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CEARÁ 19.04.2009 O POVO ECONOMIA Análise Econômica 29

http://www.opovo.com.br/opovo/economia/871251.html

Crise econômica, confiança e capital institucional


Raimundo Porto Filho
A crise que assola a economia mundial, ceifando empregos, queimando poupança
e destruindo empresas e reputações antes tidas como inabaláveis, tem ensejado
reflexões sobre soluções e causas. Deflagrada pelas hipotecas subprime e outros
ativos “tóxicos”, nos EUA, emergiu como crise de liquidez, transformando-se em
crise econômica, e lançando a humanidade em um período de recessão e
incertezas. Nesse contexto, tem sido recorrente nos discursos de autoridades,
economistas, acadêmicos e líderes empresariais renomados, afirmações como:
“vivemos uma crise de confiança”, ou “a crise só se resolverá quando for
restabelecida a confiança no sistema financeiro mundial”. Junto com os trilhões
de dólares alocados pelos tesouros de países ao redor do mundo para sanear os
ativos “tóxicos”, evitar a falência de bancos e indústrias, e para financiar ações
fiscais anticíclicas, são propostas ações para mudar a regulação no mercado
financeiro mundial, em especial para aumentar o controle sobre as operações
com derivativos e outros instrumentos financeiros, eleitos como “bodes
expiatórios” criados pelos vilões de “pele branca e olhos azuis”. Mas, isso será
suficiente para solucionar todos os problemas, restabelecendo a confiança,
removendo a incerteza e lançando e economia em um novo ciclo virtuoso de
prosperidade? Ou, sendo mais direto, os trilhões de dólares e as novas
instituições e regulamentações conseguirão recuperar algo que o dinheiro não
compra e que não se cria por decreto: a confiança?

Para que as soluções sejam sustentáveis, não basta atacar os efeitos. É forçoso
refletir sobre as causas que têm contribuído para abalar a confiança, não apenas
no sistema financeiro mundial, mas nas instituições políticas, econômicas e
sociais que moldam a vida na Terra. É provável que essa reflexão nos faça
constatar que o cerne da questão está nos valores e princípios subjacentes nas
nossas atitudes e nas atividades das organizações e instituições das quais
participamos. Dee Hock, fundador e CEO emérito da VISA, em seu livro “O
Nascimento da Era Caórdica”, no qual aborda conceitos relacionados à visão
complexa de mundo, afirma: “estamos num ponto do tempo em que uma era de
quatrocentos anos está morrendo e outra está lutando para nascer - uma
mudança de cultura, ciência, sociedade e instituições muito maior do que

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qualquer outra que o mundo já tenha experimentado”. E conclui que, nesse
contexto, as crises são inexoráveis, porque inerentes a processos de quebra de
paradigmas como o que vivenciamos.

Mas, ao mesmo tempo em que me alinho com o pensamento de Dee Hock, quero
abordar aspectos da confiança mais diretamente relacionados ao nosso cotidiano
e ao mundo corporativo e econômico.

Entendemos o significado e a importância da confiança em nossas vidas. Mas, a


temos como um fato da vida e não paramos para refletir que sem ela as relações
humanas e a própria vida seriam impossíveis, ou muito difíceis. Associada à fé e
à esperança, ela nos dá o conforto e a motivação para agir, trabalhar,
empreender, viver...

A confiança é semeada no berço, com o afeto, a segurança e o provimento


recebidos dos nossos pais, e viceja na medida em que recebemos das pessoas e
do mundo o que deles esperamos. Ao contrário, se esvai ou se quebra junto com
as promessas não cumpridas e as expectativas frustradas.

Na linguagem direta do mundo dos negócios, a confiança se estabelece e se


fortalece quando cumprimos o que prometemos e entregamos o que vendemos.
Profissionais, empresas e instituições confiáveis são os que assim agem de modo
continuado e em quaisquer circunstâncias.

Como fica então a confiança quando políticos prometem e não cumprem e


profissionais e organizações não entregam o que vendem? Governantes e
políticos que posam de democratas e prometem atender aos interesses do povo e
agem movidos por interesses próprios, por vezes subalternos. Organizações e
empresas que prometem governança corporativa e decidem de modo
discricionário. Dizem possuir modelos de negócio sustentáveis e fazem negócios
por conveniência, movidas pelo imediatismo. Divulgam valores e princípios com
base na ética, os quais negam na pratica cotidiana. Apregoam a responsabilidade
social, mas se recusam a cumprir obrigações básicas, como pagar os tributos
devidos. Afirmam trabalhar para criar valor para seus acionistas, mas pagam
bônus milionários a executivos imprudentes, ou pior.

Sabemos que somos movidos por interesses e que sobreviver é difícil, como bem
demonstra a pergunta da personagem Alma Boa em A Peça, de Bertolt Brecht:
“como eu posso ser bom se tenho que pagar o aluguel”?

Pode parecer maniqueísmo, mas será que nossa tolerância contumaz com
aqueles que, justificados por interesses legitimados socialmente e pela
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necessidade de sobreviver, “vendem, mas não entregam”, não estaria nos
conduzindo a um sistema hipócrita que erode a confiança ao ponto de
comprometer o próprio funcionamento do sistema?

Uma abordagem moderna avalia a riqueza de uma sociedade contemplando sete


dimensões: os capitais natural, físico, financeiro, humano, intelectual, cultural e
institucional. Essa última é constituída pelo conjunto de instituições e regras
que, aceitas pelos indivíduos que compõem essa sociedade, possibilitam que a
mesma funcione dentro de padrões aceitáveis de eficiência e paz. As instituições
políticas e todos os mercados - de bens, serviços, financeiro e de capitais -
constituem capital institucional de qualquer sociedade e, por consequência, da
humanidade. Muitos agentes que deveriam preservar esse capital, com suas
ações imediatistas e egoístas, solapam a confiança, requisito “sine qua non”
para o crescimento do capital institucional.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras instituições estimam que a atual


crise econômica destruiu ativos financeiros equivalentes a cinquenta trilhões de
dólares. Atrevo-me a afirmar que a perda de capital institucional, com a quebra
da confiança, embora de mensuração impossível, é infinitamente maior e de
difícil e demorada recuperação.

Assim caminha e aprende a humanidade. A todos nós, cabe refletir sobre a nossa
parcela de responsabilidade na solução dessa crise, o que impõe reavaliar nossos
valores e nossas atitudes, como consumidores, cidadãos, profissionais e líderes.

Raimundo Porto Filho é sócio-diretor da BFA e presidente da APIMEC Nordeste

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