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Curso: FILOSOFIA

Disciplina: Teoria do Conhecimento


Código da Disciplina: Carga Horária: 72 h/a – 16 Extra-classe
Prof: JOSÉ MARCOS MÍNÉ VANZELLA Curso: FILOSOFIA
Período: Ano Letivo: 2009

OBJETIVO GERAL DO CURSO.

Formar a pessoa humana, cidadã, profissional, docente de Filosofia, que desenvolva uma atitude reflexiva sobre
o sentido da própria existência, sua identidade e sua relação com Deus, com a sociedade e com o mundo. Essa
atitude deve ser entendida como possibilidade de esclarecimento de pressupostos e de engajamento, na busca e
posse de uma plena estatura humana, que envolve o cultivo da vida do espírito, do conhecimento, da cultura, da
educação, da ética e do convívio social, na história.

Eixo da Disciplina: Estrutura e Organização do Pensamento Humano

Objetivo: Propor um caminho de construção, elaboração e organização do pensamento humano de modo a


permitir o entendimento dos mecanismos que configuram e dão sentido ao seu próprio existir e sua relação com
a sociedade.

EMENTA:

O conhecimento e sua presença na história da filosofia, os paradigmas: ontológico; subjetivo,


fenomenológico hermenêutico e da linguagem. As questões fundamentais do conhecimento: a
percepção; a memória; a imaginação e a linguagem. O problema crítico como problema central da
Filosofia Moderna. Empirismo, Racionalismo e Criticismo. A experiência, os conceitos, as categorias,
os universais. A crise da crítica do conhecimento. Teorias da verdade e reflexão.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DA DISCIPLINA

1. Objetivos conceituais da disciplina - Compreensão crítica do problema do


conhecimento ligado aos fundamentos últimos conforme o desenvolvimento dos
grandes paradigmas da filosofia ocidental. Proporcionar condições para que o aluno:
conheça e compreenda as transformações da questão do conhecimento nos
paradigmas da filosofia; a centralidade do problema do conhecimento no
pensamento moderno; a importância da orientação para a verdade e seu
sentido nos vários paradigmas filosóficos, especialmente o atual e sua
articulação com o sentido e o “mundo da vida”;
2. Objetivos procedimentais da disciplina - Proporcionar condições para que o aluno,
pratique a aprendizagem cooperativa; compreenda os principais procedimentos
ligados à questão do conhecimento; adquira a capacidade de refletir, questionar e
aplicar os métodos paradigmáticos da investigação filosófica do conhecimento.

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3. (Objetivos atitudinais da disciplina). Proporcionar condições para que o aluno
pratique os princípios da aprendizagem cooperativa; relacione o exercício da crítica do
conhecimento a promoção integral da cidadania e o respeito à pessoa, dentro da
tradição de defesa dos direitos humanos ; desenvolva uma atitude crítica e autocrítica
que lhe permita compreender e conviver, por um lado com os limites de sua
investigação na busca da verdade, por outro lado com a pluralidade das perspectivas
investigativas paradigmáticas do conhecimento.

Competências e habilidades a serem desenvolvidas na sua disciplina.

1. Capacidade para um modo especificamente filosófico de formular e propor soluções a


problemas, nos diversos campos do conhecimento;
2. Capacidade de compreensão dos principais temas, problemas e sistemas filosóficos que
foram construídos ao longo da tradição filosófica.
3. Capacidade de dialogar com uma sociedade plural em toda a sua complexidade e nela se
posicionar com autenticidade, abertura e criticidade.
4. Capacidade para análise, interpretação e comentário de textos teóricos, segundo os mais
rigorosos procedimentos de técnica hermenêutica;
5. Capacidade de relacionar o exercício da crítica do conhecimento com a promoção integral da
cidadania e com o respeito à pessoa, dentro da tradição de defesa dos direitos humanos;
6. Capacidade de integrar, em síntese pessoal, fé e razão;

PERFIL DO EGRESSO EM FILOSOFIA

A partir dos objetivos desenvolvidos ao longo do curso e norteadores desta sociedade contemporânea, espera-se
do egresso uma sólida e profunda formação filosófica e pedagógica a qual fundamenta o respeito à pessoa.
Pautado em princípios éticos que o tornem capaz de dialogar com as diferenças e de agir como cidadão
autônomo-crítico de forma consistente na transformação do ambiente em que vive e atua o egresso, portanto,
precisa ser um profissional da educação, atento à pesquisa, à reflexão e à ação didática renovadora.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:
DATA CONTEÚDO DA DISCIPLINA ATIVIDADES A SEREM
(*) DESENVOLVIDAS

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02/02 Apresentação do Plano de Curso Aula expositiva dialogada
04/02 Razão religião e interculturalidade Discussão de texto. Atividade
Fevereiro extra-classe 1
09/02 O CONHECIMENTO Seminário – Atividade extra-
1. A preocupação com o conhecimento classe 2
nos antigos e modernos.
Total de 2. A percepção
aulas:14 11/02 3. A memória Seminário
4. A imaginação
5. A linguagem
16/02 6. O pensamento Seminário
7. O que se pode conhecer?
18/02 PARADIGMA ONTOLÓGICO Aula expositiva dialogada
A doutrina das idéias de Platão
Aristóteles uma filosofia a partir da
observação
02/03 PARADIGMA DA SUBJETIVIDADE Aula expositiva dialogada
Março 1. Descartes: O discurso do Metodo

04/03 2. David Hume: Investigação acerca do Seminário Atividade extra-classe


Total de entendimento humano Seções II, III. 3
aulas: 12 09/03 Investigação acerca do entendimento humano Seminário
Seções VII e XII .
11/03 David Hume: a filosofia do empirismo Confronto de textos
16/03 “Crítica da Razão Pura” Aula expositiva dialogada
Prefácio. Atividade extra-classe 4
18/03 Introdução Aula expositiva dialogada
23/03 Estética Transcendental (Tempo) Aula expositiva dialogada
25/03 Estética Transcendental (Espaço) Aula expositiva dialogada
30/03 Lógica transcendental. Aula expositiva dialogada
Abril 01/04 Revisão
06/04 Prova
08/04 Kant: a filosofia como limite Confronto de textos
13/04 O PROCESSO DO CONHECIMENTO Aula expositiva dialogada
Total de 1. Qual o papel da experiência
aulas: 16 2. Como se formam e a características dos
conceitos?

15/04
20/04 3. As categorias Aula expositiva dialogada
4. Conceito e juízo
5. A discussão dos universais
22/04 PARADIGMA DA CRÍTICA LINGÜÍSTICA Aula expositiva dialogada
27/04 PARADIGMA DA FENOMENOLOGIA Aula expositiva dialogada
29/04

3
Maio 04/05
06/05 Semana Cultural
11/05 PARADIGMA DA HERMENÊUTICA Aula expositiva dialogada
13/05 A Crise da Crítica do Conhecimento Seminário: Atividade extra-
Total de classe 5
aulas: 16 18/05 Positivismo, Pragmatismo e Historicismo Seminário
20/05 A crítica como unidade de conhecimento Seminário
e interesse.
25/05 Verdade e Justificação Seminário
27/05 Verdade e Justificação Seminário
Junho 01/06 VERDADE E TEORIAS DA VERDADE Confronto de Texto
1. Teoria da correspondência
2. Teoria da coerência
3. Teoria do consenso
4. Teoria pragmática
03/06 O CONHECIMENTO DO DONHECIMENTO. Aula expositiva dialogada
As segueiras do conhecimento Entrega de Artigo científico
08/06 Os principios do conhecimento pertinente Aula expositiva dialogada
10/06 (Avaliação)
15/06 Revisão
17/06 Avaliação
22/06 Reunião do colegiado
Total de 24/06 Atividade de extensão
aulas: 16
Total: 74 30/06

ATIVIDADE EXTRACLASSE 1

Atividade: Razão religião e interculturalidade.


Síntese em tópicos dos pontos centrais do texto e comentário crítico.
Objetivo: Introduzir o sentido da questão acerca do conhecimento e preparar discussão sobre o
texto em sala de aula.
Competências e Habilidades:

Capacidade de integrar, em síntese pessoal, fé e razão

Capacidade de dialogar com uma sociedade plural em toda a sua complexidade e nela se
posicionar com autenticidade, abertura e criticidade.

Capacidade para análise, interpretação e comentário de textos teóricos, segundo os mais


rigorosos procedimentos de técnica hermenêutica

Capacidade de relacionar o exercício da crítica do conhecimento com a promoção integral


4
da cidadania e com o respeito à pessoa, dentro da tradição de defesa dos direitos humanos;

Previsão de Aplicação: 04/02.


Critério de avaliação: Trabalho escrito mais participação.
Carga horária prevista: 2horas.

ATIVIDADE EXTRACLASSE 2

Atividade: O CONHECIMENTO: Leitura de texto e preparação do seminário.

Objetivo: Introduzir a questão do conhecimento e preparar seminário sobre o texto.


Competências e Habilidades:

Capacidade para o trabalho em grupo.

Capacidade de dialogar com uma sociedade plural em toda a sua complexidade e nela se
posicionar com autenticidade, abertura e criticidade.

Capacidade para análise, interpretação e comentário de textos teóricos, segundo os mais


rigorosos procedimentos de técnica hermenêutica

Capacidade de relacionar o exercício da crítica do conhecimento com a promoção integral da


cidadania e com o respeito à pessoa, dentro da tradição de defesa dos direitos humanos;

Previsão de Aplicação: 09/02 – 16/02.


Critério de avaliação: Trabalho escrito mais apresentação do seminário.
Carga horária prevista: 2horas.

ATIVIDADE EXTRACLASSE 3

Atividade: Investigação acerca do entendimento humano: Leitura sistemática de texto e preparação do


seminário.

Objetivo: Preparar seminário sobre o texto e compreender, a partir de Hume, a crítica do


conhecimento e a necessidade da investigação rigorosa. Preparar confronto com o texto de Zilles.

Competências e Habilidades:

Capacidade para o trabalho em grupo.

5
Capacidade de dialogar com uma sociedade plural em toda a sua complexidade e nela se
posicionar com autenticidade, abertura e criticidade.

Capacidade para análise, interpretação e comentário de textos teóricos, segundo os mais


rigorosos procedimentos de técnica hermenêutica

Previsão de Aplicação:04/03 – 09/03.


Critério de avaliação: Trabalho escrito mais apresentação do seminário.
Carga horária prevista: 4horas.

ATIVIDADE EXTRACLASSE 4

Atividade: Crítica da Razão Pura. Leitura e Síntese do texto e artigo de crítica a leitura de Zilles.

Objetivo:.Preparar confronto com o texto de Zilles. Compreender o sentido da crítica transcendental


do conhecimento. Compreender sua importância para a relação dialógica entre razão e fé. Exercitar
a crítica filosófica.

Competências e Habilidades:

Capacidade de integrar criticamente em síntese pessoal fé e razão

Capacidade de dialogar com uma sociedade plural em toda a sua complexidade e nela se
posicionar com autenticidade, abertura e criticidade.

Capacidade para análise, interpretação e comentário de textos teóricos, segundo os mais


rigorosos procedimentos de técnica hermenêutica

Previsão de Aplicação:14/03 – 08/04


Critério de avaliação: Trabalho escrito mais apresentação do seminário.
Carga horária prevista: 4horas.

ATIVIDADE EXTRACLASSE 5

Atividade: Artigo Científico - Atividade interdisciplinar – A questão da justiça, do conhecimento e da


ética na Filosofia Moderna.
Objetivo:.Escrever a parte do artigo científico que aborda a questão do conhecimento no
pensamento moderno
Competências e Habilidades:

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Capacidade de dialogar com uma sociedade plural em toda a sua complexidade e nela se
posicionar com autenticidade, abertura e criticidade.

Capacidade de pensar desenvolver sistematicamente o raciocínio, formular e propor de um


modo filosófico, soluções a problemas.

Capacidade para leitura, análise, interpretação e comentário de textos teóricos, clássicos da


filosofia moderna segundo os mais rigorosos procedimentos de técnica hermenêutica.

Capacidade de relacionar o exercício da crítica do conhecimento com a promoção integral da


cidadania e com o respeito à pessoa, dentro da tradição de defesa dos direitos humanos;

Previsão de Aplicação: 03/06


Critério de avaliação: Trabalho escrito mais apresentação do seminário.
Carga horária prevista: 4horas.

METODOLOGIAS DE ENSINO UTILIZADAS

Aula expositiva dialogada/participativa; leitura sistemática; resumo; trabalhos práticos; trabalho em


grupo; Seminários.

RECURSOS INSTRUCIONAIS:

Quadro, giz, retroprojetor, data show, vídeo, internet,laboratório de informática, biblioteca.

SISTEMA DE AVALIAÇÃO
Aprendizagem cooperativa, aulas expositivas, trabalhos de pesquisa, leitura sistemática de textos,
seminários, debates, produção de “papers” e artigos.

OBSERVAÇÕES :
(*) As datas previstas podem sofrer alterações de acordo com o desenvolvimento e o perfil da
turma.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

1. CHAUÍ, Marilena. Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 2005

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2. HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação ensaios filosóficos. Trad. Milton Camargo Mota. São
Paulo: Loyola. 2004.

3. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique
Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian. Sd.

4. ZILLES, Urbano Teoria do conhecimento e teoria da ciência. São Paulo: Paulus, 2005

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

1. HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e interesse. Trad. José N. Heck. Rio de Janeiro: Zahar 1982

2. HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. Trad. Anoar Aiex. São Paulo: Nova
Cultural 2004.

3. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora F. da silva e
Jeane Sawaya. São Paulo: Cortez, 2000.

4. KIRKHAN, Richard L. Teorias da Verdade. Trad. Alessandro Zir. São Leopoldo: UNISINOS 2003

5. LOCKE, John Ensaio sobre o entendimento Humano. Trad. Anoar Aiex. São Paulo Nova Cultural 1988.

Periódicos:
Crítica – USP – São Paulo
Éthica – UGF - Rio de Janeiro
Kritérion – UFMG – Belo Horizonte
Síntese Nova Fase - Belo Horizonte

ASSINATURA DO PROFESSOR: _____________________________________

ASS. DO COORD. DE CURSO: _____________________________________

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Folha de São Paulo – Caderno Mais - 24 de abril de 2005
O cisma do século 21
REUNIDOS NA ACADEMIA CATÓLICA DA BAVIERA, EM MUNIQUE, E SOB O IMPACTO DA
GUERRA DO IRAQUE, O PENSADOR JÜRGEN HABERMAS E O CARDEAL JOSEPH
RATZINGER, ATUAL PAPA BENTO 16, ANALISAM A NOVA ORDEM POLÍTICA E CULTURAL DO
OCIDENTE

DA REDAÇÃO

Em 19 de janeiro de 2004, um inusitado debate reuniu, de um lado, um dos pensadores mais influentes da
atualidade e, de outro, um teólogo de peso, que, pouco mais de um ano depois, se tornaria o sucessor de João
Paulo 2º.
O encontro do filósofo Jürgen Habermas e do cardeal Joseph Ratzinger, atual papa Bento 16, ocorreu na
Academia Católica da Baviera, em Munique, no qual se discutiram "as bases pré-políticas e morais do Estado
democrático".
Saudado como o confronto entre o filósofo da "iluminação" e o cardeal do dogmatismo, a discussão também
tratou de temas como a complementaridade e a oposição entre razão e fé, a crítica ao capitalismo globalizado, a
necessidade de uma base moral nas sociedades pluralistas e midiáticas. Ratzinger, especialmente, tratou da
interculturalidade, prenunciando uma das possíveis linhas de atuação de seu papado.
Numa época em que a invasão do Iraque pelos EUA estava no centro das discussões, ambos debruçaram-se
sobre a necessidade de o poder ser submetido a um direito comum.
O debate (de que a Folha reproduz trechos a seguir) tem um formato pouco usual, em que Habermas, herdeiro
da Escola de Frankfurt (que reuniu nomes como Adorno e Horkheimer) tece suas considerações sobre os temas
acima, enquanto Ratzinger, por sua vez, comenta e faz reparos às observações do filósofo.

"Os secularizados não devem negar potencial de verdade a visões de


mundo religiosas"
por Jürgen Habermas

O tema proposto para nossa discussão evoca uma pergunta que o historiador Ernst Wolfgang Böckenförde
apresentou nos anos 60 por meio da seguinte fórmula concisa: o Estado liberal e secularizado consome
pressupostos normativos que ele mesmo não pode garantir?
Nisso se expressa a incerteza de que o Estado constitucional democrático possa renovar os pressupostos da sua
existência a partir de seus próprios recursos, assim como a suspeita de que ele está voltado para tradições
autóctones quanto a concepções de mundo ou religiosas, em todo caso, de modo coletivamente obrigatório,
éticas. Isso colocaria o Estado, obrigado a uma neutralidade quanto a concepções de mundo, em dificuldade em
vista do "fato do pluralismo". Entretanto somente essa inferência não fala contra a própria suposição.

O peso das conseqüências da

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tolerância, como mostram as regras
de aborto, não se divide
simetricamente entre crentes e não-
crentes

Em primeiro lugar, gostaria de especificar o problema de acordo com dois pontos de vista. Sob o ponto de vista
cognitivo, a dúvida relaciona-se à questão se um domínio político, após uma total positivação do direito, ainda é
acessível a uma justificação secular quer dizer, não religiosa ou pós-metafísica (1).
Ainda que se conceda uma tal legitimação, subsiste, quanto ao ponto de vista motivacional, a dúvida se uma
coletividade pluralista quanto a concepções de mundo pode ser estabilizada de um modo normativo, portanto
para além de um simples modus vivendi, pela subordinação a um entendimento de fundo, na melhor das
hipóteses formal, limitado a procedimentos e princípios (2).
Mesmo que se possa desmanchar tal dúvida, permanece o fato de que ordenamentos liberais se encontram
direcionados para a solidariedade de seus cidadãos, e suas fontes poderiam, em conseqüência de uma
secularização "descarrilada", fracassar completamente. Esse diagnóstico não pode ser recusado, mas não precisa
ser entendido como se os cultos entre os defensores da religião estivessem, a partir disso, criando, até certo
ponto, uma mais-valia (3).
Em vez disso, vou sugerir que se entenda a secularização cultural e social como um processo didático duplo,
que obriga as tradições do Iluminismo assim como as doutrinas religiosas a uma reflexão acerca de suas
respectivas fronteiras (4).
Em vista de sociedades pós-seculares, coloca-se a questão acerca de que atitudes cognitivas e quais expectativas
normativas o Estado liberal precisa atribuir aos seus cidadãos crentes e descrentes no convívio entre si (5).

