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Resumo:
Este artigo apresenta, embasado na Teologia da Libertação, a premissa do Reino de
Deus entendido como escatologia Realizada. Diante disto é apresentado
sistematicamente como as utopias podem atuar como incentivadoras das práticas
políticas. Tendo em vista que a Escatologia Realizada gera uma participação e
envolvimento no mundo no sentido de torná-lo mais justo e sensível aos oprimidos e
excluídos.
INTRODUÇÃO
*
O autor é graduado em Teologia e pós graduando em Teologia Sistemática pelo centro universitário
Isabela Hendrix.
2
O tema deste artigo se justifica devido a sua relevância, pois promove uma
discussão a respeito da realidade dos(as) oprimidos(as) e excluídos(as) socialmente.
Entende-se aqui que o foco da escatologia deve ser a promoção da esperança do
Reino de Deus. Entende-se, entretanto, que esta esperança tem seu lugar na
realidade terrena. Transportar essa esperança para um futuro, além da vida terrena,
se incorre em um processo alienante e descomprometido com as realidades e
necessidades humanas, principalmente à aqueles que são negados as condições
mínimas.
1
LIBÂNIO; BINGEMER, 1996, p. 76.
2
Ibid, p. 27.
3
Ibid, p. 62.
4
BOFF, 2003, p. 27
4
5
A Escatologia Clássica é entendida a partir da concepção tradicional que visa responder unicamente
as perguntas sobre o além. Maiores detalhes em: LIBÂNIO; BINGEMER, 1996, p. 27.
6
LIBÂNIO; BINGEMER, 1996, p. 31.
7
Ibid, p. 32.
8
BOFF, 2003, p. 23.
9
Ibid, p. 41.
10
SILVA, 2007, p. 23.
5
Desta forma, no ponto de vista da TdL, o Reino de Deus está comprometido com as
práticas de justiça, de amor e liberdade, consequentemente com a denuncia das
injustiças sociais, estruturais e humanitárias. Este comprometimento trás um viés
político e social para esta linha teológica.
Na perspectiva da TdL, o Reino de Deus tem uma íntima relação entre esperança
escatológica e práxis social, entendida aqui como este envolvimento político social.
Isto se dá devido à compreensão que esta linha teológica tem a respeito do termo.
11
SILVA, 2007, p. 23.
12
VEDOATO, 2008, p. 03
13
LIBÂNIO, 1989, p. 157.
14
BOFF, 2003, p. 42.
6
George Pixley, teólogo da TdL, faz em seu estudo acerca do Reino de Deus a
tentativa da retomada do sentido original deste termo. Segundo este autor a
concepção primitiva e mais remota é a do Reino de Deus compreendido como o
reino de liberdade e de justiça que se manifesta no seio da humanidade com forte
viés político e revolucionário.
Percebe-se pela postura, ainda hoje, correntes teológicas muito distantes do sentido
ideológico remoto associado ao termo Reino de Deus identificado por Pixley em sua
obra descrita acima. Libânio17 classifica estas correntes teológicas de adeptos à
Escatologia Clássica. Geralmente estas correntes relacionam este termo a um futuro
existencial – pós morte. Como aponta Campos18, estas correntes se acomodam com
relação aos problemas políticos e sociais. Movimentos como os pré-milenistas e
especialmente os dispensacionalistas advogam neste sentido. Estas posições
teológicas geralmente são muito pessimistas com relação a realidade política e
15
PIXLEY, 1986, p. 65.
16
Ibid.
17
LIBÂNIO; BINGEMER, 1996, p. 57-68.
18
CAMPOS, 1998, p. 4.
7
social presente. Seu apego está na restauração completa de toda obra criada a
partir da segunda vinda do Cristo.
19
COSTAS, 1989, p. 59. Orlando Costa é teólogo Batista Latino Americano, destaca-se como
representante da teologia da encruzilhada, devido seu dialogo com várias correntes teológicas em
seu contexto histórico social.
8
A utopia é entendia aqui como algo que pode e deve ser concretizado nesta
realidade existencial terrena. Segundo Libânio “a utopia é a mola, o motor, o
princípio vital da sociedade humana”22. Isto se dá devido à dupla experiência dos
grupos humanos. De um lado, existem interiormente aspirações por convívio,
fraternidade e felicidade com os seus semelhantes. Do outro lado, constatam a
insuficiência das estruturas sociais presentes. Deste confronto, os grupos humanos
imaginam e potencializam modelos melhores. Dá-se inicio então a um movimento no
sentido de “dar lugar” a este tópos23 na história24. É a utopia ganhando forma no
horizonte histórico.
20
Segundo definição do Dicionário Aurélio utopia significa: Projeto irrealizável; quimera; fantasia.
21
LIBÂNIO, 1985, p. 40.
22
Ibid, p. 39.
23
O vocábulo tópos vem do grego e significa “não lugar”.
24
LIBÂNIO, 1985, p. 39; 40.
25
LIBÂNIO; BINGEMER, 1996, p.34
9
Para se entender a relação entre utopia e Reino de Deus Boff e Pixley26 afirmam que
a concepção deste como uma realidade presente é valida somente se passar por
mediações viáveis. Neste sentido, estes autores apresentam no texto bíblico
especialmente dois casos em que os projetos Divinos utópicos foram transformados
em realidade histórica.
