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1\ UNIDADE mento oferecia, é que setores regionais, nacionais e internacionais come-
çaram a dedicar especial atenção à extração do látex. Daí ser incentiva-
do o processo migratório de nordestinos para a região, objetivando a
concretização desses interesses.
- '
A EXTRAÇAO LUCRATIVA DO LATEX
EXIGE FORÇA DE TRABALHO:
a i migraçãonordestina

1. Noções Iniciais

Na unidade anterior, vore teve a oportunidade de constatar que, a


partir das primeiras décadas do século XIX até meados da década de 70
deste mesmo século, ocorreram inúmeros contatos entre~ohomem civi-
zado e os aborígenes que habitavam a região banhada pelas bacias dos
rios Purus e Juruá.
Inicialmente, esses contatos tiveram como objetivo principal a co- ~ - .---
leta das chamadas "drogas do sertão", estabelecendo-se, assim, acentua- -L' - ----------
s -
do processo de troca entre os extratores de drogas e as tribos ind ígenas
aqu i existentes.
Somente a partir de 1850 é que as expedições exploratórias, de ca- ~i
ráter oficial, começaram a acontecer de forma sistemática, tendo como
financiadora a Província do Rio Negro, que nesse ano envia o explora- Expedição Chandless.
dor JOAO DA CUNHA CORREIA ao Juruá, e, em 1860/66, MA-
NOEL URBANO DA ENCARNAÇÃO, ao Purus. Além dessas signifi-
cantes expedições, registra-se a presença de uma outra, enviada pela 2. O Amazonas tinha um plano: Financiar para colonizar
Royal GeographicalSociety of London, ao Purus, em 1864, e ao Juruá,
em 1866, representada pelo gebgrafo inglês William Chandless. Pode-se dizer que o processo migratório para as bacias do Juruá e
Tais expedições contribuíram significativamente para comprovar, Purus ocorreu a partir do início do assentamento dos primeiros núcleos
realmente, a existência de grande qu antidade de "á rvores que jorravam exploratbrios do látex (ainda nos anos de 1850). No entanto, esse pro-
leite" para a produção de borracha, produto este já bastante conhecido cesso só vai tomar maior impulso a partir da segunda metade da década
e procurado pelos Estados Unidos e países da Europa. de 1870 (mais precisamente 1877 e 1879), quando a Província do Ama-
Com base nas informações desses exploradores e nas experiências zonas decide empreender um projeto de colonização, objetivando a pro-
de alguns particulares que, financiados por casas comerciais de Belém e dução agrícola de subsistência e a fixação do homem à terra. E nesse
Manaus, tinham já se fixado às margens dos rios Juruá e Purus, aden- momento que o Nordeste (principalmente o Ceará) enfrenta uma crise
trando-se cada vez mais pelos seus afluentes com objetivos especfficos econômica-social jamais vista durante toda a sua história. A seca de
de extrair o látex, e pelos bons resultados que esse tipo de empreendi- 1877 destruiu arrasadoramente a atividade agropastoril dos grandes
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latifúndios escravistas, provocando uma desarticulação na organização subindo os rios e abrindo novos seringais. Por outro lado, particulares
do trabalho escravo, tornando-o improdutivo. Como os gastos para a interessados na atividade gumífera aproveitaram esta mão-de-obra mais
manutenção desses escravos não eram compensados pela sua produtivi- barata, uma vez que não precisariam ter gastos com passagens e alimen-
dade, ocorreu, de certa forma, a liberação dessa mão-de-obra: homens tação do Ceará até o Amazonas, para o trabalho nos seringais ou em
"miseráveis", dispostos a enfrentar qualquer tipo de empreendimento, outras atividades extrativas. A verdade é que os nordestinos não esta-
desde que Ihes garantissem a sobrevivência. vam interessados em povoar simplesmente, mas sim ocupar-se em uma
E diante desse quadro que o Amazonas procura incentivar e finan- atividade que Ihes oferecesse perspectivas de maiores e mais rápidos lu-
ciar a migração de nordestinos para se fixarem em seus núcleos de colo- cros, de forma que em pouco tempo pudessem voltar à sua terra de
nização. Os incentivos eram inúmeros: passagens, estadas, ferramentas origem em melhores condições de vida. E foi a extração do látex que
de trabalho, sementes, assistência médica, casas para os colonos e cons- Ihes pareceu mais viável, já que a borracha se constituía em um produto
trução de estradas ligando os núcleos coloniais à Capital da Província. bastante procurado no mercado mundial. Já a lavoura, destinacla ao
Quanto aos recursos financeiros para as despesas de tal empreendi- consumo interno, tornava-se um empreendimento árduo e sem perspec-
mento, MOACIR FECURY, em seu trabalho A emigraçUo nordestina tiva, não s6 pela carência técnica, pela ausência de investimentos públi-
para a Amazônia em 1877: uma tentativa de colonização pela adminis- cos ou privados, pelas particularidades climáticas e características do
tração provincial, menciona a "Lei Provincial" n.o 367, de 7 de junho solo, como também pela grande quantidade e variedade de insetos, mui-
tas vezes nocivos à saúde humana.
de 1877, regulamentada pela Assembléia Provincial, que "permitiu a
abertura de crédito no valor de 10.000$000, do qual o presidente da E nesse entremear de acontecimentos que os rios Purus, Juruá e
Província poderia lançar mão desde que tivesse como finalidade o (...) seus afluentes começam a receber grandes contingentes de extratores
transporte de pessoas que de outras Prov íncias do Impéri o qu isessem ir de látex processando-se daí a formação dos seringais e da Sociedade
Acreana.
a essa, contanto que fizessem especialmente profissão de lavoura." O
autor citado menciona ainda mais duas formas de aquisição de recursos
para esse empreendimento: "Socorro a pessoas desvalidas" e "subscri-
ção pública". 3. Primeiros passos para o povoamento: a imigração
O interessante a observar é que, mesmo com todos estes incenti-
vos, o plano não deu grandes resultados. Não em termos numéricos com Os nomes de JOÃO RODRIGUES CAMETA, SERAFIM SALGA-
migrantes, pois que, segundo as estatísticas oficiais, no perfodo de 1877 DO e MANOEL URBANO DA ENCARNAÇAO, para o Purus, e FRAN-
a 1879, o número de emigrantes que entraram na Província do Amazo- CISCO MANOEL DA CRUZ E FLORES, NICOLAU JOSE DE OLI-
nas somavam um total de 12.563 indivíduos. No entanto, destes 12 mil, VEI RA, ROMÃO JOSE DE OLl VEI RA e JOÃO DA CUNHA COR-
somente 1.448 se dedicaram à atividade agrícola nos núcleos de coloni- REIA, para o Juruá, representam os principais exploradores destas duas
zação. bacias. Foram eles que abriram caminho para o povoamento deste
A falta de um planejamento prévio adequado e de uma infra-estru- imenso território gum ífero, ainda não habitado por bolivianos nem por
tura que desse condições de fixar o migrante nos núcleos de colonização peruanos, mas já bastante conhecido pelos brasileiros, como bem ilustra
determinaram o fracasso da iniciativa. Como se pode perceber, a grande o cientista explorador Chandless, ao registrar o movimento comercial
maioria não ficou nos núcleos. Uma boa parte não chegou nem mesmo do Purus, em 1861, relativo à exportação: "793 arrobas de salsaparrilha,
a sair da Capital da Provfncia, constituindo-se em uma grande massa de 9.936 de cacau e 16.777 de borracha" (Cit. por Craveiro Costa, in A
desocupados, tendo que ser sustentada pelos confrespúblicos, o que, na Conquista do Deserto Ocidental). .

