You are on page 1of 91

TERMO DE APROVAÇÃO

ANDERSON FRANZÃO

RESPONSABILIDADE CIVIL POR FATO ALHEIO

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo


Civil da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do
título de especialista, pela seguinte banca examinadora:

__________________________________
Prof. Orientador Wagner Roberto Marquesi
Universidade Estadual de Londrina

__________________________________

__________________________________

Londrina, 31 de agosto de 2006.


4

DEDICATÓRIA

Aos meus pais que muito me estimularam e


ajudaram a enfrentar as adversidades que a
vida apresenta, dando me forças para marchar
em frente e vencer mais uma etapa nesta
empreitada de vida jurídica.
5

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, e não podia ser diferente, agradeço a Deus, pois a Ele devo tudo e Nele me
fortaleço.

Como representantes de Deus, agradeço a meus pais, Leonidas e Helena. Meus guardiões e
sempre estimuladores do meu sucesso.

Ao meu ilustre orientador, Dr. Wagner Roberto Marquesi, que aceitou o encargo de me
orientar na confecção deste trabalho.

Ao Dr. Hideraldo José Real, que, por laços de amizade, continua a me ensinar a arte jurídica.
6

FRANZÂO, Anderson. Responsabilidade civil por fato alheio. Londrina: UEL, 2006. –
Universidade Estadual de Londrina.

RESUMO

A responsabilidade civil nasceu da vida em sociedade e do repúdio humano às injustas


agressões. Desde as mais primitivas civilizações sempre existiram mecanismos de amenizar o
prejuízo do ofendido ou de confortar seu espírito, mesmo que através da vingança. E foi neste
contexto que a responsabilidade civil originou, evoluindo com as sociedades e criando
diversos meios para que a injusta agressão fosse reparada. A responsabilidade civil por fato
alheio adveio quando os juristas observaram que não podendo indenizar a vítima pela ofensa
provocada, seja por falta de patrimônio ou juízo, uma outra pessoa estranha a essa relação,
mas vinculada juridicamente com o agente direto do dano teria que se responsabilizar por esse
ato. Essa responsabilização no começo foi tímida e de difícil aplicação, pois que a vítima
tinha que provar a culpa do agente direto e também desse terceiro responsável, demonstrando
que concorreu para o evento. Entretanto, o legislador brasileiro de 2002, após arrolar os
terceiros responsáveis no artigo 932 do Código Civil (quais sejam: os pais, pelos filhos
menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; o tutor e o curador, pelos
pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; o empregador ou comitente, por
seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em
razão dele; os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por
dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hospedes, moradores e educandos e; os que
gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia),
atendendo aos anseios da sociedade, instituiu no artigo 933 a responsabilidade objetiva dessas
pessoas, vale dizer, ocorrido o dano e este ocasionado por culpa do agente direto, os
responsáveis ficam obrigados a indenizar independente de culpa.

Palavras-chave: vingança coletiva – reparação do dano – indenização em pecúnia


– garantia à vítima – responsabilização por fato alheio – direito de regresso.
7

FRANZÃO, Anderson. Civil liability by alien fact. Londrina: UEL, 2006. –


Universidade Estadual de Londrina.

ABSTRACT

The civil liability was born from life in society and from the human repudiation to the unjust
aggressions. Since the most primitive civilizations mechanisms had always existed to assuage
the damage of the offended or to comfort his spirit, even through revenge. And it was in this
context that the civil liability originated, evolving with the societies and creating diverse ways
so that the unjust aggression was repaired. The civil liability by alien fact happened when the
jurists. observed that not being able to indemnify the victim for the provoked, either due to
lack of patrimony or judgment, other strange person to this relation, but tied legally to the
direct agent of the damage would have to be responsible for this act. This responsibility in the
beginning was timid and of difficult application, once that the victim had to prove not only
the guilt of the direct agent, but also of and the third responsible one, demonstrating that it
concurred for the event. However, the Brazilian legislator of 2002, after listing the third
responsible ones in the article 932 of the Civil Code (whoever are the parents, by the minor
children who are under their authority and in their company; the guardian and the curator, by
the ward and the dependent ones, that are under the same conditions; the employer or
commissioner, by their employees, servants and agent in the performance of the work
conferred to them, or in the reason of it; the owners of hotels, inns, houses or establishments
where there is shelter for money, even for education ends, for their guests, inhabitants and
pupils and; the ones that gratuitously have participated in the products of the crime, until the
contributory amount), in regard to the yearnings of the society, it was instituted in article 933
the objective responsibility of these people, it is worth saying, occurred the damage and this
caused by the guilt of the direct agent, the responsible ones are obliged to indemnify
independently of guilt.

Key-word: collective revenge - repairing of the damage - indemnity in money -


guarantee to the victim - liability by alien fact - right of returning.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................9
2 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL...........................12
3 RESPONSANBILIDADE CIVIL POR FATO DE TERCEIRO..................................19
3.1 REGIME JURÍDICO DE 1916................................................................................................................................19
3.2 REGIME JURÍDICO ATUAL...................................................................................................................................24
4 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.......................................................................28
5 RESPONSABILIDADE DOS PAIS PELOS FILHOS..............................................31
8

5.1 REGIME JURÍDICO DE 1916 E SUA EVOLUÇÃO .....................................................................................................31


5.2 REGIME JURÍDICO ATUAL...................................................................................................................................35
6 RESPONSABILIDADE DOS TUTORES E CURADORES.....................................44
6.1 REGIME JURÍDICO DE 1916 E SUA EVOLUÇÃO......................................................................................................44
6.2 REGIME JURÍDICO ATUAL...................................................................................................................................45
7 RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E MITIGADA DOS INCAPAZES...............49
8 RESPONSABILIDADE DO PREPONENTE POR ATO DE SEU PREPOSTO.......51
8.1 REGIME JURÍDICO DE 1916 E SUA EVOLUÇÃO......................................................................................................51
8.2 REGIME JURÍDICO ATUAL...................................................................................................................................53
9 RESPONSABILIDADE DOS HOTELEIROS E ESTALEJADEIROS......................64
9.1 REGIME JURÍDICO DE 1916 E SUA EVOLUÇÃO......................................................................................................64
9.2 REGIME JURÍDICO ATUAL...................................................................................................................................66
10 RESPONSABILIDADE DOS EDUCADORES......................................................69
10.1 REGIME JURÍDICO DE 1916 E SUA EVOLUÇÃO....................................................................................................69
10.2 REGIME JURÍDICO ATUAL.................................................................................................................................70
11 RESPONSABILIDADE PELO PROVEITO DO CRIME........................................76
12 AÇÃO DE REGRESSO.........................................................................................78
13 CONCLUSÃO........................................................................................................85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................................................92
9

1 INTRODUÇÃO

O homem é um ser social. E como tal afirmação serve de base para

explicar o início de qualquer instituto jurídico, principalmente a existência da própria

ciência do Direito, com mais acerto ainda se pode afirmar que o instituto da

responsabilidade civil surgiu do convívio em sociedade.

E por viver em sociedade, seus integrantes estão expostos a

variados riscos de lesões, os quais, inevitavelmente sempre ocorrem. Assim, diante

da freqüente ocorrência de lesões que desencadeia um desequilíbrio de ordem

moral ou patrimonial na sociedade, o Direito desenvolveu o instituto da

responsabilidade civil, visando à restauração do dano causado a outrem e

desfazendo (ou amenizando) tanto quanto possível seus efeitos.

Dito isto, baseando-se numa metodologia histórico-indutiva, este

trabalho tem por escopo abordar a origem do instituto, sua construção jurídica

(legislativa, doutrinária e jurisprudencial) e, principalmente, a responsabilidade civil

por fato de outrem, cujo desenvolvimento está intimamente ligado à evolução social,

ao aumento demográfico e na necessidade de criação de um remédio jurídico que

visasse atender as expectativas da natureza humana de repelir qualquer injusto

contra uma pessoa.

A doutrina relata que “nos primórdios da civilização humana,

dominava a vingança coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo

contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes.” 1

Já num segundo momento, sob influência da Lei de Talião – olho por

olho, dente por dente –, esta vingança tornou-se exclusivamente particular, ou seja,

1
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. v. 1, p. 23.
10

apenas a vítima tinha direito de exigir do agente ofensor uma compensação pelo mal

que havia cometido, a qual, nos moldes dessa legislação, consistia numa outra

ofensa de mesma natureza e intensidade.

Percebendo que esse tipo de compensação pelo prejuízo ocorrido

não se tratava de uma reparação, mas sim de dupla lesão, o instituto da

responsabilidade (civil) teve que se aprimorar.

E sendo um instituto dinâmico, que se adapta e se transforma

conforme evolui a civilização, restou impossível a criação de uma teoria permanente

sobre a responsabilidade civil. Foi preciso, então, conferir flexibilidade suficiente

para, em qualquer época, independentemente de novas técnicas de novas

atividades, ser assegurada a sua finalidade de restabelecer o equilíbrio afetado pelo

dano, por meio de sua reparação.2

Hodiernamente, influenciado pelos princípios atuais de proteção

coletiva em detrimento do interesse particular, e máxima tentativa de ressarcir a

vítima, de maneira simples, mas satisfatória, pode-se definir o instituto da

responsabilidade civil como:

A aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou


patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado,
por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou
de simples imposição legal.3

E com base nos elementos presentes nesta definição, infere-se ser

possível analisar o instituto por sua profundidade ou densidade e também por sua

extensão ou área de incidência.

2
MONTEIRO, Washington de Barros, p. 449
3
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: Responsabilidade civil. 18.ed. São Paulo: Saraiva,
2004. v. 7, p. 40.
11

Quanto ao primeiro enfoque, vigora o princípio da responsabilidade

patrimonial, segundo o qual a pessoa deverá responder com seu patrimônio os

prejuízos causados a terceiros. Ainda, esta reparação deve ser feita da forma mais

ampla e integral possível, respondendo todos os bens do devedor pelo

ressarcimento da lesão, com exceção dos inalienáveis e já gravados.

O segundo enfoque, cujo estudo é o tema da presente monografia,

diz respeito ao número de pessoas responsáveis pelos danos, de beneficiários da

indenização e de fatos que ensejam a responsabilidade civil.

Pela legislação atual, são civilmente responsáveis pela reparação

dos danos causados por terceiros as pessoas indicadas no artigo 932 do Código

Civil: I) os pais, pelos filhos menores que estiverem em sua companhia; II) o tutor e o

curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III) o

empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício

do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; III) os donos de hotéis,

hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para

fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V) os que

gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente

quantia .

Doravante, o objetivo deste trabalho é explicar quando, como e

porque estas pessoas são obrigadas a reparar os danos cometidos não por si, mas

por terceiros, analisando cada situação e explorando seu fundamento de existência,

bem como sua evolução em comparação com o Código Civil de 1916, cujo

fenômeno é denominado responsabilidade indireta ou responsabilidade complexa.


12

2 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Os estágios em que se processa a evolução do instituto da

responsabilidade civil, conforme ensinamento de José de Aguiar Dias 4, demonstram

nitidamente que a reparação do dano é inspirada, antes de tudo, na preocupação de

harmonia e equilíbrio que orienta o direito e lhe constitui elemento animador.

Como já dito, é condição natural do homem viver em sociedade,

sendo necessário para o êxito dessa convivência, a existência de um conjunto de

regras de proceder – denominado Direito –, sem o qual, imperar-se-ia o caos. E em

decorrência desse conjunto de normas, juntamente com o sentimento humano em

repelir todo injusto contra semelhante seu, foi imperioso a criação de medidas que

possibilitassem à reparação por parte do ofensor por qualquer prejuízo causado a

outrem, restabelecendo, assim, a paz e harmonia social.

E na medida em que a civilização foi se desenvolvendo, tornaram-se

mais e mais complexas as relações sociais, com interpretação cada vez mais

profunda dos círculos de atividade jurídica de cada um. Foi então inevitável o atrito

de interesses, desdobrando-se em problemas os quais o instituto da

responsabilidade civil não pôde abster-se de apreciar e solucionar. Assim, o instituto

necessitou evoluir e se amoldar às características e condições de cada sociedade e

em cada tempo.

Conforme bem relata Caio Mário Pereira5, num primeiro momento,

cujo marco não se tem preciso, mas sabendo tratar-se de período mais remoto, a

idéia de vingança foi predominante.

4
DIAS, op.cit., p. 19.
5
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense. 1993. p. 01
13

A vingança coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do

grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes, cedeu lugar à

vingança privada, cujo fundamento buscou na Lei de Talião: olho por olho, dente por

dente/quem com ferro fere, com ferro será ferido. Atente-se que mesmo pensamento

foi repetido pela Lei das XII Tábuas.

A exemplo da regra de talião, essa vingança privada consistia no

direito da vítima em provocar ao ofensor uma lesão de mesma natureza e

intensidade por si sofrida. Ressalta-se que esse momento é caracterizado pela

inexistência de separação de responsabilidade civil da responsabilidade penal, bem

como não intervenção do Estado em questões de interesse primariamente privados.

No entanto, percebendo que tal retaliação não reparava o prejuízo,

mas sim provocava dupla lesão e, por conseguinte, não restabelecia a harmonia

social, a evolução do instituto foi primordial. Assim, sobreveio a fase da composição

legal, onde a reparação do dano era feito em pecúnia ou um outro bem, denominado

poena, permitindo ao ofensor adquirir o perdão do ofendido. Foi, então, finalmente

vedado à vítima fazer justiça com as próprias mãos.

Caracteriza este estágio a punição, um tanto que tímida, às ofensa

físicas à pessoa da vítima, como violências leves, bofetadas e golpes. Neste

momento as soluções dos casos seguiam as mesmas de outros fatos concretos.

Substituindo esta fase, adveio a da reparação pelo Estado, o qual

passou a se interessar não somente pelas infrações dirigidas contra si, mas também

contra os particulares. Evoluiu, por conseguinte, da justiça punitiva exclusiva,

reservada aos ataques dirigidos diretamente contra ela, para a justiça distributiva. A

mudança ocorreu por que o Estado compreendeu que certas lesões irrogadas ao
14

particular também lhe atingiam, principalmente quando elas perturbavam toda a

harmonia social que se empenhava em manter.6

Com a função de punir exclusivamente ao Estado, a concepção de

responsabilidade amadureceu, tanto que surgiu a ação de indenização. Salienta-se

que neste momento ocorreu a separação da responsabilidade civil da

responsabilidade penal.

Adverte-se, no entanto, que a maior revolução nos conceitos jus-

romanísticos em termos de responsabilidade civil, cujos elementos formam até hoje

os pilares da reparação do dano, trata-se da Lex Aquilia, de data incerta, mas que se

prende aos tempos da República (final do século III, ou início do século IV a.C).

A Lei Aquilia, originária de um plebiscito proposto pelo tribuno

Aquilio, caracterizou o marco da responsabilidade extracontratual, pois possibilitou o

ressarcimento do prejuízo com o pagamento de uma penalidade em dinheiro de

quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens, independente de relação

obrigacional preexistente.7

Esse diploma introduziu a noção de culpa como fundamento da

responsabilidade, de tal sorte que inexistia o dever de reparar se o agente tivesse

procedido sem culpa. Ressalta-se também que se alcançou o entendimento de que

se o dano não provocou prejuízo, não enseja qualquer indenização.

Frisa-se que tão grande foi a revolução, que a ela se prende a

denominação de aquiliana para se designar a responsabilidade extracontratual em

oposição à responsabilidade contratual. A Lei Aquilia foi instrumento de uso restrito,

6
DIAS, op.cit., p. 20.
7
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 22.
15

o qual atingiu ampla dimensão e aplicação na época de Justiniano, a quem se deve,

igualmente, contratuais, quase-delituais e quase-contratuais.

Sintetizando, segundo os preceitos instituídos pela Lex Aquilia, para

que se configurasse o dever de reparar (damnum inuria datum, ou seja, prejuízo

causado a bem alheio, empobrecendo o lesado, sem enriquecer o lesante), era

necessário determinar três elementos: a) damnun, ou lesão na coisa; b) inuiria, ou

ato contrário a direito; c) culpa, quando o dano resultava de conduta do agente,

praticado com dolo ou culpa.

Mas a teoria da responsabilidade, consagrada pelo direito

consuetudinário, só ingressou no direito moderno por meio da doutrina, mais

especificamente pelas mãos de dois civilistas de maior peso, Pothier e Domat, este

último, jurista francês, foi responsável pelo princípio geral da responsabilidade civil,

consagrado em sua obra “Los civiles, Liv. VIII, Seção II, art. 1º”. Assim, foi pelo

direito francês, e com ajuda da extraordinária tarefa de seus tribunais, que pouco a

pouco as idéias românicas foram aperfeiçoadas.

A noção de culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e

culpa contratual foram inseridas no Código Napoleônico, inspirando a redação dos

artigos 1.382 e 1.383. Daí em diante, a responsabilidade civil fundada na culpa foi a

definição que integrou as legislações de todo o mundo.8

Quanto ao instituto no nosso direito pré-codificado, conforme

assinala Caio Mario Pereira9, pode ser estudado em três etapas distintas: no período

das Ordenações do Reino; durante a vigência do Código Criminal de 1830 e; com os

trabalhos de Teixeira de Freitas e Carlos de Carvalho.

8
DIAS, op.cit., p. 34.
9
PEREIRA, op.cit, p. 6
16

Marcou o primeiro estágio a presença acentuada do direito romano,

tanto que o artigo 2º da chamada Lei da Boa Razão (lei de 18 de agosto de 1769),

determinou seu uso como subsídio nos casos omissos.

A segunda fase inaugurou-se com o Código Criminal de 1830, o qual

esboçou no instituto da “satisfação”, a idéia de ressarcimento.

Por fim, a terceira fase iniciou-se com a genialidade de Teixeira de

Freitas. O renomado jurista combateu que a responsabilidade civil estivesse

geminada à criminal, desenvolvendo bases para a ação ex delicto. Também cogitou

da responsabilidade dos delinqüentes, bem com sua solidariedade. Ainda, esboçou

sobre a responsabilidade indireta e minudenciou diversos aspectos da reparação e

liquidação do dano.

Por sua vez, na “Nova Consolidação” de Carlos de Carvalho, o

instituto da responsabilidade civil foi abordado sem destaque maior. Entretanto,

considerou o nobre jurista que a responsabilidade civil era independente da

responsabilidade criminal; fundamentou a responsabilidade civil no conceito de

culpa; desenvolveu a doutrina da responsabilidade indireta (por fato de terceiros e

por fato de coisas); bem como aprimorou o princípio da responsabilidade dos

funcionários públicos e sua conseqüente ação de regresso.