1. O liberalismo político (que eu defendo sob a forma especial de um republicanismo kantiano) é entendido
como uma justificação não-religiosa e pós-metafísica dos fundamentos normativos do Estado constitucional
democrático.
Essa teoria encontra-se na tradição de um direito racional, que prescinde das suposições fortemente
cosmológicas ou soteriológicas das doutrinas do direito natural clássicas e religiosas.
A história da teologia cristã na Idade Média, especialmente a escolástica tardia espanhola, pertence
naturalmente à genealogia dos direitos humanos. Mas os fundamentos da legitimação da violência neutra quanto
a concepções de mundo do Estado têm sua origem, no final das contas, nas fontes profanas próprias da filosofia
dos séculos 17 e 18. Somente muito mais tarde, a teologia e a igreja dominaram as exigências espirituais do
Estado constitucional revolucionário. No século 20, a fundamentação pós-kantiana dos princípios
constitucionais liberais ocupou-se menos com os vestígios do direito natural objetivo (como da ética material de
valores) do que com formas históricas e empíricas de crítica. A tarefa central é a de esclarecer por que o
processo democrático vale como um procedimento de uma normatização legítima: enquanto ele preencher as
condições de uma formação de opiniões e vontades inclusiva e discursiva, ele fundamenta uma suposição da
aceitabilidade racional das conseqüências; e por que a democracia e os direitos do homem, no processo de
elaboração de uma Constituição, delimitam-se mutuamente a partir de uma mesma fonte: a institucionalização
jurídica do procedimento de normatização democrática exige a garantia concomitante dos direitos fundamentais
políticos e liberais.
O ponto de referência dessa estratégia de justificação é a Constituição, que os cidadãos associados dão para si
mesmos, e não a domesticação de uma violência do Estado subsistente, pois essa precisa primeiro ser gerada
nos caminhos que perfazem a entrega da Constituição democrática. Uma violência de Estado "constitutiva" (e
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não apenas domada constitucionalmente) é legítima até o seu âmago. Ao passo que o positivismo da vontade do
Estado -com raízes no período imperial- na teoria do direito de Estado alemã deixou um esconderijo para uma
substância ética "do Estado" ou "do político" livre do direito, não há, no Estado constitucional, um sujeito
dominador que se nutra de uma substância anterior ao direito.
À luz dessa herança problemática, a pergunta de Böckenförde foi entendida como se uma ordem constitucional
completamente positivada tivesse necessidade da religião ou de algum outro "poder de contenção" para a
segurança cognitiva de seus fundamentos de validade. De acordo com tal leitura, a reivindicação de validade do
direito positivo deve estar dirigida para uma fundamentação nas convicções pré-políticas e éticas de
comunidades religiosas ou nacionais, pois uma tal ordem jurídica não pode ser somente legitimada, auto-
referencialmente, a partir de procedimentos jurídicos gerados democraticamente.
Mas, contra uma compreensão do Estado constitucional baseada no direito hegeliano, a Constituição
processualista, inspirada por Kant, insiste numa fundamentação dos fundamentos constitucionais autônoma,
racionalmente aceitável para todos os cidadãos, de acordo com sua pretensão.

2. Parto do princípio de que a Constituição do Estado liberal pode financiar sua necessidade de legitimação de
modo auto-suficiente, ou seja, a partir dos efetivos cognitivos de um orçamento argumentativo independente de
tradições religiosas e metafísicas. Todavia, mesmo sob essa premissa, permanece uma dúvida quanto ao ponto
de vista motivacional. Os pressupostos de existência normativos do Estado constitucional democrático são, com
respeito ao papel dos cidadãos do Estado, que se compreendem como sujeitos do direito, mais exigentes do que
em relação ao papel dos cidadãos da sociedade, que são objetos do direito.
De quem é objeto do direito espera-se somente que, ao apreenderem suas liberdades (e reivindicações)
subjetivas, não ultrapassem as fronteiras legais.
Algo diverso do que ocorre com a obediência diante de leis de liberdade compulsórias dá-se com as motivações
e atitudes que se esperam de cidadãos do Estado no papel de co-legisladores. Estes deveriam apreender seus
direitos de comunicação e participação de forma ativa, e não somente tendo em vista seus próprios interesses,
mas de um modo que seja orientado pelo bem da comunidade. Isso exige um gasto motivacional dispendioso,
que não pode ser obrigado legalmente.
Um dever de participar das eleições seria, num Estado de Direito democrático, um corpo estranho na mesma
medida que uma solidariedade decretada. A disponibilidade de ser responsável, dado o caso, por concidadão
estranhos e que permanecem anônimos e de aceitar interesses gerais devem ser apenas esperados de cidadãos de
coletividades liberais.
Por isso as virtudes políticas, mesmo quando são apenas "cobradas" em forma de troco, são essenciais para a
existência de uma democracia. Elas pertencem à socialização nas práticas e modos de pensamento de uma
cultura política liberal. O status da cidadania, até certo ponto, está encaixado numa sociedade civil que vive de
fontes espontâneas -se se quiser, "pré-políticas".
Disso não segue que o Estado liberal seja incapaz de reproduzir seus pressupostos motivacionais a partir de seus
próprios efetivos seculares. Os motivos para uma participação dos cidadãos na formação política de opiniões e
vontades alimentam-se, por certo, de planos de vida éticos e formas de vida culturais. Práticas democráticas,
porém, desenvolvem uma dinâmica política própria.
O Estado de Direito da Constituição democrática não garante, de fato, somente liberdades negativas para os
cidadãos civis preocupados com seu próprio bem-estar; com a dispensa de liberdades comunicativas, ele
também mobiliza a participação dos cidadãos na disputa pública acerca de temas que concernem a todos
coletivamente.
Assim, por exemplo, nos debates atuais em torno da reforma do Estado de Bem-Estar Social, da política de
imigração, da Guerra do Iraque e da eliminação do serviço militar obrigatório, trata-se não somente de políticas
singulares mas sempre, também, da interpretação duvidosa dos princípios constitucionais e, implicitamente, do
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modo como nós, à luz da diversidade de nossos modos de vida culturais, do pluralismo de nossas concepções de
mundo e convicções religiosas, queremos nos compreender como cidadãos da Alemanha e como europeus.
De fato, numa retrospectiva histórica, um pano de fundo religioso comum, uma língua comum e, sobretudo, o
despertar da consciência nacional foram benéficos para o surgimento de uma solidariedade cidadã altamente
abstrata. As disposições republicanas nesse meio tempo, porém, desprenderam-se amplamente desses lastros
pré-políticos. Pensem-se nos discursos ético-políticos acerca do Holocausto e da criminalidade em massa: eles
tornaram os cidadãos alemães conscientes da Constituição como aquisição.

3. De acordo com as considerações feitas até agora, a natureza secular do Estado constitucional democrático não
apresenta nenhuma fraqueza intrínseca ao sistema político como tal. Com isso, não estão sendo colocadas de
lado causas externas.
Uma modernização descarrilada da sociedade no seu todo poderia muito bem tornar o vínculo democrático
frouxo e enfraquecer o tipo de solidariedade para o qual o Estado democrático, sem que a possa obrigar
juridicamente, está orientado. Evidências para um tal esmigalhamento da solidariedade cívica mostram-se no
contexto mais amplo de uma dinâmica politicamente descontrolada formada pela economia mundial e a
sociedade mundial.
Mercados, que não podem ser democratizados como administrações estatais, assumem, de modo crescente,
funções de comando em setores da vida que até então eram mantidos coesos de forma política ou pelas de
formas de comunicação pré-políticas. Dessa forma, não somente esferas privadas, em uma taxa crescente, são
redirecionadas para mecanismos de ação cuja orientação é o sucesso, orientação que em cada caso depende de
preferências próprias; também a esfera que é vencida pelas pressões públicas de legitimação está encolhendo.
O privatismo cívico é fortalecido pela desencorajadora perda de função de uma formação de opiniões e
vontades democrática, que por enquanto somente funciona nas arenas nacionais pela metade e por isso não
alcança mais os processos decisórios deslocados para planos supranacionais. Também a esperança, em via de
desaparecer, de um poder de configuração político da comunidade internacional estimula a tendência da
despolitização dos cidadãos. Em vista dos conflitos e das gritantes injustiças sociais de uma sociedade mundial
altamente fragmentada, cresce a decepção com cada novo insucesso no caminho (primeiramente adotado após
1945) de uma constitucionalização do direito dos povos.
Um ceticismo radical quanto à razão é, por princípio, estranho à tradição católica. Mas o catolicismo teve
dificuldade para lidar, até os anos 60 do século passado, com o pensamento secular do humanismo, do
iluminismo e do liberalismo político. Assim, hoje novamente encontra ressonância o teorema de que uma
modernidade contrita só pode ser auxiliada para fora de um beco sem saída por meio de uma orientação
religiosa dirigida para um ponto de referência transcendental.
Considero melhor a questão se uma modernidade ambivalente irá se estabilizar a partir das forças seculares de
uma razão comunicativa, que não deve ser levada ao extremo por meio de uma crítica da razão, mas que deve
ser tratada de forma não-dramática, como uma questão empírica em aberto. Com isso, não quero incluir o
fenômeno da permanência da religião em um ambiente ainda secularizado como um fato puramente social.

4. Em oposição à moderação ética de um pensamento pós-metafísico, do qual subtrai-se todo conceito


obrigatório acerca da vida boa e exemplar, nas Escrituras sagradas e nas tradições religiosas articularam-se
intuições acerca do erro e da libertação, do fim salvador de uma vida experimentada como sem solução, que,
por séculos, foram sutilmente soletradas até a exaustão e mantidas hermeneuticamente despertas. Por isso, na
vida comunitária de sociedades religiosas, contanto que elas somente evitem o dogmatismo e a coação moral,
pode permanecer algo intacto que alhures se perdeu e que, somente com o conhecimento profissional de
especialistas não pode ser restabelecido -refiro-me a possibilidades de expressão e sensibilidades
suficientemente diferenciadas para uma vida fracassada, para patologias sociais, para o malogro de projetos
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individuais de vida e para a deformação de contextos desfigurados de vida.
A interpenetração entre cristandade e metafísica grega não produziu apenas a forma espiritual da dogmática
teológica e a helenização -não em todos os aspectos- benéfica da cristandade. Também fomentou uma
apropriação de conteúdos genuinamente cristãos pela filosofia. Esse trabalho de apropriação transformou o
sentido originariamente religioso, mas não o deflacionou ou consumiu de modo que o esvaziasse.
A tradução da crença na imagem de Deus presente no homem para a dignidade igual -e a ser necessariamente
observada por todos os homens- é uma tal tradução salvadora. Ela torna acessível o conteúdo de conceitos
bíblicos para além das fronteiras de uma comunidade religiosa para o público genérico dos que não crêem ou
crêem em outra coisa. Benjamin foi um que às vezes obtinha sucesso em tais traduções.
Assim, é do próprio interesse do Estado constitucional circular de forma que mantenha contato com todas as
fontes culturais das quais se alimenta a consciência normativa e a solidariedade dos cidadãos. Essa consciência,
que se tornou conservadora, espelha-se no discurso da "sociedade pós-secular".
Com isso não se aponta apenas para o fato de que a religião se afirma num ambiente crescentemente secular e
de que a sociedade, por agora, conta com a permanência das comunidades religiosas. O termo "pós-secular"
também não confere às sociedades religiosas apenas o reconhecimento público pela contribuição funcional que
ela executa em vista da reprodução de motivos e atitudes desejáveis. Na consciência pública de uma sociedade
pós-secular, espelha-se muito mais um juízo normativo que tem conseqüências para o contato político entre
cidadãos não-crentes e crentes.

5. De um lado, a consciência religiosa foi forçada a processos de acomodação. Toda religião é, originariamente,
"imagem do mundo" ou "doutrina compreensiva", também no sentido de que reivindica a autoridade de
estruturar uma forma de vida no seu todo. Essa reivindicação de um monopólio interpretativo e de uma
configuração abrangente da vida a igreja teve de abandonar devido às condições impostas pela secularização do
saber, da neutralização da violência do Estado e da liberdade geral de credo.
Com a diferenciação funcional de sistemas sociais parciais, também a vida das comunidades religiosas separa-
se dos seus ambientes sociais.
O papel do membro da comunidade diferencia-se daquele do cidadão. E, como o Estado liberal se direciona
para uma integração política dos cidadãos que ultrapasse um mero modus vivendi, essa diferenciação das
instâncias das quais alguém é membro não pode se esgotar numa acomodação cognitivamente despretensiosa do
etos religioso a leis da sociedade secular impostas.
Muito mais do que isso, o ordenamento jurídico universalista e a moral social igualitária precisam ser unidos, a
partir de dentro, ao etos da comunidade de tal forma que um, consistentemente, resulte do outro.
Essa expectativa normativa, com a qual o Estado liberal se defronta com as comunidades religiosas, coincide
com os próprios interesses delas à medida que se lhes abre a possibilidade de desempenhar, para além do espaço
público político, uma influência própria sobre a sociedade como um todo. De fato, o peso das conseqüências da
tolerância, como mostram as regras de aborto mais ou menos liberais, não se divide simetricamente entre
crentes e não-crentes. A compreensão da tolerância própria de sociedades pluralistas que possuem uma
Constituição liberal não encoraja apenas os crentes, no convívio com quem não crê ou crê de outro modo, a
perceber que eles precisam contar, de modo racional, com a permanência de um dissenso. Por outro lado, a
mesma percepção, no quadro de uma cultura política liberal, é exigida dos não-crentes no contato com os
crentes.
A neutralidade, quanto às concepções de mundo, da violência do Estado -que garante as mesmas liberdades
éticas para cada cidadão- é incompatível com a generalização política de uma visão de mundo secularizada.
Cidadãos secularizados, enquanto se apresentarem nos seus papéis de cidadãos, não devem negar,
fundamentalmente, um potencial de verdade a visões de mundo religiosas nem colocar em questão o direito dos
concidadãos crentes de contribuir, por meio de uma linguagem religiosa, para com discussões públicas. Uma
13
cultura politicamente liberal pode esperar até mesmo dos seus cidadãos secularizados que tomem parte dos
esforços em traduzir contribuições relevantes da linguagem religiosa para uma linguagem que seja
publicamente acessível.

Copyright: Academia Católica da Baviera.


Tradução de Erika Werner

Quem é Habermas

O alemão Jürgen Habermas (1929) é um dos principais filósofos da atualidade. Herdeiro da tradição do
pensamento crítico, é o expoente da segunda geração da Escola de Frankfurt, que procurou fazer a ponte entre
marxismo e psicanálise. Em 2003, publicou com o filósofo francês Jacques Derrida, morto no ano passado, um
manifesto contra a ação dos EUA no Iraque e a favor de uma política externa européia comum. Sua principal
obra é "Teoria da Ação Comunicativa" (1981), embora o pensador aborde praticamente todas as áreas de sua
disciplina, como epistemologia, filosofia da história, filosofia da linguagem, filosofia moral e política e teoria
social.

"O homem desceu até o fundo do poço do poder, até a fonte de sua
própria existência"
por Joseph Ratzinger

Na aceleração do ritmo dos desenvolvimentos históricos na qual nos encontramos, parece-me que destacam-se,
sobretudo, dois fatores como marcas de um desenvolvimento que antes começara a mover-se somente
lentamente: de um lado temos a formação de uma sociedade mundial, na qual os poderes políticos, econômicos
e culturais singulares têm sua atenção voltada uns para os outros sempre mais e, nos seus espaços diversos,
tocam-se e interpenetram-se mutuamente.
Por outro lado, temos o desenvolvimento das possibilidades do homem, do poder, de fazer e destruir, que -para
muito além de tudo com que se estava acostumado até agora- levanta a pergunta pelo controle jurídico e moral
do poder. Assim, é altamente urgente a pergunta acerca de como as culturas que entram em contato podem
encontrar fundamentos éticos que possam conduzir sua comunhão ao caminho justo e construir uma
configuração comum, responsável juridicamente, que dome e ordene o poder.

Éticas e culturas
Que o projeto "Etos Mundial", exposto por Hans Küng [teólogo suíço], encontre uma tal procura, indica, no
mínimo, que a questão está em debate. Isso também vale quando se aceita a perspicaz crítica que [o professor de
filosofia na Universidade de Munique e na Universidade de Salzburg] Robert Spaemann ensaiou contra esse
projeto.
Pois, aos dois fatores mencionados, pode-se adicionar um terceiro: no processo de contato e interpenetração das
culturas, as certeza éticas, que até aquele momento eram sustentadas, encontram-se amplamente despedaçadas.
A pergunta, especialmente no contexto dado, acerca do que é, afinal, o bem e por que, mesmo que com prejuízo
para nós próprios, devemos fazê-lo, permanece sem resposta.
Parece-me evidente que a ciência como tal não pode gerar etos, que, portanto, uma consciência ética renovada
não pode surgir como produto de debates científicos. Por outro lado, é certamente também indiscutível que a
14
alteração fundamental da imagem humana e mundial, a qual se deu a partir da evolução dos conhecimentos
científicos, está essencialmente ocupada com a ruptura de velhas certezas morais.
De forma concreta, a função da política é colocar o poder sob a medida do direito e assim ordenar seu uso
razoável. Deve valer não o direito do mais forte, mas a força do direito. O poder na ordenação e no emprego do
direito é o pólo oposto à violência, pela qual nós entendemos o poder sem o direito e contra o direito. Por isso é
importante para cada sociedade superar a desconfiança em relação ao direito e suas ordenações, pois apenas
assim a arbitrariedade pode ser proscrita e a liberdade pode ser vivida como uma liberdade comumente
compartilhada. A liberdade sem direito é a anarquia e, por isso, é a destruição da liberdade.

Interesse comum
A tarefa de colocar o poder sob a medida do direito remete, portanto, à pergunta seguinte: como se forma o
direito e como o direito deve ser constituído a fim de que seja veículo da justiça, e não um privilégio daqueles
que têm o poder de estabelecer o direito?
A questão de que o direito não deve ser um instrumento de poder de poucos, mas a expressão do interesse
comum a todos, parece resolvido, pelo menos pelos instrumentos de formação democrática da vontade. Apesar
disso, me parece, permanece ainda uma pergunta.
Já que dificilmente há unanimidade entre os homens, somente às vezes permanece a delegação como
instrumento imprescindível da formação democrática da vontade, outras vezes, a decisão da maioria, com o que,
segundo a importância da pergunta, ordens de grandeza distintas podem ser empregadas para a maioria mas
também as maiorias podem ser cegas ou injustas.
A história o mostra de maneira claríssima. Quando uma maioria, por maior que seja, reprime, com leis
opressoras, uma minoria, por exemplo, religiosa ou racial, pode-se, nesse caso, ainda falar de justiça, de direito
de modo geral?
Assim, o princípio da maioria continua a deixar em aberto a pergunta acerca dos princípios éticos do direito,
portanto, daquilo que, em si, sempre permanece injusto ou também, de maneira inversa, aquilo que, de acordo
com sua natureza, é um direito imutável, que antecede qualquer decisão pela maioria e que deve ser respeitado
por ela.
Os tempos modernos formularam um acervo de tais elementos normativos em diversas declarações de direitos
humanos e os retiraram do jogo das maiorias. Agora, com a consciência presente, podemos nos dar por
satisfeitos com a evidência interna desses valores. Há em vigor, portanto, valores em si, os quais decorrem da
essência do ser humano e por isso são intocáveis por todos os portadores dessa essência.
À extensão de uma tal idéia devemos voltar novamente mais adiante, ainda mais que essa evidência é,
atualmente, de alguma maneira admitida em todas as culturas. O islã tem um catálogo de direitos humanos
próprio, diverso do ocidental.
A China é, com efeito, atualmente marcada por uma forma cultural, o marxismo, originada no Ocidente, mas
ainda coloca, até onde me foi informado, a pergunta se não se trata, no caso dos direitos humanos, de uma típica
invenção ocidental, a qual deveria ser questionada.