verdade, não acontecia, pela própria carência de recursos, contribuindo Segundo ARTHUR CEZAR FERREIRA REIS data de 1852 a
para que os mesmos se revoltassem, chegando ao ponto de ameaçarem a ~rimeira colonização no Purus, feita por iViANOEL NICOLAU DE
dissolução de uma Assembléia Legislativa Provincial. IvlELO. Lembramos também JOÃO GABRI EL DE CARVALHO E
A maior parte foi direto para o trabalho da extração do látex, MELLO que, em 1857, estabeleceu-se perto da foz do Purus com qua-

42 43
A faca de cortar seringa é um dos principais instrumentos de trabalho
do seringueiro.

renta famrlias do Maranhão e do Ceará. Em 1871, ANTONIO R.


PEREIRA LABRE também se estabeleceria à margemdo Purus, onde
hoje se situa a cidade da Lábrea.
Estes e outros dados nos mostram os primeiros passos para o po-
voamento do Acre e, conseqüentemente, a efetivação do processo mi-
gratório de nordestinos para essa região.
Já vimos como fracassara a tentativa da Província do Amazonas ao
incentivar a migração para a colonização. Todavia, o processo emigrató-
rio aumentava cada vez mais, enquanto os Governos da Província do
Amazonas e do Império negavam-se a prestar qualquer ajuda àqueles
miseráveis, como bem ilustra MOACIR FECURY: "O golpe final foi de-
terminado em 09 de abril de 1880 quando o Ministério do Império or-
denou o encerramento de toda e qualquer ajuda aos emigrantes."
Queremos aqui chamar sua atenção para um aspecto muito impor-
tante, e que servirá de base para a compreensão de nossa formação so-
cial.
Imagine agora que sua cidade no seu Estado desenvolva atividade
A seringueira nativa, outrora abundante nas selvas acreanas, hoje está exclusivamente extrativista, por exemplo, extração do látex. Logo você
em vias de extinção devido ao desmatamento irracional. vai perceber que ela (a cidade) vai necessitar importar todos os produtos
44 45
necessários à sobrevivência e manutenção de sua população, como tam-
bém do próprio trabalho, tais como: alimentação, medicamentos, vesti-
mentas, ferramentas de trabalho, transporte, etc.
NORDESTINA Como vocé pode verificar, era este o quadro que se nos apresenta-
ROTA DA MIGRAÇÃO
va nos últimos anos da década de 1870 e início da década de 1880. O
Governo brasileiro negava todo e qualquer tipo de ajuda (alimentaçãp,
medicamento, assistência técnica) ao emigrante, embora o contingente
migratório aumentasse cada vez mais. O migrante não estava interessado
em dedicar-se à lavoura de subsistência e sim à extração do látex, já que
a borracha apresentava melhores perspectivas de lucro.

