator UASB a freqüên- rados sob as condições apresentadas nes-
polimento se encontra fora da recomen- cia desses helmintos foi de 61,5%. Não sa pesquisa, produziram efluentes isentos
dação. foi observada a presença dos helmintos de ovos de helmintos. Os sistemas wetland
Observa-se que os valores do pH do investigados nos efluentes dos sistemas e leito de brita apresentaram concentra-
efluente final das lagoas foram determi- de pós-tratamento. ções de coliformes termotolerantes supe-
nados durante o período de maior insola- A remoção de ovos de helmintos se riores a 1000UFC/100mL, não sendo,
ção (entre 12:00 e 14:00 horas), quando dá por sedimentação discreta e, portanto, pois, recomendados para uso na irrigação
a atividade fotossintética era máxima, sen- depende da carga hidráulica superficial. irrestrita, segundo a OMS (1989).
do máximo o consumo de CO2 pelas al- Cavalcanti et al (2000), operando lagoa O efluente final produzido nas La-
gas. Conseqüentemente o pH era máxi- com carga hidráulica superficial de goas de Polimento apresentou boa quali-
mo nesse período (Cavalcanti et al, 2000; 0,22m/dia, não encontrou ovos de dade sanitária: baixa concentração de
Cavalcanti, 2003). No entanto, o efluente helmintos no efluente. Também não fo- coliformes termotolerantes (menor que
produzido à noite e nos períodos de me- ram encontrados ovos de helmintos no 1000 UFC/100mL) e ausência de ovos
nor insolação poderia ser utilizado, ten- efluente das lagoas operadas neste expe- de helmintos, podendo, pois, ainda se-
do-se ainda como benefício a redução de rimento, cuja carga hidráulica superficial gundo a OMS (1989), ser usado na irri-
perdas por evaporação. foi de 0,20m/dia. gação irrestrita.
Ainda com referência a parasitas, não Com exceção do efluente final,
Coliformes foi analisada a ocorrência de cistos de oriundo das Lagoas de Polimento, a quan-
termotolerantes protozoários nos efluentes dos sistemas tidade de macronutrientes contida nos
de pós-tratamento. No entanto, segun- outros três efluentes é suficiente para
Das unidades de tratamento inves- do a OMS (1989), a ausência de ovos a maioria das culturas regionais cultiva-
tigadas, apenas o efluente final das lagoas de helmintos nos efluentes pós-tratados das na região semi-árida do nordeste do
de polimento apresentou uma concen- indica a remoção de organismos Brasil.
tração média de coliformes termoto- sedimentáveis, incluindo cistos de
lerantes abaixo de 1000UFC/100mL protozoários, a exemplo de Entamoeba, AGRADECIMENTOS
(Tabela 2). Efluentes com essas caracte- Giárdia e Cryptosporidium.
rísticas sanitárias podem ser utilizados na Os autores agradecem ao CT-
irrigação irrestrita (WHO, 1989). CONCLUSÕES HIDRO, ao CNPq, BNB, à Companhia
Observa-se que, especificamente nas de Águas e Esgotos da Paraíba –
lagoas operadas, além da temperatura e Embora não removendo significa- CAGEPA, à EXTRABES e ao Programa
do pH que variaram entre 26OC ± 2OC e tivamente organismos patogênicos e nu- de Pesquisa em Saneamento Básico –
8,29 e 9,20, as características hidráulicas trientes, o reator UASB, com TDH de PROSAB.
(pouca mistura) e a pequena profundi- 6 horas, apresentou desempenho na re-
dade favoreceram o rápido decaimento moção de DQO e SSV superior a 60 e
bacteriano. 70%, respectivamente. Essa considerável
Os efluentes oriundos do leito de
brita e do sistema wetland apresentaram
concentrações médias similares de Tabela 4 - Quantificação (ovos/L) e freqüência (%) de ovos de helmintos no
coliformes termotolerantes, 9,8.103 e esgoto bruto e nos efluentes dos sistemas de pós – tratamento
7,9.103 UFC. mL-1, respectivamente.
Dessa forma, poderão ser utilizados na Espécies de Helmintos EB UASB LB Wetland LP
fertirrigação de culturas de cereais e
forrageiras (WHO, 1989). Nº F(%) Nº F(%) Nº Nº Nº
O tempo de detenção hidráulica Ascaris lumbricoides 202 56,5 141,4 61,5 0 0 0
nestes sistemas foi de apenas 7 dias, me-
Trichuris trichiura 98 27,7 49,3- 21,5 0 0 0
nos da metade daquele da lagoa de poli-
mento. O decaimento bacteriano, neste Ancilostomatideos 32 9,0 20,1 8,7 0 0 0
caso, deve-se a fatores físicos e químicos Enterobius sp 12,3 5,5 10,2 4,4 0 0 0
como: mecanismo de filtração, fixação de
biofilme no substrato, sedimentação, Hymenolepis sp 9,7 2,7 8,9 3,9 0 0 0
oxidação e sorção devido à presença de Total 353,7 100 229,9 100 0 0 0
matéria orgânica.

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Tratamento de esgoto para uso na agricultura do semi-árido

ARTIGO TÉCNICO
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