A natureza do poder
Eu não gostaria de tentar definir a natureza do poder em si, mas de esboçar os desafios que resultam das novas
formas de poder que se desenvolveram na última metade do século passado. No primeiro período do pós-guerra
era dominante o pavor diante do novo poder de destruição, o qual cicatrizou nos homens com a invenção da
bomba atômica. O homem se viu, de repente, capaz de destruir a si próprio e a seu mundo.
Surgia então a pergunta: quais mecanismos políticos são necessários para afastar essa destruição? Como podem
tais mecanismos ser criados e tornados eficazes? Como podem ser mobilizadas potências éticas que moldam

15
tais formas políticas e lhes conferem efetividade?

O homem é agora capaz de fabricar


homens, produzi-los, por assim dizer,
em um vidro com reagente; o homem
se torna produto

Na prática, por um longo período, foram a concorrência entre os blocos de poder reciprocamente opostos e o
medo de iniciar a própria destruição com a destruição do outro que nos protegeram dos horrores da guerra
nuclear. A demarcação recíproca do poder e o medo em torno da própria sobrevivência revelaram-se as forças
salvadoras.
Nesse meio tempo, não nos assombra mais tão intensamente o medo diante de uma grande guerra, mas o medo
diante do onipresente terror que pode atacar e mostrar-se efetivo em qualquer local. Assim, a pergunta pelo
direito e pelo etos se deslocou: de que fontes se alimenta o terror? Como é possível ter êxito na missão de banir
essa nova doença da humanidade a partir do seu interior?

Tutela da razão?
Ao mesmo tempo, é assustador que, ao menos em parte, o terror se legitime moralmente. As mensagens de
Osama bin Laden apresentam o terror como a resposta que os povos sem força e oprimidos dão à arrogância dos
poderosos, como a justa punição à sua presunção e às suas arbitrariedade e crueldade blasfemas. Para os
homens em determinadas situações políticas e sociais, tais motivações são evidentemente persuasivas. Em parte,
o comportamento terrorista é apresentado como uma defesa de uma tradição religiosa contra o ateísmo da
sociedade ocidental.
Nesse ponto, impõe-se uma pergunta à qual nós igualmente devemos retornar: se o terrorismo é também
alimentado por meio do fanatismo religioso (e ele o é), a religião é então um poder capaz de curar e salvar ou
então, antes, um poder arcaico e perigoso que edifica falsos universalismos e, dessa forma, instiga a intolerância
e o terror? A religião não deve, nesse caso, ser colocada sob a tutela da razão e ser cuidadosamente restringida?
Com isso surge então a pergunta: quem pode fazer isso? Como se faz isso?
Mas a pergunta geral permanece: a gradual extinção da religião, sua superação, deve ser encarada como um
progresso necessário da humanidade, a fim de que ela alcance o caminho da liberdade e da tolerância universal,
ou não?
Nesse meio tempo, uma outra forma de poder foi deslocada para o primeiro plano, a qual, num primeiro
momento, parece ser puramente benéfica e merecedora da aprovação de todos, mas, na realidade, pode se tornar
um novo tipo de ameaça aos homens. O homem é agora capaz de fabricar homens, produzi-los, por assim dizer,
em um vidro com reagente. O homem se torna produto, e com isso se altera a relação dos homens consigo
mesmos no seu fundamento mesmo. Ele não é mais um presente da natureza ou do Deus criador; ele é seu
próprio produto.
O homem desceu até o fundo do poço do poder, até a fonte de sua própria existência. A tentação de agora
finalmente construir o homem direito, a tentação de fazer experimentos com humanos, a tentação de encarar os
homens como lixo e eliminá-los não é uma fantasia de moralistas inimigos do progresso.
Quando antes se nos impôs a pergunta se a religião é realmente uma potência moral positiva, então agora deve
emergir a incerteza acerca da confiabilidade da razão. Afinal de contas, a bomba atômica também é um produto
da razão; afinal de contas, a criação e a seleção de seres humanos foram inventadas pela razão.
16
Tutela da religião?
Portanto, agora a razão, inversamente, não deveria ser colocada sob supervisão? Mas por meio de quem ou de
quê? Ou talvez a religião e a razão deveriam se demarcar mutuamente e cada uma deveria indicar os nichos da
outra e a levar a seu caminho positivo?
Nesse ponto coloca-se outra vez a pergunta: como em uma sociedade mundial, com seus mecanismos de poder
e suas forças incontroláveis -assim como com os diversos pontos de vista do que seja direito e moral- pode ser
encontrada uma evidência ética válida que tenha força de motivação e realização suficientes para responder aos
desafios mencionados e ajudar a resistir-lhes?
Primeiramente, é natural lançar-se um olhar nas situações históricas que são comparáveis às nossas, tanto
quanto for possível verificar elementos de comparação. Em todo caso, vale a pena lançar um breve olhar sobre o
fato de que a Grécia conheceu suas "Luzes", que o direito legitimado pelos deuses perdeu sua certeza e de que
se precisou indagar acerca dos mais profundos fundamentos do direito.
Assim nasceu o pensamento: do lado oposto ao direito legal, que pode ser injusto, deve haver um direito, deve
certamente existir um direito que vem da natureza, que vem do ser do próprio homem. Esse direito deve ser
encontrado e compõe, então, o corretivo para o direito positivo.
Mais próximo de nós, o olhar recai sobre uma dupla ruptura, que no começo dos tempos modernos se colocou a
favor da consciência européia e forçou o caminho para os fundamentos de uma uma nova reflexão acerca do
conteúdo e da fonte do direito. Temos, inicialmente, o rompimento das fronteiras do mundo europeu, cristão,
que se dá com o descobrimento da América.
Agora o homem se depara com povos que não tomaram contato com a estrutura cristã de crença e de direito,
que até então fora a fonte do direito para todos e a ele dava sua forma. Não há nenhuma comunhão jurídica com
esses povos.
Mas são eles então desprovidos de direito, como alguns afirmaram naquele tempo e como foi amplamente
praticado por muito tempo, ou há um direito que perpassa todos os sistemas jurídicos, que aponta para homens
como homens no seu ser um para o outro e os une? A segunda ruptura no mundo cristão ocorre dentro da
própria cristandade pela fragmentação da fé, pela qual a comunidade de cristãos foi dividida -comunidades que
se confrontaram reciprocamente em parte de maneira hostil.
Novamente, trata-se de desenvolver um direito comum que antecede o dogma, ao menos um direito mínimo,
cujos fundamentos não devem mais repousar na fé, mas na natureza, na razão do homem.
O direito natural permaneceu sobretudo na Igreja Católica a figura de argumentação com a qual ela recorre -nas
discussões com a sociedade secular e com as comunidades de outras crenças- à razão comum e busca os
fundamentos para o entendimento acerca dos princípios éticos do direito em uma sociedade secular plural.
Mas esse instrumento, infelizmente, se tornou gasto, e eu não gostaria, por isso, de me apoiar nele nesta
discussão. A idéia do direito natural pressupôs uma noção de natureza na qual a natureza e a razão vão uma à
outra. Essa visão da natureza, com a vitória da teoria da evolução, despedaçou-se.

Interculturalidade
Como último elemento do direito natural, o qual desejava ser, em um nível mais profundo, um direito racional,
pelo menos nos tempos modernos, permaneceram os direitos humanos. Eles não são compreensíveis sem o
pressuposto de que o homem como homem, simplesmente por sua filiação à espécie humana, é um sujeito de
direitos, que sua existência carrega em si valores e normas que devem ser descobertos, mas não inventados.
Talvez à doutrina dos direitos humanos devesse hoje em dia ser acrescida uma doutrina acerca dos deveres
humanos e dos limites do homem, e isso poderia ajudar a atualizar a pergunta se não pode haver uma razão da
natureza e, portanto, um direito racional para os homens e sua posição no mundo.
Uma tal discussão deveria hoje ser constituída e exposta de maneira intercultural. Para os cristãos, tratar-se-ia
17
da criação e do criador. No mundo indiano, a isso corresponderia o conceito de darma, a legitimidade interna do
ser; na tradição chinesa, a idéia das ordenações do céu.
Para mim, a interculturalidade compõe hoje uma dimensão indispensável para a discussão acerca dos
fundamentos do ato de ser humano, que não pode ser conduzida nem unicamente dentro do universo cristão
nem totalmente dentro de uma tradição racional ocidental.
Ambas parecem, de acordo com o modo como se compreendem, universais e pretendem sê-lo também de
direito. Na realidade, elas precisam reconhecer que atingem somente partes da humanidade e também somente
são inteligíveis a partes da humanidade. O número de culturas concorrentes é, de fato, muito mais limitado do
que quer parecer em um primeiro olhar.
É importante, sobretudo, notar que dentro dos espaços culturais não há mais unidade, mas que todos os espaços
culturais são moldados por tensões profundamente arraigadas em sua própria tradição cultural. No Ocidente,
isso é bem evidente.
Mesmo quando a cultura secular de uma racionalidade restrita, acerca da qual Habermas nos deu um
impressionante retrato, é amplamente dominante e entende a si mesma como elo, o entendimento cristão da
realidade é, como tem sido até o momento, uma força efetiva. Ambos os pólos encontram-se em proximidade ou
tensão diversas, em uma disposição de aprendizagem recíproca ou em uma recusa, mais ou menos enfática, de
um em relação ao outro.
O espaço cultural islâmico também é moldado por semelhantes tensões; do absolutismo fanático de um Bin
Laden até as posturas que estão abertas a uma racionalidade tolerante estende-se um vasto arco.
O terceiro grande espaço cultural, a cultura indiana, ou melhor, os espaços culturais do hinduísmo e do
budismo, são, por sua vez, moldados por tensões semelhantes, mesmo que elas, ao menos para o nosso olhar,
distingam-se de maneira menos dramática. Também essas culturas se vêem sujeitas tanto à reivindicação da
racionalidade ocidental quanto às interpelações da fé cristã, estando ambas presentes ali.
As culturas tribais da África e as culturas tribais da América Latina, novamente lembradas por certas teologias
cristãs, completam esse quadro. Elas se mostram, de uma maneira ampla, como alicerces de uma racionalidade
ocidental mas também como alicerce da reivindicação universal da revelação cristã.
O que decorre de tudo isso? Primeiramente, assim me parece, a não-universalidade factual das duas grandes
culturas do Ocidente -a cultura da fé cristã assim como a cultura da racionalidade secular-, por mais que as duas,
em todo o mundo e em todas as culturas, cada uma do seu modo, contribuam em sua configuração.
Nossa racionalização secular, por mais que ilumine nossa razão formada no Ocidente, não é sensata para
qualquer "ratio"; ela, como racionalidade, em sua tentativa de se fazer evidente, se depara com limites. Sua
evidência está factualmente vinculada a determinados contextos culturais e precisa reconhecer que, como tal,
não pode ser compreendida por toda a humanidade e, por isso, nela, não pode operar nem mesmo de modo
geral.
Em outras palavras, a fórmula mundial, seja ela racional, ética ou religiosa, com a qual todos concordam e que
poderia então sustentar o todo, não existe. Em todo caso, ela é atualmente inalcançável. Por isso, o assim
chamado etos mundial permanece também uma abstração.
O que há então para ser feito? Em relação às conseqüências práticas, eu concordo amplamente com o que
Habermas expôs acerca de uma sociedade pós-secular, acerca da disposição de aprendizagem e da autolimitação
de ambos os lados. Eu gostaria então de resumir minha própria visão em duas teses e concluir com isso.

Duplos limites
1) Nós vimos que há patologias na religião que são extremamente perigosas e que tornam necessário encarar a
luz divina da razão como um, por assim dizer, órgão de controle, a partir do qual a religião sempre deve se
deixar purificar e organizar novamente, o que foi, aliás, também a noção dos padres da igreja.
Em nossa reflexão, porém, mostrou-se que também há patologias da razão (do que, hoje em dia, a humanidade
18
em geral não tem exatamente consciência), uma hybris da razão, a qual não é menos perigosa, ao contrário,
devido à sua potencial eficiência, muito mais ameaçadora: a bomba atômica, o homem como produto. Por isso,
por outro lado, a razão também deve ser lembrada em seus limites e aprender a disposição de ouvir as grandes
tradições religiosas da humanidade. Quando ela se emancipa completamente e coloca de lado essa disposição de
ouvir, essa capacidade de correlação, ela se torna destruidora.
Eu falaria de uma necessária correlação entre razão e fé, entre razão e religião, as quais são convocadas para
uma purificação e salvação recíproca, que se carecem mutuamente e que precisam reconhecer isso.
2) Essa regra fundamental deve ser então concretizada, no contexto intercultural de nossa atualidade, de forma
prática. Sem dúvida, são a fé cristã e o racionalismo secular ocidental as duas partes principais dessa correlação.
Pode e deve-se dizer isso sem falso eurocentrismo.
Ambas as partes determinam a situação mundial em uma medida tal como nenhuma outra dentre as forças
culturais. Mas isso certamente não significa que dever-se-ia colocar de lado as outras culturas como uma
espécie de "quantité négligeable" [em francês no original: "quantidade negligenciável"]. Isso seria com certeza
uma hybris ocidental, pela qual nós pagaríamos caro e, em parte, já pagamos.
É importante para esses dois grandes componentes da cultura ocidental deixarem-se comprometer com um
ouvir, com uma verdadeira correlação com essas culturas. É importante levá-las para dentro na tentativa de uma
correlação polifônica, na qual elas próprias se abram para uma complementaridade essencial entre razão e fé, de
modo que um processo universal de purificação possa se desenvolver, no qual as normas e os valores essenciais
de alguma forma conhecidos ou pressentidos por todos os homens possam adquirir uma nova intensidade
luminosa, de sorte que novamente possa vigorar na humanidade aquilo que segura o mundo.

Copyright: Academia Católica da Baviera.


Tradução de Erika Werner.

Quem é Ratzinger

O cardeal alemão Joseph Ratzinger (1927), atual papa Bento 16, foi o braço direito de João Paulo 2º nas
questões doutrinárias. Teólogo importante, foi durante 23 anos o guardião da Congregação para a Doutrina da
Fé do Vaticano, que substituiu o Santo Ofício da Inquisição e conta com o apoio das alas mais conservadoras da
igreja. Seus pontos de vista sobre temas como controle da natalidade, casamento gay e feminismo são
considerados conservadores. Ratzinger começou a ganhar atenção ao chegar a Roma, em 1962, como
conselheiro no Concílio Vaticano 2º. Lecionou teologia em várias universidades alemãs. É o oitavo papa alemão
da história.

RESUMOS DE TEORIA DO CONHECIMENTO

O CONHECIMENTO
A PREOCUPAÇÃO COM O CONHECIMENTO

1. O conhecimento e os primeiros filósofos.


19
Os primeiros filósofos tinham como preocupação central à questão do ser. Partiam da pressuposição que
podemos conhecer o ser, “pois a verdade, sendo aletheia, isto é, presença e manifestação das coisas para os
nossos sentidos e para o nosso pensamento, significa que o Ser está manifesto e presente para nós, e portanto
nós o podemos conhecer.” (Chauí, 1995, p.109-110)
Para os antigos a realidade é racional e podemos conhecê-la porque também somos racionais.
Conhecer é alcançar o idêntico, imutável, para além dos sentidos.
Sócrates e os sofistas.
O Górgias apresenta uma extraordinária síntese da filosofia sofista: “o ser não existe, se existisse não
poderia ser conhecido, se pudesse ser conhecido não poderia ser comunicado”. Para os sofistas não podemos
conhecer o ser. “A verdade é uma questão de opinião e persuasão, e a linguagem é mais importante do que a
percepção e o pensamento”. (Chauí,1995, p.111).
Sócrates afirma que a verdade pode ser conhecida, mas primeiro devemos afastar as ilusões dos
sentidos e as das palavras ou das opiniões e alcançar a verdade pelo pensamento. “Conhecer é passar da
aparência à essência, da opinião ao conceito, do ponto de vista individual à idéia universal de cada um dos seres
e de cada um dos valores da vida moral e política.” ( Chauí, 1995, p.112).
Platão e Aristóteles
Para estabelecer a diferença entre conhecimento verdadeiro e ilusão, Platão e Aristóteles introduziram
diferentes graus do conhecimento, onde se pode distinguir o verdadeiro e o falso.
Platão distingue: crença, opinião, (conhecimento sensível) raciocínio e intuição intelectual
(conhecimento intelectual). Para a filosofia só interessa o raciocínio, que produz uma purificação intelectual e
permitirá uma intuição das idéias, que formam a realidade e constituem o Ser. A matemática é exemplo de
conhecimento intelectual. ( Cf. Chauí, 1995, p. 112)
Aristóteles distingue sete graus de conhecimento, que são cumulativos: sensação, percepção,
imaginação, memória, raciocínio e intuição. “Em cada um deles temos acesso a um aspecto do Ser ou da
realidade e, na intuição intelectual, temos o conhecimento pleno e total da realidade ou dos princípios da
realidade plena e total, aquilo que Aristóteles chamva de ‘o Ser enquanto Ser’”.(Chauí, 1995, p. 112). Essa
afirmação de Chauí leva a uma apreciação dogmática de Aristóteles, que consideramos questionável,
entendemos que o autor nunca afirmou possuir um conhecimento pleno e total da realidade. O programa de
uma reforma do conhecimento que implica a inserção de uma filosofia primeira resultou inacabado tendo um
viés problemático muito agudo que não pode ser deixado de lado. 1 Chauí relata bem que a diferença do sétimo
grau de conhecimento é que seu objeto, o Ser, Deus, pensado como substância primeira, só pode ser alcançado
pelo pensamento puro. O qual não contém nada de experiência sensível. Porém não leva em conta o caráter
problemático deste conhecimento que chegou a ser abandonado pelo Liceu.
Princípios gerais.
Do conhecimento verdadeiro:
• fontes e formas: sensação, percepção, imaginação, memória, linguagem, raciocínio e intuição
intelectual;
• distinção entre conhecimento sensível e intelectual;
• afirmação do papel da linguagem no conhecimento;

1
Indicamos a este respeito a leitura do seguinte texto. AUBENQUE, Pierre. El problema Del Ser em Aristóteles, Madrid: Ed. Taurus.
1981
20
• definição dos princípios do pensamento “verdadeiro” (identidade, não contradição, terceiro
excluso), da forma do conhecimento “verdadeiro” (idéias conceitos e juízos) e dos
procedimentos para alcançar o conhecimento “verdadeiro” (indução, dedução e intuição); 2
• distinção dos campos do conhecimento: teorético, prático e técnico. (Cf. Chauí, 1995, p. 112-
113)
Para os gregos, podemos conhecer a realidade, porque participamos da mesma inteligência (logos) que
a habita e dirige, a realidade é a natureza e dela fazem parte os humanos e as instituições humanas. (Cf. Chauí,
113).