Da influência dessa idéias, e particularmente do Código Civil

francês, não se esquivou o Código Civil de 1916, que dedicou poucos dispositivos à

responsabilidade civil, consignando nos artigos 159 e 160, a regra geral da culpa

aquiliana e algumas excludentes. Na Parte Especial, estabeleceu a regra básica da

responsabilidade contratual no artigo 1056 e dedicou dois capítulos às “obrigações


17

por atos ilícitos e à liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos” (artigos

1.518 a 1.553).

Portanto, com relação à responsabilidade extracontratual, o Código

Civil brasileiro de 1916 adotou a teoria da responsabilidade subjetiva, fundamentada

na culpa, ou seja, a demonstração da culpa do ofensor passou a ser pressuposto

necessário para a reparação do dano. Calha realçar que dentro desta concepção, a

responsabilidade pelo dano somente se configurava se o agente direto agiu com

dolo ou culpa. Em não havendo culpa, não havia responsabilidade.10

Frisa-se que o Código Civil de 1916 teve vigência por quase um

século, mais exatamente por oitenta e seis anos, sendo substituído, por inteiro, pelo

Código de 2002, que representou a última evolução legislativa brasileira quanto às

relações civis entre as pessoas.

A origem do Novo Código Civil remonta ao Anteprojeto de Lei em

1963, de autoria de Orlando Gomes e do Código das Obrigações de Caio Mário da

Silva Pereira, o qual foi convertido em Projeto de Lei em 1975, quando o Presidente

da República criou a Comissão composta por Miguel Reale, José Carlos Moreira

Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Chamoun, Clóvis do

Couto e Silva e Torquato Castro. O Primeiro a coordenou e os demais foram

responsáveis, respectivamente, pela Parte Geral, Direito das Obrigações, Direito de

Empresa, Direito das Coisas, Direito de Família e Direito das Sucessões.11

Mercê do empenho e dedicação do jurista Miguel Reale, o Projeto de

do Poder Executivo foi proposto e encaminhado ao Congresso, recebendo o n°

634/75. Em seguida, pensado, projetado e discutido no seio da Comissão, foi

10
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 17.
11
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2004. p. 106.
18

aprovado como Lei, recebendo o n° 10.406/2002, sendo publicado somente em 11

de janeiro de 2002 e entrando em vigor um ano após essa data.

Comentando os dispositivos referentes à responsabilidade civil, Rui

Stoco asseverou que o Código de 2002 mostrou-se comedido e conservador, não se

podendo dizer que tenha ganhado roupagem completamente nova, com abandono

da estrutura do Código revogado. A maior parte dos preceitos ali contidos foi

mantida, alguns apenas com alterações de redações, sem modificar sua substância

ou filosofia. 12

A responsabilidade extracontratual continuou por ser subjetiva,

competindo ao lesado o ônus da prova de culpa do agente causador do dano. A

regra geral da responsabilidade civil extracontratual foi inserida no artigo 927, caput:

“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a

repará-lo”.

A título de inovações, entretanto, é possível citar a adoção expressa

dos princípios da função social do contrato, da probidade e da boa-fé objetiva

(referente ao campo da responsabilidade contratual); proteção expressa do

patrimônio exclusivamente moral, bem como dos direitos à personalidade (artigos 11

a 21) e; adoção da teoria do abuso de direito, a qual caracteriza o abuso como ato

ilícito por derivação.

No que tange à responsabilidade por fato de outrem, o novo Código

Civil positivou o entendimento jurisprudencial e doutrinário e adotou a

responsabilidade objetiva dos responsáveis, obrigando-os a reparar o dano mesmo

no caso de ausência de culpa. Ainda, a contra gosto de alguns, possibilitou a

responsabilização do próprio incapaz pelos prejuízos que deu causa.

12
STOCO, op. cit., p. 114.
19

3 RESPONSANBILIDADE CIVIL POR FATO DE TERCEIRO

3.1 REGIME JURÍDICO DE 1916.

No direito brasileiro, a responsabilidade civil por fato de outrem foi

abordada, primeiramente, no artigo 1.521 do Código Civil de 1916, sendo que em

seus incisos foram elencados, de maneira taxativa, ou seja, não comportando

interpretação extensiva, as pessoas responsáveis pelos atos ilícitos alheio.

Art. 1.521. São também responsáveis pela reparação civil:


I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua
companhia;
II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas
mesmas condições;
III – o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e
prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele
(art. 1.522);
IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se
albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hospedes,
moradores e educandos;
V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a
concorrente quantia.

No artigo 1.522 o Código, por lógica, igualou a responsabilidade das

pessoas jurídicas à dos patrões, amos ou comitentes.

Art. 1.522. A responsabilidade estabelecida no artigo antecedente, n. III,


abrange as pessoas jurídicas, que exercerem exploração industrial.

A responsabilidade por fato alheia justifica-se em razão do poder

diretivo ou de mando que algumas pessoas exercem sobre outras. Faz-se

esclarecedor transcrever lição de Maria Helena Diniz sobre o assunto:

“(...) a culpa do autor do prejuízo acarreta a da pessoa sob cuja direção se


encontrasse, pois ela tinha de exercer o dever de vigilância constantemente
em relação às pessoas que estavam sob sua direção, de tal sorte que havia
uma responsabilidade por infração dos deveres de vigilância, por culpa in
vigilando. Todavia, casos havia em que o responsável por outrem incidia em
20

culpa in eligendo, p. ex., o patrão respondia por prejuízo causado por


empregado, se fosse negligente ou imprudente em sua escolha”13.

Não se pode olvidar também que em determinados casos existem

tanto culpa in vigilando, quanto culpa in eligendo dos responsáveis, como no caso

dos donos de hotéis e hospedarias, já que ao mesmo tempo em que devem vigiar os

hóspedes, devem escolher ou selecioná-los.

Prosseguindo com a matéria, o legislador de 1916 preconizou no

artigo 1.523 que as pessoas enumeradas no artigo 1.521 e 1.522 só seriam

responsáveis se concorressem para o acontecimento do dano, seja por culpa ou

negligência.

Portanto, o antigo novel civil fundou todo o princípio da

responsabilidade indireta no conceito subjetivo da culpa, pois que, ao alinhar a

responsabilidade das pessoas elencadas nos incisos do referido artigo, exigiu para a

caracterização dessa responsabilidade a apuração de suas culpas.

Frisa-se que o posicionamento retrógrado adotado pelo legislador de

1916 fugiu das direções apontadas pelo mais que centenário Código Civil francês, e

também da posição adotada pelo Código Civil alemão.14

No sistema francês foi estabelecida a presunção iuris tantum de

culpa dos indiretamente responsáveis pelos atos ilícitos de outrem, somente

aceitando e admitindo escusa no caso de comprovação cabal de que era, moral e

materialmente, impossível evitar o evento dano. A prova de não-culpa não isentava o

responsável do dever de indenizar.

13
DINIZ, op.cit.,p. 511.
14
GONÇALVES, op.cit., p. 98.
21

Já o ordenamento alemão permitia a possibilidade de o demandado

eximir-se da reparação por meio da comprovação de que empregou todas as

diligências necessárias para evitar o ocorrido.

Entretanto, o conservadorismo do legislador brasileiro deveu-se a

uma emenda do Senado Federal (Emenda n° 1.483) ao projeto primitivo de Clovis

Beviláqua.

Comentando o artigo 1.523 e mostrando sua contrariedade em face

da posição adotada pelo Código, Clóvis Beviláqua asseverou:

Esta prova deverá incumbir aos responsáveis, por isso que há contra eles
presunção legal de culpa; mas o Código, modificando a redação dos
projetos, impôs o ônus da prova ao prejudicado. Essa inversão é devida à
redação do Senado.15

Não é demais anotar que a posição adotada pelo Código de 1916

criou enormes complicações às vítimas, pois na maioria das vezes era

extremamente difícil provar que houve negligência ou imprudência dos

responsáveis, quer seja por culpa in vigilando, ou culpa in eligendo, restando ao

lesado cobrar a indenização do agente direto do dano, cujo patrimônio nem sempre

era suficiente para garantir a reparação.

Frisa-se que além de provar a culpa dos responsáveis, logicamente

a culpa dos agentes diretos também devia ser demonstrada, já que não se pode

aceitar que qualquer pessoa seja responsável por alguma indenização quando o

dano ocorreu sem culpa sua, como por exemplo, em caso de culpa exclusiva da

vítima. Assim, se o agente direto nada fez, seu respectivo responsável nada tem a

reparar.

15
BEVILAQUA, Clóvis apud GONÇALVES, op.cit., p. 98.
22

E diante da árdua posição da vítima, ficando muitas vezes

irressarcidas do prejuízo por não demonstração da culpa também do responsável,

aliada ao fator do desenvolvimento econômico e material do país, que aumentou o

número de lesões, com a influência do Direito Comparado, com a evolução

doutrinária, bem como com a atividade pretoriana, novo sentido ao princípio da

reparação dos danos foi imposta, gerando repercussão sensível na responsabilidade

indireta.16

Pontes de Miranda, citado por Carlos Roberto Gonçalves, afirmou

que o ônus da prova deixado ao que sofreu o dano constituía a doutrina desejada

pelos mais fortes e que a política social-democrática queria a solução extrema e

oposta, qual seja, a exclusão da possibilidade de desoneração dos patrões. Partindo

de tais constatações, asseverou que “a solução tecnicamente conciliante e justa é a

da presunção de culpa, ilidível pela prova de haver tido todos os cuidados

reclamados pelas circunstâncias”.17

E para conciliar essa teoria com o sistema legal vigente, Washington

de Barros chegou a sustentar que considerava não escrito o disposto no art. 1.523,

afirmando que nos casos entre patrão e empregador, não mais cabia ao ofendido

demonstrar a culpa concorrente do deste, mas tão somente, demonstrar a existência

do ato lesivo e que este foi ocasionado por culpa do daquele.18

Corroborando com o mesmo posicionamento adotado pela doutrina

e jurisprudência, Orlando Gomes enfatiza:

Como não se admitem contradições entre disposições do mesmo Código,


consoante tranqüila regra de hermenêutica, doutrina e jurisprudência, em
maioria, procuram conciliá-las, pelo entendimento de que o art. 1.521

16
PEREIRA, op.cit.,p. 88.
17
DE MIRANDA, Pontes apud GONÇALVES, op.cit.,p. 98.
18
MONTEIRO, op.cit., p. 395.
23

encerra uma presunção relativa de culpa, que pode ser vencida pela prova
em contrário produzida por aquele cuja culpa é presumida. (...) a vítima não
precisa provar que houve culpa in vigilando. A lei presume. Basta, portanto,
que o ofendido prove a relação de subordinação entre o agente direto e a
pessoa incumbida legalmente de exercer sobre ele a vigilância, e que prove
ter ele agido de modo culposo, para que fique estabelecida a presunção
juris tantum de culpa in vigilando.19

E diante desta situação, aos poucos as decisões foram se afastando

do rigorismo legal, lapidando uma teoria justa e que efetivamente possibilitasse a

reparação dos prejuízos da vítima. Da responsabilidade totalmente subjetiva, passo-

se para a presunção de culpa do responsável.

Assim, com a adoção da presunção de culpa dos responsáveis

(presunção juris tantum), a vítima não mais precisava provar que o este agiu com

culpa in vigilando ou in eligendo, precisava apenas demonstrar a culpa do agente

direto e que este estava sob direção do seu responsável. O responsável legal, por

sua vez, podia elidir-se do dever de indenização se conseguisse provar que havia

tomado todas as diligências necessárias para que o evento danoso não tivesse

ocorrido.

Repita-se que apesar de presunção de culpa do responsável, por ser

justamente uma presunção relativa, esse poderia se eximir da responsabilidade.

E neste diapasão, a jurisprudência necessitou ir além, pois percebeu

que, principalmente nos casos entre patrão e empregado, aquele podia facilmente

isentar-se da responsabilidade, fazendo isso através da alegação de que contratou

preposto com experiência e muito bem qualificado, tanto quanto dedicado e

atencioso, deixando, assim, a vítima irressarcida.

E foi para evitar essa situação que o Supremo Tribunal Federal,

através da Súmula 341, elevou o grau de presunção da responsabilidade. De


19
GOMES, Orlando. Obrigações. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 2, p. 345.
24

relativa passou a ser absoluta, ou seja, juris et de jure: “É presumida a culpa do

patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.

Portanto, a partir de então, os patrões, amos e comitentes

começaram por responder objetivamente pelo ato culposo de seus empregados e

prepostos.

E diante desta conjectura, e antes da entrada em vigor do Código

Civil de 2002, o posicionamento pretoriano quanto à responsabilidade civil por fato

de outrem era o seguinte: nas hipóteses dos incisos I, II e IV, existia presunção juris

tantum, ou seja, relativa; por sua vez, no caso do inciso III, a presunção da culpa era

juris et de jure, ou seja, absoluta (responsabilidade objetiva).

Com a aprovação e a publicação do Código Civil de 2002, que

entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, conforme já explanado, o mesmo rol dos

responsáveis indiretos previsto no Código anterior, foi mantido, com apenas algumas

correções gramaticais, mas sem mudança substancial.

O que realmente alterou foi o fundamento da responsabilidade

indireta. O artigo 933 do Código Civil de 2002 adotou o fundamento da teoria do

risco e abandonou o velho fundamento da culpa.

3.2 REGIME JURÍDICO ATUAL

A primeira idéia de responsabilidade civil que se aflora, é aquela em

que o próprio causador do dano responda pela reparação do prejuízo. Tal dever de

reparar é decorrência de três elementos: antijuridicidade da conduta do agente; dano

à pessoa ou coisa da vítima e; relação de causalidade entre uma e outro. Trata-se,


25

pois, de responsabilidade civil por fato próprio, responsabilidade simples, ou

responsabilidade direta.

Essa denominação prende-se ao conceito de imputabilidade, porque

a voluntariedade desaparece ou torna-se ineficaz quando o agente é juridicamente

irresponsável20 (com exceção da moderna responsabilidade mitigada – artigo 928 do

Código Civil). Assim, por considerar o incapaz como inimputável, inexiste nexo de

causalidade entre sua conduta e o dano por si provocado, não podendo, destarte,

ser responsabilizado e compelido a ressarcir os prejuízos da vítima.

Ressalta-se, entretanto, que mesmo na hipótese de se aceitar a

responsabilização exclusiva do menor ou incapaz, por serem estes, na maioria das

vezes, hipossuficientes, a reparação do dano também não ocorreria.

Existe também a hipótese do trabalhador ou preposto, que, não

obstante ser imputável e possuir responsabilidade de seus atos, pode ocorrer de não

ter patrimônio suficiente para reparar integralmente os danos que provocou.

E foi almejando solucionar essas situações que o sistema criou a

responsabilidade civil por fato de terceiro, ou, conforme denomina Caio Mário da

Silva Pereira, responsabilidade civil complexa21, chamando para responder pela

reparação do dano terceira pessoa que possui alguma relação jurídica com o autor

direto do fato. Tal remédio baseia-se no princípio de Justiça e no sentimento humano

de repelir injustas agressões, possibilitando cada vez mais o ressarcimento da

vítima, em prol da paz social.

Adverte-se que a responsabilidade civil por fato alheio não é

arbitrária. A vítima não pode escolher ao seu exclusivo alvedrio uma pessoa

20
VENOSA, op.cit., p. 26.
21
PEREIRA, op.cit.,p. 85
26

qualquer para ressarcir seu prejuízo, devendo invocar apenas as pessoas que

expressamente forem elencadas na lei, por ser um rol taxativo. Segundo o atual

regime jurídico, essas pessoas encontram-se arroladas no artigo 932 do Código

Civil, a saber:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:


I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua
companhia;
II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas
mesmas condições;
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e
prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se
albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hospedes,
moradores e educandos;
V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a
concorrente quantia.

E por força do artigo 933, a responsabilidade dessas pessoas é

objetiva, vale dizer, independentemente de culpa, respondem pela reparação do

dano.

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente,


ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados
pelos terceiros ali referidos.

Destarte, mesmo nas hipóteses dos pais pelos filhos, curadores

pelos curatelados, a presunção de culpa é absoluta, a responsabilidade é objetiva,

não se aceitando prova de que os responsáveis promoveram todas as diligências

necessárias para evitar o infortúnio. Necessariamente serão obrigados a ressarcir o

dano experimentado pela vítima.

Salienta-se que esse posicionamento baseia-se na teoria do risco,

fundamentado na alegação de que se o pai arrisca ter filhos em troca de uma

felicidade e complementação de sua vida, bem como o patrão arrisca contratar


27

empregados em troca de lucro na sua atividade, que sejam ambos responsáveis por

eles quando no exercício de alguma atividade causarem danos a terceiros.

Não é demais acrescentar que, em qualquer hipótese incumbe ao

ofendido provar a culpa do agente causador do dano, ou seja, do incapaz,

empregado, do hóspede e educando. Presumida é apenas a responsabilidade dos

pais, tutores, curadores, patrões, donos de hotéis e de estabelecimento de ensino. A

exigência da prova de culpa daqueles se coloca como antecedente indeclinável à

configuração do dever de indenizar destes.22

22
GONÇALVES, op.cit.,p. 107.
28

4 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

A responsabilidade civil é, em princípio, individual, pois que é

obrigado a reparar o dano aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência

ou imprudência, causou prejuízo a outrem.23

Não obstante, conforme foi visto ao longo deste trabalho, com o

escopo de proteger a vítima e viabilizar integralmente a reparação do dano, o

sistema admitiu que pessoas não diretamente relacionadas ao evento danoso, mas

ligadas por uma relação jurídica com os agentes causadores da lesão, fossem

convocadas a responder, de forma solidária, com estes.

Num primeiro momento, a solidariedade destas pessoas

(responsáveis) foi estabelecida no artigo 932 do Código Civil, quando se lê a

expressão “são também responsáveis”, contida no caput do artigo 932 do Código

Civil. Ainda, a solidariedade passiva está expressa no parágrafo único do artigo 942

desse mesmo novel.

Art. 942. (omissis)


Parágrafo único: São solidariamente responsáveis com os autores os co-
autores e as pessoas designadas no art.932.

Destarte, ocorre solidariedade entre as pessoas designadas no

artigo 932, isto é, os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e

em sua companhia; o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem

nas mesmas condições; o empregador ou comitente, por seus empregados,

serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por

dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hospedes, moradores e


23
GONÇALVES, op.cit., p. 101.
29

educandos; e os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até

a concorrente quantia.

