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Sobre o Valor de Troca

por
Ian Nascimento

O objetivo desse texto é criticar a noção de que o valor de


troca das mercadorias é dado pelo tempo de trabalho dispendido em
sua produção, argumento defendido por Karl Marx em seu livro
Contribuição à Crítica da Economia Política, de 1859. Além de
criticar essa noção, proponho sua substituição por um outro
conceito, o de que o valor de troca das mercadorias é uma
combinação da relevância de seus valores de uso e da
disponibilidade da mercadoria.

Marx inicia o livro explicando o que é uma mercadoria.


Segundo ele:
“A mercadoria é, em primeiro lugar,(...) qualquer coisa de
necessário, útil ou agradável à vida.”1

Atrelados a sua existência física, a mercadoria tem também


dois valores abstratos. O primeiro e mais evidente é o valor de uso.
Como diz o nome, esse valor diz respeito ao uso da mercadoria, ao
seu consumo. Assim, o valor de uso de um pão se realiza quando
alguém o come, ou, nas palavras de Marx: “O que nos interessa no
pão enquanto valor de uso são as suas propriedades alimentares, e
nunca o trabalho do padeiro.”2 (p. 21)

Esse valor pode ser realizado sob diversas formas, já que


uma mercadoria pode ser consumida de diferentes maneiras – uma
1
MARX, Karl, p. 11.
2

MARX, Karl, p. 21
folha de papel, por exemplo, pode ser consumida por um escritor,
por um desenhista, por um burocrata, etc. Para cada um desses, o
valor de uso do papel se apresenta de uma forma diferente.

Além disso, é importante notar, esse valor se mede tanto


qualitativa quando quantitativamente. Um metro de seda, por
exemplo, tem seu valor de uso medido, para um tecelão, tanto em
termos quantitativos – um metro – quanto em termos qualitativos –
seda de ótima qualidade, de média qualidade e assim por diante.

Um outro valor que se manifesta na mercadoria é o valor de


troca. O fundamento mais básico da economia é a troca, e é
evidente que mercadorias de natureza absolutamente distintas
podem ser trocadas entre si. Para que se estabeleça o comércio, é
necessário, entretanto, que exista uma maneira de medir, de regular,
qual tipo de mercadoria e em que quantidade pode ser trocada por
outra. É necessário que se possa medir o valor de troca das
mercadorias.

Esse valor acaba se impondo naturalmente, como sempre


ocorreu em qualquer sociedade onde o comércio existiu. Por mais
que as trocas fossem feitas entre indivíduos que atribuíam valores
de troca diferente ao mesmo objeto, como acontecia no escambo
entre europeus e indígenas americanos, por exemplo, ambas as
partes envolvidas na negociação jamais trocariam mercadorias com
alto valor de troca por outras de valor inferior. O valor de troca é
aquela entidade embutida na mercadoria que dita as possibilidades
dessa mercadoria de ser trocada por todas as outras. Quanto mais
alto o valor de troca, maiores são as possibilidades de permuta. Um
quilo de terra seca, mercadoria com baixíssimo valor de troca em
todas as sociedades que tenho notícia, não pode ser trocado por
quase nada.

Cabe analisar se o valor de troca é algo objetivo, inerente à


mercadoria, ou subjetivo, atribuído a ela por terceiros. Marx parece
apontar para a primeira opção ao dizer que os valores de troca são
trabalho materializado:

Enquanto materialização do trabalho


social, todas as mercadorias são
cristalizações da mesma unidade. (...)
Suponha-se que uma onça de ouro, uma
tonelada de ferro, uma quarta de trigo e
vinte varas de seda representam valores
de troca de igual grandeza. Sendo
equivalentes, anulada assim a diferença
qualitativa dos seus valores de uso, estes
produtos representam um volume igual
do mesmo trabalho.1

Assim, o valor de troca é facilmente medido pela quantidade


de trabalho indiferenciado abstrato necessário para produzir
determinada mercadoria. Trabalho indiferenciado pois todas as
particularidades relativas à produção são anuladas – nada importa
se o artesão era cego ou se ele consegue produzir três vezes mais
rápido do que seus companheiros. Essas características nada
influenciam no valor de troca da mercadoria. O único fator
determinante é a quantidade de trabalho socialmente necessário
para sua produção.

Marx ainda precisa definir um detalhe: como medir


trabalho? É evidente que há inúmeros tipo de trabalho, trabalho
braçal extenuante, trabalho que requer uma habilidade específica ou
trabalho que requer somente repetição, entre outros. Como
1
MARX, Karl, p. 13.
transformar todos esses tipos de trabalho em uma mesma medida, a
fim de que possamos então calcular corretamente os valores de
troca e possibilitar o comércio?