Os filósofos modernos e a teoria do conhecimento.


Para os modernos a questão do conhecimento foi considerada anterior à da ontologia e pré-condição
ou pré-requisito para a Filosofia e as ciências. O cristianismo introduziu distinções que romperam com a idéia
grega de participação direta e harmoniosa entre o nosso intelecto e a verdade, nosso ser e o mundo. Sugiram os
problemas:
1. Como, sendo seres decaídos, podemos conhecer a verdade?
2. Como nossa inteligência pode conhecer o que é diferente dela? (Deus)
3. Como o finito (humano) pode conhecer a verdade (infinita e divina)? ( Cf. Chauí 1995, p. 113-114.
Durante a idade média se considerava que a fé nos fazia saber que pela soberana vontade de Deus, era
concedido à nossa alma imaterial conhecer as coisas materiais.
Segundo Chauí os modernos se deram três tarefas: separar fé e razão, explicar como a alma pode
conhecer os corpos, explicar como a razão pode controlar a vontade. Os dois filósofos que iniciaram o exame da
capacidade humana para o erro e a verdade foram o inglês Francis Bacon e o francês René Descartes. O filósofo
que propõe uma teoria do conhecimento propriamente dita é o inglês John Locke. (Chauí 114-115)
Bacon e Descartes
Para os modernos trata-se de compreender como os relatos mentais – nossas idéias – correspondem ao
que se passa na realidade. Bacon e Descartes analisaram as causas e as formas do erro. Bacon elaborou a crítica
dos ídolos e Descartes a dúvida metódica.
Segundo Bacon existem quatro tipos de ídolos que formam opiniões cristalizadas e preconceitos que
impedem o conhecimento da verdade: ( Cf. Chauí, p.115).
1. ídolos da caverna: por erros de nossos órgãos dos sentidos; (correção pelo intelecto)
2. ídolos do fórum: por conseqüências da linguagem e de nossas relações com os outros; (difíceis, mas
corrigíveis pelo intelecto)
3. ídolos do teatro: por imposição dos pontos de vista dos poderosos; ( só refeitos com nuança social e
política)
4. ídolos da tribo: decorrência de nossa natureza humana. (só vencidos com uma reforma da própria
natureza humana).

Já Descartes localiza a origem do erro em duas atitudes infantis:


1. a prevenção, facilidade em deixar-se levar pelas opiniões alheias, sem verificar se são ou não
verdadeiras.
2. a precipitação, facilidade e a velocidade com que nossa vontade nos faz emitir juízos sobre as coisas
antes de verificarmos se são ou não verdadeiras.
2
NB. Colocamos o termo verdadeiro entre aspas para evitar uma interpretação monológica exclusiva do conhecimento. O método para
distinguir o verdadeiro do falso não esgota o problema do conhecimento para Aristóteles, que afirma também o sentido do Logos
apofântico, que implica uma pré-compreensão do sentido. Cf. APEL, Karl Otto. Lê logos propre au langage humanin. Trad. Maianne
Charrière et Jean-Pierre Cometti. Paris: L’éclat. 1994, p. 56ss.
21
Ambos consideram a necessidade de uma reforma do entendimento e das ciências. Para isso Descartes
criou a dúvida metódica, pela qual o sujeito de conhecimento encontra meios para livrar-se de tudo quanto
seja duvidoso perante o pensamento. Ao mesmo tempo, o pensamento oferece ao espírito um conjunto de
regras que deverão ser obedecidas para que um conhecimento seja considerado verdadeiro. Para Descartes o
conhecimento sensível é a causa do erro e deve ser afastado. O conhecimento verdadeiro é puramente
intelectual. (Chauí, 1995, p. 116) Para o racionalismo, a fonte do conhecimento é a razão operando por si
mesma, sem o auxílio da experiência sensível e controlando a própria experiência sensível. (Chauí, 1995, p.
117)
Locke
Locke é o iniciador da teoria do conhecimento, porque decidiu analisar cada uma das formas de
conhecimento que possuímos. Assim como Aristóteles, Locke entende que o conhecimento se realiza por
graus contínuos, partindo da sensação até chegar às idéias. “Para o empirismo, a fonte de todo e qualquer
conhecimento é a experiência sensível, responsável pelas idéias da razão e controlando o trabalho da própria
razão”. (Chauí, 1995, p. 117).
A teoria do conhecimento torna o entendimento objeto para si próprio, é a reflexão filosófica do
pensamento sobre si mesmo. (Cf. Chauí 1995, p. 117).
Ao finalizar sua exposição em Locke, Chauí deixa de fora dois importantes filósofos modernos, quais
sejam David Hume e Kant. Que contribuições esses autores deram para a teoria do conhecimento?
A consciência: o eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito.
A TC como reflexão baseia-se no pressuposto de que somos seres racionais.
“A consciência é um conhecimento (das coisas e de si) e um conhecimento desse conhecimento
(reflexão)”. (Chauí 1995, p. 117)
“Do ponto de vista psicológico, a consciência é o sentimento de nossa própria identidade: é o eu, um
fluxo temporal de estados corporais e mentais, que retém o passado na memória, percebe o presente pela
atenção e espera o futuro pela imaginação e pelo pensamento. O eu é o centro ou a unidade de todos esses
estados psíquicos”.
A consciência psicológica ou o eu é formada por nossas vivências, isto é, pela maneira como sentimos
e compreendemos o que se passa em nosso corpo e no mundo que nos rodeia, assim como o que se passa em
nosso interior”.( Chauí, 1995, p. 117)
“Do ponto de vista ético e moral, a consciência é a espontaneidade livre e racional, para escolher,
deliberar e agir conforme à liberdade, aos direitos alheios e ao dever. É a pessoa, dotada de vontade livre e
de responsabilidade moral.” (Chauí, 1995, p. 117).
“Do ponto de vista político, a consciência é o cidadão, isto é, também o indivíduo situado no tecido
das relações sociais, como portador de direitos e deveres, relacionando-se com a esfera pública…” Chauí,
1995, p. 118)
A consciência moral e a consciência política formam-se pelas relações entre as vivências do eu e os
valores e as instituições entre de uma sociedade ou de uma cultura. O Eu é uma vivência e uma experiência
que se realiza por comportamentos; pessoa e o cidadão são a consciência como agente (moral e político),
como práxis. (Chauí, 1995, p. 118)
“Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a consciência é uma atividade sensível e intelectual
dotada do poder de análise, síntese e representação. É o sujeito.” (Chauí, 1995, p. 1118)
“Ao contrário do eu, o sujeito do conhecimento, não é uma vivência individual, mas aspira à
universalidade, ou seja, à capacidade de conhecimento que seja idêntica em todos os tempos e lugares.”
(Chauí, 1995, p. 118)

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“A vivência é singular (minha). O conhecimento é universal (nosso, de todos os humanos). (Chauí,
1995, p. 118) A definição de conhecimento válido em todos os tempos e lugares não é uma definição
metafísica? Chauí assume uma postura metafísica?
“Eu, pessoa, cidadão e sujeito constituem a consciência como subjetividade ativa, sede da razão e
do pensamento, capaz de identidade consigo mesma, virtude, direitos e verdade.” (Chauí, 1995, p. 119).
Subjetividade e graus de consciência
Nem sempre a consciência está alerta. “De um modo geral distingue-se os seguintes graus de
consciência:
• consciência passiva: temos uma vaga e uma confusa percepção do que se passa à nossa volta.
• Consciência vivida, mas não reflexiva: que tem a peculiaridade de ser egocêntrica.
• Consciência ativa e reflexiva: aquela que reconhece a diferença entre o interior e o exterior,
entre si e as outras coisas. É o que permite a existência da consciência como eu, pessoa,
cidadão e sujeito. (Cf. Chauí, 1995, p. 119).

A consciência como sujeito é definida pela fenomenológica como consciência intencional ou


intencionalidade, isto é, como “consciência de”.
“A consciência realiza atos (perceber, lembrar, imaginar, falar, refletir, pensar) e visa a conteúdos ou
significações (o percebido, o lembrado, o imaginado, o falado, o refletido, o pensado). O sujeito do
conhecimento é aquele que reflete sobre as relações entre atos e significações e conhece a estrutura formada por
eles ( a percepção, a imaginação, a memória, a linguagem, o pensamento).” (Chauí, 1995, p. 119).
Ao situar a consciência no sujeito, Chauí não está situando a racionalidade também no sujeito?

A percepção

Nos clássicos sensação e percepção são as principais formas do conhecimento sensível, distintas pelo
grau de complexidade. “A sensação é o que nos dá as qualidades exteriores e interiores, isto é, as qualidades
dos objetos e os efeitos internos dessas qualidades sobre nós.” (Chauí, 1995, p. 120) A sensação é uma
reação corporal imediata a um estímulo ou excitação externa, através da qual sentimos as qualidades como
integrantes de seres mais amplos. Por isso hoje se diz que só temos sensações na forma de percepções. (Cf.
Chauí, 1995, p. 120)
Para os empiristas sensação e percepção são causadas por estímulos exteriores que agem sobre os
nossos sentidos e sistema nervoso. As sensações associadas em síntese constituem as percepções. A causa do
conhecimento sensível é a coisa externa. “O conhecimento é obtido pela associação das sensações na
percepção e tal soma e associação dependem da freqüência, da repetição e da sucessão dos estímulos
externos e dos hábitos.” (Chauí, 1995, p. 120).
Para os intelectualistas, a passagem da sensação para a percepção é, um ato de decomposição e
recomposição do objeto realizado pelo intelecto do sujeito do conhecimento, o qual confere organização e
sentido às sensações. Na sensação, “sentimos” qualidades pontuais, dispersas e na percepção, “sabemos”,
que estamos tendo sensação de um objeto que possui as qualidades sentidas por nós. (Cf. Chauí, 1995, p.
120 - 121).
A percepção é para os empiristas síntese passiva, para os intelectualistas síntese ativa. As idéias para
os empiristas são provenientes das percepções, para os intelectualistas sensações e percepções são confusas
e devem ser abandonadas quando o pensamento formula as idéias puras.
Psicologia da Forma e fenomenologia
Chauí relata as mudanças trazidas pela fenomenologia de Husserl e pela Psicologia da Forma, Gestalt.
(configuração, figura estruturada, forma). Ambos mostram:
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• Que a sensação não é pontual.
• A percepção não é atividade sintética feita pelo pensamento sobre sensações.
Não há diferença entre sensação e percepção. (Cf. Chauí, 1995, p. 121).
“Para a Fenomenologia e a Gestalt, sentimos e percebemos formas, isto é, totalidades estruturadas
dotadas de sentido ou significação.” ( Chauí, 1995, p. 121).
A sensação percepção de um cavalo é sentir/perceber de uma só vez sua cor (ou cores), suas partes,
sua cara, etc. Ver figurar (Chauí, 1995, p. 121).
Experiências com formas “incompletas” mostram que a percepção sempre percebe uma totalidade
completa.
O que é a percepção
• É o conhecimento sensorial das configurações ou de totalidades organizadas e dotadas de
sentido e não uma soma de sensações elementares;
• É o conhecimento de um sujeito corporal, é uma vivência corporal;
• É sempre uma experiência dotada de significação, tem sentido em nosso mundo;
• O próprio mundo exterior está organizado em formas e estruturas complexas dotadas de
sentido.
• A percepção é assim uma relação do sujeito com o mundo exterior. A relação dá sentido ao
percebido e ao percebedor, e um não existe sem o outro.
• O mundo percebido é qualitativo, significativo, estruturado e estamos nele como sujeitos
ativos, que dão as coisas novos sentidos e valores.
• O mundo percebido é intercorporal, uma forma de comunicação que estabelecemos com os
outros e com as coisas.
• O campo perceptivo é uma relação complexa entre o corpo-sujeito e os corpos-objetos num
campo de significações visuais, tácteis, olfativas, gustativas, sonoras, motrizes, espaciais,
temporais e lingüísticas.
• A percepção envolve nossa personalidade, o mundo é percebido qualitativamente e
valorativamente.
• A percepção envolve nossa vida social, isto é, os significados e os valores das coisas
percebidas decorrem de nossa sociedade e do modo como nela as coisas e as pessoas recebem
sentido, valor função.
• A percepção nos orienta para a ação cotidiana e para as ações técnicas mais simples e para as
artes.
• A percepção é uma maneira de ter idéias sensíveis ou significações perceptivas.
• A percepção está sujeita ao erro da ilusão (Cf. Chauí, 1995, p. 122-123).

Percepção e teoria do conhecimento.


Três concepções:
1. Para os empiristas a percepção é a única fonte de conhecimento, segundo Hume há dois tipos:
impressões e as idéias( imagens das impressões).
2. Nas teorias racionalistas o pensamento filosófico científico deve abandonar os dados da
percepção e formular as idéias para explicar e corrigir a percepção. (Cf. Chauí, 1995, p. 124)
3. Na fenomenologia a percepção é originária e parte principal do conhecimento humano, mas
nunca podemos perceber de uma só vez por inteiro um objeto. Percebemos uma forma

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organizada isto é estruturada. Já no pensamento nosso intelecto compreende uma idéia de uma
só vez. (Cf. Chauí, 1995, p. 124-125)

A memória
Lembrança e identidade do Eu.
A memória é a capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi, é a garantia de nossa
própria identidade.
“Como consciência da diferença temporal – passado, presente e futuro - , a memória é uma forma de
percepção interna chamada introspecção cujo objeto é interior ao sujeito do conhecimento: …” (Chauí, 1995,
p. 126)
Como dimensão coletiva a memória está gravada nos monumentos, documentos e relatos históricos de
uma sociedade.
Os antigos e a memória.
A memória imortalizava os mortais, auxiliava a arte médica e era essencial para o aprendizado. Em
nossa sociedade a memória é valorizada com a multiplicação dos meios de registro e desvalorizada porque não
é considerada uma capacidade essencial para o conhecimento. (Cf. Chauí, 1995, p. 127). A memória também é
desvalorizada pela publicidade e propaganda do novo e da moda.
O que é a memória
Lembrança e esquecimento, mostram que a memória não é apenas um fato puramente biológico de
registro cerebral.
Na memorização entram os componentes objetivos e subjetivos. Os objetivos são as atividades físico-
fisiológicas e químicas de gravação e registro cerebral e a estrutura do objeto. São componentes subjetivos a
importância do fato para nós, o significado afetivo, a necessidade para nossa vida prática, o prazer ou dor que
produzem. Memória é o que foi gravado com um sentido ou um significado para nós e os outros. (Cf. Chauí,
1995, p. 128).
Os filósofos e a memória
Bérgson distingue dois tipos de memória.
1. Memória-hábito; automatismo por repetição contínua.
2. Memória pura é aquela que guarda alguma coisa, fato ou palavra únicos, irrepetíveis e
mantidos por nós por seu significado especial afetivo, valorativo ou de conhecimento. É um
fluxo temporal interior.
Existem seis grandes tipos de memória:
1. a memória perceptiva ou reconhecimento;
2. a memória-hábito, por repetição mecânica;
3. a memória-fluxo-de-duração-pessoal, cujo significado é importante para nós.
4. a memória social, que é fixada pela sociedade;
5. a memória biológica da espécie, gravada no código genético;
6. a memória artificial das máquinas. (Cf. Chauí, 1995, p. 129).
Memória e Teoria do conhecimento
A memória possui as seguintes funções:
• retenção de um dado da percepção ou de um conhecimento adquirido;
• reconhecimento ou produção do dado percebido numa imagem, que ao ser lebrada permite
relacionar o já conhecido e novos conheciemtnos;
• recordação de algo pertencente ao tempo passado comparável ao tempo presente.
• Capacidade de evocar o passado a partir do tempo presente. (Cf. Chauí, 1995, p. 130)

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A memória é retenção. A imaginação é protensão. Lembramos expontaneamente. Recordamos quando
fazemos o esforço para lembrar.
Quando perdemos a capacidade para lembrar palavras ou construir frases sofremos a afasia. “Na
aminésia perdemos a relação com o todo de nossa existência. Na afasia perdemos a relação com os outros
através da linguagem ou da comunicação. Na apraxia, perdemos a relação com o nosso corpo e com o mundo
das coisas.” (Cf. Chauí, 1995, p. 130)

Imaginação
Cotidiano e imaginação
No cotidiano a imaginação pode aparecer como: capacidade mais alargada para pensar e para
encontrar soluções inteligentes; risco de irrealidade; suposição do futuro.
• Refere-se ao inesistente;
• Possui graus;
• Capacidade para elaborar mentalmente o possível. (Cf. Chauí, 1995, p. 131)
A imaginação situa-se entre a criação inteligente e a mentira.
A imaginação na tradição filosófica.
A tradição filosófica deu prioridade a imaginação reprodutora, como reflexos mentais das percepções.
A imagem seria uma percepção enfraquecida. Por isso fonte de enganos. A imaginação seria diretamente
reprodutora da percepção no campo do conhecimento e reprodutora da percepção indiretamente no campo da
fantasia.
• Não confundimos percepção e imagem.
• Não confundimos perceber e imaginar
• Distinguimos nossa percepção da imaginação de uma outra pessoa.
Entre a percepção e a imaginação há uma diferença de natureza.
A fenomenologia e a imaginação
Quando falamos em imagens, referimo-nos a coisas bem diversas.
A primeira diferença é entre imagens exteriores e interiores. Porém todas elas oferecem um análogo
das próprias coisas. (Cf. Chauí, 1995, p. 132)
A segunda diferença decorre do tipo de análogo: símbolo, metáfora, uma ilustração, um esquema, um
signo, um sentimento, um substituto. Porém raramente as imagens correspondem materialmente às coisas, são
irreais. Por ser irreal, presentifica algo ausente. Como testemunha de algo real ou como criação de uma
realidade imaginária. (Cf. Chauí, 1995, p. 132).
Consciência imaginativa.
A fenomenologia fala na consciência imaginativa, forma de consciência diferente da percepção e da
memória , tendo como ato o imaginar e como conteúdo, ou correlato, o imaginário ou o objeto-em-imagem. A
imaginação é a capacidade da consciência para fazer surgir os objetos imaginários ou objetos-em-imagens. Pela
imaginação, relacionamo-nos com o ausente e com o inexistente, o possível que abre o tempo futuro. (Cf.
Chauí, 1995, p. 133)
Cada imagem põe o objeto por inteiro. “A imagem é diferente do percebido porque ela é um análogo
do ausente, sua presentificação.” (Chauí, 1995, p. 134) Percebemos e imaginamos uma coisa ao mesmo tempo.
A imaginação torna ausente o presente e presente o ausente. Nos permite perceber imaginariamente. A
imaginação passa do sonho a loucura quando ocupa o lugar da percepção e cria um mundo fechado aos outros.
A imaginação passa do sonho a arte quando cria um mundo ao qual os outros seres humanos podem ter acesso.
As modalidades de imaginação
1. imaginação reprodutora
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2. imaginação evocadora, presentifica com forte tonalidade afetiva
3. imaginação irrealizadora, que torna ausente o presente
4. imaginação fabuladora, de caráter social ou coletivo.
5. imaginação criadora, que cria o novo nas artes, nas ciências, nas técnicas e na filosofia.
Imaginação e teoria do conhecimento
Auxiliar precioso e perigoso para o conhecimento da verdade. Permite ao cientista, por um lado, dizer
não as teorias existentes e por outro lado propor novas teorias.
Quando se trata de imaginação reprodutora somo lançados no mundo dos ídolos e dos preconceitos.
Surge um tecido de imagens ou um imaginário, que desvia nossa atenção da realidade, ou que serve para nos dar
compensações ilusórias para as desgraças de nossas vidas ou de nossas sociedades. A ideologia é um imaginário
de explicações feitas e acabadas, justificadoras do mundo tal como ele parece ser. A imaginação utópica cria
outra realidade para mostrar erros , desgraças etc. O imaginário reprodutor opera com ilusões, enquanto o a
imaginação criadora e utópica operam com a invenção do novo e da mudança, graças ao conhecimento crítico
do presente. (Cf. Chauí, 1995, p. 136)

