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Entrevista concedida - e publicada – à REVISTA DE JOGOS

COOPERATIVOS.
Junho/2001

Em uma tarde chuvosa na cidade de Santos, conversamos com um dos marcos


referências dos Jogos Cooperativos no Brasil, Fábio Otuzi Brotto. Sentamos no
chão com uma vela acesa no centro de um círculo imaginário, tivemos uma
aula de filosofia de vida, cidadania e otimismo. Nossa conversa de mais de duas
horas não pode ser condensada em apenas quatro páginas, mas estamos certos
que vocês poderão conhecer um pouco mais deste ser humano disposto a
ampliar o foco pessoal para envolver todo o grupo.

Fábio, quem é você?

Sou Fábio, marido da Gisela, pai do Tiê, do Ilê e da Lyz . Uma pessoa
de 40 anos que está descobrindo um pouco sobre como viver junto com
os outros. Conviver no dia a dia, tem sido um desafio cada vez maior.
Atuando no Projeto Cooperação, juntamente com cerca de dez pessoas,
estamos sempre nos desafiando a viver a cooperação entre nós, porque
sabemos ser preciso exercitá-la cotidianamente. Agora, temos nos
movimentado para que a sociedade perceba o Projeto Cooperação
como uma comunidade de pessoas a serviço da Cooperação, ao invés,
de identificá-lo como o “Projeto do Fábio”. Mas, olha, este está sendo
um grande estímulo para nossa criatividade, humildade, confiança e
desapego.

Como assim? Você poderia explicar melhor?


Hoje, sinto-me como uma pessoa que está nesse transe, nesse trânsito.
Descobrir melhor quem eu sou e como me articular com os outros para
resgatar quem somos nós.
A história de minha vida está muito ligada a questão do Jogo, do
Esporte e da Educação Física. Fui atleta por muito tempo e também,
técnico de basquete. Aprendi o valor de buscar ser quem somos
autenticamente e ao mesmo tempo, cuidar do “espírito de grupo”.
Mesmo assim, vivi muitas vezes, embriagado pela lógica da
competição, a lógica do quanto menos os adversários souberem quem
eu sou, mais chances terei de vencer.
Aprendi e ensinei muito sobre isso. Quando comecei a me dar conta
disso, vi que alguma coisa estava meio desarrumada. Então, passei a
rever e a refinar a filosofia e pedagogia empregadas no meu trabalho.
Foi quando despertei, de uma forma mais consciente, para a
importância da Cooperação no Jogo e na minha Vida. Daí, para o
primeiro contato com os Jogos Cooperativos, foi um pulinho!

E desse “pulinho” para o salto criativo do Projeto Cooperação, o que


aconteceu?

Naquele determinado momento comecei a perceber melhor o que


havia por trás dos uniformes, das barreiras, do pódium, placares e de
tantas outras simulações experimentadas e ensinadas no Jogo. Pude
ver de um jeito diferente muito do que vinha vivendo até então. Essa
nova visão do Jogo e da Vida pedia novas ações, um novo Estilo de
Jogo. A partir daquele imaginei realizar um projeto para realizar minha
transformação... sonhei um Projeto Cooperação!

Você consegue situar no tempo um ponto que marcasse esse


momento de descoberta?

Vejo vários pontos de ignição, vários pequenos flashes que foram


acontecendo como pequenas “cutucadas” para acordar. Mesmo
considerando o conjunto desses pequenos acontecimentos como o
facilitador das transformações em minha vida, gosto de lembrar de um
fato terrível e muito feliz. É estranho e engraçado, não é? Para mim, foi
uma das principais “cutucadas”. Bem, foi em 1984, quando fui pela
primeira (e única) vez demitido. Era técnico de basquete em um clube
de São Paulo, já há 4 anos. Achava que fazia um trabalho muito bom,
tinha o reconhecimento das crianças, dos jovens, até dos pais e da
comunidade esportiva. Num belo dia (pra muita gente), quando
voltava das férias, recebi um telegrama em casa. Estava demitido e por
telegrama, caramba!!! Fiquei bastante bagunçado com aquilo. E aos
poucos, fui aprendendo a lição. Tudo é impermanente, por isso, viva
inteiramente, o presente!