E por força da solidariedade passiva (artigo 275 do Código Civil), o

lesado pode acionar tanto o agente direto do dano, quanto o agente indireto

(responsável), ou ainda, se preferir, mover ação contra ambos.

Salienta-se que esse benefício que a lei concede à vítima tem um

único escopo, qual seja, possibilitar a reparação do dano de forma mais completa

possível.

Entretanto, o tema não é tão pacífico assim. Rui Stoco, comentando

sobre a responsabilidade, repudia a existência de solidariedade entre pais com seus

filhos, e tutor e curador com seus pupilos e curatelados, respectivamente, alegando,

para tanto, que se ao incapaz falta imputabilidade, inexiste culpa e,

consequentemente, não possui responsabilidade. Esta somente possui o seu

responsável, a qual, pelo atual sistema, é objetiva.

Mas não há como acolher silenciosamente essa modificação sem se


decepcionar e indignar, posto que se traduz um retrocesso no campo de
proteção que os menores inimputáveis, os enfermos e os deficientes
mentais receberam ao longo do tempo e que se impõe preservar.
Não nos sensibilizamos com a corrente que se preocupou com o fato da
não-reparação dos danos causados à vítima por ato de “amental”, em razão
do de sua inimputabilidade, pois se no Código anterior esse perigo não
rondava, mesmo com a previsão de que apenas os pais respondiam pelos
atos de seus filhos absolutamente incapazes, no Código atual a só
responsabilização desses incapazes não assegura, nem dá certeza de
satisfação do dano, pois o mecanismo estabelecido mostra-se falho,
podendo tornar a vítima irressarcida, bastando que nem o incapaz, nem o
seu responsável tenham condições financeiras para indenizar, segundo o
sistema de eliminação estabelecido no art. 928. 24

Sem embargos à opinião do nobre jurista, o posicionamento

majoritário é no sentido em aceitar a responsabilidade solidária do incapaz,

concedendo à vítima o direito em escolher quem deve reparar o dano; bem como
24
STOCO, op.cit., p. 773.
30

responsabilizar o incapaz de forma subsidiária e mitigada, ou seja, o próprio

inimputável responde pela reparação do dano com o seu patrimônio na hipótese de

seu responsável não o fizer, ou não puder, de forma eqüitativa e não o privando do

necessário para a sua subsistência e de seus dependentes.

Ainda, há que se registrar a opinião de Regina Beatriz Tavares da

Silva, para a qual, após desenvolver excelente estudo sobre o assunto, aduziu existir

contradição entre o caput do artigo 928, que estabeleceu a responsabilidade

subsidiária do incapaz, com o artigo 942 também do Código Civil, que instituiu a

responsabilidade solidária.

O caput deste dispositivo está em conflito com o art. 942, que estabeleceu a
responsabilidade solidária dos incapazes e das pessoas designadas no art.
932, ou seja, dos pais e dos filhos incapazes, do tutor e do tutelado, do
curador e do curatelado. Deve-se ter em vista que o princípio da reparação
plena, antes de analisado, de modo que os incapazes devem ser
solidariamente responsáveis, como estabelece o art. 942, sem que a
responsabilidade patrimonial seja hierarquizada nestes casos.25

Por fim, segundo disposto no parágrafo único do artigo 942 do

Código Civil, também são solidariamente responsáveis com os autores do dano, os

co-autores. Trata-se pois, de pluralidade de agentes, ou concurso de agentes na

prática de um ilícito.

25
DA SILVA, Regina Beatriz Tavares. Novo Código Civil Comentado. Coord. Ricardo Fiúza. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 281.
31

5 RESPONSABILIDADE DOS PAIS PELOS FILHOS

5.1 REGIME JURÍDICO DE 1916 E SUA EVOLUÇÃO

A título de conhecimento, convém narrar todos as fases da

responsabilidade civil dos pais, começando pela responsabilidade puramente

subjetiva, passando pela presunção relativa de culpa, e terminando na atual teoria

adotada, qual seja responsabilidade objetiva.

Como já dito alhures, o Código Civil de 1916 adotou uma posição

retrograda, fundamentada na culpa do responsável. Tal preceito foi positivado no

artigo 1.521, inciso I, e no artigo 1.523, o qual exigia da vítima a demonstração da

culpa concorrente dos pais no ato ilícito cometido pelo filho menor. Essa culpa

consistia na comprovação de que os pais agiram negligentemente e descuraram do

dever de vigiar, modalidade de culpa in vigilando.

Contudo, o preceito contido no Código Civil de 1916 passou por

inúmeras vicissitudes. O Código de Menores, aprovado pelo Decreto n° 17.943-A, de

12 de outubro de 1927 estabeleceu no artigo 68, § 4º, que era responsável o pai, ou

a pessoa a quem incumbia legalmente a vigilância do filho, salvo se provasse que

não houve culpa ou negligência. Diante disso, enquanto no regime do Código Civil

os pais só eram responsáveis pelos filhos menores que estivessem em seu poder e

em sua companhia (artigo 1.521, I), e somente provando-se que haviam eles

concorrido para o dano por culpa própria (artigo 1.523), o Código de Menores de

1927 suprimiu o requisito de o menor estar sob o poder e em companhia do pai, e

reverteu o ônus da prova de culpa.26

26
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4, p. 68.
32

Entretanto, o Código de Menores foi substituído por um novo – Lei n°

6.697, de 10 de outubro de 1979. Este novel, por força de seu último artigo, revogou

inteiramente o anterior, inclusive, a regra contida no artigo 68, § 4º, criando com isso,

um duplo problema: um pertinente a direito intertemporal e outro de lacuna na lei.

Quanto ao problema de direito intertemporal, o imbróglio residia em

se saber se a lei que revoga a lei revogadora de outra lei restaura automaticamente

a primeira, ou se somente tem efeito repristinatório quando o declara

expressamente. Neste contexto, o direito brasileiro adotou a teoria fundamentada na

Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 2º, § 3º: “salvo disposição em contrário, a lei

revogada não restaura por ter a lei revogadora perdido vigência”27. Destarte, a

revogação expressa do Código de Menores de 1927 pelo novo (Lei n° 6.647/79) não

repristinou o artigo 1.523 do Código Civil.

No que tange à lacuna da lei, a dúvida relacionava-se em saber qual

legislação se apoiar, já que não houve repristinação da lei e o único texto a reger a

responsabilidade dos pais por atos dos filhos era a regra do artigo 1.521, inciso I, do

Código Civil de 1916.

Comentando o assunto, Silvio Rodrigues entendeu que os pais

sempre responderiam pelos danos causados culposamente por seus filhos menores

que estivessem em sua companhia e guarda.

Examinando-se o dispositivo, agora que vige sem a restrição que era sua
irmã gêmea (prova de culpa do pai a ser produzida pela vítima), nota-se que
a Revogação do Código de Menores de 1927 ampliou consideravelmente a
responsabilidade dos pais, pois lhes tirou a válvula de escape, representada
pela possibilidade de ilidir sua responsabilidade, provando que não houve
culpa ou negligência de sua parte. Sua responsabilidade, dada certas
circunstâncias, é objetiva, pois não mais existe a presunção de culpa,
consignada no Código de Menores de 1927.

27
PEREIRA, op.cit.,p. 27.
33

Entretanto, para que a responsabilidade do pai emerja é preciso que o filho


esteja em sua companhia e guarda. É o que diz a lei. Portanto, se o filho
justificadamente não estiver em sua companhia e sob a sua guarda, sua
responsabilidade não se caracteriza. O grifo no advérbio justificadamente foi
deliberado, pois se o menor, por culpa do pai, se encontra alhures e causa
dano a outrem, não vejo como possa esse fugir da indenização.
Tendo em vista essa circunstancia é aconselhável que a jurisprudência
brasileira se mostre cautelosa ao examinar os problemas concernidos a
matéria. Talvez devam os tribunais, aplicando com relativa brandura a lei,
admitir a exoneração do pai quando for manifesto que o dano causado pelo
menor ocorreu a despeito de haver seu progenitor agido com a diligência
normal cabível na hipótese.28

Não obstante, a jurisprudência foi maciça em adotar a presunção de

culpa dos pais (presunção juris tantum), agindo com rigorismo para aceitação da

prova de não-culpa. Assim, apenas se cabalmente demonstrado que não agiram

com negligência quanto ao dever de vigilância do filho, os pais se eximiam da

obrigação de indenizar.

Salienta-se que a doutrina arrolava algumas situações corriqueiras

onde, na sua efetiva concretização, presumia-se a culpa in vigilando dos pais e,

consequentemente, obrigava-os a reparar o dano cometido pelo filho. Neste vértice,

presumia-se a culpa dos pais: a) quando o filho menor de 18 (dezoito) anos, não

habilitado, dirigia veículo automotor e causava acidente de trânsito; b) quando não

exercido a devida vigilância em torno do filho menor, este desvirginasse menor ou

seduzisse mulher honesta; c) quando descurada da vigilância do filho menor, este

praticava algum delito (ato infracional); d) quando não se impedia o consumo de

bebidas alcoólicas ou de tóxicos pelos menores; e) quando se permitia que o menor

brincasse com armas de fogo ou instrumentos perigosos; f) quando se deixava

material inflamável ao alcance de menor.29

Registre-se a opinião de Wilson Melo da Silva no tocante a hipótese

de filho relativamente incapaz, maior de 18 (dezoito) anos e menor de 21 (vinte e


28
RODRIGUES, op.cit., p. 69.
29
DINIZ, op.cit., p.514-5.
34

um), devidamente habilitado, praticar acidente na direção de veículo automotor. O

nobre jurista afirmou que neste caso em especial, tendo em vista que o próprio

Estado considerou o menor apto para conduzir veículos automotores, não subsiste

nenhuma responsabilidade dos pais. Pede-se vênia para transcrever trecho de suas

argumentações:

Se, por lei, o menor com a idade mínima de 18 anos já pode ser
considerado em condições técnicas de dirigir veículos, uma vez aprovado
ou habilitado pelo próprio Estado, por que haveria ele, nessa situação, de
ter sua responsabilidade civil automobilística regida por um princípio
superado, em solidariedade com a de seu representante legal, quando o
próprio Estado já o considerou apto e desimpedido para o exercício de uma
atividade técnica para a qual o pai ou tutor do dito impúbere nem sempre
teria condições de fato de vigilância e controle? Paralelamente a isso não
seria estranho que o impúbere de 18 anos, motorista habilitado, já em idade
de ser penalmente responsabilizável, com, aptidão para votar, casar,
emancipar-se e trabalhar desimpedidamente, ainda viesse a carrear a
responsabilidade solidária de seu representante legal pelos atos de seu
ofício técnico de motorista, para o qual foi reconhecido credenciado e
capacitado pelo próprio Estado?30

Mais radical, Junqueira de Azevedo também relutou contra o

rigorismo dos tribunais em se aceitar prova de não-culpa dos pais, observando que

os juízes, ao analisarem esse tipo de caso, devem se atentar para os fatos da vida

moderna, onde cada vez menos os pais são os únicos responsáveis pela educação

dos filhos:

A prova, pelos pais, de sua não-culpa, deve ser atualmente, considerada


com mais liberalidade pelos juizes. A intensidade com que as crianças
recebem educação fora do lar é muito maior hoje do que antigamente:
especialmente nas grandes cidade do pais, o papel de educador dos pais,
está, em grande parte, dividido com o Estado, os educadores profissionais e
os meios de comunicação. Desde os três anos, são muitas as crianças que
têm, hoje, a formá-los outras figuras além de pai e mãe.31

30
DA SILVA, Wilson de Melo. Responsabilidade civil automobilística. São Paulo: Saraiva, 1980.
p.155.
31
DE AZEVEDO, Antonio Junqueira. Responsabilidade civil dos pais, in Responsabilidade civil –
Doutrina e jurisprudência, coordenação de Yussef S. Cahali, Saraiva.
35

Por sua vez, Aguiar Dias32, após afirmar que a vigilância paterna, é

continua, geral e permanente, asseverou que ela “está sujeita às possibilidade

humanas”, ou seja, a presunção de culpa, em que vem assentada a

responsabilidade dos pais sofreu o impacto da “sociedade permissiva

contemporânea”, que atinge severamente a autoridade paterna sobre os

adolescentes.

A Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990, instituiu o Estatuto da Criança

e do Adolescente, porém os princípios não sofreram alterações. A responsabilidade

dos pais pelos atos ilícitos de seus filhos menores continuou a ser presumida, na

modalidade juris tantum, sendo que os tribunais mantiveram posicionamento

rigoroso quanto a prova de não-culpa, aceitando-a como verdadeira exceção.

Por fim, a Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o

novo Código Civil, revogou todas as disposições anteriores quanto à

responsabilidade civil dos pais. Em manifesta opção em garantir à vítima a maior

possibilidade de reparação do prejuízo, o atual novel adotou a teoria da

responsabilidade objetiva, obrigando os pais a reparem os danos ocasionados

culposamente por seus filhos menores, independentemente de culpa.

5.2 REGIME JURÍDICO ATUAL

Os pais são responsáveis pela reparação civil decorrente de atos

ilícitos praticados pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua

companhia, e o fundamento para esse mandamento “inspira-se naquele anseio de

se assegurar à vítima do dano causado por pessoa menor a garantia de

ressarcimento. Como o menor, ordinariamente, não conta com recursos próprios, o

32
DIAS, op.cit., p. 515.
36

fato de se atribuir a responsabilidade solidária a seus progenitores aumenta a

possibilidade de a vítima receber a indenização.”33

Essa responsabilidade, conforme explana Aguiar Dias, relaciona-se

intimamente com o exercício do poder familiar34. Soudart, citado por Rui Stoco,

também demonstra com precisão que o poder familiar inspira essa responsabilidade

dos pais:

[...] dá ao pai e à mãe o direito e dever de velar constantemente pelos filhos,


enquanto são incapazes de dirigir suas ações e lhes estão submetidos na
ordem civil, de prevenir-lhes as faltas, seja pela vigilância, atual, seja
principalmente pela educação intelectual e moral que estão incumbidos de
lhes dar. 35

O dever de reparar dos pais pelos atos ilícitos causados pelos seus

filhos menores está previsto no artigo 932, inciso I, do atual Código Civil. O antigo

novel utilizava-se da expressão “poder”, a qual foi substituída por “autoridade”. Com

efeito, não muda o sentido da dicção legal anterior, apenas lhe dá maior

compreensão, facilitando o entendimento de que os filhos não precisam estar

próximos fisicamente, mas sob seu mando diretivo, ou melhor, sob seu poder

familiar.

O Código Civil de 2002 atendeu os anseios da sociedade e,

positivando o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, adotou no artigo

933, a responsabilidade objetiva dos pais, obrigando estes a repararem o dano

ocasionado pelo filho menor independentemente de culpa concorrente para o

evento.

Salienta-se que a responsabilidade objetiva baseia-se na teoria do

risco, fundamentada na alegação de que se o pai arrisca ter filhos em troca de uma
33
RODRIGUES, op. cit., p. 64
34
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10.ed. Rio de janeiro: Forense, 1995. v. 2, p. 512.
35
SOUDART, August apud STOCO, op.cit., p. 909.
37

felicidade e complementação de sua vida, bem como o patrão arrisca contratar

empregados em troca de lucro na sua atividade, que sejam ambos responsáveis por

eles quando no exercício de alguma atividade causarem danos a terceiros.

Mas como assinala Maria Helena Diniz, para que exista este dever

de indenizar dos pais mister se faz a presença dos seguintes requisitos:

a) O filho seja menor de 18 anos. Limita, assim, a lei a responsabilidade


paterna. A responsabilidade dos pais será subsidiária e solidária, se
emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, I (CC, arts. 928 e 942,
parágrafo único; Enunciado n° 41 do Centro de Estudos Judiciários do
Conselho da Justiça Federal; ECA, art. 116; RT, 641:132, 655:104). A
responsabilidade paterna, como decorrente dos deveres do poder familiar,
não depende de ser ou não imputável o filho, pelo menos em face dos
princípios comuns dos arts. 186, 927, 932, I, e 933).
b) O filho esteja sob a autoridade e em companhia de seus pais, pois, se
estiver em companhia de outrem (p. ex. é internado em colégio), a
responsabilidade civil objetiva será daquele que incumbe o dever de vigiar
(CC, arts. 932, IV, e 933). Não é suficiente que o filho esteja sob o poder
familiar dos pais, é preciso que viva em sua companhia, para que haja a
responsabilidade paterna ou materna. Se o menor estava sob a guarda e
companhia da mãe, em razão de separação judicial ou de divórcio, esta
responderá pelo ato ilícito do filho e não o pai (RJTJSP, 54:182), tendo em
vista que está no exercício do poder familiar; já se a guarda for
compartilhada, ambos terão o exercício do poder familiar e,
consequentemente, a responsabilidade civil objetiva pelos danos causados
a terceiros por seus filhos menores. Não responderão os pais pelos atos
lesivos do filho emancipado, porque a emancipação equivale à maioridade e
com ela cessa o poder familiar. Todavia, há decisões no sentido de ampliar
a responsabilidade dos pais, mesmo nesse caso, estendendo-a mesmo que
o filho seja emancipado (RTJ, 62:180; RT, 494:92). Contundo entendemos
que só se poderia admitir a responsabilidade solidária do pai se se tratasse
de emancipação voluntária (CC, art. 5º, parágrafo único, I; RT, 494:92; RTJ,
62:108); logo, o genitor não responderia por ato ilícito de filho emancipado
pelo casamento ou por outras causas arroladas no art. 5º, parágrafo único,
II a V, do Código Civil.
c) Os pais estejam no exercício do poder familiar, que lhes impõe
obrigações especiais, principalmente de vigilância. Realmente, como
observa Soudat, o poder familiar dá aos pais o direito e o dever de velar
constantemente pelos filhos enquanto são incapazes de dirigir suas ações;
de prevenir-lhes as faltas, seja pela vigilância atual, seja pela educação
intelectual e moral que estão incumbidos de lhes dar (CC, arts. 1.631, 1.632
e 1.634, I, V e VII; RJTJSP, 27:74).36

Por oportuno, diante da complexidade da matéria, convém abordar

especificamente cada requisito ensejador dessa responsabilidade.