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A linguagem
Aristóteles, só o homem é um animal político, porque possui o logos, capaz de exprimir o bom e o
mau, o justo e o injusto. ( Cf. Chauí, p. 1995,136)
Hjelmslev afirma que “a linguagem é inseparável do homem, segue-o em todos os seu atos.” ( Cf.
Chauí, p. 1995, p.137 apud.)
No fedro Platão afirmou que a linguagem é um Pharmakon: remédio para o conhecimento; veneno
pela sedução das palavras; ou cosmético para maquiagem ou máscara. (Cf. Chauí, p. 1995, p.137)
A força da linguagem
Em grego a linguagem pode ser expressa por mythos e logos.
Mythos em grego significa narrativa. Linguagem que narra a origem dos deuses e a vida do grupo
social. (Cf. Chauí, p. 1995, p.137)
“O mito tem o poder de fazer com que as coisas sejam tais como são ditas ou pronunciadas.” (Chauí,
p. 1995, p.138). Exp. Gênesis. A linguagem possui um poder encantatório, reúne o sagrado e o profano. As
palavras-tabus não podem ser ditas por trazerem desgraças, tanto em contextos religiosos, como sociais. Na
origem “o Direito era uma linguagem de fórmulas conhecidas pelo árbitro e reconhecidas pelas partes em
litígio.” (Chauí, p. 1995, p.138).
A outra dimensão da linguagem
Segundo Chauí, Logos: significa palavra racional do conhecimento do real; discurso pensamento e
realidade. Diálogo é palavra-pensamento compartilhada. O logos desenvolve-se como poder de conhecimento
racional e as palavras, agora são conceitos ou idéias, estando referidas ao pensamento, a razão e à verdade. (Cf.
Chauí, p. 1995, p.139)
A origem da linguagem
A linguagem é natural, “…os humanos nascem com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e
cerebral que lhes permite expressar-se pela palavra; mas as línguas são convencionais, (…) são fatos culturais.”
(Chauí, p. 1995, p.137).
Conforme a psicologia genética a linguagem teria nascido dos seguintes processos:
• imitação dos sons da natureza;
• imitação dos gestos;
• necessidade;
• expressão das emoções. (Cf. Chauí, p. 1995, p.140)
“Uma linguagem se constitui quando passa dos meios de expressão aos de signifcação,…” A
significação dá conteúdo. (Cf. Chauí, p. 1995, p.141).
O que é linguagem?
“A linguagem é um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação entre
pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos.” (Chauí, p. 1995, p.141)
Sistema significa totalidade estruturada, com princípios e leis próprias.
Signos são objetos que indicam outros, designam outros ou representam outros.
Signos possuem função indicativa ou denotativa.
Possui função comunicativa, dialogamos, argumentamos, persuadimos, relatamos, discutimos…
A linguagem exprime pensamentos, sentimentos e valores, sendo nesse caso conotativa.
“A linguagem é um sistema de sinais com função indicativa, comunicativa, expressiva e conotativa.”
(Chauí, p. 1995, p.141)
Empiristas e intelectualistas diante da linguagem

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Para os empiristas a linguagem é um conjunto de imagens corporais e mentais formadas por
associação e repetição e que constituem imagens verbais (as palavras). Imagens corporais articulam sons e
letras. Imagens sensoriais, reconhecem sons e letras. A palavra ou imagem verbal é uma síntese das imagens
motoras e sensoriais. (Cf. Chauí, p. 1995, p.142).
Para os intelectualistas a capacidade para a linguagem é um fato do pensamento. Sendo a linguagem
uma tradução do pensamento, pois o pensamento procura e inventa palavras e palavras em línguas diferentes
têm o mesmo sentido. Helen Keler, surda e muda, aprendeu a usar a linguagem sem nunca ter visto as coisas e
as palavras. (Cf. Chauí, p. 1995, p.142).
Empiristas e intelectualistas consideram a linguagem como sendo fundamentalmente indicativa ou
denotativa, as palavras têm um uso instrumental representativo. Para ambos a função conotativa aparece como
elemento perturbador, daí a idéia de purificar a linguagem. (Cf. Chauí, p. 1995, p.143).
Purificar a linguagem
O Positivismo lógico distinguiu duas linguagens:
• a linguagem natural, que usamos todos os dias, que é imprecisa;
• a linguagem lógica, uma linguagem purificada formalizada, à qual deu ênfase através do estudo
da sintaxe lógica, por tanto as operações chamadas de cálculo simbólicos. (Cf. Chauí, p. 1995,
p.143).
Descobriu-se que haviam inúmeras formas de linguagem que não eram redutíveis aos enunciados e
que a linguagem usa certas expressões para as quais não existe denotação. Descobriu-se também que a redução
da linguagem ao cálculo simbólico, despoja de verdade a ontologia, literatura e história. (Cf. Chauí, p. 1995,
p.143-144).
Crítica ao empirismo e ao intelectualismo
No séc. XIX a linguagem era estudada nas perspectivas:
• da filologia, que estudava a história das palavras, pelo estudo das raízes para chegar a uma
língua original;
• e da gramática comparada, para encontrar famílias lingüísticas e chegar a língua-mãe. (Cf.
Chauí, p. 1995, p.144- 145).
O estudo das flexões revelou que as línguas mudavam por razões internas.
No séc. XX a lingüística elaborou uma nova concepção de linguagem:
• A linguagem é constituída pela distinção entre língua e fala. A língua é uma instituição social e
um sistema objetivo, enquanto a fala é o ato individual de uso da língua, tendo existência
subjetiva por ser o modo como os sujeitos falantes se apropriam da língua.
• A língua é uma totalidade dotada de sentido, na qual o todo confere sentido as partes. “Os
signos são os elementos da língua; são valores e não coisas ou entidades, isto é, são o que
valem por sua posição e por sua diferença com relação aos demais signos.
• O signo é o elemento verbal material da língua; enquanto o significado são os conteúdos ou
sentidos imateriais veiculados pelos signos; o significante é um grupo organizado de signos
que permite a expressão dos significados. (Cf. Chauí, p. 1995, p.145).
• A relação dos signos e significantes com as coisas é convencional, mas necessária para todos
os falantes da língua. (Cf. Chauí, p. 1995, p.145 - 146).
• A língua é uma estrutura constituída por diferenças internas ou oposições pertinentes entre
signos, por isso se diz que os signos são diacríticos.

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• A língua é um código (conjunto de regras que permite produzir informação e comunicação) e
se realiza através de mensagens, isto é , pela fala/palavra dos sujeitos que se comunicam.
• O sujeito falante possui a competência (capacidade de participar numa comunidade
lingüística) e a performance (atos de linguagem que realiza de modo pessoal)
• A língua possui duas dimensões: a sincrônica, seu estado atual; diacrônica suas mudanças na
história.
• A língua é inconsciente, vivemos nela e a empregamos sem necessidade de conhecê-la
cientificamente. (Cf. Chauí, p. 1995, p.146).
Uma língua, como o xadrez, é um todo convencional, um código com regras próprias, no qual cada
peça tem uma função. A língua possui uma estrutura que permanece, mas a maneira de falar é diversa.
Nas traduções, como cheese, fromage e queijo. O sentido das palavras é dado pelo todo da cultura, o
que as faz diferentes. (Cf. Chauí, p. 1995, p.146).
O momento de criação de um signo é arbitrário, porém passa ater um sentido necessário naquela
língua. (Cf. Chauí, p. 1995, p.147).
A experiência da linguagem
Somos seres falantes, temos e somo linguagem, ela é uma criação humana, ao mesmo tempo que nos
cria como humanos.
A palavra é um símbolo, representa algo diferente dela. O símbolo é um análogo. A linguagem nos
coloca em relação com o ausente é inseparável da imaginação. (Cf. Chauí, p. 1995, p.148).
A linguagem pode ser denotativa, comunicativa , expressiva ou conotativa. O positivismo lógico
levanta a pergunta: As palavras realmente dizem as coisas tais como são? E apresenta a foma binária.
Signo verbal – coisa indicada
Signo verbal – idéia ou conceito
Mas se a relação fosse apenas essa não haveria o sentido conotativo. Ex. Vênus, cujo sentido muda.
“Estrela da manhã” ou “estrela da tarde”. As palavras se referem a significações inventam significações, criam
significações.
Elas nos fazem pensar e nos dão o que pensar, porque se referem a significados.
Isso nos leva a considerar a linguagem numa forma ternária.
Palavra - Sentido - realidade
Ou signo - Significação – mundo
Significante – Singificado – instituições sociais.
A linguagem:
• Refere-se ao mundo através das significações (realidade)
• Relaciona-se com sentidos existentes e cria sentidos novos (pensamento)
• Exprime e descobre significados (comunicação)
• Tem poder de suscitar significações, de evocar recordações, de imaginar o novo ou o
inexistente. (Cf. Chauí, p. 1995, p.149).

“A linguagem revela nosso corpo como expressivo e significativo, os corpos dos outros como expressivos e
significativos, as coisas como expressivas e signficativas, o mundo como dotado de sentido e o pensamento
como trabalho de descoberta do sentido. As palavras têm sentido e criam sentido”. ( Merlau Ponty). ( Apud.
Chauí, p. 1995, p.146).
A linguagem não traduz imagens verbais de origem motora e sensorial, nem representa idéias feitas
por um pensamento silencioso, mas encarna as significações. (Cf. Chauí, p. 1995, p.149).
Linguagem simbólica e linguagem conceitual.
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A linguagem simbólica opera por analogias e por metáforas, realiza-se principalmente como
imaginação. A linguagem conceitual procura dar às palavras a um sentido direto e não figurado. Nela a
conotoção não possui uma natureza imagética.
• A linguagem simbólica é fortemente emotiva e afetiva enquanto a linguagem conceitual
procura falar das emoções e dos afetos sem se confundir com eles.
• A linguagem simbólica oferece sínteses imediatas (imagens) enquanto a linguagem conceitual
procede por desconstrução analítica e reconstrução sintética dos objetos. (Cf. Chauí, p. 1995,
p.149 -150).
• A linguagem simbólica nos oferece palavras polissêmicas. A linguagem conceitual procura
diminuir a polissemia.
• A linguagem simbólica leva-nos para dentro dela, pela força de seu sentido de sua beleza
evocações e apelos emotivos. A linguagem conceitual busca convencer por argumentos.
• A linguagem simbólica nos dá a conhecer o mundo criando um outro. A linguagem conceitual
busca dizer o nosso mundo.
• A linguagem simbólica privilegia a memória e a imaginação, a linguagem conceitual busca
dizer o nosso presente, fala do necessário, determinando suas causas motivos ou razões. (Cf.
Chauí, p. 1995, p.150).

O pensamento
O pensamento é a atividade na qual saímos de nós mesmos sem sairmos de nosso interior. Porém é
menos solitário e secreto do que se poderia supor. (Cf. Chauí, p. 1995, p.151).
Em Descartes “penso logo existo” e Pascal o homem um “caniço pensante” o pensamento indica a
própria essência do homem.
O que dizem os dicionários
Apresenta o sentido de pensar. “Se reunirmos os vários sentidos dos três verbos – pensare, cogitare e
intelligere – veremos que pensar e pensamento sempre significam atividades que exigem atenção: pensar,
avaliar, equilibrar, colocar diante de si para considerar, reunir e escolher, colher e recolher. O pensamento é,
assim, uma atividade pela qual a consciência ou a inteligência coloca algo diante de si para atentamente
considerar, avaliar, pesar, equilibrar, reunir, compreender, escolher, entender e ler por dentro.” (Cf. Chauí, p.
1995, p.153).
“O pensamento é a consciência ou a inteligência saindo de si ( ‘passeando’) para ir colhendo,
reunindo, recolhendo os dados oferecidos pela experiência, pela percepção, pela imaginação, pela memória,
pela linguagem, e voltando a si, para considerá-los intelectualmente, pesá-los diante de si, observá-los
intelectualmente, pesá-los, avaliá-los, retirando deles conclusões, formulando com eles idéias, conceitos, juízos,
raciocínios, valores.” (Cf. Chauí, p. 1995, p.153).
“O pensamento exprime nosso existência como seres racionais e capazes de conhecimento abstrato e
intelectual, e sobretudo manifesta sua própria capacidade para dar a si mesmo leis, normas, regras e princípios
para alcançar a verdade de alguma coisa.” (Cf. Chauí, p. 1995, p.153).
Experiências de pensamento
Quando se matuta horas para entender algo ou encontrar a solução de um problema, temos uma
experiência de pensamento. Também no diálogo, quando desenvolvemos e corrigimos idéias, ou ficamos
perplexos, temos uma experiência de pensamento. (Cf. Chauí, p. 1995, p.154).
“O pensamento apreende, compara, separa, analisa, reúne, ordena, sintetiza, conclui, reflete, decifra,
interpreta, interroga.” (Chauí, p. 1995, p.154).
A inteligência
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A psicologia define a inteligência como uma atividade de adaptação ao ambiente, através do
estabelecimento de relações entre meios e fins para a solução de problemas ou de uma dificuldade.
O instinto e o hábito são automáticos, específicos e inflexíveis. (Cf. Chauí, p. 1995, p.154).
A inteligência é flexível, portanto é capaz de criar instrumentos, escolher meios e fins. Os chimpanzés
são capazes de comportamentos inteligentes, ao empilhar caixotes ou encaixar bambus para alcançar bananas. O
chimpanzé percebe um campo perceptivo onde caixas e bambus são parte da paisagem e meios para um fim.
A criança antecipa uma situação e transforma os dados de uma situação presente fabricando meios
para fins ausentes. Ela lembra, espera, organiza imagina. “A criança representa seu mundo e atua praticamente
sobre ele”. (Cf. Chauí, p. 1995, p.155).
Inteligência e linguagem
Além da inteligência prática, temos também a inteligência teórica, cujo exercício é inseparável da
linguagem.
“A linguagem articula percepções e memórias percepções e imaginações, oferecendo ao pensamento
um fluxo temporal que conserva e interliga as idéias.” (Chauí, p. 1995, p.156). Piaget demonstra que
pensamento e linguagem caminhão juntos.
A inteligência humana caracteriza-se pela flexibilidade, plasticidade e inovação bem como pela
possibilidade de transformar a própria realidade. Realizando-se como conhecimento e ação. A linguagem
permite a inteligência comunicação, memória cultural, inovação e ruptura. A inteligência oferece a linguagem
clarificação, organização, ordenamento, síntese, articulação. (Cf. Chauí, p. 1995, p.156).
Inteligência e pensamento.
O pensamento, abstrai os dados das condições imediatas de nossa experiência e os elabora sob forma
de conceitos, idéias e juízos, estabelecendo articulações internas e necessárias entre eles pelo raciocínio e pela
síntese. (Cf. Chauí, p. 1995, p.156).
“Um conceito ou uma idéia é uma rede de significações que nos oferece: o sentido interno e essencial
daquilo a que se refere;” (Chauí, p. 1995, p.156). Seus nexos são expressos pelo pensamento através do juízo.
(Cf. Chauí, p. 1995, p.157).
Uma teoria é um conjunto de juízos que estabelecem um campo de objetos e os procedimentos para
conhecê-los, por conceitos ordenados de acordo com regras e princípios de racionalidade.
O pensamento elabora teorias, ou seja uma explicação ou interpretação intelectual de um conjunto de
fenômenos e significações, que estabelece a natureza, o valor e a verdade de tais fenômenos. A verdade ou
falsidade é determinada por critérios internos a própria teoria. (Cf. Chauí, p. 1995, p.157).
A necessidade do método
“O método é um instrumento racional para adquirir, demonstrar ou verificar conhecimentos.” (Chauí,
p. 1995, p.157). O método procura evitar o erro.
Platão criou a dialética discussão de teses contrárias e em conflito.
Aristóteles criou o silogismo e desenvolveu também o método indutivo.
Descartes enuncia as regras do método cujo objetivo é dar segurança ao pensamento, facilitar e
permitir alcançar todos os conhecimentos possíveis ao homem. (Cf. Chauí, p. 1995, p.158).
Bacon definiu o método como modo seguro e certo de aplicar a razão a experiência. (Cf. Chauí, p.
1995, p.159).
O método teve o papel de um regulador do pensamento. Descartes, a mathesis universalis, o
conhecimento da ordem necessária das idéias, valida para todos os objetos de conhecimento. Hoje porém, com a
fenomenologia e o estruturalismo, considera-se que cada campo do conhecimento deva ter seu método. Desse
modo o método dedutivo é próprio para objetos idealmente construídos (matemáticas), o método indutivo
(experimental e hipotético) é próprio a ciências naturais, compreensão e interpretação do sentido das ações é
próprio as ciências humanas. (Cf. Chauí, p. 1995, p.159- 160).
32
Alguns traços são comuns nos vários métodos filosóficos: reflexão (autoconhecimento), crítica
(fundamentos e condições de possibilidades) descrição (estrutura do campo de objetos) e interpretação
( sentido). (Cf. Chauí, p. 1995, p.160).
Pensamento mítico e Pensamento lógico
A tradição filosófica dos séculos XVIII e XIX, acreditou haver uma evolução do espírito humano na
passagem do mito para o logos. Hoje porém se sabe que o pensamento mítico pertence ao campo da linguagem
simbólica que coexiste com o campo do pensamento e linguagem conceituais. A antropologia mostra a
passagem da ciência ao mito. E a neurologia localiza as linguagens nos hemisférios opostos do cérebro. (Cf.
Chauí, p. 1995, p.160- 161).
Como o mito funciona
Strauss mostra que os selvagens não são atrasados, ma operam com o pensamento mítico, que é
uma organização da realidade a partir da experiência sensível enquanto tal. O pensamento mítico reúne as
experiências, as narrativas, os relatos, até compor um mito geral que explica a origem e a forma das coisas, suas
funções e finalidades. (Cf. Chauí, p. 1995, p.160- 161).
O mito possui três características principais: função explicativa( o presente é explicado pelo passado);
função organizativa ( organiza as relações sociais); Função compensatória (como no mito de Prometeu que
roubou o fogo do Olimpo). (Cf. Chauí, p. 1995, p.162)
O pensamento mítico opera pela reunião de heterogêneos, pela conferência de sentido metafórico às
coisas; estabelece relação entre seres naturais e humanos. (Cf. Chauí, p. 1995, p.162 - 163).
“Analogias e metáforas formam símbolos, isto é, imagens carregadas e saturadas de sentidos múltiplos
e simultâneos, servido para explicar coisas diferentes ou para substituir uma coisa por outra.” (Cf. Chauí, p.
1995, p.163) Assim, o fogo pode simbolizar um deus, uma paixão.
A peculiaridade do símbolo mítico está no fato de ele encarnar aquilo que ele simboliza. Ou seja, o
fogo não representa alguma coisa, mas é a própria coisa simbolizada. (Cf. Chauí, p. 1995, p.163)
Como funciona o pensamento conceitual
O pensamento conceitual opera por método lógico racional.
• Um conceito é uma descrição e uma explicação da natureza própria de um ser.
• Conceito e idéia são uma compreensão intelectual das coisas, não substituto.
• Conceito e idéia são o resultado de uma análise ou síntese.
• Um juízo e um raciocínio sistematizam relações racionais.
• Juízos e raciocínios buscam as causas universais.
• Juízos e raciocínios estabelecem a diferença entre vivências subjetivas e a estrutura objetiva do
pensamento geral.
• O pensamento lógico submete seus procedimentos a métodos, isto é, a regras de verificação.
(Cf. Chauí, p. 1995, p.163 –164)
O pensamento lógico opera de acordo com os princípios de identidade, contradição, terceiro excluído,
razão suficiente e causalidade.
A comparação do pensamento cosmogônico com o pensamento cosmológico grego mostra bem a
diferença entre as duas modalidades de pensamento. (Cf. Chauí, p. 1995, p.164)
Aristóteles sistematizou a cosmologia, numa física. Explicando os seres naturais pela teoria da matéria
e a forma, e também movimento a partir da teoria das quatro causas. (Cf. Chauí, p. 1995, p.164-165).