4. O que aconteceu, então?

Já dissemos que a borracha era considerada produto conhecido e


procurado internacionalmente, visto que as experiências científicas vi-
nham demonstrando que ela se prestava a inúmeras utilidades no mer-
cado consumidor mundial. Diante do quadro supracitado, o capital es-
trangeiro passa a "financiar" e "direcionar" o processo migratório de
nordestinos para esta região, como também de toda a organização da
produção da borracha.
Vamos, então, tentar compreender como passou a funcionar este
processo, tomando como exemplo um caso particular, o de JOÃO GA-
BRIEL DE CARVALHO E MELLO. Cearense de Uruburetama, largou
esposa e filha em extrema miséria "por questão de amor-próprio ferido
pelo tio da mulher, que se recusara a vender-lhe uma novilha a prazo."
(Tocantins, in Formação Histórica do Acre). Esse aventureiro foi a pé
do Ceará ao iv:aranhão. Em São Luís, empregou-se num convento, onde
aprendeu a ler e a escrever com os Frades. Animando-se com as notícias
do Amazonas, parte para Belém, e lá se encontra com o VISCONDE DE
SANTO ELlAS, proprietário de uma casa comercial. Torna-se emprega-
do deste, e, em pouco tempo, consegue manipular, com facilidade, to-
do o processo burocrático que exigia o Sistema de Aviamento dessa casa
comercial, ganhando a confiança do VISCONDE, chegando ao ponto
deste pleitear e conseguir do Imperador através do Presidente da Pro-
ROTA DA MIGRACÃO v(ncia do Pará, o título de Comendador para JOAO GABRIEL.
o Com o título de Comendador e com o saldo que extraiu na Casa
LIMITE ESTADUAL
AViadora, JOAO GABRIEL volta ao Ceará para rever sua fam rlia (após
21 anos ge aUséncia) e recrutar pessoas para o trabalho na seringa.
JOAO GABRIEL parte do Ceará com um contingente de mais de
47
46
70 pessoas e, ao chegar a Belém, o VISCONDE DE SANTO ELlAS já o
esperava com um vapor (o Anajás) carregado de mercadorias (alimenta- popular atribu ído à embarcação devido à sua superlotação, dando a apa-
ção, medicamentos, ferramentas de trabalho, armas e munições, etc.), rência de uma gaiola - não ofereciam nenhum conforto ao emigrante.
para que conduzisse todo o pessoal, dessa vez, para além da embocadura "Depoimentos da época mencionavam os navios sujos, e má alimenta-
do rio Acre. cão a promiscuidade de uma 3.a classe onde os animais - bois carnei-
Em 03 de março de 1878, o vapor Anajás aportava à margem do ~os,'porcos para a alimentação diária misturavam-se com os ser~s huma-
rio Purus a algumas léguas acima da embocadura do Acre, desembarcan- nos... As embarcações subiam com lotações excedidas, e a carga, acumu-
do toda a tripulação que passou a abrir novos seringais às margens dos lada pelos conveses, tirava o espaço necessário ao trânsito dos passagei-
rios Purus, Acre e laco. Tratava-se do primeiro contingente organizado a ros" (Tocantins, in Formação Histórica do Acre). As péssimas condi-
chegar a essas paragens. ções de higiene, a má alimentação e a promiscuidade reinantes naquelas
Tomando o exemplo do Comendador JOÃO, vamos tentar montar embarcações propiciavam as condições para surtos endêmicos de nature-
um esquema de como funcionavatodo esse processo. za infecto-contagiosa, ocasionando a morte e o sepultamento de muitos
Temos como figura central o Comendador JOÃO, antes aventurei- às margens dos rios. Contudo, o processo migratbrio não parava. A ne-
ro, desprovido de qualquer riqueza, cuja astúcia e inteligência, aliadas à cessidade da borracha no mercado mundial exigia que assim fosse: a mi-
facilidade que a extração do látex oferecia ao enriquecimento rápido, séria do nordestino e a perspectiva de melhorar sua condição de vida o
fizeram dele um dos organizadores da produção gumífera. Emerge, en- empurravam para cá. Não importavam as condições e os perigos. O que
tão, a figura do seringalista ou patrão. Ligados a este, logo estariam --
aqueles trabalhadores diretos ou indiretos indispensáveis ao bom funcio-
namento do Seringal: seringueiros, escriturários, comboieiros, etc. Aci-
ma do Comendador JOÃO - o seringalista - estava, porém, a Casa
Comercial do Visconde (a Casa Aviadora). Entretanto, no topo do siste-
ma estavam as companhias internacionais de navegação e exportação
que levavam a borracha para ser vendida às fábricas dos Estados Unidos !cn
e Europa, que por sua vez rebeneficiavam o produto e o redistribuiam ...
no mercado consumidor mundial. I
"..
Resumindo, diríamos que as empresas comerciais de navegação tra- u
<
ziam para as casas comerciais de Belém e Manaus os produtos necessá- o
rios à manutenção e reprodução do processo extrativista do látex e leva-
;
e
vam como pagamento a borracha. Por sua vez, o seringalista fazia a mes- .a
ma operação junto à Casa Aviadora e o seringueiro,junto ao seringalis- ,<
I
ta. A esta cadeia de interdependência denominamos Sistema de Avia-
mento e que será assunto da III Unidade. Nossa intenção até aqui foi de
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apenas mostrar que a imigração, agora sem o apoio do Governo brasilei- o
;;
ro, passou a ser financiada e direcionada pelo Capital estrô!'::eiro. e
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...
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5. Viajandonos gaiolas
Gaiola. Embarcação fluvial que por mais de meio século abasteceu o
A viagem do f\lordeste à região acreana se constituía numa espécie Acre de víveres, escoou sua produção de borracha, castanha, peles de
de teste, um "estágio de sofrimento". Os vapores, ou gaiolas - nome animais e serviu de principal meio de tran5f1ortede passageiros do Acre
para Belém, Manaus e vice-versa.
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lhe importava é que era uma saída, uma opção para, quem sabe, conti- pois, repetia-se a mesma cena apresentando os mesmos vincos profun-
nuar vivendo. A exemplo do vapor Anajás, chega em fevereiro de 1879 dos e negros da desorganização econômica como um estigma da indús-
um outro, o Tapajós, trazendo mais um grupo de emigrantes. Daí em tria acreana. Os proprietários iam ou mandavamemissáriosaos Estados
diante o movimento nos rios não parou mais. "As casas aviadoras de do nordeste, ao recrutamento de trabalhadores, que Ihes chegavam ca-
Belém e Manaus, fornecendo o crédito e os artigos necessários à vida, e ríssimos, muito doentes, aos seringais onerados por uma dívida que logo
a embarcação, evoluindo do tipo de ubá, de canoa a remo, para o navio os escravizava... Quebrar os laços que o atavam à floresta, pelo paga-
a vapor que a inventiva popular denominou o "gaiola", criaram, incenti- to da dívida, e, não raro, pela fuga, era o ideal único do seringueiro."
varam, mantiveram a sociedade dos seringais acreanos" (Tocantins, in Assim é que, desde o final da década, de 1870 até nossos dias, em-
FormaçãoHistórica do Acre). bora motivado por razões conjunturais diversas, o movimento migrató-
As bacias do Juruá e Purus, por oferecerem maiores facilidades à rio não cessou, apesarde não apresentarcontinuidade linear. Do povoa-
navegação e riquíssima quantidade de árvores gumíferas, atraíam cada mento desorganizado e anárquico, tão bem descrito e criticado por Eu-
vez mais a vinda de nordestinos. clides da Cunha (A Margem da História), à intervenção do Governo Fe-
Segundo Tocantins, "O panorama social do Acre, em 1887, foi deral em 1942 até nossosdias, quando órgãoscomo o INCRA responsa-
assim descrito pelo Coronel Labre: este rio é um dos afluentes mais po- bilizam-se pelo deslocamento de famílias inteiras do centro-sul do país
para a fixação em Projeto de Assentamento, o processo migratório con-
pulosos do Purus, exporta hoje em goma elástica 500.000 quilos. Em
tinua, intermitente, desumano.
pouco tempo aumentará sua produção. A sua população é de 10.000 al- A história do processo migratório, isto é, do deslocamentode for-
mas sem incluir os aborígenes que sobem ao duplo. O seu comércio é
ça de trabalho para o Acre está diretamente relacionada aos interesses
feito por mais de 15 grandes vapores que, durante a cheia, fazem a nave-
de sustentação e reprodução do capitalismo monopolista, que naquele
gação do rio, levando anualmente novos trabalhadores e mercadorias."
Juntam-se aos nomes de JOÃO GABRIEL, PEREIRA LABRE e momento necessitava febrilmente da borracha, matéria-prima indispen-
MANOEL URBANO os de ALEXANDRE DE OLIVEIRA LIMA, CAE- sávelà indústria de pneumáticos e derivados.
TANO MONTEIRO DA SILVA, HERMINIO RODRIGUES PESSOA, Não podemos esquecer que este processo migratório começa real-
NEUTEL MAlA e RAIMUNDO VIEIRA UMA, todos coronéis seringa- mente a ocorrer no momento em que o Nordeste enfrentava uma terrí-
vel fase de decadência econômica, fato que contribuiu, juntamente com
listas, todos responsáveis pelo povoamento - riqueza e miséria - da ba-
cia do Purus, enquanto que no Juruá destacaram-se, entre outros: o fenômeno climático da seca, para um significativo excedente de mão-
FRANCISCO FERREIRA DE CARVALHO, ANTONIO PETROLlNO -de-obra livre.
ALBUQUERQUE, MIGUEL FERNANDES, JOAO BUSSON, ANTO- O Brasil vivia então a transição de relações escravistas de produção
NIO MARQUES DE MENEZES, JOAO DOURADO e BALDUINO DE para a consolidação de relações assalariadas, embora não tenham sido
OUVEI RA. descartadas formas não assalariadas como colonato nas fazendas cafeei-
Estes homens, dominados pela ânsia de enriquecer com a extração ras e a "extração cativa" nos seringais da Amazônia.
do látex, não respeitaram nem fronteiras, nem empecilhos naturais e Também é importante observar que, a nível polftico, o país transi-
nem os direitos dos trabalhadores. Os primeiros a serem desrespeitados tava do regime monárquico para o regime republicano. Desempenhando
e violentados foram, como já vimos, os índios que habitavam as ricas papel de fundamental importância no direcionamento da vida econômi-
áreas gum íferas. ca, social e política do país, os "coronéis do café" tinham pouco inte-
Todos os anos, com a enchente, os vapores subiam trazendo os resse, naquele momento, em dar apoio a qualquer política econômica
mantimentos necessários à manutenção do trabalho no seringal e des- extrativista. .

