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FUNDAMENTOS

Capítulo Dois:
Variáveis metalúrgicas
1. Teoria da deformação plástica dos metais:
encuramento
2. Conformabilidade dos metais
3. Taxa de deformação
4. Influência da velocidade de conformação
5. Transferência de Calor
6. Influência da temperatura na conformação
7. Atrito e Lubrificação
8. Bibliografia
9. Lista de exercícios
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Capítulo Dois: Variáveis metalúrgicas
Na conformação plástica dos metais, não basta somente considerar os efeitos
mecânicos das forças atuantes, os efeitos metalúrgicos dos materiais sendo conformados
também constitui importante condição a ser levada em consideração. Os materiais metálicos
podem responder diferentemente a uma mesma solicitação mecânica (tensor de tensões) de
acordo com:
• o histórico de carregamento mecânico sofrido pelo metal;
• a temperatura onde esta solicitação ocorre;
• a velocidade na qual este carregamento é imposto;
• as condições de contato entre o metal e os moldes ou atuadores de carga;
• a capacidade de dissipação de calor presente no meio.

Neste capítulo serão vistas as influências destas variáveis na conformação plástica dos
metais e apresentados alguns métodos para quantificar os seus efeitos e reduzir suas
conseqüências degradativas.

2.1 – Teoria da deformação plástica dos metais: encruamento


Não é objetivo nesta disciplina descrever os mecanismos de deformação plástica dos
metais e sim as principais implicações práticas dos mecanismos existentes com respeito à
resposta destes materiais aos esforços de conformação plástica. Sabe-se que os metais não são
materiais perfeitos e homogêneos: na estrutura cristalina dos mesmos apresenta diversos
defeitos que dão certas características físicas e mecânicas para os metais. O esquema da figura
2.1 ilustra os tipos de defeitos que podem estar presentes na estrutura cristalina dos metais.

Figura 2.1 – Representação dos possíveis defeitos presentes na estrutura cristalina dos materiais
metálicos, Engel and Klingele, 1981.

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Os defeitos existentes, representados na figura 2.1, podem ser classificados como
sendo defeitos pontuais (átomos de solução sólida substitucional ou intersticial), planares
(contornos de grão) ou lineares (discordâncias).
As discordâncias são as arestas de
superfícies onde existe um deslocamento
relativo dos planos atômicos do metal,
conforme ilustrado pela figura 2.2 ao
lado. A discordância normalmente é
representada por meio da linha de sua
aresta.
Pode-se provar, por meio de
cálculos matemáticos ou mesmo através
de analogia, que a movimentação das
discordâncias é feita a um nível de
energia muito menor do que àquela
necessária à ruptura dos metais. Além
disso, cada discordância que se move, Figura 2.2 – Representação simples de uma
produz uma pequena deformação discordância, Callister (1997)
irreversível no metal (deformação plástica)
conforme mostrado na figura 2.3. Com a intensa movimentação de discordâncias, maior a
deformação plástica experimentada pelo metal. Assim sendo, a capacidade de um metal se
deformar plasticamente depende diretamente da mobilidade das suas discordâncias.

( a) (b)

Figura 2.3 – (a) Esquema mostrando a origem da deformação plástica através do movimento de uma
discordância sob tensão de cisalhamento, Dieter (1988). (b) Esquema mostrando com o somatório das
pequenas deformações produzidas pela movimentação das discordâncias pode produzir grandes
valores de deformação plástica, Dieter (1988).

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Metais puros, que apresentam tamanhos de grão grandes e que contenham apenas
algumas discordâncias deverão possuir um limite elástico muito baixo. Nestes casos, as
discordâncias presentes movimentam-se facilmente pelo material, pois não encontram
obstáculos em seu percurso, dotando o material de grande capacidade de deformação plástica.
Nos materiais estruturais, deseja-se que a mobilidade das discordâncias seja
restringida de modo a se evitar a deformação plástica, ou seja, aumentar-se o limite de
escoamento. A tabela 2.1 mostra as propriedades mecânicas de dois aços que apresentam
propriedades mecânicas distintas devido ao projeto feito nos materiais para permitir maior
movimentação de discordâncias (NBR 5906 EPA) e restringir a movimentação destas (NBR
6656 LNE 50).

Tabela 2.1 – Comparação entre as propriedades mecânicas* de um aço para conformabilidade


(NBR 5906 EPA) e outro para resistência mecânica (NBR 6656 LNE 50).

NBR 5655 EPA NBR 6656 LNE 50

Limite de Limite de Limite de Limite de


Along. Along.
escoamento resistência escoamento resistência
proporc. proporc.
(MPa) (MPa) (MPa) (MPa)

280 350 44,1% 438 520 23,9%

* - As curvas tensão vs deformação da tabela estão na mesma escala e devem ser consideradas curvas tensão vs
deformação convencionais, sem levar em consideração a rigidez do sistema de testes (vide I.4.3).