Outra “cutucadinha” boa, recebi quando entrei na USP em 1982, com


22 anos, para ser técnico da Seleção de Basquete masculina e feminina.
A maior parte dos atletas eram mais velhos que eu, tinha professor da
universidade, doutor, mestre e mesmo no feminino as meninas tinham
mais ou menos a minha idade. Por essas circunstâncias e tantas outras,
personificava o tipo “bom garoto” ,“técnico perfeito”. Jamais me
alterava, era um exemplo de eficiência profissional, nada me abalava
nos treinos e nem nos jogos (pelo menos, era isso que aparentava, né?).
Após três anos trabalhando, estava dando treino para a seleção
feminina, em duas quadras simultâneas, para umas 60 meninas. De
repente, depois de um erro de uma das atletas, fiquei furioso, peguei a
bola e a chutei para o alto! As 60 pararam espantadas com aquilo,
quando uma delas, uma das mais antigas do grupo, olhou para mim e
falou assim: “Fábio, ainda bem que você não é Deus.” Olha, que lição
eu recebi ali: Ser eu mesmo.

E você aprendeu essa lição?

Ainda não, totalmente. Tenha tentado desconstruir e recriar aspectos


da minha personalidade. Aprendi a ser um “bom modelo” , uma
“pessoa perfeita”, que não dá vexame, não grita, não expressa o que
sente, a ser alguém para atender as expectativas do outro. Por outro
lado, fui muito amado e encorajado a arriscar e me aventurar, a ousar
ser mais leve e ficar à vontade... da vida!
E assim, a vida tem me oferecido brechas extraordinárias para a
transformação.
Em 1986, fui novamente chacoalhado e de um modo muito especial. O
falecimento de meu pai foi um marco bem decisivo no percurso da
minha existência (como penso que seja para todo mundo, também.).
Pela primeira vez, vivi e expressei a dor, solidão, insegurança,
saudade, fragilidade... deixei cair a imagem de perfeição e pude entrar
em contato comigo mesmo, através da dor-e-do-amor e então, poder
chegar mais perto, realmente, dos outros.
Creio ter sido este o “ponto de mutação”, pelo menos, o “ponto de
ignição” para uma nova e verdadeira jornada interior.

Falando nisso, você poderia falar um pouco sobre seu encontro com
os Jogos Cooperativos?

Logo após a morte de meu pai, voltei ao curso de psicologia que havia
interrompido anos antes. De novo na faculdade, interessei-me pela
Psicologia Transpessoal. Em 1989, tive o privilégio de fazer parte do
grupo de estudos em Transpessoal, com a Profa. Márcia Tabone, uma
das precursoras do tema no Brasil. Durante os encontros minha
inquietação foi aumentando, até que compartilhei com ela e outras
pessoas do grupo: “estou com essa inquietação, não sei bem...estou
fazendo uma coisa que já não sei se é isso que eu quero fazer. Estou
encantado com algumas outras coisas, mas tenho insegurança para
mudar.” Uma colega sugeriu ter paciência e fluir de acordo com o
ritmo da vida. Disse que naturalmente, algumas coisas passam a
perder a força, enquanto outras ganham energia até se manifestarem
plenamente. A Márcia, disse: “fala com a Neyde Marques, da Bahia.
Ela está participando da criação da Universidade Holística, em
Brasília”.
Bem, segui essas duas pistas: desenvolvi a “paz-ciência” e... liguei pra
Neyde. Lembro disso muito claramente: A Gisela e eu, em um orelhão
falando: “Neyde, aqui é o Fábio, a Márcia me indicou...”. Falamos
bastante, recebi outras pistas e o telefone da Universidade Holística.
Logo depois, em julho de 1988, estava eu lá na UNIPAZ, desfrutando
de um seminário sobre Direitos Humanos e Educação para a Paz. Lá,
recebi muita inspiração para minha Trans-Piração e, essencialmente,
encontrei, como se ao acaso, a Fabienne Lopez, uma professora da
Escola das Nações, de Brasília, realizando um jogo bem esquisito,
muito estranho: a Dança das Cadeiras Cooperativas. Pronto, minha
procura havia encontrado o que buscava: os Jogos Cooperativos!