ciam com a borracha acompanhados de um seringalista ou de seu emis- Até 1942, portanto, não houve participação direta do governo
sário (o Agenciador) com o objetivo de recrutar novos trabalhadores central, quer monárquico, quer republicano, nos assuntos pertinentes à
no Nordeste. imigração nordestina para a Amazônia. A iniciativa coube, principal-
Ilustra bem este quadro CRAVEIRO COSTA: "Todos os anos, mente: 1.0 - a alguns seringalistas abastados que enviavam emissários
50 51
em busca de trabalhadores;2.0 - às casasaviadoras,interessadasque es-
tavam no aumento da produção da borracha; 3.0 - aos Governos Pro-
vinciais do Pará e do Amazonasque estimularam e facilitaram o corre-
dor imigrat6rio, pois muito haveriamde lucrar com a cobrança de taxas
l
LEITURA COMPLEMENTAR
alfandegáriasde exportaç'ão;e 4.0 - às Companhiasde Navegaçãoe Ca-
sas Exportadoras Estrangeiras,elos importantes, como veremos na ca-
deia do Aviamento.
COMO SE DEU O POVOAMENTO
,I
I
o povoamento do Acre é um caso histórico inteiramente fortuito,
fora da diretriz do nosso progresso.
Tem um reverso tormentoso que ninguém ignora: as secas periódi-
1 cas dos nossos sertões do Norte, ocasionando o êxodo em massa das
multidões flageladas. Não o determinou uma crise de crescimento, ou
excesso de vida desbordante, capaz de reanimar outras paragens, dila-
tando-se em itinerários que são o diagrama visfvel da marcha triunfante
das raças; mas a escassez da vida e a derrota completa ante as calamida-
des naturais. As suas linhas baralham-se nos traçados revoltos de uma
fuga. Agravou-o sempre uma seleção natural invertida: todos os fracos,
todos os inúteis, todos os doentes e todos os sacrificados expedidos a
esmo, como o rebotalho das gentes, para o deserto. Quando as grandes
secas de 1879-1880, 1889-1890, 1900-1901 flamejavam sobre os ser-
tões adustos, e as cidades do litoral se enchiam em poucas semanas de
uma população adventfcia de famintos assombrosos, devorados das fe-
bres e das bexigas - a preocupação exclusiva dos poderes públicos con-
sistia no libertá-Ias quanto antes daquelas invasões de bárbaros moribun-
dos que infestavam o Brasil. Abarrotavam-se, às carreiras, os vapores,
com aqueles fardos agitantes consignados à morte. Mandavam-nos para
a Amazônia - vastfssima, despovoada, quase ignota - o que equivalia a
expatriá-Ios dentro da própria pátria. A multidão martirizada, perdidos
todos os direitos, rotos os laços de famllia, que se fracionava no tumul-
to dos embarques acelerados, partia para aquelas bandas levando uma
carta de prego para o desconhecido; e ia, com os seus famintos, os seus
febrentos e os seus variolosos, em condições de malignar e corromper as
I~alidades mais salubres do mundo. {...tasfeita a tarefa expurgatória,
nao se curava mais dela. Cessava a intervenção governamental. Nunca,
até aos .nossos dias, a acompanhou um só agente oficial, ou um médico.
Os bamdos levavam a missão dolorosrssima e única de desaparecerem...
. ... . . " .. .. . .. . . . . .. .. .. . . . . ., .. .. ... .., .. .. ., .,. ..,
(Cunha, Euclides da. À Margem da História. São Paulo, Lello Brasileira
S.A., 1967. pp. 48-49.) 53
52
LEITURA COMPLEMENTAR
LEITURA COMPLEMENTAR