A consciência pode conhecer tudo?


33
Consciência e conhecimento
A teoria do conhecimento, distingue três graus de consciência ( passiva, vivida, reflexiva) tem como
centro a figura do sujeito do conhecimento, na qualidade de consciência de si reflexiva ou atividade permanente
racional que conhece a si mesma. Mas a consciência o sujeito do conhecimento descobriu um limite
intransponível chamado inconsciente. (Cf. Chauí, p. 1995, p.165)
O inconsciente
Três feridas: a primeira foi a de Copérnico os homens não eram mais o centro do mundo, a segunda a
de Darwin os homens descendem de um primata, Freud a consciência é a menor parte e a mais fraca de nossa
vida psíquica. (Cf. Chauí, p. 1995, p.166)
A psicanálise
Pela técnica da associação livre, Freud descobriu que a vida consciente da paciente era determinada
por uma vida inconsciente, que tanto ela quanto ele desconheciam. Descobriu que os sintomas histéricos tinham
três finalidades. 1 contar os sentimentos inconscientes; 2 punir-se por ter tais sentimentos; 3 realizar um desejo
inconsciente intolerável. Freud descobriu depois que os pacientes embora quisessem racionalmente a cura
havia uma resistência inconsciente a cura. O esquecimento operava de duas maneiras: 1 como resistência a
terapia 2 sob a forma de doença psíquica, que obriga o esquecido a reaparecer sob a forma de doença psíquica.
(Cf. Chauí, p. 1995, p.166 -167) Freud desenvolveu a psicanálise para estudar o inconsciente.
A vida psíquica
Segundo Freud a vida psíquica é constituída pelo id, super-ego e o ego.
O id ou libido é formado por pulsões, por instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes, que
são regidos pelo princípio do prazer. O complexo de Édipo é o desejo fundamental que organiza a totalidade da
vida psíquica e determina o sentido de nossas vidas.
O super-ego, também inconsciente é a censura das pulsões que a sociedade e a cultura impõem ao id.
Manifesta-se a consciência sob forma de moral. (Cf. Chauí, p. 1995, p.167)
O ego é a consciência, submetida aos desejos do id e à repressão do super-ego. Obedece ao princípio
da realidade, ou seja, à necessidade de encontrar objetos que possam satisfazer ao id sem transgredir as
exigências do super-ego sem se deixar destruir pelo mundo. A forma da existência para o ego é a angústia. (Cf.
Chauí, p. 1995, p.168)
A vida consciente normal é o equilíbrio encontrado pela consciência. O inconsciente, manifesta-se à
consciência através de substitutivos que formam o imaginário psíquico, que ao ocultar e dissimular o verdadeiro
desejo , o satisfaz indiretamente por meio do objeto substituto. (Cf. Chauí, p. 1995, p.168)
As coisas e os outros são investidos por nosso inconsciente com cargas afetivas de libido. A origem
das simpatias e antipatias, está em nossa infância. O inconsciente que se manifesta, possui dois níveis: o do
conteúdo manifesto e o do conteúdo latente. Somente a análise nos permite decifrar o conteúdo latente.
Na sublimação os desejos inconscientes são transformados em uma outra coisa. A perversão é uma
loucura social. O inconsciente só poderá ser captado indiretamente pela psicanálise. A psicanálise descobriu
uma limitação da consciência para dominar e controlar a realidade. Paradoxalmente revelou a capacidade da
razão para buscar a verdade e desvendar o incosciente.
Alienação social
Feuerbach ao investigar a religião afirma que o homem projeta seus ideais para um ser superior, pouco
a pouco se esquecem que foram os criadores desse ser e se alienam.
Na alienação os homens criam alguma coisa, lhe dão independência e deixam-se governar por ela, não
se reconhecem na obra que criaram, fazendo-a um ser-outro. (Cf. Chauí, p. 1995, p.170)
Marx investigou a alienação social. A ação sociopolítica e histórica chama-se práxis e o
desconhecimento de sua origem e de suas causas, alienação. (Cf. Chauí, p. 1995, p.160)

34
Marx verificou que uma sociedade começa pela divisão do trabalho que organiza todas as relações
sociais. A primeira instituição social é a família, a segunda é o comércio. As famílias mais pobres vêm-se
obrigadas a trabalhar para as mais ricas. Surge uma terceira instituição social: o trabalho servil. Os mais ricos e
poderosos se unem e criam o poder político, de onde virá o Estado. As famílias ricas dão a alguns de seus
membros a autoridade exclusiva para narrar mitos e celebrar ritos, criam a religião. A sociedade nasce de um
conjunto de divisões onde uma parte é beneficiada. A esse conjunto de instituições nascidas da divisão social
Marx deu o nome de condições materiais da vida social e política. Economia. (Cf. Chauí, p. 1995, p.171)
A história é a transformação de um modo de produção para outro. Marx afirmou que os homens fazem
a história em condições determinadas. A alienação social é o desconhecimento das condições histórico-sociais
concretas em que vivemos, produzidas pela ação humana, também sob o peso de outras condições históricas
anteriores e determinadas. Por um lado os homens não se reconhecem como agentes e autores da vida social,
por outro lado, julgam-se indivíduos autônomos. (Cf. Chauí, p. 1995, p.172)
As tre formas da alienação
1. Na alienação social os humanos, não se reconhecem como produtores das instituições
sóciopolíticas.
2. Na alienação econômica os produtores não se reconhecem como produtores, nem se reconhecem
nos objetos produzidos por seu trabalho. O trabalhador está separado de seu trabalho, que tem um preço. As
mercadorias estão separadas dele e podem mais do que ele.
3. A alienação intelectual, resulta da separação social entre trabalho material e trabalho intelectual. Os
intelectuais também se alienam, esquecem que suas idéias estão ligadas a classe dominante, são produzidas para
explicar a própria realidade e não são a própria realidade, possuem um origem social e não existem por si. (Cf.
Chauí, p. 1995, p.173)
Ideologia
A elaboração intelectual alienada incorporada pelo senso comum é a ideologia. A ideologia oculta as
divisões sociais e políticas dando-lhes a aparência de naturais. Assim faz com que as classes sociais aceitem as
condições em que vivem. Afirma que somos todos cidadãos com direitos iguais. Porém isso não acontece. (Cf.
Chauí, p. 1995, p.174)
A ideologia opera por inversão, coloca os efeitos no lugar das causas. Análoga ao inconsciente que
fabrica imagens e sintomas, fabrica idéias e falsas causalidades. Ex. o “ser feminino” é colocado como causa da
“função social feminina”. (Cf. Chauí, p. 1995, p.174)
A ideologia produz o imaginário social. Recolhendo as imagens da experiência social a ideologia as
reproduz, como representação da realidade e como normas e regras de conduta e de comportamento.
A ideologia também produz o silêncio. A coerência da ideologia vem do que é silenciado. (Cf. Chauí,
p. 1995, p.175)
As semelhanças entre a ideologia e o inconsciente são as seguintes:
1. Adotamos crenças, opiniões e idéias sem saber de onde vieram.
2. Operam através do imaginário e do silêncio, realizando-se indiretamente perante a consciência.
3. Não são deliberações voluntárias. O inconsciente precisa de imagens, substitutos, sonhos, etc,
para manifestar-se e esconder-se do consciente. A ideologia precisa das idéias-imagens, da
inversão de causas e efeitos, do silêncio para manifestar os interesses da classe dominante e
esconde-los.
Erguendo o véu, tirando a máscara.
Freud e Marx, chegaram a conhecer e explicar o inconsciente e a ideologia. Por isso em lugar de
invalidar a razão, a reflexão, a descoberta do inconsciente e da ideologia fizeram o sujeito do conhecimento
conhecer as condições – psíquicas, sociais, históricas- nas quais o conhecimento e o pensamento se realizam.
Portanto situaram o sujeito. (Cf. Chauí, p. 1995, p.173)
35
Discurso do Método
René DESCARTES
Contexto:
Mundo medieval x Revolução científica
Copérnico/ mundo duas mil vezes maior que o medieval
Kepler/ movimento dos planetas/ ciência experimental x metafísica
Galileu/ dez vezes mais estrelas/ ciência quantitativa
Primeira Parte
Bom senso = Razão: o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso é igual para todos. O principal é
aplica-lo bem mediante um bom Método
Ampla formação: Línguas, Matemática, Teologia, Filosofia, Jurisprudência, Medicina, costumes de outros
povos.
Da matemática admira a certeza e a evidência de suas razões.
Da teologia não a submete ao exame da razão.
Da filosofia afirma que não se encontra uma só coisa sobre a qual não se dispute.
Das outras ciências, na medida em que tomam seus princípios da Filosofia, julgava que nada de sólido se podia
construir sobre fundamentos tão pouco firmes.
Nutrido nas letras, verifica sua inconsistência e abandona seus estudos.
“Aprendi a não crer demasiado firmemente em nada que me fora inculcado só pelo costume; e assim
pouco a pouco, livrei-me de muitos erros que podem ofuscar a nossa luz natural e nos tornar menos
capazes de ouvir a razão.”
Segunda Parte
Mais perfeição na obra feita por um só.
Exemplo das leis de Esparta.
Não reformar o Estado, mas ajustar as opiniões ao nível da razão.
Segue o caminho de desfazer de todas as opiniões a partir de um projeto e método. O costume e o exemplo nos
persuadem mais que o conhecimento.
A lógica serve para explicar o que já se sabe, não aumentar o conhecimento.
Quatro preceitos do novo método:
1. Acolhe como verdadeiro só o que é evidente, claro e distinto.
2. Dividir as dificuldades em tantas parcelas quantas possíveis e necessárias.
3. Ordenar as soluções do simples para o complexo.
4. Fazer enumerações e revisões gerais para nada omitir.
Segue o modelo das cadeias de razão dos geômetras.
A ação com o método traz resultado. A verdade de cada coisa.
O método contém tudo quanto dá certeza às regras da aritmética. E permite o melhor uso da razão. Porém para
aplicar o método em filosofia, era necessário estabelecer princípios seguros.
Terceira Parte
Moral provisória, composta das máximas:
1ª Obedecer às leis e aos costumes de meu país, retendo a religião, e governando-me em tudo o mais, segundo
as opiniões mais moderadas, acolhidas pelos mais sensatos, com os quais teria que viver.
Porém, podendo mudar de opinião posteriormente pelo uso da razão.
2ª Ser firme na ação, seguindo, como se fossem seguras as opiniões mais duvidosas, sempre que tivesse
decidido a tanto. Não mudar por razões fracas.
36
3ª Procurar antes vencer a mim próprio do que à fortuna, e de antes modificar os meus desejos do que a
ordem do mundo. Desejar coisas possíveis.
4ª Procurar a melhor ocupação: cultivar a razão e adiantar-se no conhecimento da verdade. Não se contentar
com as opiniões dos outros, se não pelo exame do próprio juízo.
Assegurado destas máximas, poderia tentar desfazer-se de todas as outras opiniões. Assim, viaja pelo mundo,
adquire experiências, que lhe servem para estabelecer opiniões mais certas. Procura separar os prazeres dos
vícios e ficar com os divertimentos honestos.
Quarta Parte
Na pesquisa da verdade, age de maneira contrária a moral, rejeita como falso tudo em que pudesse imaginar
dúvida.
“resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais
verdadeiras que as ilusões de meus sonhos. Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim
pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava fosse alguma coisa. E notando que
esta verdade: ‘eu penso, logo existe’, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos
cépticos não seriam capazes de abalar.”
Não havia nesta certeza, nem corpo nem mundo, só existência, cuja essência era pensar, entende que a alma é
substância diferente do corpo.
Notando que é a clareza que assegura a verdade da afirmação eu penso, logo existo, toma por regra geral que
as coisas que concebemos mui clara e mui distintamente são todas verdadeiras.
Vendo claramente que o conhecer é perfeição maior que o duvidar, procura de onde aprendera a pensar em
algo mais perfeito do que ele: e conhece com evidência, que deveria ser de uma natureza mais perfeita, pois o
mais não vem do menos. Portanto, só poderia ter vindo de Deus, que possui todas as perfeições. Dele
dependeria a natureza. Examinado a idéia que tinha de Ser perfeito, verificava que a existência estava aí inclusa.
Sendo todas as outras coisas mais incertas. O critério de verdade, só é certo, porque Deus é, e dele provém
nossas noções, que devem ter algum fundamento de Verdade.

Investigações Acerca do Entendimento humano


David Hume
Seção II

Da origem das idéias


A memória e a imaginação podem imitar as percepções dos sentidos, porém nunca podem alcançar
integralmente a força e a vivacidade da sensação original. O pensamento mais vivo é sempre inferior à sensação
mais embaçada. 69
As percepções do espírito, menos fortes são geralmente denominadas pensamentos ou idéias. As precepções
mais vivas são as impressões.
…todo poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir
os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência.
Argumento 1, Idéias compostas se reduzem a idéias simples. Ex. Idéia de Deus, aumenta infinitamente
qualidades.
Argumento 2, Privado de uma classe de sensações não forma as idéias correspondentes. Ex. cego não forma
idéia de cor. 70
A imaginação pode preencher um vazio de percepção, como no exemplo de uma escala de cores, mas esse caso
não merece a modificação da máxima geral.

37
Idéias são fracas, impressões são fortes e vivas. Se um termo filosófico é suspeito de ser sem significado
devemos perguntar. “de que impressão é derivada aquela idéia? E, se for impossível designar uma, isto servirá
para confirmar nossa suspeita. (…) ao trazer as idéias a uma luz tão clara, removeremos toda discussão que
pode surgir sobre sua natureza. 71-72.

Seção III
Da Associação de Idéias.
Há um princípio de conexão entre diferentes pensamentos ou idéias do espírito humano. Qualquer pensamento

que interrompe a seqüência regular ou o encadeamento das idéias é imediatamente notado e rejeitado.

As idéias simples, compreendidas nas idéias complexas, foram ligadas por algum princípio universal. 72
Há três princípios de conexão entre idéias: de semelhança, de contigüidade e de causa.
O homem sempre tem algum objeto em vista. As composições geniais necessitam de um plano ou objeto. 73
As narrativas possuem uma unidade. A descrição histórica é influenciada pelo princípio de contigüidade no
tempo. Entretanto, a espécie mais habitual de relação entre os diferentes eventos que fazem parte de uma
composição narrativa é a de causa e efeito. O conhecimento de causas é o mais satisfatório. Essa conexão é
mais forte, mais instrutiva e nos permite controlar eventos. 74
Podemos agora ter uma idéia desta unidade de ação. O poeta épico conta com a imaginação e as paixões. A
poesia e o gênero épico exigem unidade mais próxima que qualquer outra espécie de composição. 74

Em primeiro lugar os detalhes servem vigorosamente para avivar as imagens e satisfazer a imaginação.
75

Em segundo lugar um poeta épico não deve descrever uma longa série de causas. A forte conexão de
eventos facilita a passagem do pensamento e a transfusão das paixões. 75

O interesse do espectador não pode ser desviado por cenas desarticuladas e separadas das outras. 75
Retomando a comparação entre história e a poesia épica, podemos concluir que a unidade é necessária em todas
essas produções. Vemos que a conexão que une os diferentes eventos é a relação de causa e efeito. Como a
diferença entre a história e a poesia épica consiste apenas nos graus de conexão que une entre si os vários
eventos que compõe seu tema, será difícil determinar com exatidão as fronteiras que separam um do outro. 76
As emoções despertadas por um objeto passam facilmente a um outro unido a ele. 77

Seção VII
Da idéia de conexão necessária
A Vantagem das ciências matemáticas sobre às morais é que as idéias das primeiras, sendo sensíveis são sempre
claras e distintas. 94
Nas ciências morais a principal dificuldade consiste em que as idéias tendem a cair na obscuridade e as

inferências são muito mais curtas. A principal dificuldade das matemáticas reside na extensão das inferências.

Não há idéias mais obscuras e incertas em metafísica do que as de poder, força, energia ou conexão necessária,
às quais necessitamos reportar-nos constantemente em todas as nossas inquirições.

38
Todas as nossas idéias são copiadas de impressões, é-nos impossível pensar em algo que antes não tivéssemos
sentido. 95
Para atingir um conhecimento total da idéia de poder ou de conexão necessária, devemos examinar sua
impressão. 96
“não somos jamais capazes, a partir de um único caso, de descobrir algum poder ou conexão necessária, alguma
qualidade que ligasse o efeito a causa e tornasse um a conseqüência infalível do outro. Apenas constatamos que
um realmente segue o outro”. O espírito não sente nenhuma sensação ou impressão interna em virtude desta
sucessão de objetos.
Não há nenhuma porção de matéria que nos revele através de suas qualidades sensíveis, um poder ou energia. O

poder que move a máquina do universo está oculto de nós.

Vejamos se a idéia de conexão necessária deriva da reflexão sobre as operações do nosso próprio espírito. 96

O movimento de nosso corpo obedece a ordem da vontade. Mas o modo pelo qual isto se realiza, distancia-se de

nossa consciência imediata e deve excluir-se para sempre de nossa mais diligente investigação.