26
BOFF; PIXLEY,1986, p. 125, 126.
27
Ibid.
28
Ibid.
10
Libânio afirma que “a criação de utopias está intimamente ligada com as práticas
políticas”29. Com esta afirmação demonstrar-se-á as implicações destas utopias
políticas na concretização do Reino de Deus.
29
LIBÂNIO, 1985, p. 39.
30
Ibid, p. 13.
31
MAAR, 1982. Nesta obra o autor esclarece as noções básicas sobre política e afins.
32
ALDÉ, 2001, p. 38.
11
Os assistidos do Reino
Na percepção da TdL, entende-se que aos sofridos é negado a liberdade por faltar-
lhes o essencial. Chamaremos estes(as) sofridos(as) de pobres, mas não se trata
somente da pobreza sócio-econômica, mas conforme Boff e Pixley 34, também da
pobreza sócio-cultural. Os(as) pobres hoje são, segundo classificação de Boff e
Pixley, os(as) que são marginalizados(as) e explorados(as) sócio-economicamente,
os discriminados(as) por raça, etnia e por sexo, mais precisamente na realidade
brasileira os(as) negros(as), os(as) índios(as), e as mulheres. Estas pobrezas sócio-
culturais “geralmente não se situam ao lado, mas dentro da pobreza sócio-
econômica”35. Isto quer dizer que não são todos(as) os(as) negros(as) e mulheres
discriminadas, mas aqueles(as) cuja condição sócio-econômica é desfavorável. E
por fim os(as) novos(as) pobres dos grandes centros, que são em particular os
drogados(as) e os aposentados(as).
Estes pobres são os escolhidos de Deus para receber o evangelho. A boa notícia
para estes é que o Reino de Deus trás uma nova ordem sobre o cosmos, pois no
33
ALDÉ, 2001, p. 36, 37.
34
BOFF, PIXLEY, 1986, p. 27.
35
ALDÉ, 2001, p. 36.
12
São assistidos pelas utopias políticas do Reino presente os que não tem acesso aos
princípios da justiça, da paz, do amor e por último de liberdade. Onde estes
princípios são negados, negligenciados ou esquecidos o Espírito vivificador
movimenta os sensíveis a estes princípios à utilização de práticas libertárias que
tragam esperança, solidariedade e senso de justiça aos que sofrem e são
marginalizados. Estas práticas são, em parte, concretizações das utopias políticas
do Reino presente. A seguir destacam-se algumas práticas libertárias utilizadas pelo
Espírito Vivificador na intenção de manter viva as utopias políticas do Reino.
O Reino de Deus entendido até aqui como realidade presente convoca, através do
Espírito vivificador, o(a)s sensíveis a esta realidade para a participação ativa na
política. Este(a) agente político, conforme Boff38, não pode ser adepto da política do
cassetete que tenta dirigir e dominar o povo pelo autoritarismo e coerção. Também
não pode coadunar com a política do “tapinha nas costas”, que tenta manipular o
povo e usa de demagogia. A política deste(a) agente tem que ser a das “mãos
dadas”, que escuta os anseios do povo, que compreende o poder como serviço a
coletividade, este é o(a) agente democrático.
36
Evangelho de Lucas, Capítulo 6, verso 20.
37
BOFF, 2003, p. 27.
38
BOFF, 1986, p. 119.
13
O que se percebe, segundo Boff39, é que por muito tempo no Brasil uma imensidão
de indivíduos, que em vários aspectos tinham algo em comum, não participavam
coletivamente da sociedade em função de sua não consciência de classe oprimida,
eram as massas. Não havia também instituições que elaborassem e defendessem
os interesses destas turbas com isso estas eram manipuladas. Por não saber se
situar no mundo as massas são subjugadas e usurpadas dos seus direitos quer
sejam eles básicos ou não. Contudo, a participação e interesse pelos assuntos da
pólis efervescem nas massas uma outra consciência:
39
BOFF, 1986, p. 117.
40
Ibid, p. 118.
14
pela liberdade e autonomia que gera naquele(a)s que passam por este processo
desalienante.
41
BOFF, 1986, p. 37,38
15
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta rápida incursão pela escatologia realizada, pelas utopias e também pela
política, percebe-se a confluência destes, mesmo consciente dos significados e
importância dos mesmos tratados isoladamente. O propósito deste artigo foi
demonstrar a relevância da confluência de tais termos que se cruzam e dão novo
significado a fé, a existência e ao cotidiano da humanidade. Especialmente daqueles
que vivem no mundo dos dois terços, devido à discrepância e disparidade social que
são assolados.
42
CUNHA; WOOD, 2003, p.108.
16
43
CAVALCANTI, 2002, p. 261
17
REFERÊNCIAS
BOFF, Clodovis; PIXLEY, George. Opção pelos pobres. Petrópolis: Vozes, 1986.
MAAR, Wolfgang Leo. O que é política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.
Complementar:
METZ, Johann Baptist. Para além de uma religião burguesa. São Paulo: Edições
Paulinas 1984.