A VIAGEM POPULAÇAO ACREANA: 1920 - 1980

Observando-se os dados censitários dos anos de 1920, 1940 e


(...) E nas longas viagens, de Belém até o local de destino, os imi- 1950, vê-se que o crescimento da população não foi contfnuo, pois em
grantes, com raríssimas exceções, curtiam duras penas. Depoimentos da 1920 o território possufa 92.379 habitantes, e em 1940 essenúmero
época mencionam os navios sujos, a má alimentação, a promiscuidade baixou para 79.768 habitantes, ou seja, um decréscimo de 12.611 habi-
-
de uma 3.a classe,onde os animais bois, carneiros, porcos para a ali- tantes no espaço de 20 anos. Comparando-se, porém, os dados do últi-
mentação diária - misturavam-se com os sereshumanos. mo recenseamento, ou seja, de 1950 com o de 1940, verifica-se um
As embarcações subiam com lotações excedidas, e a carga, acumu- crescimento de 34.987 habitantes, sendo portanto o total da população
lada pelos conveses, tirava o espaço necessário ao trânsito dos passagei- em 1950 de 114.755 habitantes.
ros. As redes atadas nos varais, suspensasno ar, representavam para o O decréscimo da população que se verificou entre 1920 e 1940 po-
imigrante uma fuga daquele mundo, o muro daslamentaçfJes, o refúgio de ser explicado principalmente pela grave crise econômica que afetou
para deplorar as suasdesditas. a região, devido ao declfnio no preço da borracha. Aliás, os dados esta-
O calor tropical, umedecido pelas muralhas verdes dos rios estrei- tfsticos da população do Estado do Pará também apresentaram um de-
tos, aumentado pela alta temperatura das caldeiras, dos aparelhos, dos créscimo neste perfDdo, passando de 983.507 habitantes em 1920 para
tubos de vapor, aquecendo as chapas de ferro do navio, criava na 3.a 944.644 em 1940, portanto uma diminuição de 38.863 habitantes. Já
classe um ar viciado, insuportável, propício à disseminação de doenças. no Estado do Amazonas não se observou o mesmo fato, registrando-se
Navios negreiros, já dizia o amargo vocabulário da época. um aumento sensível no número de habitantes, de 1920 (249.756) para
. . . . . . . . . . . . . . . . . ., . .' . . . . . . . . . . ., ., ., . . . . ., . . ., . . .' ., . . 1940 (438,(XJ8).
Estudando-se a composição da população acreana de acordo com
(Tocantins, Leandro. Formação Histórica do Acre. Rio de Janeiro, Civi- o local de nascimento (recenseamento de 1950) observamos que das
lização Brasileira, 1979. pp. 155-56.) unidades integrantes da região amazônica, o Estado do Amazonas con-
tribuiu com 6.786 habitantes, seguido do Estado do Pará com 1.948 e
o Território do Guaporé com 82 habitantes.
Cumpre destacar, ainda, que os guaporeensesentrados no Acre são
todos de idade infantil, inferior a 9 anos. Do Território do Amapá e do
Território do Rio Branco não houve emigração para o Acre.
O Nordeste é que tem contribufdo com grande quota de imigran-
tes no Acre, se não vejamos: Ceará, 14. 221; Rio Grande do Norte,
2.227;Parafba, 1.454; Pernambuco, 730; Maranhão, 478; PiaUl: 411; e
Alagoas, 223, ou seja, um total de 19.744 habitantes. A circunstância
de ser o Estado do Ceará o que tem fornecido o maior número de imi-
55
54
grantes levou o povo dessa região a generalizar a denominaçlio de "cea-
rense" para todos os elementos vindos do Nordeste, sem considerar a
unidade polftica de procedência.

(Guerra, Antônio Teixeira. Estudo Geográfico do Território do Acre. EXERcrCIO


Rio de Janeiro, IBGE, 1955. pp. 64-65,)

. , . . . . . , , . . . . , . . . . . , . . . . . . . , . . . .. . . . . , . . . . . . . . . . , . .. . . . . 01 - Entre 1850 e 1866 algumas expedições nacionais e estrangeiras


percorreram os Vales do Purus e Juruá. Estabeleça uma relação
A tabela abaixo poderá servir de complemento do texto supraci- entre estas expedições, a extração do látex e o processo migrató-
rio para a região da Amazônia Ocidental.
tado.
02 - A historiografia tradicional costuma atribuir à seca nordestina de
1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 de 1877 papel decisivo no processo imigrat6rio. Leia atentamente
ANO
"0 Amazonas tinha um plano: financiar para colonizar" e aponte
POPULAÇÃO 92.379 - 79.768 114.755 158.852 215.299 301.605 outras razões que expliquem esse processo imigratório,

03 - O plano de incentivo à colonização iniciado pelo Amazonas não


deu certo. Por quê?
Analise.

04 - Leia com atenção o item 4 (quatro) desta Unidade e em seguida


destaque o papel de João Gabriel e do Visconde de Santo EIias
no processo imigratório em geral.

05 - /\ viagem do imigrante nordestino nos gaiolas se constitu (a num


verdadeiro "estágio de sofrimento", Analise esta afirmação, rela-
cionando-a ao processo imigrat6rio em geral.