36
DINIZ, op.cit., p. 513.
38

Quanto ao requisito da menoridade, além do próprio inciso I do

artigo 932, limitar a responsabilidade dos pais apenas quanto aos filhos menores, o

art. 5º, caput, do mesmo novel não deixa dúvidas: “A menoridade cessa aos 18

(dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos

da vida civil”; principalmente a responder pelos seus atos ilícitos. A partir de então,

os filhos são senhores e responsáveis de seus próprios atos.

Insta advertir que quanto aos filhos maiores, mesmo os que moram

juntamente com os pais, por serem senhores de si mesmos, respondem pelos seus

atos ilícitos, ou seja, os pais não mais têm responsabilidade por eles. Sobre o

assunto, explana Aguiar Dias:

A responsabilidade do pai só ocorre em conseqüência de ato ilícito de filho


menor. O pai não responde, a esse título, por nenhuma obrigação do filho
maior, ainda que viva em sua companhia (ac. Do Tribunal de Apelação do
Distrito Federal, em 16-10-42, no Diário da Justiça de 20-1-43). O mesmo
não se pode dizer com relação ao filho maior, mas alienado mental. É claro
que a responsabilidade do pai, nesse caso, não pode ser fundada no art.
1.521, n. I, mas no art. 159, pois decorre de omissão culposa na vigilância
de pessoa privada de discernimento, não a fazendo internar ou não
obstando ao ato danoso.37

Ainda neste ponto, calha fazer algumas considerações quando o ato

ilícito é praticado por menor púbere ou relativamente incapaz (igual ou maior de

dezesseis anos, e menor de dezoito), e quando é cometido por menor impúbere ou

absolutamente incapaz (menor de dezesseis anos).

Diferentemente do menor púbere, o menor impúbere ainda não

adquiriu a noção do bem e do mal com suficiente exatidão, inexistindo, portanto,

aquela energia volitiva necessária para a caracterização de culpa. Assim, na

ocorrência de um ato que originou um dano, os pais não respondem indiretamente,

mas sim por culpa própria, consistente na omissão do dever de vigilância. Em outras

37
DIAS, op.cit., p. 515.
39

palavras, a responsabilidade dos pais não é afastada quando inexiste imputabilidade

moral em virtude da ausência de discernimento, mas respondem por culpa direta.

Por sua vez, a conduta culposa do relativamente incapaz gera uma responsabilidade

indireta de seus pais.

O tema é esclarecido com exatidão por Alvino Lima:

Temos, portanto, duas situações diversas; o fato do infans, irresponsável, à


vista da sua incapacidade natural, e o fato do menor com capacidade
natural de entender e querer, e, consequentemente, responsável em
conseqüência da culpa cometida.
No primeiro caso domina completamente o princípio da irresponsabilidade
do menor de baixa idade, em virtude da ausência de culpa.
Surge, então, como responsável pelo fato do infans, o seu genitor, sob cuja
guarda ele se encontra, mas responsabilidade decorrente de sua própria
culpa, embora sob presunção, por negligência na devida fiscalização do
menor.

A responsabilidade do genitor pelas conseqüências ilegais e danosas dos


atos praticados pelos seus filhos menores de baixa idade (infans) é uma
responsabilidade direta, resultante da negligência na vigilância do incapaz,
ou da exclusiva culpa do genitor, consequentemente, sem recurso pessoal
contra o filho menor.
Tratando-se, porém, de ato praticado pelo filho menor com capacidade de
querer e de entender, uma vez verificada a sua culpa, surge a sua
responsabilidade direta, e, automaticamente, por atribuição jurídica, a
responsabilidade indireta do genitor, cuja culpa se presume júris tantum.38

Com efeito, a utilidade em se diferenciar o menor púbere do menor

impúbere está na possibilidade ou não de a vítima demandar contra o responsável

indireto e também contra o responsável direto do dano, ou seja, sendo o filho menor

púbere, a vítima poderá acionar tanto o pai, quanto o filho (litisconsórcio passivo);

em se tratando de absolutamente incapaz, o lesado somente poderá acionar o pai.39

Já o segundo requisito apresentado – que os filhos estejam sob

autoridade e companhia dos pais – o que a piori parece ser claro e preciso, em

determinadas situações a solução nem sempre será lógica.

38
LIMA, Alvino. A responsabilidade civil por fato de outrem. Forense: Rio de Janeiro, 1973. p. 41.
39
GONÇALVES, op.cit., p. 107.
40

Certo é que, em decorrência do poder familiar os pais têm o dever

de educar e vigiar seus filhos menores, porém, se por decisão judicial tiver sido

cassado ou suspenso esse poder familiar, deixando o pai ou mãe de ter autoridade

sobre o filho; bem como ordenado que o filho viva na companhia de apenas um

cônjuge, no caso de separação judicial ou divorcio; não terá o outro obrigação de

reparar o dano que o filho causou. Está é, portanto, uma justificativa que

efetivamente elide a responsabilidade objetiva do pai.

Supondo, entretanto, que apesar da mãe ter a guarda exclusiva do

filho, mas algum ilícito este comete quando esteja em exclusiva companhia do pai no

momento do exercício do seu direito de visita, de quem será a responsabilidade e o

dever de indenizar? A mãe que detém a guarda judicial, ou o pai que detém apenas

a companhia?

Neste caso, a responsabilidade será do pai, pois que no momento

da visita, o filho estava em sua companhia, devendo exercer, pois, o dever de

vigilância. Corroborando com esse entendimento, Silvio de Salvo Venosa assinala:

Entretanto, se sob a guarda exclusiva de um dos cônjuges se encontra o


menor por força de separação, divórcio ou regulamentação de guarda,
responderá apenas o pai ou a mãe que tem o filho em sua companhia. A
regra, porem, não é inexorável e admite, como vimos, o detido exame do
caso concreto. O menor pode ter cometido o ato ilícito, por exemplo, quando
na companhia do genitor, em dia regulamentado de visita. A
responsabilidade dos pais deriva, em princípio, da guarda do menor e não
exatamente do poder familiar.40

No caso de o filho menor morar sozinho, mas à custa dos pais, de

quem será a responsabilidade em caso de ato ilícito com prejuízo à vítima?

Dos pais, pois, ao descurar com o dever de vigilância, agiram com

desídia, devendo, portanto, indenizar a vítima. Tal exegese inspira-se no fundamento

40
VENOSA, op.cit., p. 74
41

de que o pai não se pode furtar voluntariamente dos efeitos da lei, ou seja, não pode

negar sua responsabilidade.

Ademais, adverte Wladimir Valler, citado por Rui Stoco:

Ao contrário das leis italiana e francesa, a brasileira não condiciona a


responsabilidade dos pais à coabitação. A responsabilidade subsiste – e
com muito maior razão, pela infração do dever de vigilância – quando os
pais abandonam os filhos menores, ou os enviam a estudar ou trabalhar,
entregues a si mesmos, em lugar diferente do que em que moram. 41

No mesmo sentido também é o entendimento de nossos Tribunais:

Se o menor deixa a casa paterna, sem qualquer motivo, descura o pai do


seu dever de guarda e vigilância, sendo responsável pelo ilícito civil
praticado por aquele (RT 590/154).

Também não se pode olvidar que a condição do filho em estar sob a

guarda ou autoridade de outrem elide a responsabilidade civil dos pais: se o filho

está internado em estabelecimento de ensino, vigora a responsabilidade do

educandário, por força do artigo 932, IV, do Código Civil; se o menor é empregado

ou preposto de alguém, a responsabilidade será do patrão, ut artigo 932, II.

Seguindo este norte, consoante ensina René Demogue, citado por

Caio Mário, certamente a responsabilidade poderá atingir os avós:

A responsabilidade atinge os avós, se a eles incumbir legalmente a


vigilância do menor. Mas não se estende ao padrasto ou madrasta, mesmo
se tiverem recolhido os menores em tenra idade, nem a quem educa filho
natural de sua nora.42

Quanto aos filhos adotados, desde 1988, com a Constituição

Federal, não se pode mais fazer distinção em face dos filhos naturais, portanto,

logicamente os pais são responsáveis pelos filhos menores e, consequentemente,

aos pais biológicos não subsiste nenhuma responsabilidade.

41
VALLER, Wladimir apud STOCO, op.cit., p. 910.
42
DEMOGUE, René apud PEREIRA, op.cit., p. 90.
42

No tocante aos filhos emancipados, consoante apontamento de

Maria Helena Diniz, existem posicionamentos diversos quanto à possibilidade ou

não de sua responsabilização.

Salienta-se que o instituto da emancipação concede ao indivíduo

menor de 18 (dezoito) anos total capacidade para o exercício dos direitos civis,

sendo que a partir de então, o sistema reconhece aquela pessoa como senhor de

seus próprios atos. Entretanto, para fins de responsabilidade civil, e em garantia à

vítima, visando à reparação integral de seus prejuízos, o ordenamento ignora esse

estado de capacidade plena, vinculando o filho à autoridade do pai e,

consequentemente, responsabilizando-o pelo ato do filho.

Tal solução parece contraditória, pois que, de forma arbitrária,

invalida-se um ato jurídico perfeito e acabado (a emancipação), sem que nele exista

alguma nulidade. Corroborando com este posicionamento, Orlando Gomes

assevera:

Mais estranhável ainda é a opinião de que o pai responde pelos atos ilícitos
do filho emancipado. Para todos os efeitos, a emancipação equivale à
maioridade. É apenas o processo de antecipá-la. Não é possível, assim
sustentar que persiste a responsabilidade do pai. Até porque, tal opinião
esbarra com um obstáculo intransponível que é a lei. Segundo o disposto no
art. 1.521, I, o pai responde pelo filho menor que estiver sob o seu poder e a
emancipação é, precisamente, a libertação antecipada desse poder.43

Rui Stoco também perfilha de mesmo posicionamento:

Ora, se por concessão da mãe ou do pai; pelo casamento; pelo exercício de


emprego público; colação de grau em curso superior, ou estabelecimento
civil ou comercial com economia própria (Código Civil, art. 5.º, parágrafo
único, inciso I a V), o menor, por ficção jurídica, é equiparado ao maior de
dezoito anos, para todos os fins e efeitos, nada justifica que por seus atos
continuem a responder os pais, até porque a indignidade do filho no
recebimento da outorga não tem o poder de anular ou reverter a concessão
feita.44

43
GOMES, op.cit., p. 347-8.
44
STOCO, op.cit., p. 910.
43

E para solucionar o imbróglio foi adotada uma solução intermediária,

cuja aceitação pelos Tribunais é majoritária. Se a emancipação ocorreu de forma

tácita, com a verificação das hipóteses dos incisos II a V do artigo 5º do Código Civil

(casamento; exercício de emprego público; colação de grau em curso superior, ou

estabelecimento civil ou comercial com economia própria), os pais não mais

respondem pelos atos ilícitos dos filhos. Em contrapartida, ocorrendo emancipação

consoante inciso I (concessão da maioridade pelos pais por meio de instrumento

público), por se tratar de emancipação expressa ou voluntária, a responsabilidade

subsiste, pois que a vontade particular não pode sobrepor a vontade legal, ainda

mais quando este ato se mostra imponderado diante do filho indigno.

Neste cariz e resumidamente, os pais serão obrigados a indenizar os

prejuízos causados culposamente pelos seus filhos menores quando: os filhos forem

menores de 18 (dezoito) anos; estiverem sob sua autoridade ou companhia; e os

pais estiverem no exercício do poder familiar.


44

6 RESPONSABILIDADE DOS TUTORES E CURADORES

6.1 REGIME JURÍDICO DE 1916 E SUA EVOLUÇÃO

De primeiro plano, a responsabilidade dos tutores e curadores, pelos

atos de seus pupilos e curatelados era subjetiva, ou seja, fundamentada na culpa do

responsável. Tal preceito foi preconizado no artigo 1.521, inciso II, e no artigo 1.523,

o qual exigia da vítima a demonstração da culpa concorrente dos tutores e

curadores no ato ilícito cometido pelo incapaz menor e incapaz maior,

respectivamente. Essa culpa consistia na comprovação de que os responsáveis

agiram negligentemente e descuraram do dever de vigiar, modalidade de culpa in

vigilando.

Revogando em parte as disposições do Código de 1916, o Código

de Menores de 1927 tornou presumida a culpa do tutor pelo ato danoso do pupilo,

fazendo isso através do artigo 68, § 4º: “são responsáveis o pai, ou a pessoa a

quem incumbe legalmente a vigilância do filho, salvo se provar que não houve

culpa ou negligência” (grifo nosso). Ainda, tal regra abrangia não só os tutores, mas

também avós e outras pessoas, parentes ou não, que às vezes se tornassem

legalmente responsáveis pela guarda de menores, especialmente em razão de

processos de separação judicial e de procedimento relativos a menores em situação

irregular.45

Assim, por força da presunção de culpa dos tutores, inverteu-se o

ônus da prova, exonerando a vítima de provar a culpa dos responsáveis, devendo

demonstrar apenas que a conduta do incapaz menor violou abstratamente uma

45
RODRIGUES. op.cit., p. 72.
45

norma jurídica e que esta lhe causou um dano. Por sua vez, o tutor tinha a

possibilidade de fazer prova de que não agiu com culpa ou negligência.

Ressalta-se que sempre existiu entendimento de que a prova de

não-culpa dos tutores deveria ser analisada com menos rigor que a dos pais, pois

que tutor e curador exercem função social, que muitas vezes não é remunerado,

assim, nada mais justo do que ser menos severo com eles.

O Código de Menores de 1979 não alterou os princípios até então

aplicáveis.

No que concerne à responsabilidade do curador, tendo em vista que

este é representante legal de incapaz maior, sua responsabilidade é regida pelo

artigo 1.523 do Código Civil, e não pelo Código de Menores, que apenas se refere a

incapaz menor. Assim, a vítima deveria provar a culpa do agente direto, bem como

de seu responsável.

Salienta-se, no entanto, que por força do trabalho pretoriano, tanto

para a responsabilidade do tutor, como para a do curador, foi adotada a presunção

de culpa dos responsáveis, na modalidade juris tantum. Tal situação somente se

alterou com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o qual estabeleceu a

responsabilidade objetiva dos responsáveis, os quais são obrigados a reparar o

dano, independente de culpa sua.

6.2 REGIME JURÍDICO ATUAL

Respondem o tutor e o curador pelo pupilo e curatelado, que se

acharem nas mesmas condições dos filhos menores em relação aos pais. Essa é a

regra estabelecida no inciso II do artigo 932 do Código Civil de 2002. Percebe-se


46

claramente que os mesmo princípios concernentes à responsabilidade dos pais são

aplicáveis aos tutores e curadores.

A tutela ocorre quando os pais falecem, são julgados ausentes ou

decaem do poder familiar (artigo 1.728 do Código Civil). É uma condição temporária,

pois que perdura enquanto o incapaz menor não atinge a sua maioridade. Assim,

tutor é o representante legal do incapaz menor.

Por sua vez, estão sujeitos à curatela: aqueles que, por enfermidade

ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida

civil; aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; os excepcionais

sem completo desenvolvimento mental; e os pródigos (artigo 1.767, e incisos do

Código Civil). Destarte, curador é o representante legal do incapaz maior.

A responsabilidade dessas pessoas é objetiva, consoante artigo 933

do Código Civil, vale dizer, os responsáveis são obrigados a reparar o dano

independente de suas culpas. Ainda, o caput do artigo 942 prevê que os bens dos

responsáveis ficam sujeitos à reparação do dano.

Salienta-se que tanto a tutela quanto a curatela representam, de per

si, pesado encargo ou múnus público, pois aquele que aceita ser tutor ou curador de

alguém presta, ordinariamente, um serviço à sociedade, que muitas vezes, não é

sequer remunerado. Assim, recomenda-se ao juiz que, ao analisar esses casos, os

veja com mais benignidade do que em relação à responsabilidade dos pais pelos

filhos menores.

Caso contrário, significa impor uma obrigação por demais extensa e

inconveniente. Extensa porque representa a agravação de um ônus para quem


47

presta a função de interesse social e, inconveniente porque representa elemento

desencorajador àqueles que aceitariam ser tutores ou curadores de um menor ou

maior incapaz.

Comentando o assunto, Silvio Rodrigues opina em favor do

abrandamento dessa responsabilidade:

Ser altamente recomendável que o juiz, ao analisar a hipótese de dano


causado por menor sob tutela, deve ser muito mais benigno ao examinar a
posição do tutor do que seria em relação ao pai, cumprindo-lhe exonerar
aquele que cada vez que não haja manifesta negligência de sua parte.46

Também Aguiar Dias, depois de afirmar que a responsabilidade dos

tutores segue em tudo os princípios que regulam a responsabilidade dos pais, uma

vez que ocupam o lugar destes, entende ser justo analisar com mais benignidade

essa responsabilidade:

Esse fato, que só agravaria a responsabilidade do pai – pois não pode


invocar a ineducabilidade do filho – deve, por isso mesmo, atenuar ou elidir
a responsabilidade do tutor, cuja função social, lhe impõe deveres idênticos
aos do pai, deve ser encarada, principalmente se exercida por estranhos,
como um ônus que ele suporta por imposição legal e não pelo vínculo de
sangue.47

Ressalta-se que quanto à responsabilidade do curador mesma

recomendação de benignidade deve ser considerada.

E consoante apontamento de Silvio Rodrigues, um meio de se

amenizar a responsabilidade do tutor ou curador, é o juiz reduzir a indenização,

reconhecendo a desproporção entre a gravidade da culpa dos responsáveis e o

dano causado pelo pupilo ou curatelado. Trata-se, pois, da aplicação da regra do

artigo 944, parágrafo único, inovação trazida pelo Código de 2002:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

46
RODRIGUES, op,cit., p.71.
47
DIAS, op.cit., p. 519.
48

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da


culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

Por fim, adverte-se, que objetiva é apenas a responsabilidade do

tutor e curador, e não do agente imediato. Assim, permanece à vítima o ônus de

provar a culpa do incapaz. Acaso essa conduta seja incensurável, inexistirá o dever

de indenizar. Em outras palavras, se a conduta do agente direto, independentemente

de sua inimputabilidade, não puder se considerada, abstratamente, contrária à lei,

não subiste obrigação de reparar, nem do incapaz, muito menos do responsável.

Se provado ficar que o ato do menor privado de discernimento,


abstratamente considerado, não violou nenhuma obrigação preexistente,
força é convir que a ação promovida pela vítima contra o pai do menor
inimputável poderá ser prontamente repelida, pois não se compreenderia
que os representantes do menor incapaz, culpados por presunção legal
continuassem ‘culpados’ pela prática de um ato que ocasionou um prejuízo
mas não vulnerou nenhuma norma jurídica.48

48
GONÇALVES, op.cit., p. 106.
49

7 RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E MITIGADA DOS INCAPAZES

Nesse campo da responsabilidade do incapaz, é importante que se

acentue a guinada de posição tomada pelo vigente Código, o qual aumentou ainda

mais a possibilidade de reparação do dano.