A solução apresentada pelo filósofo prussiano é “o modo


quantitativo de existência do trabalho é o tempo de trabalho.”1
Tempo de trabalho, a ser medido em horas, dias, semanas. Todas as
diferenças qualitativas existentes entre os variados tipos de trabalho
citados acima são apagadas em prol dessa única variável, o tempo.

Resumindo-se portanto a teoria temos que os valores de


troca das diferentes mercadorias são expressões quantitativas de
uma mesma unidade, o tempo de trabalho socialmente necessário
para sua produção. Assim, se uma determinada sociedade demora,
em média, 8 horas para produzir um relógio de pulso e 4 horas para
produzir um litro de cerveja, é fácil saber pelo que um relojoeiro
conseguirá trocar o fruto de seu trabalho diário: dois litros de
cerveja. Ele pode, como havíamos visto antes, trocar seus relógios
por todas as outras mercadorias disponíveis, bastando para isso
calcular a quantidade correta dos valores de troca envolvidos, pois
“enquanto valores de troca, todas as mercadorias são apenas
tempo de trabalho coagulado.”2

Mas há muito que as trocas entre mercadorias deixaram de


ser diretas, escambo. Desde tempos antigos encontramos a
presença, num maior ou menor grau de sofisticação e
complexidade, da moeda. Essa importante entidade já se apresentou
aos homens sob as mais diversas formas, desde as concretas cruzes

1
MARX, Karl, p. 14.
2
Idem, p. 15.
de pedra de povos africanos até os zeros e uns elétricos do dinheiro
virtual moderno. Mas o que é, exatamente, a moeda?

Segundo Marx, a moeda é qualquer mercadoria que, quando


isolada das demais, passa a representar tempo de trabalho geral.
Todas as outras mercadorias podem ser medidas através dessa, que
passa a ser o equivalente geral. Assim, ao invés de se calcular o
valor de troca de uma mercadoria com relação a várias outras,
calcula-se apenas seu valor em relação à moeda. O ouro, por
exemplo, a mais tradicional mercadoria excluída. A mercadoria
ouro continua existindo, e, enquanto mercadoria, preserva todos os
seus valores de uso – arquitetura, confecção de jóias. Porém,
enquanto moeda, o valor de uso do ouro é representar em si o
tempo de trabalho geral. Uma hora de trabalho humano abstrato
passa a valer 1/x gramas de ouro, e assim proporcionalmente.

Percebemos então o papel preponderante que ocupa o tempo


de trabalho na teoria de Marx. Ao imaginarmos uma determinada
mercadoria e nos perguntarmos sobre quais outras ela poderá ser
trocada, temos que nos reportar unicamente à quantidade de
trabalho humano dispendido em sua confecção. As trocas são feitas
entre semelhantes, duas horas de trabalho por duas horas de
trabalho, cinco dias por cinco dias. Cem gramas de ouro
conseguem comprar uma mesma quantidade de trabalho humano,
porém travestidos em uma infinidade de mercadorias distintas, de
valores de uso diversos.

Ora, a meu ver é evidente que existe algo de errado com essa
teoria. O principal ataque que tenho a fazer contra ela, entretanto,
não é filosoficamente poderoso: acuso-a de não corresponder à
experiência. Mesmo ciente de que a aparente correspondência com
a realidade é muitas vezes enganosa, proponho também um outro
modelo como sendo mais provável e que parece melhor se adaptar
aos fatos. Mesmo sendo leigo em assuntos econômicos, muito ao
contrário de meu adversário, lanço-me agora à tarefa de criticá-lo e
de tentar mostrar os pontos fracos, a meu ver, de sua teoria.

É contra-intuitivo imaginar que, ao fazermos trocas, as


mercadorias envolvidas são apenas materializações do tempo de
trabalho gasto em sua produção. Comerciantes não preocupam com
quanto tempo seu fornecedor gastou, antes de pagá-lo.
Consumidores em geral também pouco se importam se o que vão
comprar demorou um dia ou um mês para ser feito. A grande
maioria das partes envolvidas no comércio em geral parece não se
preocupar com o tempo gasto na produção.

Existe entretanto um grupo de pessoas às quais o tempo de


trabalho importa bastante – os próprios produtores. Um industrial
do ramo automobilístico se preocupa com a velocidade com a qual
seus carros são produzidos e, normalmente, quanto mais rápido,
melhor. A partir do momento em que o carro sai da fábrica, esse
tempo não importa a mais ninguém, muito menos àquela pessoa
que, no ponto final da cadeia de trocas, vai usufruir de seu valor de
uso. Se o tempo de trabalho é tão determinante quanto supõe Marx,
seria de se imaginar que ele estivesse presente nas mentes de boa
parte daqueles envolvidos nas diversas trocas pelas quais uma
mercadoria passa desde sua produção até seu consumo.