E qual é o melhor público para se utilizar os Jogos Cooperativos?

Em 1990, no Centro de Práticas esportivas da Universidade de São


Paulo - CEPEUSP, o Prof. Jofre Cabral e eu, começamos a pesquisar e
experimentar um pouquinho sobre isso. Em 1991, implantamos um
programa de Jogos Cooperativos para a comunidade universitária
(professores, alunos, funcionários e dependentes). No primeiro ano,
trabalhamos com um grupo de 06 pessoas. Era pouco, mas o suficiente
para nos fazer acreditar que era possível. Aquilo foi tão forte para
mim, que no ano seguinte, pedi uma licença da universidade para
dedicar-me integral e totalmente a investigação e vivência dos Jogos
Cooperativos em outros segmentos.
De lá para cá, temos compartilhado os Jogos Cooperativos com todo
tipo de pessoa e grupo, qualquer que seja o segmento e a faixa etária,
quer sejam educadores, empresários, líderes comunitários, jovens ou
idosos, todos têm uma boa oportunidade para experimentar a força e a
beleza da Cooperação através dos Jogos Cooperativos.

Podemos dizer, então, que Jogos Cooperativos é um bom recurso


para desenvolver pessoas?

Mesmo existindo outros recursos tão flexíveis e potentes como os Jogos


Cooperativos, considero-os como um exercício de descoberta pessoal e
transformação grupal, particularmente, privilegiado. Sob o ponto de
vista pedagógico é totalmente adequado para uma criança de 05 anos,
bem como para um executivo de 50. Serve tanto para o aluno, como
para o professor, atende ao funcionário e ao presidente da empresa,
envolve filhos e pais e abraça seres humanos, a natureza e todos os
reinos como aspectos de uma mesma totalidade. Temos visto acontecer
trabalhos muito bem sucedidos, envolvendo todos esses segmentos,
tanto no Brasil como no exterior.
Contudo, é um caminho repleto de desafios. O principal deles, para
mim, é compreender que os Jogos Cooperativos podem ser algo além
da técnica, mais que um recurso ou ferramenta. Jogos Cooperativos
pode ser um “Estilo de Jogo”, uma “Filosofia de Vida”, uma
“Pedagogia para VenSer”, ou seja, uma caminho para exercitar o Ser
quem somos cada um de todos nós!

O quanto cada um de nós olha para si mesmo? O quanto cada um de


nós sabe qual é a nossa vocação?

Há uma dimensão essencial do Jogo Cooperativos. É o Jogo Interior.


Aquele que jogamos para dentro, com a gente mesmo, descobrindo
maneiras de nos harmonizar internamente para cooperar
externamente. Investigar ludicamente nossas mais essenciais
aspirações, pode nos ajudar a realizar nossas ocupações de um modo
mais eficiente e feliz.
Conectar-se com a própria vocação, com aquilo que genuína e
realmente temos a oferecer ao mundo, pode nos trazer bem-estar
pessoal e social. Penso que isto é uma tarefa de permanente afinação
do instrumento que somos cada um de nós, visando poder compor-se
com outros diferentes e semelhantes instrumentos, para tocar uma
partitura como-um. É preciso des-cobrir nosso jeito de Ser e InterSer no
mundo.
Desse modo, todos são importante e imprescindíveis. Não mais e nem
menos, nem melhores ou piores, tampouco perdedores ou vencedores.
Somos algo além dessas fragmentações e polarizações, somos “inteiros
e não pela metade”!
Normalmente surge a discussão sobre a natureza do ser humano ser
competitiva. A maioria das pessoas acredita que sim, e você?