Em primeiro lugar, indagamos se há algum princípio mais misterioso que a união da alma e do corpo .
Deveríamos conhecer a união oculta da alma e do corpo e a natureza dessas duas substâncias.
Em segundo lugar, não somos capazes de mover todos os órgãos do corpo com a mesma autoridade , embora
não possamos designar nenhuma razão, exceto a experiência, para uma diferença tão marcante entre uns e
outros. E a experiência não nos informa sobre a conexão que os liga e que os torna inseparáveis.

Em terceiro lugar, a anatomia nos ensina que não é o próprio membro que é movido, mas músculos
nervos e talvez alguma coisa ainda menor. Mas se se sentisse o poder original, deveríamos conhecê-lo; se o
conhecêssemos, dever-se-ia conhecer também seu efeito e vice-versa. 97
Que o movimento obedece a vontade é um fato da experiência corriqueira, mas o poder ou a energia que o
realizou é desconhecido.
Esta ordem da vontade não nos fornece nenhuma idéia real de força ou energia. 98
Primeiramente, deve-se admitir que quando conhecemos um poder, apreendemos na causa a precisa
circunstância que o capacita para produzir seu efeito, porque ambos se supõem sinônimos. Porém apenas
sentimos o evento, a saber a existência de uma idéia conseqüente a uma ordem da vontade, porém a maneira
como se realiza essa operação e o poder pelo qual ela é produzida estão inteiramente fora de nossa
compreensão. 98
Secundariamente , o governo do espírito sobre si mesmo é limitado como seu controle sobre o corpo. Quem
pretenderá dar a razão última desses limites?
Terceiramente, este domínio de si mesmo é muito diferente em diferentes momentos. 98
Esta energia da vontade acha-se tão afastada de nossa consciência que necessitamos recorrer à experiência para
convencer-nos de que tão extraordinários efeitos resultam efetivamente de um simples ato de vontade. 99

Os homens conhecem nas operações da natureza a conexão com seu efeito, pelo longo hábito. Mas os filósofos
que levam as pesquisas um pouco mais adiante, percebem imediatamente que, mesmo nos eventos mais
familiares, a energia da causa é tão ininteligível, como no mais invulgar.

39
Muitos filósofos pretendem que causas, não são mais que ocasiões e que o verdadeiro princípio é a vontade do
Ser supremo.
Ignoramos totalmente o poder do qual depende a ação mútua dos corpos, ignoramos também o princípio do qual
depende a operação do nosso espírito sobre o corpo.
Os mesmos filósofos afirmam a causalidade como vontade do Ser supremo com relação a nossa vontade.
Em primeiro lugar embora a cadeia racional seja logicamente correta, ela nos levou a conclusões extraordinárias
e distanciadas da vida diária e da experiência.
Em segundo lugar ignoramos também ou de que maneira ou força um espírito, mesmo o Supremo Espírito, age
sobre si mesmo ou sobre um corpo. Não temos sentimento ou consciência deste poder em nós mesmos.

Segunda parte
Temos procurado em vão uma idéia de poder ou conexão necessária. Todos os eventos parecem inteiramente
soltos e separados. Os eventos parecem estar em conjunção, mas jamais em conexão. E como não podemos
formar idéia de uma coisa que nunca se revelou aos nossos sentidos externos ou internos, a conclusão necessária
parece ser que não temos, definitivamente , idéia de conexão ou de poder, e que estes termos nada significam
quando utilizados nos raciocínios filosóficos. 101
Mas quando determinada espécie de eventos se mostra conjugada, denominamos de causa e efeito.
Parece, pois, que a idéia de uma conexão necessária entre eventos surge de vários casos semelhantes em que
ocorre a conjunção constante destes eventos. 101
O espírito é impelido pelo hábito e a transição da imaginação de um objeto para o outro é que gera a idéia de

poder ou de conexão necessária.

Esses objetos têm adquirido uma conexão em nosso pensamento.


Manifesta-se a debilidade de nosso entendimento pois de fato os objetos que visamos apreender com perfeição,
é aquele de causa e efeito.
Podemos definir uma causa como um objeto seguido por outro, de tal forma que todos os objetos semelhantes
ao primeiro são seguidos de objetos semelhantes ao segundo. 102
Pela aparição de um o espírito antecipa os sentidos e forma imediatamente a idéia do outro. 103
A idéia de conexão necessária nasce do hábito da transição costumeira da imaginação. 103

KANT, Immanuel Crítica da Razão Pura

Prefácio da primeira edição

A razão humana se vê atormentada por questões impostas por sua natureza, mas às quais não pode dar resposta.
“… vê -se obrigada a refugiar-se em princípios, que ultrapassam todo o uso possível da experiência…”
Princípios metafísicos, de disputas infindáveis. 3
Inicialmente sob a hegemonia dos dogmáticos, seu poder era despótico. Caiu essa metafísica em anarquia os
céticos, rompiam de tempos em tempos a ordem. Caindo por fim a metafísica no desprestígio. 4

40
“Evidentemente que não é efeito de leviandade, mas do juízo amadurecido da época, que já não se deixa seduzir
por um saber aparente; é um convite à razão para de novo empreender a mais difícil de suas tarefas, a do
conhecimento de si mesma e da constituição de um tribunal que lhe assegure as pretensões legítimas e, em
contrapartida possa condenar-lhe todas as pretensões infundadas; e tudo isso não pode ser decisão arbitrária,
mas em nome de suas leis eternas e imutáveis.” Esse tribunal é a Crítica da Razão Pura. 5
“… a solução para o problema da possibilidade ou impossibilidade de uma metafísica em geral e a
determinação tanto das suas fontes como da sua extensão e limites; …” 6
“Não evitei as suas questões, (…) depois de ter descoberto o ponto preciso do mal-entendido da razão consigo
mesma, resolvi-as com a sua inteira satisfação.” … o dever da filosofia era dissipar a ilusão proveniente de um
mal-entendido, mesmo com risco de destruir uma quimera tão amada e inaltecida. 6
“O problema que aqui levanto é simplesmente o de saber até onde posso esperar alcançar com a razão, se me for
retirada toda a matéria e todo o concurso da experiência” 7
“…todo o conhecimento que possui um fundamento a priori anuncia-se pela exigência de ser absolutamente
necessário; com mais forte razão deve assim acontecer a respeito de uma determinação de todos os
conhecimentos puros a priori que deve servir de medida e, portanto, de exemplo a toda certeza
apodítica(filosófica).’ 7
“Não conheço investigações mais importantes para estabelecer os fundamentos da faculdade que designamos
por entendimento e, ao mesmo tempo, para a determinação das regras e limites do seu uso, do que aquelas que
apresentei no segundo capítulo da Analítica transcendental, intitulado Dedução dos conceitos puros do
entendimento; (…) a questão fundamental reside sempre em saber o que podem e até onde podem o
entendimento e a razão conhecer, independente da experiência e não como é a própria faculdade de pensar.” 8
Afirma a importância da visão de conjunto. 9
“Na verdade, a metafísica outra coisa não é senão o inventário, sistematicamente ordenado , de tudo o que
possuímos pela razão pura. Nada nos pode aqui escapar, pois o que a razão extrai inteiramente de si mesma não
pode estar-lhe oculto; pelo contrário é posto a luz pela própria razão, mal se tenha descoberto o princípio
comum de tudo isso. 10

PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO

“Só o resultado permite imediatamente julgar se a elaboração dos conhecimentos pertencentes aos domínios
próprios da razão segue ou não a via segura da ciência.”
…a lógica, desde remotos tempos, seguiu a via segura,… 15
Não há acréscimo, mas desfiguração das ciências, quando se confundem os seu limites;… 16
Que a lógica tenha sido tão bem sucedida deve-se ao seu caráter limitado, (…) Seria naturalmente muito mais
difícil para a razão seguir a via segura da ciência, tendo de tratar não somente de si, mas também de objetos;…
16
No conhecimento teórico ou prático, “…a parte pura, isto é, aquela em que a razão determina totalmente a priori
o seu objeto, por muito ou pouco que contenha, deve ser exposta isoladamente, sem mistura com o que
contenha, deve ser exposta isoladamente, …” 16
A matemática e a física são dois conheciemtnos teóricos da razão que devem determinar a priori o seu objeto, a
primeira de uma maneira totalmente pura e a segunda, pelo menos, parcialmente pura, mas também por
imperativo de outras formas de conhecimento que não as da razão. 16
Desde os tempos remotos a matemática entrou na via segura da ciência. 17
Física só a século e meio.
“Compreenderam que a razão só entende aquilo que produz segundo os seus próprios planos; que ela tem que
tomar a dianteira com princípios que determinam os seus juízos segundo leis constantes e deve forçar a natureza
41
a responder às suas interrogações em vez de se deixar guiar por esta; de outro modo, as observações feitas ao
acaso, realizadas sem plano prévio, não se ordenam segundo a lei necessária, que a razão procura e de que
necessita.” (…)Assim, a própria física tem de agradecer a revolução, (…) do seu modo de pensar… 18
Quanto a metafísica: “Não há dúvida, pois, que seu método tem sido um mero tateio e, que é pior, um tateio
apenas entre simples conceitos.
“Até hoje admitia-se que o nosso conhecimento se devia regular pelos objetos; porém, todas as tentativas para
descobrir a priori, mediante conceitos, algo que ampliasse o nosso conhecimento, malograva-se com este
pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica,
admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com o
que desejamos, a saber, a possibilidade de um conhecimento a priori desses objetos, que estabeleça algo sobre
eles antes de nos serem dados.” 20
“Se a intuição tivesse de se guiar pela natureza dos objetos, não vejo como deles se poderia conhecer algo a
priori; se, pelo contrário, o objeto (enquanto objeto dos sentidos), se guiar pela natureza da nossa faculdade de
intuição, posso perfeitamente representar essa possibilidade.” 20
“…a própria experiência é uma forma de conhecimento que exige concurso do entendimento, cuja regra devo
pressupor em mim antes de me serem dados os objetos, por consequência, a priori e essa regra é expressa em
conceitos a priori, pelos quais têm de se regular necessariamente todos os objetos da experiência e com os quais
devem concordar.” 20
“…dedução da nossa capacidade de conhecimento a priori, na primeira parte da Metafísica, (…) a segunda
parte; (…) que não podemos nunca ultrapassar os limites da experiência possível, o que é precisamente a
questão mais essencial desta ciência.” 21
“Ora, admitindo que o nosso conhecimento por experiência se guia por objetos, como coisas em si, descobre-se
que o incondicionado não pode ser pensado sem contradição.” Buscar o incondicionado, não nas coisas que
conhecemos, nas na medida em que não as conhecemos em si. 22
A tarefa da crítica da razão é alterar o método da metafísica. 23
Sua utilidade é “a de nunca nos atrevermos a ultrapassar com a razão especulativa os limites da experiência e
esta é, de fato, sua primeira utilidade. 24
Não conhecimento de nenhum objeto como coisa em si, mas tão somente como objeto da intuição sensível. 25
Se o objeto pode ser tomado como coisa em si e como fenômeno e a causalidade se referir às coisas tomadas no
segundo sentido, pode pensar-se as coisas como sujeitas as leis da natureza, ou seja, como não livre; por outro
lado, enquanto pertencente a uma coisa em si, não sujeita a essa lei e portanto, livre.
Nunca posso, portanto, nem sequer para o uso prático necessário da minha razão, admitir Deus, liberdade e
imortalidade, sem ao mesmo tempo recusar à razão especulativa a sua pretensão injusta a intuições
transcendentes, porquanto, para as alcançar, teria necessariamente de se servir de princípios que, reportando-se
de fato apenas aos objetos de experiência possível, se fossem aplicados a algo que não pode ser objeto de
experiência, o converteriam realmente em fenómeno, desta sorte impossibilitando toda a extensão prática da
razão pura. Tive pois que suprimir o saber para encontrar lugar para a crença, e o dogmatismo da metafísica, ou
seja o preconceito de nela se progredir sem crítica da razão pura é a verdadeira fonte da que está em conflito
com a moralidade e é sempre dogmática. 27
… o legado metafísica sistemática, concebida segundo o plano da crítica da razão pura. (…) Portanto, a
primeira e mais importante tarefa da filosofia consistirá em extirpar de uma vez para sempre a essa dialética
qualquer influência nefasta, estancando a fonte dos erros. 28
“ Só a crítica pode cortar pela raiz o materialismo, o fatalismo, o ateísmo, a incredulidade dos espíritos fortes, o
fatalismo e a superstição, que se podem tornar nocivos a todos e, por último, também o idealismo e ceticismo,
que são sobretudo perigosos para as escolas e dificilmente se propagam no público. 30 “O dogmatismo é pois o
procedimento dogmático da razão sem uma crítica prévia da sua própria capacidade. (…) A crítica é antes a
42
necessária preparação para o estabelecimento de uma metafísica sólida fundada rigorosamente como ciência,
que há-de desenvolver-se de maneira necessariamente dogmática e estritamente sistemática, por conseguinte
escolástica.” 31
Também de futuro esse sistema se manterá imutável. 32

Introdução

Da diferença entre conhecimento Puro e conhecimento empírico

Na ordem do tempo nenhum conhecimento precede a experiência.


Embora todo conhecimento inicie na experiência, nem todo deriva dela, pois o próprio conhecimento por
experiência é composto do que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a nossa própria
capacidade de conhecer produz por si mesma. 36
Denomina-se a priori o conhecimento independente da experiência, diferente do Empírico que é a posteriori.
Dos a priori, são puros aqueles em que nada de empírico se mistura. 37

II
Estamos de posse de determinados conhecimentos a priori e mesmo o senso comum nunca deles é
destituído.

A proposição necessária é a priori, se não for derivada de nenhuma outra é aboslutamente a priori. 38
A experiência não concede universalidade verdadeira, apenas pressuposta.
É fácil mostrar juízos necessários e universais no conhecimento humano, juízos matemáticos, ou a proposição
toda mudança tem que ter uma causa. 39

43
III
A filosofia carece de uma ciência que determine a possiblilidade, os princípios e a extensão de todo o

conhecimento a priori.

Questiona a extensão dos nossos juízos para além dos limites da experiência, Deus, liberdade e imortalidade. 40
Quando se ultrapassa o círculo da experiência, há a certeza de não ser refutado pela experiência.
Devemos ter cautela em elaborar-mos nossas ficções. A matemática vai longe, mas ocupa-se de objetos apenas
na medida em que se podem representar na intuição 41
IV
Da distinção entre juízos analíticos e juízos sintéticos
Em todos os juízos ou o predicado B pertence ao sujeito A como algo que está contido nesse conceito A, ou B
está totalmente fora do conceito A, embora em ligação com ele. 42-43
Ex. todos os corpos são extensos. Juízo analítico.
Os juízos de experiência são todos sintéticos.
Tudo que acontece tem uma causa. Qual é a incógnita X em que se apoia o entendimento quando crê encontrar
fora do conceito A um predicado B, que lhe é estranho, mas todavia considera ligado a esse conceito? 45
Problema da ligação nos juízos sintéticos a priori. 45

V
Em todas as ciências da razão encontram-se como princípios, juízos sintéticos a priori.
1. Os juízos matemáticos são todos sintéticos 46
2. A ciência da natureza (physica) contém em si, como princípios, juízos sintéticos a “priori”: Em todas as
modificações do mundo corpóreo a quantidade da matéria permanece constante; ou em toda transmissão de
movimento, a ação e a reação têm de ser sempre iguais uma à outra. 48
3. Na metafísica deve haver juízos sintéticos apriori, pretendemos alargar nosso conhecimento a priori. A
metafísica em relação a seus fins, consiste em puras proposições sintéticas a priori. 49

VI

Problema Geral da razão pura


Como são possíveis os juízos sintéticos a priori?
A salvação ou ruína da metafísica consiste na solução deste problema.
Hume, na relação causa e efeito, julgou ter demonstrado que tal proposição a priori era totalmente impossivel;
segundo o seu raciocínio, tudo o que denominamos metafísica mais não seria do que simples ilusão de um
pretenso conhecimento racional que, de facto, era extraído da experiência e adquiria pelo hábito a aparência de
necessidade; Pelo seu raciocínio, também não poderia haver matemática pura, visto esta conter, certamente,
proposições sintéticas a priori.
Como são possíveis matemática e física puras? 50

44
Como é possível a metafísica como disposição natural? Como é que as interrogações, que a razão pura levanta e
que, por necessidade própria, é levada a resolver o melhor possível, surgem da natureza da razão humana em
geral? 51 Como é possível a metafísica como ciência? 51
O uso dogmático da razão, sem crítica, leva a afirmações sem fundamento, que se podem opor uma as outras e
consequentemente ao cepticismo. 51
Todo esforço de construção analítico dogmático da metafísica é inadequado.

VII
Idéia e divisão de uma ciência particular com o nome de crítica da razão pura.

A razão é a faculdade que nos fornece os princípios do conhecimento a priori. Logo a razão pura é a que contém
os princípios para conhecer algo absolutamente a priori. Um Organon da razão pura seria o conjunto desses
princípios, pelos quais são adquiridos todos os conhecimentos puros a priori e realmente constituídos.
Podemos considerar como propedêutica do sistema da razão pura, uma ciência que se limite simplesmente a
examinar a razão pura, suas fontes e limites.
Chamo transcendental a todo o conhecimento que em geral se ocupa menos dos objetos, que do nosso modo de
os conhecer, na medida em que este deve ser possível a priori. Um sistema de conceitos deste gênero deveria
denominar-se filosofia transcendental.
Esta filosofia é muito ambiciosa.
O único objeto de que nos ocuparemos é compreender em toda a sua extensão os princípios da síntese a priori.
Chamo crítica, por quanto sua finalidade não é o alargamento do próprios conhecimentos, mas a sua
justificação, e porque deve fornecer-nos a pedra de toque que decide do valor ou não valor de todos os
conhecimentos a priori. 53
Isto é possível por que nosso objeto é a natureza do entendimento que julga a natureza das coisas, e o
entendimento unicamente do ponto de vista dos nossos conhecimentos a priori. 54
Fazemos a crítica da própria faculdade da razão pura. 55
Pela sensibilidade, são nos dados os objetos, pelo entendimento são esses objetos pensados. 56

ESTÉTICA TRANSCENDENTAL

É pela intuição que todo conhecimento se relaciona imediatamente a objetos e ela é o fim para o qual tende
como meio, todo pensamento. “A capacidade de receber representações (…), graças a maneira como somos
afetados pelos objetos, denomina-se sensibilidade. Por intermédio da sensibilidade são-nos dados objetos e só
ela nos fornece intuições; mas é o entendimento que pensa os objetos e é dele que provém os conceitos.
O efeito do objeto sobre a capacidade receptiva é a sensação. A intuição que se relaciona com o objeto por meio
da sensação, chama-se empírica. O objeto indeterminado de uma intuição empírica chama-se fenômeno. 61
Dou o nome de matéria ao que no fenômeno corresponde à sensação; ao que porém, possibilita que o diverso do
fenômeno possa ser ordenado segundo determinadas relações, dou o nome de forma do fenômeno. A matéria é
dada a posteriori e a forma a priori.
Chamo puras todas as representações em que nada se encontra que pertença à sensação. Encontra-se a priori no
espírito a forma pura das intuições sensíveis em geral. Trata-se da intuição pura.
Estética transcendental é a ciência de todos os princípios da sensibilidade. 62
Na estética transcendental, isolamos a sensibilidade, para que apenas reste a intuição empírica. 63
Primeira secção.