O filósofo talvez respondesse a isso dizendo que essa


quantidade de tempo está sim nas mentes dos negociantes, que, ao
invés de pensarem em ‘x dias de produção’, pensam em ‘x
quantidade de ouro’. E que, uma vez que o ouro representa
diretamente o tempo de trabalho humano geral, pensar em ouro é
pensar em tempo de trabalho.

Mas, respondo eu, se pensar em ouro é pensar em tempo de


trabalho, como se explicam as inúmeras ocorrências, empíricas, de
mercadorias que se trocam por outras que têm em si muito mais ou
muito menos tempo de trabalho? Como se explica enfim o fato de
uma mesma quantidade de ouro se transformar em mercadorias em
cuja história quantidades de trabalho tão diversas foram
empregadas? Ao ler a teoria de Marx tem-se a impressão de que tal
fato não poderia ocorrer:

É na medida em que todas as


mercadorias medem os seus valores de
troca em ouro, na proporção em que uma
quantidade determinada de mercadorias
contém igual tempo de trabalho, que o
ouro se torna medida de valores. 1

Perceba o uso do termo “igual tempo de trabalho”. O ouro é


meramente um símbolo material dessa entidade abstrata, o tempo
de trabalho. Parece, entretanto, que na prática ele realiza mal sua
função de símbolo, uma vez que é tão comum trocar-se por
diferentes quantidades de tempo de trabalho.

Passarei agora a expor meu ponto de vista acerca da questão


dos valores de troca. Analisemos a seguinte passagem:

“... ao supor as mercadorias iguais ao ouro, admite-se a sua


igualdade entre si.” (p. 61)

1
MARX, Karl, p. 63.
Creio que nessa suposição encontra-se a raiz do erro mais
fundamental de toda a argumentação de Marx sobre esse assunto.
Para ele, uma vez que igualamos mercadorias a ouro, igualamo-nas
uma às outras. E essa passa a ser uma igualdade objetiva, intrínseca
à mercadoria, expressa diretamente pelo tempo de trabalho que ela
possui.

Nenhum matemático ousaria duvidar dessa afirmação, pois é


claro que se ‘a = m’ e ‘b = m’, então ‘a = b’. De fato esse é o caso,
mas não é aí que reside o erro de Marx. Seu erro está em supor a
igualdade objetiva entre as mercadorias. A = B porque o tempo de
trabalho de ambas é o mesmo. Ao tentar encontrar um parâmetro
para a mediação das trocas, Marx parece ter se esquecido de sua
própria definição de mercadoria, “coisas necessárias, úteis ou
agradáveis à vida”. Mercadorias são isso, e não simplesmente uma
“coagulação do tempo de trabalho”.

Pessoas trocam produtos tendo em vista sua utilidade e


necessidade, e isso deve ser levado em conta no valor de troca da
mercadoria. Voltando à análise da citação acima, não nego que, no
momento da troca supomos uma igualdade entre as mercadorias.
Troco um quilo de café por x unidades de moeda e com essa mesma
quantidade compro um quilo de batatas. É justo supor que,
excluindo-se o agente mediador, um quilo de café é igual a um
quilo de batatas. Mas essa igualdade é contingente e momentânea, e
se deve a uma série de fatores dentre os quais o tempo de trabalho é
um dos últimos a ser levado em conta.

Não ousarei aqui tentar analisar exatamente como os fatores


que suponho influenciar o valor de troca desempenham seu papel.
Apontarei apenas os dois que julgo mais importantes e o porquê
dessa suposição.

Ao tomarmos contato com qualquer mercadoria,


imediatamente o que nos vem à cabeça é seu valor de uso. Por mais
que o que queiramos seja simplesmente vendê-la, esse passa a ser
seu valor de uso para nós, ser vendida. O valor de uso tem portanto
um papel importantíssimo em qualquer relação comercial. Ele é o
guia, o espírito da transação. Caso alguém queira me vender, por
exemplo, um quilo de pó de chifre de boi, mesmo que o valor
pedido seja justo em relação à quantidade de trabalho dispendida na
produção dessa mercadoria, eu não compraria. Por quê? Porque o
valor de uso do produto é, para mim, insignificante, irrelevante. A
troca só ocorre quando as partes estão satisfeitas quanto aos valores
de uso do que irão receber.