O artigo 928 do atual novel estabeleceu:

“Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas


por ele responsáveis não tiverem obrigação de faze-lo ou não dispuserem
de meios suficientes”.

Perceba-se que o preceito equiparou, para efeito de

responsabilização, os semi-imputáveis, como também, não fez distinção entre

menores púberes e impúberes, de modo que os amentais e os menores de qualquer

idade abaixo de 18 (dezoito) anos são considerados “incapazes” para efeito de

responsabilização civil.

O legislador preferiu utilizar-se da expressão abrangente

“incapazes”, posto que gênero de que os menores púberes e impúberes; os

enfermos, os deficientes mentais, os que não puderem exprimir sua vontade, os

ébrio habituais, os viciados em tóxicos, os excepcionais e os pródigos, constituem

espécies.

Assim, foi criada a responsabilidade subsidiária dos incapazes, os

quais deverão reparar o dano quando as pessoas que forem seus responsáveis não

tiverem obrigação de fazê-lo, seja porque o incapaz recuperou-se, foi emancipado,

contraiu matrimônio, não esteja sob o poder familiar, ou qualquer outro motivo

escorado em lei, ou; ainda, não disponha de meios suficientes para cumprir a

obrigação.
50

Salienta-se que o parágrafo único do citado artigo estabelece que a

indenização a ser suportada pelo incapaz será eqüitativa e só terá lugar se não o

privar do necessário, bem como as pessoas que dele dependam.

Art. 928. (omissis)


Parágrafo único: A indenização prevista neste artigo, que deverá ser
eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas
que dele dependam.

Neste vértice, criou-se a responsabilidade mitigada e condicionada.

Mostrando-se receoso com a técnica adotada pelo legislador, Sílvio

de Salvo Venosa pondera que atribuir inteiramente ao juiz o critério de fixar a

indenização a ser suportada do incapaz pode ser perigoso:

O atual Código relega ao juiz o exame da conveniência da condenação e o


momento desta. O princípio pode jogar por terra toda a construção
jurisprudencial anterior e, a nosso ver, deve ser repensado, pois o risco de
situações sem ressarcimento será grande.49

Convém, entretanto, advertir que a regra continua sendo a

responsabilidade primária dos pais, tutores e curadores, por atos ilícitos dos filhos

menores, pupilos e curatelados, respectivamente, que estiverem sob autoridade e

em companhia dos mesmos, respondendo com seu patrimônio. A responsabilidade

dos incapazes é subsidiária, mitigada e condicionada, ou seja, exceção.

Portanto, em resumo, não basta que os responsáveis imediatos

(pais, tutores e curadores) não disponham de meios para se eximir da obrigação. É

fundamental que o incapaz disponha desses meios e que eles não lhe façam falta,

ou não prive do necessário tanto o incapaz quanto seus dependentes.

49
VENOSA, op.cit., p. 75.
51

8 RESPONSABILIDADE DO PREPONENTE POR ATO DE SEU PREPOSTO

8.1 REGIME JURÍDICO DE 1916 E SUA EVOLUÇÃO

O Código Civil de 1916 preceituou aparentemente no artigo 1.521, III

princípio absoluto da responsabilidade do empregador. Porém, em seu artigo 1.523,

estatuiu que tal responsabilidade só subsistiria em se provando que o patrão

concorreu com o empregado para o acontecimento do evento danoso. Assim, poder-

se-ia dizer que o Código dava com uma das mãos e retirava com a outra.

Ressalta-se que a culpa do patrão consistia em não escolher bem,

culpa in eligendo, ou em não vigiar bem, culpa in vigilando.

E foi no propósito de aperfeiçoar o Código Civil às necessidades do

progresso jurídico, bem como amenizar a desvantagem que o Código impôs às

vítimas, que várias soluções foram intentadas.

Consoante explana Caio Mário, uma das soluções sacrificava o

artigo 1.521 (Pontes de Miranda); outra implicava em não considerar existente ou

não escrito o artigo 1.523 (Washington de Barros); outra corrente, ainda, adotava a

teoria da substituição, entendendo que ao recorrer aos serviços do preposto, o

patrão prolongava a sua própria atividade, assim, a culpa do preposto é

conseqüência de sua própria culpa (Aguiar Dias); por fim, Serpa Lopes imaginou

uma espécie de obrigação de segurança perante quem quer sofre prejuízo por fato

do preposto, consistindo a culpa na infringência a essa obrigação de segurança ou

de garantia adversus omnes.50

50
PEREIRA, op.cit., p. 94.
52

Entretanto, a teoria que num primeiro momento ganhou aceitação foi

a da presunção de culpa do patrão. Por essa teoria, bastava a vítima provar que o

dano culposo foi causado no horário de trabalho do empregado, que nascia a

obrigação do patrão em reparar do dano. No entanto, o empregador podia se eximir

da responsabilidade provando que havia tomado todas as cautelas possíveis para

evitar o evento danoso. Tal presunção, portanto, era juris tantum. Como exemplos de

cautela, pode-se entender a exigência de habilitação do motorista; experiência no

ramo; exigência de cursos de aperfeiçoamento; fiscalização no desenvolvimento das

tarefas etc.

Porém, essa teoria ainda não era suficiente, na maioria das vezes a

vítima continuava desamparada, experimentando sozinha seu prejuízo, pois, em

provando o patrão que escolheu bem seu preposto, bem como realizava a devida

fiscalização, sua responsabilidade desaparecia. Tal solução consistia, na prática, na

transferência da responsabilidade à vítima em decorrência do ato de outrem.

E foi assim que a doutrina e jurisprudência criaram a teoria do

risco, fundamentada na alegação de que se o pai põe filhos no mundo, se o patrão

se utiliza do empregado, ambos correm o risco de que, na atividade daqueles, surja

dano para terceiro. Assim, se tal dano advier, por ele devem responder

solidariamente com os seus causadores diretos.

A partir de então, a presunção de culpa tornou-se juris et de jure,

vale dizer, o patrão não mais se eximia da responsabilidade ao provar que tomou

todas as cautelas para que o infortúnio ocorresse, pois se o dano ocorreu,

certamente o patrão agiu com culpa in vigilando ou culpa in eligendo. Assim, o dano

culposo causado por empregado no exercício de seu trabalho, ou por ocasião deste,

de maneira irrefragável, implicava no dever de reparar pelo patrão.


53

Tal pensamento foi consolidado na Súmula 341 do Supremo Tribunal

Federal: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do

empregado ou comitente”.

E comentando essa mudança de regra quanto à responsabilidade

dos patrões, Arnold Wald foi extramente feliz:

A atitude dos nossos tribunais é de fato no sentido de não admitir a prova de


que não houve culpa do patrão, uma vez provada a do preposto. A alegada
presunção “juris tantum” se transforma assim numa presunção “juris et de
jure”, já que o patrão não se pode exonerar de sua responsabilidade
alegando que escolheu preposto devidamente habilitado para o exercício da
função.51

Caio Mário também comentou esse posicionamento adotado,

antevendo, inclusive, as balizas da responsabilidade civil:

Em resumo: a responsabilidade indireta do empregador percorre uma curva


de cento e oitenta graus, partindo da concorrência de culpa, caracterizada
pela culpa in eligendo ou in vigilando; passando pela presunção de culpa do
preponente; e marchando para a responsabilidade objetiva, que de iure
condendo será a meta próxima, com a aplicação da teoria do risco.52

O Projeto do Código Civil de 1975, o qual se transformou na

legislação vigente, estabeleceu a responsabilidade objetiva por fato de outrem,

tendo estatuído em seu artigo 933 que a responsabilidade do empregador subsiste

ainda que não haja culpa de sua parte.

8.2 REGIME JURÍDICO ATUAL

A responsabilidade do empregador ou comitente, por seus

empregados, serviçais e prepostos, está prevista no artigo 932, inciso III do Código

Civil. Assim, toda vez que o empregado, serviçal ou preposto causar dano

51
WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 397.
52
PEREIRA, op.cit., 96.
54

culposamente no exercício de seu trabalho, ou em razão dele, nasce o dever do

empregador ou comitente em reparar o dano. Observa-se que o antigo Código Civil,

em seu artigo 1.521, III adotava a expressão “patrão”, agora substituída por

“empregador”, que é mais técnica e abrangente.

À luz da legislação em vigor (artigo 933) não se indaga da culpa do

empregador, desde que demonstrada a culpa do seu empregado. Em outras

palavras, havendo culpa do empregado, empenha-se o dever do seu empregador,

sem qualquer indagação acerca de culpa in eligendo ou in vigilando deste, ou se

houve omissão sua em momento em que se exigia um facere (culpa in omittendo).

Assim, o Código Civil de 2002 evoluiu no sentido de estabelecer a

responsabilidade objetiva do empregador, mediante presunção juris et de jure de sua

responsabilidade, por força da adoção do risco profissional.

Segundo a teoria do risco profissional, o patrão que utiliza seu

empregado, o faz para satisfação seu precípuo interesse. Ao contratá-lo para

determinada tarefa, seja a de atender o balcão de sua loja, ou de dirigir o seu

automóvel ou a de cuidar da contabilidade de sua empresa, visa poupar-se de um

labor ou alcançar um lucro. Desse modo, o patrão cria um risco de que o empregado

cause dano a outrem, sendo, portanto, extremamente justo que responda pelo dano

que seu empregado, culposamente, cometeu, mesmo que para tal prejuízo não haja

o patrão concorrido com culpa.53

Doravante, para melhor entendimento da matéria, faz-se necessário

determinar com exatidão o conteúdo gramatical do preceito, fixando a noção exata

do que seja a condição de empregador, comitente, empregado, serviçal e preposto.

53
RODRIGUES, op.cit., p. 72.
55

Empregador é a pessoa, física ou jurídica, que por efeito de

contrato de trabalho utiliza os serviços de outrem. Para a Consolidação das Leis de

Trabalho “considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,

assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação

pessoal de serviços” (artigo 2º). São também equiparados ao empregador os

profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou

outras instituições sem fins lucrativos (CLT, artigo 2º, § 1°).

Comitente “é a denominação que se dá à pessoa que encarrega

outra de comprar, vender ou praticar qualquer ato, sob suas ordens e por sua conta,

mediante certa remuneração, a que se dá o nome de comissão.”54

Rui Stoco adverte que quando o comissário agir autonomamente

perante terceiros com quem contrata, o mandante não lhe será responsável.

Embora o comitente, sob vários aspectos, se assemelhe ao mandante, nem


sempre ele o é, pois a comissão pode resultar de mandato ou simplesmente
das ordens para execução de atos comerciais, que são feitos sob o nome e
responsabilidade do comissário que, assim, age autonomamente perante os
terceiros com quem contrata.55

Empregado é a pessoa contratada com ou sem vínculo formal de

emprego para prestar serviços a pessoa física ou jurídica mediante remuneração.

Frisa-se que a relação de emprego caracteriza-se não em razão do registro em

carteira formal, segundo a lei de regência, mas por força de um vínculo de

subordinação entre mandante, que dirige, e subordinado, que é dirigido segundo os

interesses daquele.56

54
E SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, p. 467.
55
STOCO, op.cit., p. 921.
56
GONÇALVES, op.cit., p. 120.
56

Segundo Aguiar Dias, subordinação hierárquica é a condição de

dependente, isto é, daquele que recebe ordens, sob poder ou direção de outrem,

independentemente de ser ou não assalariado.57

Cumpre ainda esclarecer que esta subordinação é voluntária,

diversamente do que ocorre com os filhos, em relação aos pais, que se define como

subordinação legal.

Destarte, sempre que se possa inferir uma relação de subordinação

de uma pessoa a outra, ter-se-á um vínculo empregatício para efeito de

responsabilidade por ato de outrem.

Serviçal é aquele que faz ou presta serviços. Serve como sinônimo

de criado, servo ou servente. Na atualidade, pode ainda empregar o termo serviçal

para designar os prestadores de serviços eventuais, por prazo determinado ou que

prestam serviços domésticos ou mais simples, sem a existência de vínculo

duradouro.

Rui Stoco define serviçal como:

É o fâmulo, o criado de servir, ou, segundo a dicção mais atual, o


doméstico, ou seja, qualquer pessoa tomada como empregado doméstico
para os trabalhos da casa, como cozinhar, servir à mesa, fazer a limpeza,
jardinagem. Para a caracterização do vínculo entre patrão e serviçal não se
exige o vínculo formal, senão e apenas a comprovação de que este último
presta serviço àquele, ainda que eventuais e não permanentes. Impõe-se,
contudo, que o trabalho seja remunerado.58

Preposto, por fim, ao contrário da noção de empregado, não é

perfeitamente definida, pois que neste termo inserem-se todas as figuras

intermediárias nas quais surge a idéia de poder diretivo. Adverte-se que não é

necessário que essa relação tenha caráter oneroso. A responsabilidade surge, como

57
DIAS, op.cit., p. 520.
58
STOCO, op.cit., p. 921
57

mera explicação, porque se escolheu mal o preposto, culpa in eligendo, ou porque

não foram dadas a ele as instruções devidas, culpa in instruendo, ou porque não

houve a devida vigilância sobre a conduta do agente, culpa in vigilando.59

Portanto, preposto significa expressão abrangente e de largo

espectro, podendo significar, empiricamente, aquele que dirige um serviço, um

negócio por delegação de outrem. Pode ainda designar o representante ou o

delegado.

Antonio Chaves possui a seguinte definição de preposto:

Preposto é aquele que está sob a vinculação de um contrato de preposição,


isto é, um contrato em virtude do qual certas pessoas exercem, sob
autoridade de outrem, certas funções subordinadas, no seu interesse e sob
suas ordens e instruções, e que têm o dever de fiscalizar e vigia-la, para
que proceda com a devida segurança, de modo a não causa dano a
terceiros.60

Rui Stoco ensina que prepostos são aqueles a quem o patrão,

contratante ou tomador de serviços delegou funções que, originalmente, lhe

pertencem. Ainda, afirma que se deve ampliar o conceito de preposto, abandonando

a idéia de um rol taxativo.

Mas, segundo nos parece, o conceito de preposto, no momento atual, é


mais abrangente, não podendo resultar de um rol taxativo e estabelecido
numerus clausus, em face da complexidade das relações humanas e
comerciais e das inúmeras faces que a relação entre empregador,
empregado, tomador e prestador de serviços assumiu.61

Neste vértice, definido o que seja “preposto”, infere-se ser requisito

essencial para a caracterização da responsabilidade do preponente o vínculo de

subordinação, o qual, nas palavras de Arnoldo Wald, deve ser entendido como

59
CAVALHIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 2.ed. São Paulo: Malheiros,
2000. p. 118.
60
CHAVES, Antonio. Tratado de direito civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985. v. 3, p.
97.
61
STOCO, op.cit., p. 923.
58

“relação funcional”, sendo preposto todo indivíduo que pratica atos materiais por

conta e sob a direção de outra pessoa.62

Por sua vez, o mestre Aguiar Dias, depois de conceituar preposto,

bem como indicar seu elemento essencial (vínculo de subordinação), exclui do rol de

prepostos o motorista de carro de aluguel; o depositário judicial; o assistente técnico

em juízo; os jóqueis em face da sociedade de corridas; o piloto de provas em face

do autódromo; o agente da companhia de seguros em face da seguradora; o vigário

da paróquia em face do bispo.63

Diante de todo o exposto, restou claro que a responsabilidade por

fato de outrem baseada no inciso III do artigo 932, é por demais abrangente. Basta

imaginar as inúmeras variantes que podem decorrer da interação fática entre

aqueles que são responsabilizados pelo fato de outrem (empregador ou comitente) e

aqueles cujos atos praticados ensejam a responsabilidade dos primeiros

(empregados, serviçais e prepostos).

Cumpre esclarecer, contudo, que para que a responsabilidade do

empregador ou comitente emerja faz-se mister a presença de alguns pressupostos,

cujo ônus da prova cabe à vitima: culpa do empregado; relação de emprego ou de

dependência do agente direto para com o empregador ou comitente e; que o ato

danoso do preposto se dê no exercício do trabalho, ou em razão dele.64

A comprovação de que o ato danoso tenha ocorrido por culpa do

empregado é essencial (deve-se entender culpa em seu sentido amplo). A lei civil

abandonou a comprovação de culpa, adotando a responsabilidade objetiva no que

62
WALD, op. cit., p. 380.
63
DIAS, op.cit., p. 521.
64
RODRIGUES, op.cit., p. 73.
59

tange a responsabilização dos responsáveis, e não dos agentes imediatos. Vale

dizer, a culpa do empregador ou comitente pelos atos de seus empregados,

serviçais ou prepostos é presumida, porém, a culpa destes perante terceiros não.

Não seria razoável aceitar a responsabilização do empregador se o

seu empregado não teve culpa alguma. Neste caso, nem o empregado, nem seu

patrão devem responder, sob pena de estabelecer situação extremamente injusta,

impondo ao empregador responder por ato de seu empregado que a lei considera

legítimo ou justificado.

E comentando o assunto, esclarecedor foi Rui Stoco:

O art. 933 do Código Civil dispensa a verificação de culpa do responsável,


mas nada esclarece com relação ao comportamento do autor do dano.
A nós parece que, embora a responsabilidade das pessoas referidas no art.
932 (pais, tutores, curadores, empregadores) seja objetiva, com relação ao
seu comportamento, diligência, cuidado e providências com relação aos
protegidos (filhos, tutelados, curatelados, empregados etc.), circunstancias
essas que não mais se consideram para a responsabilização, não se
dispensa a comprovação de quês testes últimos tenham agido com culpa.
Quando desses se possa exigi-la, quer dizer dos imputáveis e semi-
imputáveis (maiores de 16 anos).65

Ademais, a própria Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal não

deixa dúvidas de que a presunção absoluta de responsabilidade do patrão ou

comitente só ocorre se o ato danoso de seu empregado ou preposto tenha sido

culposo: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do

empregado ou preposto” (grifo nosso).

Destarte, só haverá nexo de causalidade entre o comportamento do

empregado e o dever objetivo do empregador de reparar, se comprovado que o

subordinado agiu culposamente.

65
STOCO, op.cit., p. 907.
60

Quanto ao segundo requisito, imprescindível se faz a comprovação

da relação de emprego ou de subordinação entre o agente imediato e o empregador

ou comitente.