Acredito que ao procurarmos investigar a natureza da competição, é


preciso colocar pontos de interrogação, onde costumeiramente
encontramos pontos finais. Assim, respondo com outras perguntas: Se
nossa natureza é competitiva, o que tem nos feito existir de maneira
gregária e solidária? O que nos faz dar apoio há alguém? Prestar um
serviço à outra pessoa? Se nossa natureza é competitiva, o que faz
nosso organismo buscar a harmonia, o bem-estar? Se a competição é
natural, deveria ser predominante nas diferentes formas de vida, não é
mesmo? Porém, sabe-se que não ocorre desse modo. Atualmente, há
muitas evidências científicas e outras, assinalando a cooperação como
uma das características essenciais a vida. Por exemplo, os estudos mais
recentes de Humberto Maturana, apontam para uma “Biologia do
Amor”, tendo a cooperação como um de seus alicerces. Para mim, a
natureza da vida é uma natureza de possibilidades. Tanto podemos ser
individualistas e competitivos, como podemos ser solidários e
cooperativos. E claro, podemos ser, em certos momentos, uma mistura
de competição e cooperação. Por isso, penso que devemos colocar
nosso foco no poder de escolha que está disponível para todos nós,
seres humanos.
Somos 100% co-responsáveis por tudo que somos e fazemos. Portanto,
a pergunta fundamental é: o que queremos fazer da nossa única vida
como-um?
Podemos Jogar uns contra os outros para ganhar sozinho OU podemos
escolher jogar uns com os outros para construir um mundo onde todos
podem VenSer. Façamos nossas escolhas... e saibamos assumir a
responsabilidade por elas.

Qual a dica que você dá para quem mexe com os Jogos Cooperativos,
inclusive para quem está começando agora a ter contato com eles?
Acredito que estamos todos buscando o melhor em suas vidas. Para
mim, essa procura está intimamente atrelada a des-coberta de um
caminho pessoal, antes de uma competência profissional, a busca por
uma clareza vocacional. Isto é fundamental!

Para mim, a Cooperação é uma facilitadora dessa descoberta. Sei que


sozinho posso seguir em frente, mas vou muito menos longe e não tão
bem e feliz, como se fosse junto com alguém. Também, sei que
cooperar é um desafio pra lá de grande... mas, não vejo outro jeito
senão aventurar-me pelo encontro com os outros para achar a mim
mesmo.
Por isso, trabalhar com os Jogos Cooperativos é, além de muitas outras
coisas, uma maneira que criamos para nos alfabetizarmos na
Cooperação. Aqueles que participam de Oficinas, Palestras, lê nossos
livros, esta revista, vai aos Festivais... são como mestres-aprendizes
nessa escola de Cooperação. Imagino que aos poucos estamos
construindo uma maravilhosa Comum-Unidade de Aprendizagem da
Cooperação, onde todos ensinam e todos aprendem, a todo momento,
com todos as coisas e para sempre.
Hoje, confio que a cooperação é favorece a continuidade da vida. Sou
uma pessoa confiante e acredito nisso. O mais desafiante nos Jogos
Cooperativos é manter a confiança na Cooperação, especialmente,
quando o Jogo parece desandar. Neste exato momento, podemos servir
como pequeninos pontos de ancoragem da Consciência da Cooperação
no cotidiano. Saibamos disto e cuidemos uns dos outros como
parceiros essenciais neste Jogo Infinito. Ah! Uma dica?
Sigamos juntos... con-fiando na Cooperação!

PROJETO COOPERAÇÃO – COMUNIDADE DE SERVIÇOS


www.projetocooperacao.com.br
fabiobrotto@projetocooperacao.com.br
(48) 3237.4048

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