57
56
III Unidade'
ção do poder do patrão seringalista. Esse sistema, conhecido como avia-
mento, compunha-se dos seguintes elementos interdependentes: capital
industrial-financeiro, casas aviadoras ou comerciais, seringalistas e se-
ringueiros.
FINANCIAMENTO DA PRODUÇÃO: Vamos analisar, primeiramente, o mais divulgado, porém não tão
a quem interessava? cial. conhecido elemento do sistema: a Casa Aviadora ou Casa Comer-
bem

O seu surgimento remonta à própria história da ocupação da Ama-


zônia, sendo o seu crescimento consignado por conta da evolução da
1. Noções Iniciais procura de produtos naturais, por extensão, da própria produção gum(-
fera, ou seja, da borracha e do caucho. Seus proprietários, nos primeiros
Na Unidade anterior vocé aprendeu que sem a força de trabalho de momentos da ocupação econômica, foram portugueses que criaram os
milhares de nordestinos estimulados a se deslocarem do Nordeste para o termos "aviado" e "aviador" para aqueles que deles dependiam na em-
"Eldorado" amazônico não seria possrvel a produção em larga escala da preitada de desbravar seringais.
borracha, objetivando a exportação para os grandes centros industriais Dispondo de razoável quantia de dinheiro acumulado, não Ihes fo-
europeus e norte-americanos. Nesta Unidade você vai estudar outro lado ra difrcil financiar expedições exploradoras ou de reconhecimento da
da questão, ou seja, a questão do financiamento da produção. região, e até suprir de v(veres e braços os que se propunham a abrir se-
ringais. A princ(pio, o negócio parecia arriscado, pois o fornecimento
era efetuado mediante acordo verbal estabelecido entre o comerciante
2. Esplêndida dependência: o sistema de aviamento e o desbravador, pelo qual o seringalista ficava obrigado a entregar toda
a produção conseguida ao seu financiador. A partir dar, todo e qualquer
Para produzir borracha em larga escala, visando atender a demanda trabalhador que pretendesse atuar na produção regional tinha que, a
internacional, seriam indispensáveis trés fatores básicos, a saber: a exis- priori, se submeter ao endividamento.
téncia de um meio natural de produção, isto é, a concentração de árvo- Como os primeiros "negócios" propiciaram lucros, não tardou que
res seringueiras numa determinada área dentro dos limites do Seringal; os "aviadores" se aparelhassem com uma infra-estrutura capaz de imple-
razoável quantidade de trabalhadores seringueiros dedicados exclusiva- mentar cada vez mais o "comércio" com os seringais. Chegaram mesmo
mente à extração do látex e fabrico das "pélas" gum(feras e, sobretudo, a se equipar com frotas fluviais e alargavam as compras de produtos de
o capital, necessário à montagem da engrenagem não só da produção, consumo nas praças do Nordeste, Sul, Sudeste, e até na Europa e Esta-
mas da fiscalização e comercialização da mesma. Para a compreensão dos Unidos. A eles interessava fartura de mercadorias porque quanto
desse último aspecto - do capital que subordina a natureza e o traba- mais as tivessem para remeter aos seringais, maiores seriam as partidas
lho aos seus interesses - você precisará não esquecer que a finalidade da de borracha que receberiam em pagamento e, conseqüentemente, maior
produção no seringal era o lucro para os patrões e seus financiadores, às o lucro resultante da exportação para o exterior. A prosperidade veio.
custas, é claro, da imposição de um regime rrgido, às vezes torturante, O crédito para os seringais fora, de fato, assegurado. Um grande capital
mas sempre um trabalho alienante, realizado nos arredores da barraca acumulou-se nas mãos dos proprietários das Casas Aviadoras.
do seringueiro (veja a próxima Unidade). Por conveniéncia e exigência do mercado internacional, nos pri-
E para lucrar, lucrar o máximo que se pudesse, seringalistas e fi- meiros anos da República Velha (1889-910), o Brasil conheceu o "ci-
nanciadores imediatos (Casas Aviadoras) foram construindo, na prática elo" da borracha, e as Casas Aviadoras, antes concentradas só em Se-
do financiamento e comercialização da produção, um verdadeiro siste- lém, chegaram a Manaus onde, por decreto governamental, o produto
ma que só poderia contribuir parA a reprodução do capital e sustenta- passou a ser beneficiado. Em negócio rentável não se perde tempo:
5E3 agentes foram enviados ao Nordeste para efetuar o aliciamento de pes-
59
soas, braços necessários ao aumento da produção de borracha. Enorme
propaganda foi desencadeada exortando-os sobre as possibilidades de
enriquecimento rápido; e como lá, naquela região, o excedente de mão-
~
-de-obra era grande, à época, difícil não foi o recrutamento. Por essa
ocasião, investindo nos seringais, as CasasAviadoras já possu(am frotas
próprias encomendadas nos estaleiros europeus.
Disseminaram-se tão rapidamente, através da comercialização de

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produtos gum(feros, que, por volta de 1906, encontravam-se instaladas, '"
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SÓ na capital do Estado do Amazonas, as seguintes Casas Aviadoras: I-
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B. Anttunes & Cia., Montenegro & Cia., J.G. de Araújo, MeIo & Cia., - W~ ::>
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Freitas Ferreira & Cia., B. Levi & Cia., J.C. & Hermanos, Tavares Gomes z '"
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& Cia., Gomes BcPereira,A.C. de Araújo, M. Vicente Carioca, Antônio N .. '"
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Cruz &Cia., S. Garcia &Cia., Armindo R. da Fonseca, Carvalho &Barros, -' "
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Caetano Monteiro, Fernandes & Cia., Gaspar Almeida & Cia., Luís de < I- '"
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Mendonça & Cia., João Martins & Cia., Neves Castro & Cia., João Alves < " '"
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de Freitas, Ribas & Cia., J.C. dei Arguila. Outras surgiram nos ano~ sub-
seqüentes, cujos nomes seria por demais extenso citar. Entretanto, não <
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se pode esquecer da Braga Sobrinho & Cia., que por muito tempo mo- I/)
nopolizou os seringais do Rio Acre e, ainda, Elias José Nunes da Silva -
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(Visconde de Santo Elias), por ter sido um dos pioneiros do ramo. Foi <
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ele o financiador dos primeiros seringalistas do Acre. o:
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O AVIAMENTO consistia no fornecimento de mercadorias (bens 111 ,;
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materiais de uso, consumo e instrumento de trabalho) - d iversificadas "
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em quantidade e qualidade - das CasasAviadoras para os seringais que, -
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por sua vez, tinham 100 por cento do custo da produção garantidos e, o ~
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ao mesmo tempo, comprometidos, porque o pagamento da mercadoria .< o
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importada era feito mediante entrega de toda a produção alcançada no z w