Consoante Aguiar Dias, subordinação hierárquica é a condição de

dependente, isto é, daquele que recebe ordens, sob poder ou direção de outrem,

independentemente de ser ou não assalariado.66

Assim, inexiste qualquer vínculo de preposição entre o proprietário

de um veículo e os funcionários da oficina mecânica em que se confiou o carro para

reparos.

No campo da responsabilidade civil automobilística, tem-se entendido que,


confiado um veículo a uma oficina mecânica para reparos, responsável
pelos acidentes porventura ocorridos a tal veículo, durante o tempo de sua
permanência na oficina, seria apenas o proprietário desta e não o dono do
veículo, por inexistir qualquer vínculo de preposição entre o dono do carro e
a oficina ou seus empregados. Os empregados da oficina são prepostos dos
responsáveis pela mesma e não dos proprietários dos veículos ali
deixados.67

Ressalta-se que a relação de emprego não necessita ser

formalizada, mediante vínculo registrário. Basta a prova de que o causador do dano

prestava serviços ao empregador ou comitente.

Por fim, o terceiro elemento para a caracterização do dever de

indenizar do empregador ou comitente é que ato danoso do preposto se dê no

exercício do trabalho, ou em razão dele.

De Page, citado por Carlos Roberto Gonçalves, assenta que a

responsabilidade do preponente existe “desde que o ato danoso seja cometido

durante o tempo do serviço, e esteja em relação com o serviço”, não ocorrendo se o

66
DIAS, op.cit., p. n° 520.
67
GONÇALVES, op.cit., p. 125.
61

ato realmente verificou-se fora do serviço, isto é sem conexão nem de tempo, nem

de lugar de serviço com as funções confiadas ao agente.68

Desse modo, empregado que, trajando o uniforme respectivo de sua

prestação de serviço, causar dano a outrem ao chegar em sua moradia, em razão

de alterações com seu vizinho, não imputa a responsabilidade de seu comitente.69

Não obstante, a questão não é tão simples, devendo ser analisada

mais acuradamente. Segundo Washington de Barros Monteiro70, a expressão “no

exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele” constante do artigo 932,

III, deve ser entendida de modo amplo, e não restritivo.

Assim, o preposto que pratica atos de preposição até mesmo fora do

local de trabalho ou fora da jornada de trabalho, o terá praticado “no exercício do

trabalho” e em cumprimento e obediência às funções que lhe foram delegadas e,

consequentemente, importa a responsabilidade do comitente.

Salienta-se que mesmo quando o empregado ou preposto excede o

limite de suas funções, subsiste o dever de indenizar por parte do empregador ou

comitente.

Ao abordar a matéria, Martinho Garcez Neto foi enfático:

Haja ou não abuso de função, o que importa é que o ato, culposo ou doloso,
seja cometido no exercício da função ou por ocasião dela, para que fique
determinada a responsabilidade indireta pela reparação civil. 71

Por sua vez, Wilson Melo da Silva, citado por Rui Stoco, assenta que

a responsabilidade do patrão subsiste em razão da função ter facilitado a prática do

ato danoso pelo empregado:


68
DE PAGE, Henri apud GONÇALVES, op.cit., p. 124
69
VENOSA, op.cit., p. 79.
70
MONTEIRO, op.cit., p. 442.
71
GARCEZ NETO, Martinho. Responsabilidade Civil. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 238.
62

Se foi a função que possibilitou ao preposto a prática, colateral, do ato


danoso, uma estreita relação de causa e efeito ter-se-ia estabelecido, aí,
entre a função e o dano ocasionado a terceiro. Se na ausência da função,
oportunidade não haveria para que o dano acontecesse, segue-se disso que
a ela estaria ele ligado de maneira necessária. E quem responde pelo
principal deve responder, ainda, pelo que lhe é conexo.72

É escorado nesta alegação que os tribunais têm atribuído ao

empregador o dever de indenizar quando o empregado causa dano a outrem na

condução de veículo automotor pertencente ao primeiro, mesmo que o evento tenha

ocorrido em feriado ou horário extra laboral. Neste caso, é perfeitamente cabível a

seguinte afirmação: se o motorista não estivesse autorizado a dirigir o veículo em

razão do emprego ou prestação de serviços, o acidente em tese não teria ocorrido.

Fundamentado também nesta teoria, a 10ª Câmara Civil do Tribunal

de Justiça de São Paulo modificou a sentença de primeiro grau, condenando o

empregador a indenizar a vítima pelos prejuízos causados por seus funcionários.

Pede-se vênia para transcrever referida decisão.

Pretensão indenizatória por danos materiais e morais. Sentença de


improcedência, fundada no fato de o assalto e seqüestro, embora praticados
por funcionários do “shopping”, o foi fora do horário correspondente á
jornada de trabalho. Culpa “in eligendo” e “in vigilando” configurada.
Interpretação da expressão “atos praticados no exercício do trabalho ou por
ocasião dele” (art. 1.521, III do Código Civil [atual art. 932, III]) – Hipótese
também de responsabilidade objetiva, recurso provido em parte para julgar
procedente em parte a ação (TJSP – 10ª C. Dir. Privado – Ap. 107.1914/5 –
Rel. Ruy Camilo – j. 07.11.2000 – Voto 12.660 – JTJ-LEX 245/110).

Ademais, para se alcançar a responsabilidade do empregador ou

comitente, a doutrina e jurisprudência foram mais longe, adotando a teoria da

aparência. Com ela, basta a aparência da existência de preposição entre tomador e

prestador para que nasça a obrigação do primeiro por ato ilícito praticado pelo

segundo.

72
DA SILVA, Wilson Melo apud STOCO, op.cit. p. 924.
63

Rui Stoco argumenta que em algumas hipóteses a teoria da

aparência assume importância vital e que não pode ser desprezada.

Nos casos em que a atuação do suposto preposto, ainda que fora do horário
ou do local de trabalho, faz supor que agiu por força de ordem, comando ou
orientação do empregador ou tomador de serviços, deve-se orientar no
sentido de que incumbirá a este demonstrar a inexistência de preposição,
pois o próprio art. 932 estabeleceu presunção absoluta de responsabilidade
do empregador ou comitente por ato de seus empregados, serviçais e
prepostos, tornando-a objetiva.73

Porém, deve atentar-se que, para a utilização da teoria da

aparência, a boa fé da vítima é fundamental, ou seja, a convicção desta de que o

preposto achava-se no exercício de suas funções, na ocasião da prática do abuso.

Em ratificação a essa afirmativa, pede-se vênia para transcrever trecho oportuno de

Carlos Roberto Gonçalves:

O empregador não é responsável pelo dano se a vítima sabia que o


preposto procedia fora de suas funções. Da mesma forma, se o lesado age
de forma precipitada, sem observar as cautelas normais no seu
relacionamento com o preposto.74

Assim sendo, comprovando a vítima de que o dano ocorreu

culposamente pelo agente direto, que este mantinha relação de emprego ou

subordinação com o responsável, bem como que sua conduta tenha sido realizada

no exercício do trabalho, ou em razão dele, emerge o dever de reparar pelo

empregador ou comitente.

73
STOCO, op.cit., p. 923.
74
GONÇALVES, op.cit., p. 124.
64

9 RESPONSABILIDADE DOS HOTELEIROS E ESTALEJADEIROS

9.1 REGIME JURÍDICO DE 1916 E SUA EVOLUÇÃO

Como já dito alhures, a fonte histórica do preceito é a figura romana

de um dos quase delicta, na hipótese do receptum nautaum, cauponum, astaburum,

que naquele direito impunha ao capitão do navio, ao dono de hospedaria ou do

estábulo responder pelos danos e furtos praticados por seus prepostos quanto aos

bens de seus clientes.75

No sistema brasileiro, começando pelo Código Civil de 1916, a

responsabilidade dos donos de hotéis e similares começou por ser subjetiva, a teor

do disposto no artigo 1.521, IV c/c artigo 1.523. Em seguida, por força do trabalho

pretoriano, estabeleceu-se a responsabilidade presumida, ilidível por prova cabal em

contrário.

Assim, ocorrendo algum dano, presumia-se que o responsável

falhou quanto à vigilância no comportamento de seus hóspedes (não impondo, por

exemplo, regras de conduta dos hóspedes em face dos demais), bem como na falta

de disciplina na escolha dos hóspedes que seu estabelecimento admite,

configurando, pois, culpa in vigilando e eligendo, respectivamente.

Com o Código Civil de 2002 esta responsabilidade passou a ser

objetiva, não se indagando de culpa do dono de hotel.

Porém, essa responsabilidade só se referia aos danos causados

pelos próprios hóspedes ou moradores do estabelecimento.

75
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. v. 2, p. 233.
65

No que tange a responsabilidade contratual dos donos de hotéis, a

matéria foi abordada no artigo 1.284, mais especificamente no tratamento do

depósito necessário.

Art. 1284. A esses depósitos é equiparado o das bagagens dos viajantes,


hospedes ou fregueses, nas hospedarias, estalagens ou casas de pensão,
onde eles estiverem.

Ressalta-se que pelo sistema do antigo novel, o dono do hotel ou

hospedaria poderia eximir-se da responsabilidade se provasse que os danos não

podiam ser evitados ou que ocorreram por força maior (artigo 1.285, incisos I e II,

respectivamente). Como hipótese de força maior, foi considerado o roubo à mão

armada. Entretanto, é certo que em cada caso concreto, o juiz analisava se o hotel

ou hospedaria poderia ter tomado alguma providência para evitar o infortúnio.

A entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor acarretou

mudança no quadro da responsabilidade contratual dos donos de hotéis e similares,

pois que, em seu artigo 14, § 3º, não incluiu o caso fortuito e a força maior no rol das

excludentes da responsabilidade por ele admitidas.

Nem se discute aqui a natureza consumerista dessa relação em

voga, pois que o referido estatuto foi preciso ao classificar os hoteleiros e donos de

escolas, particulares ou públicas (o Estado também foi considerado fornecedor de

serviço, nos termos do artigo 22) como prestadores de serviço e, portanto, tais

atividades são reguladas pelo Código de Consumidor.

Assim, por força do Código de Defesa do Consumidor, foi

estabelecida a responsabilidade objetiva dos donos de hotéis, os quais, diante da

prova da lesão, bem como o nexo causal, são, de maneira irrefragável, obrigados a

reparar o prejuízo da vítima.


66

Por fim, o Código Civil de 2002, que por lógica abordou a

responsabilidade contratual dos donos de hotéis, coadunando com a tendência

moderna, também não incluiu no artigo 650, a força maior ou caso fortuito como

hipóteses de excludente de responsabilidade. Destarte, o hospedeiro deverá

indenizar a vítima mesmo na ocorrência de força maior.

9.2 REGIME JURÍDICO ATUAL

Os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde

se albergue por dinheiro são responsáveis pelos danos causados pelos seus

hóspedes e moradores a terceiros. Esta é a regra estabelecida no artigo 932, inciso

IV, primeira parte, do Código Civil.

Ainda, o artigo 933 do Código Civil estabelece que essa

responsabilidade é objetiva, fundamentada na teoria do risco, ou seja, se os donos

de hotéis admitem hospedes por dinheiro, admitem também o risco do

empreendimento.

Não é demais lembrar que a culpa do hóspede no evento danoso

deve ser comprovada, pois que objetiva é apenas a culpa do hospedeiro para com o

hóspede, e não entre este com a vítima.

O fundamento dessa responsabilidade remonta à época dos

romanos, onde se obrigava o capitão do navio, dono de hospedaria ou estábulo a

indenizar pelos danos e furtos praticados em detrimento de seus clientes76. Assim, a

instituição que recolhe ou abriga pessoas, o faz com fito de lucro.

76
ALVES, op. cit., p. 233.
67

Quanto à necessidade de onerosidade para que subsista a

responsabilidade do dono do hotel ou similares, Aguiar Dias pondera quem nem

sempre a gratuidade da hospedagem elide a responsabilidade do dono do hotel ou

similar:

É indubitável que lhe incumbe, mesmo quando hospedador gratuito, um


dever de segurança em relação à pessoa do hóspede, pois não se
compreende que se albergue alguém para lhe propiciar ou permitir o dano,
através de terceiro.77

Não obstante o tratamento da matéria no artigo 932 do Código Civil,

ressalta-se que o disposto tem pouca utilidade prática. Conforme explana Silvio

Rodrigues, seria difícil imaginar a empresa Hilton ser responsabilizada pelo dano

causado a terceiro, atropelado por um seu hóspede, ou por ferido em uma briga

ocorrida na vizinhança.78

Porém, a responsabilidade dos donos de hotéis ganha relevo no que

tange à responsabilidade contratual, quando o Código disciplina o contrato de

depósito (artigo 649). Este dispositivo atribui aos hospedeiros e estalejadeiros a

responsabilidade, como depositários, pelas bagagens dos viajantes.

Frisa-se que a responsabilidade é contratual porque o

hospedeiro assume a obrigação de garantia para com os viajantes no sentido de

que as bagagens que estes trazem consigo lhe serão devolvidas intactas.

Ratificando essa posição, Aguiar Dias aduz que a

responsabilidade dos hospedeiros e estalejadeiros é contratual e diz respeito

não só a segurança quanto à pessoa do hospede, onde tal responsabilidade é

idêntica à do transportador, que deve entregar o transportado incólume, ou seja,

são e salvo no lugar do seu destino, como também ela se estende às bagagens
77
DIAS, op.cit., p. 530.
78
RODRIGUES, op.cit., p.80.
68

do hóspede, onde aquelas respondem pessoalmente pelos furtos e roubos

perpetrados por seus empregados ou pessoas admitidas em suas casas.79

Neste contexto, vale lembrar que aqueles avisos em quadros e

impressos difundidos pelos hotéis de que não se responsabilizam por danos e

furtos em pertences dos hóspedes não são válidos. Tratam-se de declarações

unilaterais da vontade. Essas cláusulas de não indenizar somente serão válidas

se livremente negociadas.80

79
DIAS, op.cit., p. 530.
80
VENOSA, op.cit., p. 80.
69

10 RESPONSABILIDADE DOS EDUCADORES

10.1 REGIME JURÍDICO DE 1916 E SUA EVOLUÇÃO

A responsabilidade civil dos educadores pelos atos de seus

educandos seguiu a mesma trilha da responsabilidade das demais pessoas

elencadas no artigo 1.521, IV do Código Civil de 1916.

No início da vigência do Código de 1916, em virtude do

posicionamento retrógrado adotado, a responsabilidade dos educadores era

subjetiva, devendo, pois, a vítima demonstrar a culpa in vigilando do responsável.

Entretanto, a teoria puramente subjetiva não atendia os anseios da

sociedade, permitindo que em várias situações as vítimas ficassem irressarcidas,

pois que estas não conseguiam provar a falha na vigilância do educador, para com

os educandos.

Assim, evoluí-se o entendimento que a teoria que mais atendia ao

senso de justiça era a presunção de culpa dos responsáveis. Presunção esta,

relativa, que, diante de prova robusta e cabal, era afastada.

Em 11 de setembro de 1990 foi publicado o Código de Defesa do

Consumidor, Lei n° 8.078/90, o qual, por seus princípios introduzidos, estabeleceu a

responsabilidade objetiva das instituições de ensino. Ressalta-se que essa

responsabilidade aplica-se apenas quando o ato danoso prejudicar outro educando

e, pois, consumidor. Assim, a vítima não precisava provar a culpa do

estabelecimento de ensino, e nem este tinha a possibilidade de se defender.

Por fim, a última evolução dessa responsabilidade adveio com o

Código Civil de 2002, alargando a responsabilidade objetiva também para os casos


70

em que a vítima é terceiro não consumidor, liberando-o, portanto, de provar culpa do

educador.

10.2 REGIME JURÍDICO ATUAL

Os donos de estabelecimentos de ensino que, mediante certa

remuneração, têm sob sua direção pessoas para serem educadas, são responsáveis

objetivamente pelos danos causados por estas a terceiros e a outros alunos. Esta é

a regra estabelecida no artigo 932, IV, segunda parte, do Código Civil.

A idéia que inspirou a norma é a da transferência, pra os donos de

casas de ensino onde se albergam estudantes, da responsabilidade que

ordinariamente competia aos pais.

Ressalta-se que no direito francês, o Código estabelece a

responsabilidade dos professores e mestres de ofício, pelos educandos e

aprendizes com fundamento na alegação de há uma delegação do pátrio poder.81

Para Alvino Lima, existe com relação aos professores a mesma idéia

que influi na responsabilidade dos pais, com a diferença de que a responsabilidade

dos educadores é vinculada a um dever de vigilância pura e simples, ao passo que

aos pais incumbe não só a vigilância, como a educação.82

Não se pode olvidar, entretanto, que a partir da vigência do Código

Civil de 2002, a responsabilidade dos educadores (diretor do estabelecimento de

ensino e mestres), não está mais fundada na culpa in vigilando, e sim no risco que

estes assumiram com o exercício dessa atividade profissional, bem como por

81
PEREIRA, op.cit., p. 98.
82
LIMA, Alvino, Culpa e Risco. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 347.
71

imposição legal (artigo 933). Portanto, assim como os demais casos de

responsabilidade por fato de outrem, o fundamento reside na teoria do risco.

Alguns autores, escorados na literalidade da norma, afirmam que é

pressuposto para o surgimento desta responsabilidade a intenção lucrativa da

instituição de ensino ao recolher ou internar pessoa para instruir.83 Assim, para que

subsista o dever de indenizar do professor ou mestre, deve haver onerosidade no

ensino.

Obtempera, contudo, Aguiar Dias, citado por Carlos Roberto

Gonçalves, que “não se compreende que se albergue alguém para lhe propiciar ou

permitir o dano, através de terceiro,”, acrescendo ser “indubitável que lhe incumbe

(ao dono da casa), mesmo quando hospedador gratuito, um dever de segurança em

relação à pessoa do hóspede”. No seu entender, tudo estará em examinar, dado o

caso concreto, até que ponto interveio a colaboração do dono da casa no fato

danoso. E enfatiza, a seguir: “No caso, por exemplo, do educandário, de forma

nenhuma se poderia julgar o aluno goze desse favor a descoberto da garantia que o

diretor do estabelecimento lhe deve”.84

Assim, mesmo em caso de o ensino ser gratuito, em determinados

casos ocorrerá responsabilidade dos professores ou donos de escolas.

