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"Depois que tudo já tinha sido feito, ou antes, que nada mais pudesse

acontecer”.

Sempre ouço falar do fim do mundo, e sei que a cada dia que passa ele inexoravelmente se
aproxima, nunca levei isso muito a sério, na verdade brinco que adoraria assistir a tão
fabuloso espetáculo na primeira fila, de preferência com vista para o mar saboreando uma
água de coco bem gelada.
Outro dia fiz a mesma brincadeira com meus filhos durante o almoço, e cada um deles à sua
maneira teve uma reação, nada que não fosse de se esperar de crianças, eu porém, comecei
a tecer várias considerações, algumas fatalistas, outras bem humoradas, o quadro a ser
pintado é algo que realmente não se poderá evitar, não há porque não encarar com
naturalidade.
A cada desgraça que acontece, ou a cada nova moda inventada, ou barbaridade praticada,
todos são categóricos ao afirmar, “ISTO É O FIM DO MUNDO”, talvez seja mesmo, mas é
quase certo que ainda não, mesmo assim ainda quero aquele meu lugar na primeira fila com
vista para o mar e com a água de coco bem gelada.
Doenças, catástrofes naturais, guerras, assassinatos com requintes de crueldade, o ser
humano dando provas cada vez mais concretas de sua incapacidade de viver no planeta que
habita sem destruí-lo por alguns trocados a mais, ou uma gozada que não possa ser deixada
para daqui a cinco minutos, talvez fosse a última e mais mórbida diversão a ser apresentada
para a humanidade, acho que até mereceríamos todos ingressos vip para assistirmos a
derrocada final do homem, e o triunfo das baratas.
Neste dia do juízo final, em que inspiraríamos nossos últimos litros de ar pútrido, teríamos
todos a certeza que não mais viveríamos para contar nossa história, ou para dar aquela
trepada com quem tanto sonhamos, ou ainda comprar qualquer coisa, ou mesmo roubar o
que por tanto tempo desejamos, não poderíamos perder tempo buscando nossos inimigos
para mata-los, talvez já estivessem mortos.
Neste último e fatídico dia da humanidade sobre a terra de nada adiantaria pedir perdão, ou
perdoar, ser bondoso, ou perverso, Deus talvez nem estivesse prestando atenção no que
estaria ocorrendo, talvez estivesse ocupado com coisas muito mais interessantes, talvez
nunca tivesse estado em qualquer lugar.
O que eu poderia fazer nesse dia, se realmente estivesse presente?
Talvez fosse realmente até a praia, beber uma água de coco bem gelada, ou ainda estivesse
em casa almoçando com a família, não sei se faria nada que fosse digno de nota, ou
extremamente prazeroso, ou ainda que resolvesse me afirmar como melhor que alguém
neste dia em que finalmente todos nós haveríamos de inspirar nossos últimos litros de
poluição, deixando todo o planeta à mercê das baratas, e de toda sorte de insetos, e vermes.
Uma só coisa me preocupava nessa minha viagem a este dia caso ele fosse realmente
acontecer tão brevemente, isto não seria fácil de ser explicado às crianças caso ainda
estivessem comigo à mesa, mas também não seria necessário, mesmo porque elas assim
como todos nós não teríamos mais um minuto de vida sequer, eu seria poupado pela
impiedosa intervenção do destino comum a todos, acho que seria inútil explicar o que não
precisaria mais de qualquer explicação, a realidade seria mais forte que minhas palavras,
ela sempre é.
Gostaria, no entanto de saber com seria o mundo das baratas e vermes que fatalmente
tomariam conta de toda a terra, vida haveria, e quem sabe inteligência também, não sei se
seria capaz de compreender sua nova ordem, sua lógica extremamente peculiar.
Imagino ainda que restaria muito lixo sobre a terra, muita sucata a se degradar com o
tempo, máquinas que ainda estariam inteiras e aptas a funcionar se houvesse energia e
alguém para comandar.
Computadores sem qualquer uso cheios de informações de todo tipo, ou totalmente vazios,
obras de arte em museus que não passariam de um monte de material acumulado para
finalidade alguma, isto também estaria a total disposição das nossas amigas baratas, dos
vermes e demais seres que sobrevivessem ao fim dos tempos.
O Tempo também desapareceria, ninguém mais se incomodaria em perceber sua passagem