decorrer do ano. O pedido do seringal era feito de modo que suprisse as <
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necessidades de abastecimento no período do "corte" da seringueira )(
(maio a outubro), como também suficiente tinha que ser a produção de 111

borracha para pagar o adiantamento da mercadoria. O seringalista geral-


mente não comprava a dinheiro, portanto é cab(vel, aqui, o termo
adiantamento.
Se para os seringais vinham produtos de todo tipo, desde a agulha,
a munição, a farinha de mandioca, o arroz, o medicamento, o sal, o fei-
jão, a pimenta do reino, o enlatado, o charuto, a arma, a bebida, o teci-
do, o perfume e até calçado de origem estrangeira, tudo com fartura, os
seringalistas corriam o risco de não poder pagá-Ios, caso a produção fos-
se inferior ao valor do débito. Ocorrendo tal fato, evidentemente, o jei-
to era iniciar o "fabrico" do próximo ano devendo à Casa Aviadora,
60 ~ 61
isto é, abrir nova conta em cima do resto da anterior. Essas mercadorias lados a "descobrirem" e a organizarem seringais de real importância
chegavam por preços bastante altos, mesmo que as Casas Aviadoras dis- produtiva, os seringalistas.
pusessem de gaiolas (pequenos navios a vapor adaptados aos rios da re- Vale observar que os aviadores (proprietários das Casas Aviadoras)
gião) que faziam a entrega direta nos "portos" dos seringais, para, de- impunham certos critérios que pudessem orientá-Ios quanto ao custo do
pois, retornar às suas origens em rvlanaus e Belém, carregados de borra- aviamento. Até a situação geográfica do seringal influ ía na avaliação.
cha, peles de animais e castanha. De posse desses produtos, as Casas
Aviadoras os remetiam para os grandes centros industriais, notadamente
Inglaterra e Estados Unidos. 3. Mais um elo do sistema: o "aviamento interno"

"O custo de um aviamento variava de acordo com a importância


CAPITAL INDUSTRIAL- do seringale a respectiva situação geográfica. Essaimportânciaera ava-
FINANCEI RO liada pela produção que apresentava, o que significava maior ou menor
número de estradas, de "madeiras" e de pessoal na extração. A situação
geográfica tinha importância pela facilidade ou dificuldade de acesso ao
~ i seringal. Nos baixos e médios rios não havia problemas a vencer. Nos
altos rios ou nos rios encachoeirados, a situação era diversa, porque, nas
épocas de vazante para os primeiros, ou no contornar ou vencer os tre-
chos encachoeirados para os segundos, a navegação se processava em
I CASAS AVIADDRAS ]
meio a perigos e dificuldades ponderáveis. Os navios de maior calado fi-
+ t cavam impedidos de atingir os seringais. Tudo encarecia, em conseqüên-
cia." (Arthur César Ferreira Reis. O Seringal e o Seringueiro, S!.86.)
O abastecimento, isto é, o aviamento de seringais de menor porte
- aqueles que possuíam menor número de estradas e reduzida mão-de-
I SERINGALISTAS
-obra - chegou a ser realizado através de Casas Comerciais locais. Essas
I

. t Casas Comerciais exerciam monopólio sobre a produção dos seringais


os quais aviavam ou arrendavam, pois o arrendamento já se constitu ía
numa prática muito conhecida e eficaz.
I SERINGUEIRDS I
O aviamento interno se sobrepôs ao aviamento pioneiro de Belém
e Manaus, na medida em que as mercadorias eram adquiridas e traz idas
pelas próprias Casas Comerciais locais que não mais dependiam das anti-
gas Casas Aviadoras Paraenses e Amazonenses.
Como você pode observar no esquema acima, o sistema caracteri- O exemplo mais clássico a esse respeito foi "A Limitada", forte
za-se por um encadeamento de dependência. No extremo superior pode- Casa Comercial que mantinha o controle da produção dos seringais do
se observar o capital industrial-financeiro internacional que, desde Alto Acre, indu indo os do rio Xapu ri e alguns encravados em solo boi i-
1902, já se achava representado em Manaus por uma agência do London viano. liA Limitada", sediada em Xapuri, onde ainda hoje estão em pé
and Brazilian Bank e por importantes Casas Comerciais correspondentes su~~ ruínas, tinha navio próprio, o Envira, além de lanchões, o que per-
de matrizes internacionais, como a Dusendschon &Cia. No extremo in- mitia a segura distribuição de mercadorias e o envio de borracha, casta-
ferior encontra-se o produtor direto, a força de trabalho base do siste- nha, peles, etc., para as Casas exportadoras de Belém e Manaus.
ma. Como intermediários, havia, de um lado, as Casas Aviadoras, algu-
mas das quais representantes de Bancos estrangeiros e, de outro, estimu-
62 63
LEITURA COMPLEMENTAR LEITURA COMPLEMENTAR