Quanto aos estabelecimentos da rede pública de ensino, a

responsabilidade é do Estado, vigorando as regras da responsabilidade civil das

pessoas jurídicas de direito público.85 Destarte, a responsabilidade continua sendo

objetiva, estando assegurado ao Estado o direito de regresso contra o funcionário

público que culposamente causou o dano.

83
PEREIRA, op.cit., p. 98.
84
DIAS, José de Aguiar apud GONÇALVES, op.cit., p. 130.
85
PEREIRA, op.cit., p. 98.
72

Outra questão que também há tempos levanta divergências no

mundo jurídico é se essa responsabilidade refere-se apenas àquelas instituições que

funcionam em regime de internato, ou também se essa responsabilidade é aplicada

para as instituições que adotam o sistema de externato.

Silvio Rodrigues entende que a norma estabelecida no artigo 1.521,

IV (atual artigo 932, IV) somente tem aplicação aos diretores de colégios de

“internato”, por atos praticados por estudantes ali internos que, escapando à

vigilância dos diretores ou de seus prepostos, causam dano a terceiros.86

Não concordando com esse posicionamento, com a propriedade de

sempre Aguiar Dias assevera:

A nossa fórmula é mais geral: a idéia de vigilância é mais ampla do que a de


educação, devendo entender-se que essas pessoas respondem pelos atos
dos alunos e aprendizes, durante o tempo em que sobre eles exercem
vigilância e autoridade. Os danos por que respondem são, ordinariamente,
os sofridos por terceiros, o que não quer dizer que os danos sofridos pelo
próprio aluno ou aprendiz não possam acarretar a responsabilidade do
mestre ou diretor do estabelecimento.87

Nestes termos, quando o aluno se encontra em regime de externato,

a responsabilidade é restrita ao período em que o educando está sob a vigilância do

educador, compreendendo o que ocorre no interior do colégio, ou durante a estada

do aluno no estabelecimento, inclusive no recreio, ou em veículo de transporte

fornecido pelo educandário.

Evidentemente, se a escola organiza um passeio ou uma excursão,

por sua iniciativa e responsabilidade, continuará responsável pelos atos dos alunos

como se estes estivessem no interior da própria escola.

86
RODRIGUES, op.cit., p. 79.
87
DIAS, op.cit., p. 529.
73

Silvio de Salvo Venosa, amplia ainda mais o alcance da regra do

artigo 932, IV, entendendo ser aplicável a responsabilidade também aos clubes

esportivos, com relação aos participantes de eventos dentro e fora do

estabelecimento a que estão ligados.88

Por fim, a maior parte da doutrina entende que essa

responsabilidade só se impõe com relação aos alunos menores de 18 (dezoito) anos

de idade, ou seja, alunos, relativa ou absolutamente, incapazes.

Partidário dessa opinião, Demogue, citado por Carlos Roberto

Gonçalves, assevera:

Em se tratando de educandos maiores, nenhuma responsabilidade cabe ao


educador ou professor, pois é natural pensar que somente ao menor é que
se dirige essa responsabilidade, porquanto o maior não pode estar sujeito a
essa mesma vigilância que se faz necessária a uma pessoa menor.89

Para essa corrente, consequentemente, a responsabilidade não

alcança os professores universitários, nem os diretores de instituições de ensino

superior, pois os educandos são maiores de idade e senhores de seus próprios atos.

Por oportuno, pede-se vênia para transcrever as considerações de Maria Helena

Diniz:

Mas não alcançará o professor universitário, porque ele não tem o dever de
vigilância sobre os estudantes, que, por serem, maiores, não precisam ser
vigiados, sendo senhores de seus atos e de seus direitos, tendo plena
responsabilidade pelo que fizerem e pelos danos que causarem. Logo, não
se poderá impor a responsabilidade objetiva do professor de ensino superior
por ato lesivo de aluno, nem mesmo por acidente ocorrido durante trabalho
por ele presidido.90

Sem embargos, é contestável esse posicionamento. Consoante

reiteradamente exposto, o Código Civil de 2002 não mais fundamenta a

88
VENOSA, op.cit., p. 82.
89
DEMOGUE, René apud GONÇALVES, op.cit., p. 133.
90
DINIZ, op.cit., p. 525.
74

responsabilidade civil por fato de outrem na culpa, seja in vigilando ou in eligendo.

Foi instituída a responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco profissional, vale

dizer, independentemente de sua culpa, o responsável tem a obrigação de reparar o

dano cometido pelo seu subordinado por ter assumido todos os risco de sua

atividade (ser pai, ser tutor ou curador, ser patrão ou comitente, e ser dono de hotel

ou de instituição de ensino).

Destarte, não subsiste mais o argumento de que o educador não é

responsável pelo ato ilícito quando o aluno é maior, já que este não precisa ser

vigiado. A responsabilidade não diz respeito à culpa, mas sim ao risco criado ao

aceitar o encargo de instruir, seja aluno civilmente incapaz ou capaz.

Ademais, há que se falar que a lei também não faz qualquer

distinção entre aluno maior e aluno menor de idade. Portanto, onde o legislador não

distingue não é dado ao intérprete direito de fazê-lo.91

Por fim, reforça esse posicionamento os princípios introduzidos pelo

Código de Defesa do Consumidor, o qual, em seu artigo 3°, enquadrou as

instituições de ensino como prestadores de serviço, e em seu artigo 14, estabeleceu

sua responsabilidade objetiva.

Por oportuno, transcreve-se longo trecho da lição de Silvio Venosa

que concorda com a aplicação da responsabilidade objetiva dos professores e

mestres ainda que no caso de educandos totalmente capazes.

Alarga-se atualmente o conceito de mestre para o de fornecedor de serviços


de ensino, desaguando na responsabilidade objetiva do estabelecimento.
Não há que se distinguir também, com entendemos, contrariamente á
grande maioria da doutrina tradicional, que a responsabilidade dos
estabelecimentos de ensino se debruce unicamente sobre pupilos
menores. Essa posição dizia respeito ao passado. Não é feita essa distinção
na lei e mesmo um estabelecimento de ensino de nível universitário, que
abriga a maior parte de alunos maiores e capazes, submete-se à mesma

91
VENOSA, op.cit.,. 84.
75

diretriz. Ainda que, por hipótese, se entendesse que o Código Civil não
permite alargamento, os princípios do Código de Defesa do Consumidor
não deixam a menor margem de dúvidas. Os que defendem a idéia de que
os educando maiores e capazes estão fora do sistema protetivo da
responsabilidade dos educadores se prendem à premissas hoje superadas
no campo da responsabilidade civil, mormente, mas não unicamente, após
o Código de Defesa do Consumidor. Não se trata mais de imputar dever de
vigilância ao professor universitário, como sustenta a maioria da doutrina
(GONÇALVES:2002, que lastreia sua opinião em inúmeros doutos autores),
mas sim de atribuir um dever de segurança aos estabelecimentos de
ensino, não importando o nível, da pré-escola ao ensino superior. Trata-se
da teoria do risco em última análise que foi adotada pelo Código Civil de
2002, em prol da amplitude de reparação mantida pela doutrina tradicional e
repetida, sem maiores meditações, por autores mais contemporâneos, no
arts. 932, IV, e 933. Desse modo, não há distinção ontológica entre um
menor de 17 anos ou um maior de 18 anos que agride e ocasiona danos a
alguém que visita, transita ou se aproxima do estabelecimento de ensino do
agressor, seja este de nível médio ou de nível superior.

Neste diapasão, com a vigência do Código de Defesa do

Consumidor, aliado aos princípios introduzidos pelo Código Civil de 2002, alarga-se

o conceito da responsabilidade social, tudo em prol da reparação dos prejuízos

sofridos pela vítima.


76

11 RESPONSABILIDADE PELO PROVEITO DO CRIME

No artigo 932, inciso V, o Código Civil preconiza a última hipótese de

responsabilidade por fato de outrem. O referido dispositivo refere-se à

responsabilidade dos que participarem gratuitamente do produto de crime: “os que

gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente

quantia”.

Assim como toda a doutrina fala, trata-se genuinamente de uma

ação in rem verso, muito embora, fosse, a rigor, desnecessário mencionar

expressamente, uma vez que incumbe a quem se beneficiou infundadamente à

custa de outrem, recompor o patrimônio do lesado92. Reflete a aplicação do princípio

de repudiar o injusto enriquecimento, com objetivo de reequilibrar um patrimônio.

Conforme expõe Silvio Venosa, sua origem remonta ao Direito

Romano (conditio indebiti), que concedia ação aos que tivessem obtido vantagem

patrimonial originada de causas ilícitas.93

Caio Mário da Silva Pereira salienta que os extremos desta

responsabilidade são: a) que o dano seja causado por um crime; b) que alguém se

tenha beneficiado com seu produto, embora não tenha tido conivência com o

mesmo. A vítima terá direito à restituição, até a concorrência da quantia de que foi

prejudicada.94

Seguindo essa trilha, os autores asseveram que o princípio em voga

difere-se do que se cogita no artigo 942 do Código Civil, o qual cogita da co-autoria

92
DIAS, op.cit., p 530.
93
VENOSA, op.cit., p. 85.
94
PEREIRA, op.cit., p. 99.
77

no delito e dispõe da solidariedade dos agentes, respondendo com os co-

responsáveis pela reparação integral do dano.

Em contrapartida, Rui Stoco sustenta que aquele que obtiver

vantagem de crime, ou é co-autor ou partícipe, ou praticou o crime de receptação.

Vejamos suas considerações:

A nós parece que a disposição está mal colocada no art. 932 do Código
Civil, pois aquele que se beneficia, direta ou indiretamente, do produto ou
resultado econômico de crime perpetrado por outrem, ou será conivente e
considerar-se-á co-autor ou partícipe, ou receptador, de acordo com a
questão fática. Em qualquer dessas hipóteses, não obteve os bens
licitamente, que se convertem em res furtiva e devem ser apreendidos e
devolvidos ao verdadeiro proprietário.95

Por fim, convém salientar que no caso dos bens serem obtidos por

doação, mesmo estando o adquirente de boa-fé, ainda deverá devolvê-los, pois,

conforme artigo 933 do Código Civil, a responsabilidade é objetiva, não se

indagando do beneficiário.

95
STOCO, op.cit., p. 930.
78

12 AÇÃO DE REGRESSO

Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que

houver pago daquele por quem pagou. Trata-se da regra contida no artigo 934 do

Código Civil. Em outras palavras, significa que o responsável indireto que reparou o

prejuízo da vítima tem direito regressivo contra o causador do dano.

Este direito regressivo, de quem teve que ressarcir o dano causado

por outrem, caracterizado pela ação in rem verso, é de justiça manifesta e uma

conseqüência natural da responsabilidade indireta96. Também reforça a idéia de não

imunidade do causador direto do dano.

No entanto, a lei e demais juristas, preconizam que esse direito

regressivo não pode ser aplicado em todas as situações de responsabilidade por

fato de outrem.

Em seu artigo 934, o Código Civil é expresso em excepcionar esse

direito quando o causador do dano for descendente do responsável, independente

de ser absoluta ou relativamente incapaz: “salvo se o causador do dano for

descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”. E a razão jurídica dessa

exceção reside “em considerações de ordem moral e da organização econômica da

família”.97

Ainda, justifica-se a impossibilidade de ação regressiva do pai contra

o filho, quando este for absolutamente incapaz, o fato do pai responder por culpa

própria, e não alheia.98

Serpa Lopes corrobora com esse entendimento:


96
BEVILAQUA, Clóvis apud GONÇALVES, op.cit., p. 171.
97
BEVILAQUA, Clóvis apud PEREIRIA, op.cit., p. 99.
98
VENOSA, op.cit., p. 88.
79

Quando cogitamos do problema da imputabilidade, assentamos o princípio


de que os menores de 16 anos e o louco estavam fora de qualquer
responsabilidade, precisamente não só pela sua condição de inimputáveis
como ainda por se encontrarem sob a cobertura da responsabilidade dos
respectivos tutores e curadores. Assim sendo, a obrigação que, em tais
casos, pesa sobre os que têm a responsabilidade pela vigilância do infans e
do louco fatalmente lhes sonega o direito regressivo: a sua culpa, não
obstante decorrer de fato de outrem, é igualmente uma culpa sua.99

Pondera, entretanto, Pontes de Miranda, citado por Aguiar Dias, que

o preceito pode causar injustiça, exemplificando o caso em que, existindo

desigualdade de fortuna entre ascendente pobre e descendente rico, o

ressarcimento por parte daquele significaria o perecimento de seu patrimônio, já que

não existe o direito à restituição.100

Em contrapartida, Serpa Lopes, embora reconhecendo a existência

desvantagem quando há diferença de nível econômico, obtempera que o valor moral

e afetivo do princípio é inegável, sendo a desigualdade de fortuna uma circunstância

excepcional.101

Por fim, insta salientar que, Pontes de Miranda, citado por Aguiar

Dias, aduz que não obstante a inexistência de ação de regresso do pai em face do

filho, conjugando-se os artigos 1.524 e 1.723 (atuais artigos 934 e 2.010,

respectivamente), infere-se ser possível levar à colação o montante pago pelo pai

para reparar os prejuízos causados pelo filho menor.102

Parece extremamente justa a ponderação do nobre jurista. Em

primeiro lugar porque ao se levar o montante pago à colação, não se caracteriza

ressarcimento desse valor. Em segundo lugar, tal prática evita o sacrifício de direitos

99
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil: Responsabilidade civil. 7.ed. Rio de Janeiro:
Fritas Bastos, 2000. v. 5, p. 285.
100
DE MIRANDA, Pontes. apud DIAS, op.cit., p. 515.
101
LOPES, op.cit., p. 287.
102
DE MIRANDA, Pontes apud DINIZ, op.cit., p. 527.
80

dos demais descendentes, principalmente na hipótese de ser o autor do dano

relativamente capaz e, por lei, estar equiparado ao adulto no tocante aos atos ilícitos

que praticar.

Adverte-se que a proibição da colação nessa situação, resultará no

perecimento do patrimônio do ascendente, bem como detrimento do direito dos

demais descendentes de bom comportamento.

Com relação aos tutores e curadores, legalmente lhes é permitido o

direito de regresso em face dos pupilos e curatelados, pelo valor que houverem

pago, já que a lei é expressa em vedar apenas o direitos dos ascendentes.

Os autores que concordam com esse posicionamento adotado,

justificam que a atividade do tutor e do curador é mais que um serviço social, é um

pesado ônus público. E por essa razão, além de se aconselhar aos juízes uma maior

benignidade ao analisar os casos de responsabilidade dos tutores e curadores, deve

lhes ser garantido o direito de regresso, sob pena de inviabilizar o instituto da tutela

e curatela.

Silvio Venosa, após considerar o serviço de tutor e do curador como

um encargo público, enfatiza ser imperativo lhes autorizar o direito de regresso em

face de seus pupilos e curatelados:

Ademais, são tantos os encargos sobre a tutela e curatela que atribuir mais
este fardo poderia inviabilizá-las. Creio que é tempo de repensar sobre o
que afirma a esse respeito a doutrina tradicional, a exemplo de tantos outros
temas repensados e com nova roupagem.103

Em contrapartida, grande parte da doutrina condena a posição

adotada pelo legislador, fundamentando que o tutor e o curador não podem reaver o

que houverem pago porque respondem por culpa própria, e não alheia.

103
VENOSA, op.cit., p. 89.
81

Mário Moacir Porto aduz sobre o assunto:

E o que dizer sobre o tutor em relação ao seu pupilo (menor incapaz) e do


curador em relação ao seu representado (maior incapaz)? Como se viu, a
responsabilidade do tutor e do curador baseia-se, igualmente, na culpa
presumida (arts. 1.521, III, e 433 do CC). Se o tutor ou o curador, no
cumprimento de uma decisão judicial, pagar à vítima o valor do dano
praticado pelos seus representados absolutamente incapazes, a conclusão
é a mesma. Não tem ação regressiva, não podem reaver o que houver
pago, pois considerados culpados por sentença, pagaram dívida própria e
não de seus representados inimputáveis. E se o menor, autor do dano, tiver
mais de 16 anos, e o seu tutor houver pago a totalidade do prejuízo? nesse
caso, parece-nos, o tutor tem direito a exigir do seu pupilo a quota que lhe
couber (art. 913 do CC), desde que considerado, por decisão judicial,
devedor solidário.104

Neste diapasão, a doutrina que nega o direito de regresso ao tutor e

curador, o fazem com base na inimputabilidade do agente direto. Apenas na

hipótese de ser o causador do dano relativamente incapaz, é que assiste ao tutor o

direito da ação regressiva.

No que tange ao direito de regresso dos empregadores e comitentes

em face de seus empregados, serviçais e prepostos, apesar da possibilidade

encontrada no artigo 934 do Código Civil, existe posicionamento contrário a esse

direito.

A doutrina e jurisprudência que negam esse direito, o fazem com

base no artigo 462, § 1º, da Consolidação das Leis de Trabalho, pois que, consoante

o dispositivo, somente pode admiti-lo em caso de ocorrência de dolo ou culpa grave

do empregado, e não em caso de culpa leve ou levíssima.

Por adequado, pede-se vênia para transcrever aresto do 1º Tribunal

de Alçada Civil de São Paulo, publicado na RT, 613/128, que proclamou o preceito

contido na lei trabalhista:

104
PORTO, Mário Moacir. Temas de responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.
p. 21.
82

Essa norma legal, como a norma constitucional em relação aos funcionários


públicos, por serem específicas, afastam a incidência da regra geral do art.
1.524 do Código Civil, que permite ao que ressarcir o dano causado por
outrem, se este não for seu descendente, reaver daquele por quem pagou o
que houver pago. O art. 462, § 1º, da CLT diz respeito, especificamente, a
descontos nos salários do empregado, o que, em princípio, difere da
denunciação à lide. Ali, há uma questão de direito material, aqui, de direito
processual. Todavia, com a mesma razão que não se admite a redução do
salário do empregado – exceto na hipótese de culpa grave (cf. Valentin
Carrion, ‘Comentários à Consolidação das Leis de Trabalho’, p. 273, Ed.
Ver. Dos Tribs., 8ª ed., 1985) – também não se admite a denunciação da
lide, pelo empregador ao empregado, a não ser nessa hipótese. Assim, pela
prevalência do disposto no art. 462, §1º, da Consolidação das Leis de
Trabalho sobre o do art. 1.524 do Código Civil, não pode o empregador
denunciar á lide o empregado seu, ante o dano que tenha este causado a
terceiro, a não ser que tenha agido dolosamente.