45
DO ESPAÇO
EXPOSIÇÃO METAFÍSICA DESTE CONCEITO.

Por intermédio do sentido externo temos a representação de objetos como exteriores a nós e situados no espaço.
64
O sentido interno, mediante o qual o espírito intui a si mesmo, não nos dá qualquer intuição da alma como
objeto.
O tempo não pode ser intuído exteriormente, nem o espaço como se fora algo interior. 64
Exposição metafísica do conceito de espaço, a qual contém o que representa o conceito enquanto dado a priori.
64
1. A noção de espaço é fundamento para que determinadas sensações sejam relacionadas com algo exterior
e para que as possa representar como exteriores e a par uma das outras. 64
2. O espaço é uma representação, a priori, que fundamenta todas as intuições externas. 64
3. O espaço não é um conceito universal das relações das coisas em geral, mas uma intuição pura. As
proposições geométricas derivam de uma intuição a priori com uma certeza apodítica. 65
4. O espaço, ao contrário dos conceitos, é pensado como uma grandeza infinita, encerrando em si uma
infinidade de representações. 66

EXPOSIÇÃO TRANSCENDENTAL DO CONCEITO DE ESPAÇO


Exposição transcendental é a explicação de um conceito considerado como um princípio, a partir do qual se
pode entender a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos a priori.
A geometria é uma ciência que determina sinteticamente e a priori as propriedades do espaço. O espaço é uma
intuição pura, da qual se extrai proposições que ultrapassam o conceito. 66
Só na medida em que se situa no sujeito, como forma do sentido externo, em geral, enquanto propriedade
formal do sujeito de ser afetado por objetos e, assim obter uma representação imediata, dos objetos, ou uma
intuição. 67

Conseqüências dos conceitos precedentes.


a. O espaço não representa qualquer propriedade das coisas em si, nem essas coisas nas suas relações
recíprocas;
b. O espaço não é mais do que a forma de todos os fenômenos dos sentidos externos , isto é, a condição
subjetiva da sensibilidade, única que permite a intuição externa. 67

Se abandonarmos a condição subjetiva, sem a qual não podemos receber intuição exterior, ou seja, a
possibilidade de sermos afetados por objetos a representação do espaço nada significa. O espaço abrange todas
as coisas que nos possam aparecer exteriormente, mas não todas as coisas em si mesmas. 68
As nossas explicações ensinam-nos, pois, a realidade do espaço em relação a tudo o que nos possa ser
apresentado exteriormente como objeto, mas ao mesmo tempo a idealidade do espaço em relação às coisas
quando consideradas em si mesmas pela razão, isto é, quando se não atenda à constituição da nossa
sensibilidade. 68
Por outro lado, excetuando o espaço, não há nenhuma outra representação subjetiva e referida a algo de exterior,
que possa denominar-se objetiva a priori.69
Nada do que é intuição no espaço é uma coisa em si. O espaço não é uma forma das coisas. Nenhum objeto em
si nos é conhecido. 70

46
Segunda Secção

DO TEMPO

EXPOSIÇÃO METAFÍSICA DO CONCEITO DE TEMPO


1. O tempo não é um conceito empírico. Porque nem a simultaneidade nem a sucessão surgiriam na
percepção se a representação do tempo não fosse o seu fundamento a priori. 70
2. O tempo é uma representação necessária que constitui o fundamento de todas as intuições. O tempo é
dado a priori. Somente nele é possível toda a realidade dos fenômenos. 70-71
3. Sobre essa necessidade a priori assenta a possibilidade de princípios apodíticos das relações do tempo ou
axiomas do tempo em geral. O tempo tem apenas uma dimensão; diferentes não são simultâneos, mas
sucessivos.
4. O tempo não é um conceito discursivo, mas uma forma pura da intuição sensível . Não deriva de um
conceito universal a proposição, tempos diferentes não podem ser simultâneos.
5. A infinitude do tempo significa que qualquer grandeza determinada de tempo é somente possível por
limitações de um tempo único, que lhe serve de fundamento. Portanto, a representação originária do
tempo terá de ser dada como ilimitada. É preciso que haja uma intuição imediata que lhes sirva de
fundamento.
EXPOSIÇÃO TRANSCENDENTAL DO CONCEITO DE TEMPO
Os conceitos de mudança e movimento, só são possíveis na representação de tempo. Se esta representação não
fosse uma intuição a priori, nenhum conceito permitiria tornar inteligível a possibilidade de uma mudança, isto
é a possibilidade de um ligação de predicados contraditoriamente opostos num só e mesmo objeto. Só no tempo
é que as determinações contraditórias se podem encontrar numa coisa. 72
CONSEQUÊNCIAS EXTRAÍDAS DESSES CONCEITOS
a. O tempo não é algo que exista em si ou que seja inerente as coisas como determinação objetiva e que,
por conseguinte, subsista, quando se abstrai de todas as condições subjetivas da intuição das coisas. O
tempo é condição subjetiva indispensável de todas as intuições. É a forma da intuição interna que se
pode representar anteriormente aos objetos, portanto a priori. 72-73
b. O tempo é a forma do sentido interno, isto é, da intuição de nós mesmos e do nosso estado interior.
Realmente, o tempo não pode ser determinação de fenômenos externos não pertence a uma figura ou a
uma posição.
c. O tempo é a condição formal a priori de todos os fenômenos em geral. O espaço limita-se como
condição a priori aos fenômenos externos. Como todas as representações pertencem ao espírito, o tempo
constitui a condição a priori de todos os fenômenos. 73
Se considerarmos objetos em si então o tempo não é nada. Tem apenas validade objetiva em relação aos
fenômenos, porque estes já são coisas que admitimos como objetos dos nossos sentidos; mas perde essa
realidade se abstrairmos da sensibilidade da nossa intuição. O tempo é, pois, simplesmente, uma condição
subjetiva da nossa intuição e não é nada em si fora do sujeito. Todas as coisas enquanto fenômenos, estão
representadas no tempo, o princípio adquire a conveniente validade objetiva e universalidade a priori.
Ensina a realidade empírica do tempo, a sua validade objetiva em relação a todos os objetos que possam
apresentar-se aos nossos sentidos. Sua idealidade significa que nada é se abstrairmos das condições
subjetivas da intuição sensível e não pode ser atribuído aos objetos em si. 74
EXPLICAÇÃO
Objeção: As mudanças são reais, ora as mudanças só são possíveis no tempo; por conseguinte, o tempo é
algo de real.

47
O Tempo é, sem dúvida, algo real, a saber, a forma real da intuição interna; tem pois realidade subjetiva
relativamente à experiência interna, isto é, tenho realmente a representação do tempo e das minhas
determinações nele. O tempo possui realidade empírica, porém não absoluta. 75
O tempo e o espaço são formas puras de todas as intuição sensível, possibilitando assim proposições
sintéticas a priori como as da matemática. 76
Porém estas fontes determinam seus limites eles dirigem-se somente aos objetos enquanto são considerados
como fenômenos, mas não representam coisas em si. Só os fenômenos constituem o campo da sua validade,
saindo desse campo já não se pode fazer uso objetivo dessas fontes. 77
A estética transcendental não contém mais que espaço e tempo. Não contém o conceito de mudança, porque
não é o próprio tempo que muda, apenas muda algo que está no tempo. 78

OBSERVAÇÕES GERAIS SOBRE A ESTÉTICA TRANSCENDENTAL


I Nossa intuição é representação do fenômeno, as coisas que intuímos não são em si mesmas tal como
intuímos, nem as relações são em si mesmas constituídas como nos aparecem. 78
É-nos desconhecida a natureza dos objetos em si. Conhecemos somente o nosso modo humano de os
perceber. O espaço e o tempo são as formas puras desse modo de perceber. Nem o mais claro conhecimento
dos fenômenos, único que nos é dado, nos proporcionaria o conhecimento do que os objetos podem ser em
si mesmos. 79
A teoria de que nossa sensibilidade seria apenas a confusa representação das coisas, contendo simplesmente
o que elas são em si mesmas, representa um falseamento dos conceitos de sensibilidade e fenômeno. A
diferença entre uma representação clara e uma representação obscura é apenas lógica e não se refere ao
conteúdo. 79
Leibniz e Wolff, consideram apenas puramente lógica a distinção entre o sensível e o intelectual, porquanto
essa diferença é, manifestamente transcendental e não se refere tão só a sua forma clara ou obscura, mas à
origem e conteúdo desses conhecimentos. Assim, pela nossa sensibilidade, não conhecemos apenas
confusamente as coisas em si, porque não as conhecemos mesmo de modo algum. 80
Nossa estética transcendental não é hipótese verossímil, mas é tão certa, e tão indiscutível quanto se pode
exigir de uma teoria que deva servir de organon. 81
De simples conceitos, não se pode extrair conhecimentos sintéticos, só analíticos. Sereis obrigado a recorrer
à intuição, como se fez sempre em geometria. Se for empírica, nunca dará origem a uma proposição
universalmente válida e muito menos apodítica, pois a experiência não as pode proporcionar. Tereis pois que
vos dar a priori o vosso objeto de intuição e sobre ele fundar a vossa proposição sintética. 82
É certo que o espaço e o tempo, enquanto condições necessárias de toda experiência, são apenas condições
meramente suibjetivas da nossa intuição; relativamente a essas condições, portanto, todos os objetos são
simples fenômenos mas, nem o mínimo se poderá dizer da coisa em si que possa constituir o seu
fundamento. 83
II Ora, simples relações não fazem conhecer uma coisa em si; eis porque bem se pode avaliar que, se o
sentido externo nos dá apenas representações de relações, só poderá conter, na sua representação, a relação
de um objeto com o sujeito e não o interior do objeto, o que ele é em si. 83
Esta forma da intuição só pode ser a maneira como o espírito é afetado pela sua própria atividade. 84
Tudo o que é representado por um sentido é sempre um fenômeno o próprio sujeito só poderia ser
representado por seu intermédio como fenômeno. O sujeito intui-se a si próprio na representação do tempo,
tal como aparece a si mesmo e não tal como é. 84
III Espaço e tempo representam seus objetos como aparecem, mas isso não significa que esses objetos sejam
simples aparência. Distingue-se este objeto, enquanto fenômeno, do que é enquanto objeto em si. 85

48
IV Na teologia natural em que se pensa um objeto que não pode ser objeto de intuição sensível, tem-se o
cuidado de retirar a toda intuição que lhe seja própria as condições de espaço e tempo.
Não são condições objetivas da existência das coisas, mas formas subjetivas do nosso modo de intuição,
modo que se denomina sensível, porque não é originário quer dizer, não é um modo de intuição tal, que por
ele seja dada a própria existência do objeto da intuição, antes é dependente da existência do objeto 86
CONCLUSÃO DA ESTÉTICA TRANSCENDENTAL
Como são possíveis proposições sintéticas a priori? A partir das intuições puras a priori. Nestas intuições,
quando num juízo a priori queremos sair do conceito dado, encontramos aquilo que pode ser descoberto a
priori, não no conceito, mas certamente na intuição correspondente, e pode estar ligado sinteticamente a esse
conceito; mas tais juízos, por esta razão, nunca podem ultrapassar os objetos dos sentidos e apenas têm valor
para objetos da experiência possível. 87

LÓGICA TRANSCENDENTAL

INTRODUÇÃO
IDÉIA DE UMA LÓGICA TRANSCENDENTAL
I
DA LÓGICA EM GERAL
O nosso conhecimento provém de duas fontes fundamentais do espírito, das quais a primeira consiste em
receber as representações e a segunda capacidade de conhecer um objeto mediante estas representações.
Intuição e conceitos constituem, pois, os elementos de todo o nosso conhecimento, de tal modo que nem
conceito sem intuição que lhe corresponda, nem intuição sem conceitos podem dar um conhecimento.
A intuição pura contém unicamente a forma sob a qual algo é intuído e o conceito puro somente a forma do
pensamento de um objeto em geral. 88
O entendimento é, a capacidade de produzir representações ou a espontaneidade do conhecimento. A intuição só
pode ser sensível e o entendimento é a capacidade de pensar o objeto da intuição sensível.
A lógica, como lógica do uso geral (elementar), contém as regras absolutamente necessárias do pensamento. 89
A lógica geral é, pois, ou lógica pura ou lógica aplicada. Na primeira, abstraímos de todas as condições
empíricas relativamente às quais se exerce o nosso entendimento. A teoria pura da razão é, na verdade, uma
ciência, embora curta e árida, como exige a teoria escolástica de uma teoria elementar do entendimento.
Segue duas regras:
1. Enquanto lógica geral,abstrai totalmente do conteúdo do conhecimento do entendimento e da
diversidade dos seus objetos e refere-se apenas à simples forma do pensamento.
2. Enquanto lógica pura não tem princípios empíricos, por conseguinte nada vai buscar à psicologia pelo
que essa não deverá ter influência alguma sobre o cânone do entendimento. É uma doutrina
demonstrada, e tudo nela tem de ser certo a priori. 90

II
DA LÓGICA TRANSCENDENTAL
A lógica geral abstrai de todo o conteúdo do conhecimento e considera a forma do pensamento em geral. Como
há intuições puras e há intuições empíricas, haveria também uma lógica em que se não abstrairia de todo o
conteúdo do conhecimento; porque a que contivesse apenas as regras do pensamento puro excluiria todos os
conhecimentos de conteúdo empírico. Esta lógica também se ocuparia da origem de nossos conhecimentos dos
objetos. 91
Não se deve chamar transcendental a todo o conhecimento a priori, mas somente àquele pelo qual conhecemos
que e como certas representações (intuições ou conceitos) são aplicadas ou possíveis a priori. 92
49
Na presunção de que haja conceitos que se possa referia a priori a objetos concebemos a idéia de uma ciência do
entendimento puro e do conhecimento de razão pela qual pensamos objetos absolutamente a prioi. Uma tal
ciência que determinaria a origem, o âmbito e o valor objetivo desses conhecimentos, deveria chamar-se lógica
transcendental. 92
III
DA DIVISÃO DA LÓGICA EM GERAL EM ANALÍTICA E DIALÉTICA.
Verdade consiste na concordância do conhecimento com o seu objeto. Porém qual é o critério geral e seguro de
verdade de todo o conhecimento?
Não se pode exigir nenhum critério geral da verdade do conhecimento, quanto à matéria, porque tal seria, em si
mesmo, contraditório. 93
No que respeita, porém ao conhecimento, considerado simplesmente segundo a mera forma, é igualmente claro
que uma lógica, na medida em que expõe as regras gerais e necessárias do entendimento, deverá nessas mesmas
regras expor critérios de verdade. Esses critérios são certos, mas não suficientes, pois podem estar em
contradição com o objeto, por erro que incida sobre o conteúdo. 94
Contudo essa lógica geral que é apenas um cânone para julgar, tem sido usada como um organon para realmente
produzir afirmações objetivas, o que constitui um abuso. À lógica geral, considerada como pretenso organon,
chama-se dialética.
Entre os antigos dialética era apenas a lógica das aparências uma arte sofística. ( verniz de verdade para ilusões
voluntárias) A lógica geral, considerada como organon, é sempre uma lógica da aparência, isto é, dialética.
Lógica dialética é crítica da aparência dialética.
IV
DA DIVISÃO DA LÓGICA TRANSCENDENTAL EM ANALÍTICA E DIALÉTICA TRANSCENDENTAIS
Numa lógica transcendental, isolamos o entendimento e destacamos a parte do pensamento que tem origem no
entendimento. 95
A parte da lógica transcendental que apresenta os elementos do conhecimento puro do entendimento e os
princípios , sem os quais nenhum objeto pode, em absoluto, ser pensado, é a analítica transcendental e,
simultaneamente uma lógica da verdade. 96
“Como, porém, é muito atraente e sedutor servir-se apenas desses conhecimentos para além dos limites da
experiência, única fornecedora da matéria (dos objetos) a que esses conceitos puros do entendimento se podem
aplicar, corre o entendimento o perigo de, mediante ocas sutilezas, fazer uso material de princípios meramente
formais do entendimento puro e de julgar indiscriminadamente sobre objetos que nos não são dados,(sic.) e que
talvez de nenhum modo o possam ser. Como a lógica, verdadeiramente, deveria ser apenas o cânone para
ajuizar do uso empírico (do entendimento) é abuso dar-lhe o valor de organon para um uso geral e ilimitado.
A segunda parte da lógica transcendental é uma crítica a aparência dialética, enquanto crítica ao uso hiperfísico
do entendimento e da razão, para desmascarar a falsa aparência. 96
Primeira Divisão
A ANALÍTICA TRANSCENDENTAL
Esta analítica é a decomposição de todo o nosso conhecimento a priori nos elementos do conhecimento puro do
entendimento. Condições: 1. Que os conceitos sejam puros. 2. Que não pertençam à intuição nem a
sensibilidade, mas ao entendimento. 3.Que sejam conceitos elementares. 4.Que a sua tábua seja completa e
abranjam totalmente o campo do entendimento puro.
A analítica transcendental é constituída por dois livros, o primeiro contém os conceitos e o outro os princípios
entendimento puro. 98
LIVRO PRIMEIRO
ANALÍTICA DOS CONCEITOS

50
Por analítica dos conceitos entendo: a decomposição, ainda pouco tentada, da própria faculdade do
entendimento, para examinar a possibilidade dos conceitos a priori, procurando-os somente no entendimento,
como seu lugar de origem, e analisando em geral o uso puro do entendimento. 99
CAPÍTULO I
DO FIO CONDUTOR PARA A DESCOBERTA DE TODOS OS CONCEITOS PUROS DO
ENTENDIMENTO
A filosofia transcendental tem de procurar esses conceitos segundo um princípio, porque brotam, puros e sem
mistura, do entendimento, como de uma unidade absoluta, pelo que têm de se ligar entre si segundo um
conceito ou uma idéia. 101
Primeira Secção
DO USO LÓGICO DO ENTENDIMENTO EM GERAL
O conhecimento do entendimento humano é um conhecimento por conceitos, que não é intuitivo, mas
discursivo. Todas as intuições, enquanto sensíveis, assentam em afecções e os conceitos, por sua vez em
funções. Entendo por função a unidade da ação que consiste em ordenar diversas representações sob uma
representação comum. Os conceitos fundam-se sobre a espontaneidade do pensamento, tal como as intuições
sensíveis sobre a receptividade das impressões. Só uma intuição se refere imediatamente a um objeto, um
conceito é referido a qualquer outra representação. O juízo é, pois, o conhecimento mediato de um objeto,
portanto a representação de uma representação desse objeto.102
Todos os conceitos são funções de unidade entre nossas representações, uma representação mais elevada que
reúne muitos conhecimentos possíveis, que se carece para o conhecimento do objeto. 103
Podemos, reduzir a juízos todas as ações do entendimento em geral que pode ser representado como faculdade
de julgar. Podemos expor totalmente as funções da unidade nos juízos. 103

51

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