BALANÇO DO CICLO DA BORRACHA BREVE HISTORIA DO ESCAMBO E DO AVIAMENTO

Um balanço desse perlodo permite captar quatro características Até meados do século XVIII não se usava moeda metálica no Pará;
que ainda hoje marcam a região. serviam de dinheiro os novelos de algodão e os produtos da terra. So-
A primeira caracterlstica é o chamado "sistema de aviamen to ", mente em 1749 entrou em circulação a moeda sem caráter de mercado-
que se desenvolveu na Amazônia. A atividade econômica extrativo-pre- ria, na importância total de apenas 55 contos de réis. O povo a recusava,
datória no interior das matas; a distância entre as seringueiras, o que
exigia longas caminhadas; as condições impostas pelo proprietário, não sendo o governo levado a cominar açoite e degredo para quem a rejeitas-
permitindo roçado (geralmente, mandioca); a necessidade de mão-de- se. Um século mais tarde o uso do dinheiro se havia difundido deveras,
-obra para aumentar a produção; o pagamento obrigatório dos trabalha- mas a exist&ncia do trabalho escravo, sem salário, e o isolamento da po-
dores aos patrões do custo da viagem do nordeste à Amazônia, dos ins- pulação livre no interior determinavam ainda uma fraca participação da
moeda nas trocas.
trumentos de trabalho, das provisões, enfim, o regime de trabalho e o
padrão de vida dos seringueiros baseavam-se no endividamento prévio e Desde os tempos da Colônia, porém, um regime de crédito infor-
posterior, isto é, no endividamento reiterado, o que colocou o trabalha- mal vinha se esboçando. Naquela époc,(J,o negociante sediado em Belém
dor nas mãos do proprietário comerciante. Por sua vez, este dependia supria de mantimentos a empresa coletora das "drogas do sertão", para
dos fornecimentos e da compra das bolas de borracha feitas por um co- receber em pagamento, ao fim da expedição, o produto físico recolhi-
merciante maior. Formava-se, assim, uma cadeia que atingia as grandes do. Essa modalidade de financiamento ficou conhecida com o nome de
casas exportadoras de Manaus e Belém. Este esquema de funcionamento aviamento, uma espécie de crédito sem dinheiro. Ela será o embrião de
da economia é que se denomina aviamento. Em outras palavras, o forne- um grande mecanismo que pôs a funcionar toda a economia amazônica
cimento de mercadorias (instrumentos de trabalho e bens de consumo)
a crédito e o bombeamento da borracha para Manaus mas, principal- da fase da borracha e que persiste ainda em nossos dias, se bem que mo-
dificado e com importância atenuada.
mente, para Belém, e dal para o mercado internacional, geraram uma re-
de complexa e extensa de canais através dos quais respirava a economia.
Tão logo a borracha se mostrou um empreendimento rendoso, capitais (Roberto Santos. História Econômica da Amazônia: 1800 - 1920. São
estrangeiros surgiram na boca do cofre, i.e., instalaram-se nas duas Capi- Paulo, T.A. Queiroz, 1980. p. 156.)
tais. A Amazônia participou da intermediação comercial e financeira ex-
terna, o que reiterou, durante o ciclo, a vocação extrativa predatória de
uma camada de seringalistas comerciantes, cujos ganhos se esvaneceram
num consumo conspícuo e improdutivo. A dinâmica dessa economia,
em terras amazônicas, se operava pelo aviamento, mecanismo cuja im-
portância ultrapassou o ciclo e; ainda hoje, pesa bastante no conjunto
da economia.
(Fernando H. Cardo5o e G. Muller. Amazônia: Expansão do Capitalis-
mo. São Paulo, Brasiliense, 1977. pp. 31-32.)
64 65
LEITURA COMPLEMENTAR EXERcrCIO

A ORGANIZAÇÃO EM CADEIA: UMA DESCRiÇÃO 01 - Vimos nesta Terceira Unidade que:


A existência de um meio natural de produção, a razoável quanti-
As já citadas condições da geografia regional - sobretudo o diffcil dade de trabalhadores (seringueiros dedicados exclusivamente à
acesso ao sertão produtor - levariam o sistema de aviamento a organi- extração do látex e fabrico das pélas gum(feras) e o capital cons-
zar-se em forma de cadeia vertical (...). Aviar, na Amazônia, significava tituem os três fatores básicos necessários à produção de borracha
fornecer mercadorias a crédito. O "aviador" de n/vel mais baixo forne- em larga escala, visando atender à demanda internacional.
cia ao extrator certa quantidade de bens de consumo e alguns instru- a) Identifique qual a finalidade deste empreendimento.
mentos de trabalho, eventualmente pequena quantidade de dinheiro. b) Caracterize as condições de trabalho do seringueiro, com rela-
Em pagamento, recebia a produção extrativa. Os preços dos bens eram ção ao trecho acima.
fixados pelo "aviador", o qual acrescentava ao valor das utilidades for-
necidas juros normais e mais uma margem apreciável de ganho, a tftulo 02 - Faça, por escrito, um breve relato de como surgiu o aviamento e
do que se poderia chamar ''iuros extras". Esse "aviador", por seu turno, sua conseqüente evolução.
era "aviado" por outro e também pagava "juros extras" apreciavelmen-
te altos. No cume da cadeia estavam as firmas exportadoras, principais 03 - "Em negócio rentável não se perde tempo". Interprete esta afir-
beneficiárias do regime de concentração de renda por via do engenhoso mação dentro do contexto estudado por você nesta Unidade.
mecanismo dos ''iuros extras" e do rebaixamento do preço local da bor-
racha. A cadeia era simplificada quando o seringalista se tornava um 04 - Como você pôde perceber, através da leitura e estudo desta Uni-
empresário de certa envergadura. Neste caso, ele próprio se constitu/a dade, foram várias as Casas Aviadoras que operaram no Acre. Efe-
um "aviador" de primeira linha, ligando-se diretamente, por um lado, tue pesquisas junto às bibliotecas, arquivos e pessoas e reúna mais
às casas "aviadoras" de Belém e Manaus e, por outro, ao seringueiro ex- informações sobre as mesmas.
trator, seu "aviado" ou "freguês".
05 - Caracterize o funcionamento do sistema de Aviamento nomean-
(Roberto Santos, in História Econômica da Amazônia: 1800 - 1920. do os componentes que o constituem.
São Paulo. pp. 159-160.)
06 - O texto faz referência a Aviamento pioneiro e Aviamento inter-
no. Estabeleça as diferenças básicas entre os mesmos.

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