E isso vale para ambas as partes, a que compra e a que


vende. Como vimos anteriormente, o valor de uso da moeda é ser o
equivalente universal, é representar diretamente a possibilidade de
se transmutar em outras mercadorias. Assim, ao trocarmos uma
mercadoria por dinheiro, ou seja, ao vendermos algo, estamos
também adquirindo um valor de uso, e esse deve nos ser
satisfatório, caso contrário a troca não ocorre.

Vemos então que o valor de uso das mercadorias é essencial


para a ocorrência das trocas. Mas como ele influencia no valor de
troca? Suponho que, aproximadamente, da seguinte maneira.
Voltando ao exemplo do pó de chifre de boi. O valor de uso dessa
mercadoria não é atraente para mim, nem provavelmente para o
leitor, nem para grande parte da população. Não gostaria que meu
ouro, meu equivalente geral, dentre todas as outras possibilidades
que lhe são oferecidas, se transformasse justamente em pó de chifre
boi. Podemos supor que não há, socialmente, uma vontade, uma
inclinação à troca de mercadorias por pó de boi.

Essa falta de vontade, essa não relevância do valor de uso,


irá fatalmente influenciar no valor de troca da mercadoria. O
produtor do pó, por mais que tenha gasto x horas na produção de
um quilo, não pode esperar trocar seu produto por um quilo de
milho, cujo produtor gastou as mesmas x horas, mas cujo produto
possui um valor de uso muito mais relevante para a maioria da
população. Segundo Marx a troca entre eles deveria ocorrer, já que
essas mercadorias possuem a mesma quantidade de trabalho
materializado em si. A verdade é que socialmente se procura muito
mais milho do que pó de chifre de boi e, consequentemente, seus
valores de troca não serão equivalentes.

Imaginemos agora que, no futuro, se descubra que o pó


possui incríveis propriedades medicinais. Ocorrerá provavelmente
uma procura muito maior por esse produto, o que fará com que seu
valor de troca aumente consideravelmente. Mas é provável também
que a quantidade de produtores de pó aumente, já que esse produto
agora proporciona possibilidades de troca excelentes. E em pouco
tempo o pó de chifre de boi, que era um produto raro no mercado,
já que ninguém o queria, aparece disponível em grandes
quantidades. O efeito da maior disponibilidade é uma diminuição
do valor de troca, que acaba por balancear o aumento desse valor
provocado pela grande procura.

Um último fator a ser analisado antes da conclusão.


Imaginemos por fim que o produtor do pó gaste 10 unidades de
moeda por cada quilo produzido. Por quanto ele venderá esse
mesmo quilo? Sabemos que, no atual modelo capitalista, ele
evidentemente cobrará mais do que os 10 gastos inicialmente, a não
ser em raras ocasiões. Mas será que ele pode cobrar 20, 30, ou
qualquer valor arbitrário? A não ser que exista algum agente
regulador, seremos obrigados a admitir que sim.

Acredito que a resposta a essa questão se encontre na análise


mais aprofundada do último fator apontado, a disponibilidade do
produto. Por que o fato de algo aparecer com abundância no
mercado tem o efeito de diminuir seu valor de troca? Isso só ocorre
se um pré-requisito for preenchido: o de que o produto abundante
seja produzido por diferentes pessoas ou empresas. É a
concorrência entre esses diferentes produtores que regula o valor de
troca e impede que os vendedores estipulem valores abusivos. No
exemplo anterior, em que o pó de chifre precisa que 10 unidades de
moeda sejam gastas para um quilo seja produzido, podemos
imaginar o que aconteceria caso ele quisesse vender seu produto
por, digamos, 30 unidades. A princípio, dada a grande procura, as
pessoas podiam até comprar por esse preço. Mas no momento em
que outro produtor entrasse no mercado, a concorrência entre eles
regularia o preço de ambos. É claro que um acordo poderia ser feito
entre eles, e ambos vendessem a 30, prática conhecida como cartel,
mas não analisaremos essa ocorrência em nosso exemplo, no qual
supomos uma livre concorrência entre as partes.

O segundo produtor, recém-chegado ao mercado, também


gastou por volta de 10 unidades para produzir seu quilo. Ao ver que
seu concorrente cobra 30, ele percebe que, caso cobre 25, todos os
clientes preferirão comprar dele, e que mesmo assim ainda terá um
lucro fabuloso. E é isso que ocorre. O primeiro produtor, ao se ver
ameaçado, abaixa seu preço para 20, o que não é o que ele
inicialmente queria, mas é melhor do que nada. E assim
sucessivamente, até que se encontre uma espécie de equilíbrio entre
os preços, algo próximo do valor gasto na produção, que é o limite
(para os produtores do nosso exemplo, pelo menos.)