De outra banda, os favoráveis ao direito de regresso dos patrões

asseveram que a actio in rem verso possui natureza distinta do desconto salarial.

Silvio de Salvo Venosa coaduna com essa opinião:

Esse artigo da legislação trabalhista opera, a nosso ver, unicamente nesta


esfera e diz respeito exclusivamente ao desconto em salário. Em contrário
também à opinião majoritária, nada impede a nosso entender a ação
regressiva sob o prisma geral, mormente quando desfeita a relação de
trabalho. Essa ação não tem cunho trabalhista. Ainda que não se veja nessa
ação uma regressão típica conforme estamos tratando, é perfeitamente
aplicável o princípio da actio in rem verso do enriquecimento sem causa
contra o empregado causador do dano, presente esse instituto no atual
Código. É de direito comum.105

Entretanto, em se tratando de preposto menor de 16 (dezesseis)

anos, essa doutrina nega direito de regresso ao patrão, vez que este responde por

culpa própria. De mesma forma, o pai não poderá ser responsabilizado pelo ato

ilícito do filho menor, praticado na qualidade de preposto de terceiro. Maria Helena

Diniz, citando Munir Karam, leciona com precisão:

Mas sendo o empregado menor de 16 anos, não lhe será possível o direito
de regresso pela ausência de norma expressa. Presume-se serem os
menores de 16 anos inimputáveis. E, assim, não respondem eles pelas
obrigações decorrentes de atos ilícitos. Indaga-se, então, se o comitente
poderá exercer, no caso, ação regressiva contra o pai do empregado menor
absolutamente incapaz. Se o menor pratica o fato, na qualidade de
preposto, no exercício da função que lhe é cometida, torna-se difícil
responsabilizar o pai, precisamente porque cabia ao comitente – naquele

105
VENOSA, op.cit., p. 89.
83

momento – o dever de vigilância. A responsabilidade do pai, por dato


danoso do filho menor, praticado na condição de preposto de terceiro,
poderá ser reconhecida contratualmente, como se assinou carta de fiança
ou aceitou reparar o dano que o filho viesse a cometer culposamente por
força da relação empregatícia. O comitente será o único responsável, se o
ato danoso foi praticado por sua ordem ou na hipótese em que o dano tenha
provindo exclusivamente de sua culpa, embora o ato lesivo material tenha
sido executado pelo menor preposto.106

E como última hipótese de ação regressiva no que tange

responsabilidade por fato de terceiro, refere-se às pessoas elencadas no inciso IV

do artigo 932: “aos donos de hotéis e hospedarias, por seus hóspedes e moradores,

e donos de instituições de ensino por seu educandos”.

No caso dos donos de hotéis, de forma pacífica a doutrina e

jurisprudência concordam com a posição legal e concedem o direito de regresso em

face dos hóspedes e donos de hotéis, apesar de, como já dito, serem raras as

situações em que o dono de hotel é condenado a reparar os danos causados a um

terceiro por seu hospede.

Entretanto, já com relação aos donos de instituições de ensino, a

questão comporta polêmica. Quando o agente direto é menor absolutamente

incapaz, parte da doutrina entende que houve a transferência do dever de vigilância,

e, portanto, a culpa pelo evento danoso é do responsável. Assim, resta impossível o

exercício da ação regressiva. Quando o educando é maior de 16 (dezesseis) anos, a

ação de regresso pode ser intentada contra o próprio educando, mas não contra

seus pais. Caio Mário da Silva Pereira aponta com precisão essa situação:

Questão que pode surgir é se p educandário tem ação de perdas e danos


contra o aluno ou seus pais, por atos ilícitos que haja praticado. A questão é
delicada, pois que, se o estabelecimento tem o dever de vigilância e
responde pelos atos do educando, dificilmente se pode compreender que
tenha ação regressiva para se ressarcir do dano causado ao
estabelecimento, a outro aluno ou a terceiro. Soudat detém-se no assunto,
para distinguir: se o aluno estava em condições de discernir, há ação contra

106
KARAN, Munir apud DINIZ, op.cit., p, 527.
84

ele, mas contra o pai a situação é diferente, porque, confiado o menor ao


estabelecimento, assume este a sua vigilância (ob. cit., nº880 e 881).107

Carlos Roberto Gonçalves também comenta sobre essa situação,

apresentando esclarecedora lição:

Inteiramente procedente esta última assertiva. No direito brasileiro, os


menores de 16 a 18 anos são civilmente responsáveis pelos atos ilícitos
que praticarem (art.186 do CC). E o art. 934 assegura o aludido direito
regressivo a terceiros, negando-o somente aos ascendentes. No entanto,
não se justifica o regresso contra os pais dos menores, relativa ou
absolutamente incapazes, porque o estabelecimento, ao acolhe-los, recebe
a transferência da guarda e vigilância, sendo portanto responsável por culpa
in vigilando, se o aluno pratica algum ato lesivo a terceiro, mesmo em
regime de externato, restrita a responsabilidade ao período em que o
educando está sob a vigilância do educador.108

Portanto, é no meio desse ninho de controvérsias que subsiste o

direito regressivo dos responsáveis pelo que houverem pago por atos ilícitos de seus

protegidos.

Com efeito, se vingasse o posicionamento dos contrários ao direito

regressivo dos responsáveis, apenas na hipótese de ser este dono de hotel é que o

instituto em questão restaria isento de oposição. Assim, o artigo 934 do Código Civil

estaria no ordenamento de forma quase inútil. Não foi essa certamente a intenção

do legislador nem essa posição atente aos princípios de boa-fé objetiva estampados

no novel ordenamento.109

107
PEREIRA, op.cit., p. 98-9.
108
GONÇALVES, op.cit., p. 132.
109
VENOSA, op.cit., p. 90.
85

13 CONCLUSÃO

A responsabilidade civil é, indubitavelmente, um dos temas mais

palpitantes e problemáticos da atualidade jurídica, ante sua surpreendente expansão

no direito moderno e seus reflexos nas atividades humanas.

Deveras, a todo instante surge o problema da responsabilidade civil,

já que a cada atentado sofrido pelo homem, relativamente à sua pessoa ou ao seu

patrimônio, constitui um desequilíbrio de ordem moral ou patrimonial, tornando

imprescindível a criação de soluções que sanem tais lesões, pois que o direito não

pode tolerar que ofensas fiquem sem reparação.

O instituto da responsabilidade civil nasceu da vida em sociedade,

na qual diante do relacionamento entre seus membros, inevitavelmente as lesões ao

direito alheio sempre ocorrem. E foi visando reparar os danos cometidos por alguém

que o Direito desenvolveu o instituto, restabelecendo, via de conseqüência, a

harmonia social.

As sociedades evoluíram, e com ela o instituto da responsabilidade

civil. Se num primeiro momento tinha caráter puramente vingativo, hodiernamente

está condicionado a uma série de regras que possui a finalidade única de amenizar

os danos provocados pelo ofensor.

E foi com esse intuito de reparar o dano e de evitar que em

determinadas situações a vítima ficasse irressarcida, que foi inserido no instituto da

responsabilidade civil o conceito de responsabilidade indireta, cujo efeito é a

responsabilização de uma terceira pessoa, além do ofensor, ou seja, de forma

solidária, pela reparação do dano, em razão de um vínculo jurídico existente entre

elas.
86

E para responder como terceira pessoa, o Código Civil de 1916

elencou em seu artigo 1.521: os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua

autoridade e em sua companhia; o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados,

que se acharem nas mesmas condições; o patrão ou comitente, por seus

empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou

em razão dele; os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se

albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hospedes,

moradores e educandos e; os que gratuitamente houverem participado nos produtos

do crime, até a concorrente quantia.

Ressalta-se que em razão do posicionamento extremamente

retrogrado do legislador, positivado no artigo 1.253, a responsabilidade civil por fato

de outrem começou por ser subjetiva, vale dizer, a vítima era obrigada a provar que

o responsável pelo agente direto também concorreu para a ocorrência do dano.

Não obstante, os conhecedores do assunto notaram que o sistema

vigente não propiciava o ressarcimento da vítima, pois que onerava

demasiadamente a vítima, tornando a prova da culpa do responsável uma tarefa

quase impossível e, ao mesmo tempo, permitia ao responsável indireto, inúmeras

alternativas para se eximir da responsabilidade.

O pensamento evolui e novas técnicas foram utilizadas para

possibilitarem a reparação do dano, assim, foi adotada a teoria da presunção de

culpa do responsável (presunção juris tantum), na qual, provando a vítima o dano,

bem como que ele fora provocado pelo agente direto, subsistia a presunção de culpa

do responsável, devendo, pois, reparar o dano.


87

Entretanto, este sistema permitia ao responsável a possibilidade de

se eximir do dever de reparar quando provasse que não teve culpa no evento

danoso, bem como que tomou todas as medidas preventivas para que o dano não

ocorresse.

Com isso, a situação da vítima tornou-se mais confortável. Porém,

quando se tratava de dano cometido por empregado, o patrão podia se eximir da

responsabilidade alegando que contratou empregado qualificado, experiente,

cuidadoso, bem como que fiscalizava seus serviços. Assim, a vítima experimentava

seu prejuízo sozinha.

Neste diapasão, e com relação a esse caso em específico, a

jurisprudência precisou ir mais além. Modificou, assim, a presunção de culpa do

patrão ou comitente pelos atos culposos de seus empregados e prepostos, vista

como relativa, para uma presunção absoluta (jures et de jure), cujo efeito significava

a responsabilidade irrefutável do patrão na ocorrência de um ato culposo de seu

empregado no exercício do serviço, ou em razão dele.

E caminhando neste contexto, o legislador de 2002 aprovou o novo

Código Civil, o qual, repetindo o mesmo rol de responsáveis, agora em seu artigo

932, acatou os anseios da sociedade e adotou a responsabilidade objetiva dessas

pessoas. Com isso, na ocorrência de um dano cometido pelo agente direto, seu

responsável tem o dever de indenizar, independente de ter ou não agido com culpa

para o evento.

Ressalta-se que essa responsabilidade é fundamentada na teoria do

risco: se o pai arrisca ter filho em troca da felicidade que este pode lhe trazer; se o

patrão arrisca contratar empregados para que torne possível sua atividade
88

comercial; é mais do que justo que ambos respondam pelos atos culposos que este

cometerem.

A primeira hipótese de responsabilidade por fato de outrem foi

arrolada no inciso I do artigo 932, e consiste na responsabilização dos pais pelos

atos dos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.

Frisa-se que essa responsabilidade relaciona-se intimamente com o exercício do

poder familiar.

Conforme já dito, por força do artigo 933 do Código Civil, a

responsabilidade dos pais pelos filhos tornou-se objetiva, obrigando aqueles a

repararem o dano ocasionado por este independentemente de culpa concorrente

para o evento.

Contudo, apesar da responsabilidade objetiva, os pais somente

serão obrigados a indenizar os prejuízos causados culposamente pelos seus filhos

menores se estiverem presentes três elementos, quais sejam: menoridade dos filhos

(menor de dezoito anos); quando os filhos estiverem sob sua autoridade ou

companhia; e quando os pais estiverem no exercício do poder familiar.

A segunda hipótese de responsabilidade civil por fato de outrem está

elencada no inciso II do artigo em questão, o qual preconiza que o tutor e o curador

são responsáveis pelo pupilo e curatelado, que se acharem nas mesmas condições

dos filhos menores em relação aos pais. Salienta-se que a tutela se refere à

representação de menor incapaz, enquanto que a curatela diz respeito à

representação do maior incapaz.

No que concerne essa responsabilidade, convém ressaltar que o juiz

deverá, ao analisar esse caso, julgar com mais benignidade do que nos casos de
89

responsabilidade dos pais pelos filhos, isso porque o tutor e o curador exercem um

serviço social, que além de ser um encargo por demais pesado, muitas vezes

sequer é remunerado.

Outra situação em que terceira pessoa é chamada a responder pelo

fato alheio está prevista no inciso III, representado pela regra de que o empregador

ou o comitente são responsáveis por seus empregados, serviçais e prepostos que

causarem dano culposamente no exercício de seu trabalho, ou em razão dele.

Percebe-se que o Código pretendeu dar maior abrangência para o

conceito de empregador e comitente, bem como empregado, serviçal e preposto,

tudo em razão das inúmeras variantes que podem decorrer da interação fática entre

aqueles que são responsabilizados pelo fato de outrem e aqueles cujos atos

praticados ensejam a responsabilidade dos primeiros.

Ademais, cumpre esclarecer que não obstante a responsabilidade

ser objetiva, para que a responsabilidade do empregador ou comitente emerja faz-se

mister a presença de alguns pressupostos, cujo ônus da prova compete à vitima:

culpa do empregado; relação de emprego ou de dependência do agente direto para

com o empregador ou comitente e; que o ato danoso do preposto se dê no exercício

do trabalho, ou em razão dele.

A quarta hipótese de responsabilidade indireta está prevista no

inciso IV do artigo 932, o qual dispõe que os donos de hotéis, hospedarias, casas ou

estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, são

responsáveis pelos atos ilícitos de seus hospedes, moradores e educandos.

Consoante disposição legal, a instituição, tanto hospedaria quanto

de ensino, devem exercer suas atividades mediante contraprestação, ou seja,


90

mediante remuneração. Entretanto, não se aceita que uma instituição albergue

gratuitamente alguém para que propicie ou possibilite a ocorrência de lesões a

terceiros.

Em específico nos casos dos donos de hotéis, não obstante previsão

legal, ressalta-se que a regra não possui muita aplicabilidade, pois que dificilmente

ocorrerá a responsabilização do dono da empresa Hilton por dano causado a

terceiro. Em contrapartida, a responsabilidade dos donos de hotéis ganha relevo

quando se discute responsabilidade contratual, disciplinada nos artigos 649 e

seguintes. Estes dispositivos atribuem aos hospedeiros e estalejadeiros a

responsabilidade, como depositários, pelas bagagens dos viajantes.

Quanto às instituições de ensino, a idéia que inspirou a norma é a da

transferência, pra os donos de casas de ensino onde se albergam estudantes, da

responsabilidade que ordinariamente competia aos pais. Entretanto, tal

responsabilidade, hoje, baseia-se na teoria do risco.

Salienta-se que essa responsabilidade diz respeito a todo o período

em que o educando está sob a vigilância do educador, compreendendo o que ocorre

no interior do colégio, ou durante a estada do aluno no estabelecimento, inclusive no

recreio, ou em veículo de transporte fornecido pelo educandário.

Com a vigência do Código Civil de 2002que não faz nenhuma

distinção, bem como por influencia dos princípios estabelecidos no Código de

Defesa do Consumido, essa responsabilidade abrange tanto os educandos menores

de idade, absoluta ou relativamente incapazes, quanto os educando maiores de

idade e, pois, totalmente capazes.


91

Por fim, a última hipótese de responsabilidade complexa foi

estabelecida no inciso V do artigo 932, dispondo que são responsáveis os que

gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente

quantia.

Trata-se, na verdade, de uma ação in rem verso, fundada no dever

de recompor o patrimônio do lesado aquele que se beneficiou infundadamente.

Reflete a aplicação do princípio do injusto enriquecimento, e possui os seguintes

elementos: dano seja causado por um crime; benefício de alguém com o produto,

desse crime, embora não tenha tido conivência com o mesmo. Ainda, ressalta-se

que A vítima terá direito à restituição, até a concorrência da quantia de que foi

prejudicada.

A ação de regresso é uma conseqüência jurídica da

responsabilidade por fato de outrem. Consoante artigo 934, aquele que ressarcir o

dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou,

salvo se este for seu descendente. E a razão jurídica dessa exceção reside em

considerações de ordem moral e da organização econômica da família.

Com relação aos demais casos, tendo em vista que não existe

qualquer vedação, bem como que essa foi a vontade do legislador de 2002, a ação

regressiva tem total cabimento.

Sem embargos às considerações contrárias a esse direito, convém

salientar que, se cada argumento for procedente, por efeito o dispositivo da ação

regressiva tornar-se-ia letra morta e sem utilidade.

Neste vértice, explicado e dissecado o instituto da responsabilidade

civil, partindo de sua gênese até os dias hodiernos, principalmente no que tange à
92

responsabilidade por fato de outrem, cujo estudo é tema desse trabalho, infere-se

que o legislador atual, atendendo os anseios da sociedade, criou um sistema com

instrumento e princípios totalmente capaz de possibilitar a reparação dos danos da

vítima e, via de conseqüência, restabelecendo a harmonia social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. V. 2. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense,
1983.

BASTOS, Celso Ribeiro. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Celso Bastos
Editora, 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado, 1988.

______. Lei n° 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Institui o Código Civil. D. O. U., Rio
de Janeiro, 01 jan. 1916.

______. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o novo Código Civil. D. O.


U., Brasília, 11 jan. 2002.

CAVALHIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 2.ed. São Paulo:


Malheiros, 2000.

CD ROM, Juris Plenum on line. v. 2.ed. 76 CD 1, Editora Plenum, mar/abr 2004.

CHAVES, Antonio. Tratado de direito civil. v. 3. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1985.

DA SILVA, Regina Beatriz Tavares. Novo Código Civil Comentado. São Paulo:
Saraiva, 2002.

DA SILVA, Wilson de Melo. Responsabilidade civil automobilística. São Paulo:


Saraiva, 1980.

DE AZEVEDO, Antonio Junqueira. Responsabilidade civil dos pais:


Responsabilidade civil. Saraiva: São Paulo, 1984.

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. v. I. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense,


1983.

______. Da responsabilidade civil. v. II. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
93

_______. Curso de direito civil: Responsabilidade civil. 18.ed. São Paulo: Saraiva,
2004.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Editora
Atlas S.A., 2001.

E SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. V. 1. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

GARCEZ NETO, Martinho. Responsabilidade civil. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1975.

GOMES, Orlando. Obrigações. V. II. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Saraiva,


1995.

LIMA, Alvino. A responsabilidade civil por fato de outrem. Rio de Janeiro: Forense,
1973.

______. Culpa e Risco. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil, v. 5.


7.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000.

MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2003.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das obrigações, 2ª


parte. V. 5. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MULLER, Mary Stela et al. Normas e padrões para teses, dissertações e


monografias. 5.ed. Atual. Londrina: Eduel, 2003.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 4.ed. Rio de Janeiro:


Forense. 1993.

PORTO, Mário Moacir. Temas de responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. v. 4. 20.ed. São Paulo:


Saraiva, 2003.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo:
Atlas, 2004.

WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1989.

You might also like