Porém, durante a movimentação das discordâncias no interior de um material


metálico, dois eventos ocorrem de modo a atrapalhar cada vez mais a movimentação das
discordâncias à medida que mais deformação plástica é imposta ao metal:

1. intersecção das discordâncias com obstáculos (outras discordâncias, contornos


de grão, precipitados, etc.);
2. multiplicação do número de discordâncias.

Os mecanismos existentes para a ocorrência destes dois eventos fogem do objetivo


desta disciplina. O importante é que os dois eventos tornam a continuidade da movimentação
das discordâncias cada vez mais difícil. Isto quer dizer que, à medida que a deformação
plástica progride, mais provável que as discordâncias em movimento encontrem obstáculos a
sua movimentação, que será dificultada, e mais endurecido torna-se o metal.
Ao fenômeno do aumento do limite de escoamento do metal, ou o seu endurecimento,
com a deformação plástica imposta dá-se o nome de encruamento.

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Em termos práticos, o encruamento se dá
por meio de uma severa deformação plástica do
metal a “frio"1. Esta deformação aumenta a
quantidade (densidade) de discordâncias presentes,
desordenando a estrutura cristalina, aumentando a
resistência e diminuindo a ductilidade do metal. A
figura 2.4 ao lado, esquematiza o que ocorre com as
propriedades mecânicas do níquel submetido a
diferentes graus de redução durante uma laminação
a frio.
Importante notar que a variação das
propriedades mecânicas dependerá das tensões e
deformações efetivas submetidas ao mesmo. Neste
caso, diferentes condições de tensão/deformação
efetivas provocarão diferentes graus de
encruamento, que não necessariamente são iguais Figura 2.4 – Alteração nas propriedades
ao encruamento provocado por um ensaio de tração. mecânicas de um metal com a presença de
Os efeitos do encruamento podem ser conformação plástica a frio (encruamento),
parcialmente ou completamente revertidos pelo Callister (199&).
aquecimento do metal a uma temperatura
suficientemente alta.
Neste caso são produzidos novos cristais no metal (no estado sólido), através de um
processo conhecido como recozimento (annealed). A figura 2.5.b ilustra o efeito do
recozimento em determinadas temperaturas na recuperação das propriedades mecânicas do
níquel, anteriormente deformado a frio em 80% por laminação.

( a) (b)

Figura 2.5 – (a) Variação nas propriedades mecânicas, segundo reveladas por um ensaio de tração, do
níquel com quantidades cada vez maiores de deformação por laminação. (b) Recuperação das
propriedades mecânicas de acordo com ciclos de recozimento de 1 hora nas temperaturas indicadas,
Meyers & Chawla (1999).

1
Conforme será visto, uma temperatura “fria” é aquela temperatura, em graus kelvin, cuja razão com o ponto de
fusão do material, em kelvins, é menor que 0,5.

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2.2 – Conformabilidade dos metais
Os metais possuem grande capacidade de conformação plástica, no entanto seu grau
de conformação tem limites, como já visto no item 1.10. Estes limites são definidos pela
formação de estricções, flambagem ou falha da peça em conformação.
Em um ensaio de tração, o CP2 inevitavelmente apresentará uma estricção em uma
região de menor resistência e conseqüentemente irá fraturar nesta região pela concentração de
tensões que surgirá. Uma maneira de evitar este inconveniente é a utilização de componentes
de tensões compressivas, no tensor de tensões atuante: as tensões de compressão tendem a
regularizar a formação da estricção e impedir a sua ocorrência localizada. O valor destes
componentes de compressão, assim como a sua localização deve ser conveniente para evitar
efetivamente a ocorrência de estricções.

( a)

(b)

Figura 2.6 – (a) Dois corpos de prova de material laminado a frio testados em tração até a ruptura e
um corpo de prova não testado. (b) Dois corpos de prova de material laminado a quente. Um dos CP´s
ainda não havia sido testado. A escala inferior está em cm. Notar a região de estricção do material.

2
Neste caso está sendo considerado material que apresente comportamento dúctil (plástico).

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A flambagem é uma questão que deve ser considerada quando são conformadas peças
de seção fina (delgadas). Este tipo de deformação impede a correta conformação da peça e
pode provocar inconvenientes na linha de produção. Neste caso, a solução é relativamente
simples: deve-se buscar conformar peças diminuindo-se o comprimento sob compressão ou
aumentando-se a espessura das mesmas.
A ocorrência de falhas é o grande limitante da conformação plástica dos metais. Neste
caso, “falha” é considerada no seu sentido mais geral, não sendo necessária a ocorrência de
uma fratura completa no material, basta o surgimento de defeitos ou irregularidades
superficiais para que a peça seja considerada inapta para seu uso final. Existem vários
exemplos de falhas em conformação, inclusive àquele ilustrado na figura 2.7.