Assim, a não ser que exista um monopólio, ou seja, que um


único produtor exista em um determinado mercado, a concorrência
tende a nivelar os valores de troca. Monopólios são geralmente mal
vistos justamente pela possibilidade de abuso nos preços. Mas não
precisamos imaginar grandes corporações para constatarmos que,
quando não há concorrência, os preços podem ser altíssimos.
Suponhamos que eu queira vender meu produto, um quadro de Van
Gogh. É claro que não terei nenhuma concorrência, pois se trata de
um produto único. Trocarei, com certeza, meu produto por uma
quantidade de equivalente geral muito, mas muito maior do que a
quantidade de horas gasta em sua produção. Reconheço que nesse
caso específico não se trata de trabalho geral, indiferenciado, mas
meu ponto é simplesmente mostrar que sem concorrência, os
valores de troca podem ser altíssimos.

Marx me acusaria, nesse momento, de confundir preço e


valor de troca. Não escondo que de fato é o que venho fazendo a
partir do momento em que comecei a expor minha teoria. O leitor
provavelmente se lembra que, para Marx, valor de troca e preço
eram entidades diferentes, apesar de parecidas. O valor de troca
representa, como vimos, as possibilidades de uma mercadoria ser
trocada por outras. O preço é a expressão monetária desse valor, é a
quantidade de moeda, de equivalente universal que de fato é usada
no momento da troca. Por motivos diversos o preço pode não
coincidir com o valor de troca. O valor de troca era dado
diretamente pelo tempo de trabalho imbuído na mercadoria.
Como rejeito essa tese de que exista um valor de troca
intrínseco, para mim valor de troca e preço são idênticos. Valor de
troca é a quantidade de moeda pela qual um produto pode ser
trocado, ou seja, seu preço. De certa maneira, o valor de troca
continua representando as possibilidades de uma mercadoria se
metamorfosear em diversas outras. A diferença é que essa não é
uma possibilidade essencial, carimbada no momento da produção,
mas sim algo variável, um valor que flutua de acordo com os
fatores que apresentei acima.

É hora de revisarmos o que sugeri nos parágrafos anteriores.


O valor de troca de uma mercadoria não é dado pelo tempo de
trabalho nela contida, mas por outros fatores, como a relevância dos
valores de uso para as pessoas em geral e a disponibilidade do
produto no mercado. A relevância dos valores de uso, esse fator tão
humano, que condiz com a definição marxiana de mercadoria, irá
influenciar na procura social por uma determinada mercadoria.
Uma maior procura tende a aumentar o valor de troca. Por outro
lado, uma maior procura social faz com que mais pessoas se
interessem em produzir tal mercadoria, o que aumenta sua
disponibilidade no mercado. Quanto maior a quantidade da
mercadoria disponível, menor seu valor de troca. Isso, caso exista
concorrência entre os produtores. A briga por espaço tende a anular
eventuais abusos e a nivelar os valores de troca.

Os produtores terão que tentar encontrar estratégias para


lucrar mais sem aumentar seu preço. Estratégias que podem incluir
produzir mais em menor tempo. É somente nessa esfera, a do
produtor, que percebo a relevância do tempo de trabalho para o
valor de troca. Fábrica A, que tem 100 funcionários, produz 10
carros por dia. Fábrica B, com os mesmos 100 funcionários,
consegue, de alguma forma, produzir 15 carros. B conseguirá
vender mais carros que A, caso exista procura, simplesmente
porque produz mais. Não é porque o tempo de trabalho gasto em B
é menor que seus carros serão mais baratos.

Concluo minha argumentação analisando o escambo entre


índios e europeus sob a luz de minha teoria. A relevância do ouro
para os índios era meramente estética. As pedrinhas, apesar de
raras, não tinham um valor de uso tão considerável para eles. Já
para os europeus, o valor de uso do ouro era o maior possível, pois
ele representava diretamente qualquer coisa que eles quisessem
adquirir. Índios viam no ouro uma mercadoria, os europeus todas
elas. Já os espelhos, tabaco e outras bugigangas, que para os
europeus não tinham um alto valor de troca, por existirem em
grande quantidade na Europa, tinham aos olhos dos índios um valor
altíssimo. Além de possuírem valores de uso relevantes, eram raros.
Ou seja, para ambas as partes o negócio era excelente, pois
trocavam objetos de baixo valor por outras de alto valor. Tudo isso
sem se preocupar com quanto tempo de trabalho havia sido
empregado em sua produção.

Referência Bibliográfica

MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo :


Martins Fontes, 2003.

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