nem registra-la com relógios e calendários, talvez sobrassem vozes, registradas em
gravações, imagens daquilo que um dia esteve por lá, palavras escritas, ou faladas, mas não
significariam mais nada.
Ainda assim o tempo passaria como sempre passou, indiferente à consciência de quem quer
que fosse um dia nota-lo passar, e quem sabe até alguém notasse à medida que ele fosse
passando.
Eu decidi então encarar o fim do mundo como um evento que se aproxima a cada dia, e
coloquei meu plano de reserva de lugares em ação, mesmo porque jamais me perdoaria se
não tivesse aquele meu lugar de frente para o mar, e aquela água de coco gelada nas mãos.
Trabalho com um objetivo bem claro em minha vida preciso conseguir estes lugares e
aproveitar o máximo deles enquanto puder, mesmo porque não vai ter graça nenhuma se o
espetáculo durar só alguns minutos, mas vai ser muito bom aproveitar desta condição
enquanto o tal dia não chega, e se não chegar comigo vivo, vai ser uma pena, mas de uma
certa forma cada um tem seu diazinho do juízo final quando bate as botas.
O ser humano brinca de ser Deus todos os dias, e até inventa um Deus que lhe seja útil para
justificar tudo aquilo que faz, não sei se devo esperar me encontrar com esse Deus que
todos falam, ele pode ser bem diferente disso tudo, posso tomar um grande susto, ou talvez
não me encontrar com ninguém, mas sei que isso que tem dentro de mim e que me faz
escrever tudo o que escrevo permanecerá vivo após o final de tudo, este meu “Eu
Interior”, resistirá assim como as baratas, e talvez se desprendendo do tempo possa
testemunhar uma história de um novo mundo a ser criado.
Não chega a ser uma obra de ficção, é apenas um pouco de maquiagem literária jogada
sobre aquilo que já está acontecendo.
Nosso planeta se aquece a cada dia devido à utilização de combustíveis fósseis, mas nossa
mente pode nos levar imaginar quadros tenebrosos, não custa nada tentar.
Imaginem que daqui a alguns anos vamos nos dar conta que tanto consumo de energia só
pode nos levar mais rapidamente ao abismo, ainda que tenhamos muito que queimar, e
temos de sobra.
A cidade de São Paulo é uma das maiores consumidoras de energia do planeta, e muitas
vezes consome muito além do que necessita, imagine que um governante resolva fazer um
esforço para deter este consumo desenfreado.
Aparelhos de ar condicionado seriam desativados em repartições públicas, lâmpadas seriam
substituídas por outras mais eficientes, e até mesmo os hospitais seriam incluídos neste
esforço, mesmo porque jamais poderia faltar energia nos grandes hospitais da cidade de São
Paulo.
Tanto esforço só nos daria mais algum tempo de sobrevida, o aquecimento global ainda
assim continuaria em curso, mesmo depois de algumas décadas de esforço dedicado de
governantes, cidadãos e da comunidade científica, os grandes hospitais da São Paulo
tomariam medidas conjuntas de controle de consumo de energia, alas que não precisassem
de ar condicionado, passariam a não tê-lo, algumas outras seriam transferidas para tendas
onde haveria mais ventilação e o controle de contaminação por agentes biológicos seria
mais rigoroso, salas de cirurgia ainda ocupariam prédios de concreto e aço, mas salas de
parto seriam mudadas para os ambientes tenda, onde seria mais fácil respirar, e ainda assim
se garantir um controle de infecção hospitalar quase excelente.

Esta solução arriscada, mas plena de êxito criaria um novo paradigma a ser buscado,
mesmo assim ainda estaríamos morrendo lentamente sufocados, a cada dia, e chegaria com
certeza o dia em que esta solução não poderia mais ser aplicada, o ar seria tão poluído que
os recém – nascidos correriam grave risco de intoxicação, e chegaria ainda o dia que ao dar
seu primeiro grito para a vida uma criança haveria de consumir os últimos centímetros
cúbicos de ar respirável, e morreria em seguida, juntamente com os trilhões de pessoas
sobre a terra.
A maior de todas as catástrofes é o aquecimento global, pois ainda morreremos todos sem
nenhum tiro ou explosão, mas pela nossa avidez de consumir qualquer coisa que esteja à
nossa disposição.

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