Figura 2.7 – Tentativa frustrada de se conformar uma longarina com aço de alta resistência. O detalhe
à direita ilustra as trincas formadas na superfície da peça. Esta peça não é adequada ao serviço.

A falha durante a conformação pode se originar de duas fontes: do material sob


conformação ou do tipo de conformação que está sendo imposta. Quando a fratura é devida ao
material, este geralmente apresenta propriedades mecânicas ou uma estrutura interna
inadequadas para o tipo de conformação.
No caso da falha oriunda do processo, geralmente os pontos externos do material,
especialmente suas arestas, recebem maiores níveis de carregamento mecânico. Este
carregamento localizado pode, inclusive, vencer o limite de resistência localizado,
provocando a falha.
Neste sentido o coeficiente de encruamento (n) é um importante parâmetro para se
definir a capacidade de deformação plástica do material, já que este valor é igual à
deformação real no ponto de início da estrição (εuts), segundo as equações (1.30) ou (1.37).
Quanto maior o coeficiente de encruamento, maior a deformação real que o material pode
suportar antes da estrição e consequentemente maior a sua capacidade de deformação plástica
sem ocorrer estrição ou mesmo a fratura.
Para a quantificação da capacidade de conformação plástica de um metal, pode-se
utilizar diversos métodos de testes de conformabilidade disponíveis, conforme mostrado na
figura 2.8. Estes testes visam simular condições semelhantes a que estarão submetidas os
materiais analisados.

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Figura 2.8 – Sistemas de ensaios de conformabilidade (de cima para baixo e da esquerda para a
direita): dobramento simples, dobramento livre, embutimento (copo), embutimento Olsen ou Erichsen,
máquina de embutimento Erichsen e vista em detalhe.

2.3 – Taxa de deformação


A taxa de deformação ou velocidade de deformação (“strain rate”) é definida com
sendo a variação da deformação por unidade de tempo, conforme definido pela equação (2.1)
abaixo:

∂ε
ε& = (2.1)
∂t

Como a deformação não possui unidades, sendo normalmente expressa em


porcentagem ou então em mm/mm, então a taxa de deformação deverá possuir como unidade
s-1. Pode-se relacionar a taxa de deformação com a velocidade do metal (V) durante a sua
conformação da seguinte forma:

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Pela equação (1.8), sabe-se que:
εx = ∂u/∂x (1.8)

Considerando a aplicação da equação (2.1) na direção x e utilizado a equação (1.8), vem:


∂ε ∂ ∂u ( )
∂x = ∂ ⎛ ∂u ⎞ = ∂V X
ε& X = X = ⎜ ⎟ (2.2)
∂t ∂t ∂x ⎝ ∂t ⎠ ∂x

Da mesma forma para as outras direções e para a taxa de deformação cisalhante:


∂V
ε&Y = Y (2.4)
∂y
∂V Z
ε& Z = (2.5)
∂z
1 ⎛ ∂V X ∂VY ⎞
ε& XY = ⎜ + ⎟
2 ⎜⎝ ∂y ∂x ⎟⎠
(2.6)

Alguns modelos de cálculos aplicados aos processos de conformação, conforme


descritos no capítulo três, calculam as velocidades de deformação do material (VX, VY e VZ)
em qualquer ponto dentro da região sob deformação. Nestes casos, sabendo-se estas
velocidades pode-se calcular a taxa de deformação do material e correlacioná-la com a
resposta mecânica do material.
Da mesma forma como a soma das três deformações principais é igual a zero (vide
item 1.6.1), a soma das três velocidades de deformação também é zero, pela lei da constância
dos volumes:
ε&X + ε&Y + ε&Z = 0 (2.7)

Da mesma forma como a utilização do somatório das deformações ser nula, a


utilização de que o somatório das taxas de deformação ser igual a zero também auxilia nos
cálculos como uma condição de contorno a ser seguida.

2.4 – Influência da velocidade de conformação


A velocidade de deformação influencia no limite de escoamento e, conseqüentemente,
no nível de tensão necessária para provocar uma determinada conformação em um material
metálico. Esta influência será tanto maior quanto maior for a temperatura em que se encontra
o material. A figura 2.9 apresenta alguns gráficos da variação do limite de escoamento com a
taxa de deformação e temperaturas.

Uma fórmula bastante difundida para se quantificar esta influência é:

Y = σ YS 0 ε& m (2.8)

onde: Y –limite de escoamento geral, σYS0 – limite de escoamento referência, m – constante.

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