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Célio Bermann
(Professor do PIPGE/USP)
cbermann@iee.usp.br
Resumo
importante nos debates sobre energia, desenvolvimento regional e meio ambiente. Embora
elétrico no país, sendo identificados os elementos que deverão fazer parte dos debates sobre
decisão, bem como o planejamento energético, visando distribuir de forma mais eqüitativa
∗
Este artigo deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marcos Vinicius Miranda da; BERMANN, C.
Eletrificação rural: elementos para o debate. In: VIII Congresso Brasileiro de Energia, 1999, Rio de Janeiro.
VIII Congresso Brasileiro de Energia: política energética, regulamentação e desenvolvimento sustentável,
1999. v. III. p. 1273-1281
Os benefícios da eletrificação rural
seja fornecendo energia para algumas atividades produtivas no campo. Embora isso não
signifique que eles sejam suficientes para determinar o desenvolvimento, pois o êxito desse
econômico, se pequenos produtores não têm direito à terra, acesso ao crédito, malha viária
bem como com outros programas de desenvolvimento, podem ser caracterizados como
queima direta de produtos como o querosene e o óleo diesel, prejudiciais à saúde, utilizados
No caso dos benefícios realizáveis, cita-se o caso da educação, que pode ser
facilitada pela iluminação das escolas e pela possibilidade do uso de equipamentos (TV,
vídeo, etc.) que contribuam para o aprendizado. Entretanto, sua efetivação só acontecerá
WEBB (1987), ao analisarem os possíveis efeitos da eletrificação rural sobre a redução dos
níveis de pobreza, concluem que não existem evidências suficientes que sustentem essa
programas de eletrificação rural (FOLEY, 1989 apud RAGANATHAN, 1993). PEARCE &
WEBB (1987) também fazem referência a esse argumento, afirmando que ele não passa de
“folclore”.
O caráter especial dado aos programas de atendimento energético, na forma da
eletrificação rural, sugere duas situações bastante comuns na área energética. A limitação
próprio processo de desenvolvimento rural, quando na realidade eles são apenas parte
energético deveriam estar inseridos, então, torna-se difícil obter transformações positivas
vez que essas atividades poderiam maximizar os retornos dos investimentos, contribuindo
para minimizar os custos totais anuais da eletrificação rural (SINHA et al, 1994).
relação a outras regiões do país, como o Norte e o Nordeste, porque aquelas regiões
dispõem de uma melhor infra-estrutura, que facilita o escoamento da produção, terras aptas
oriundos da eletrificação, principalmente para baixas demandas, aquelas regiões que não
energia elétrica era mais elevado nos estados pertencentes às regiões Sul e Sudeste,
enquanto nos estados da Região Norte esse percentual era relativamente mais baixo. Por
60,41% de suas propriedades rurais eletrificadas, enquanto o estado do Pará tinha apenas
0,75% dessas propriedades eletrificadas, o mais baixo índice a nível nacional (CORREIA,
1992).
HOURCADE et al (1990), ao abordarem essa questão, afirmam que as famílias mais ricas
do campo são as maiores beneficiadas por esses programas, pois as tarifas elevadas não
permitem que famílias mais carentes tenham acesso à eletrificação. No Brasil, na metade da
década de 70, observou-se que no campo o consumo de energia elétrica das famílias ricas
1
DE GOUVELLO chama de “discriminação sócio-econômica” a tendência observada no Brasil que beneficia
com eletrificação áreas rurais densamente povoadas e economicamente mais desenvolvidas em detrimento de
outras que não dispõem desses requisitos.
médias e grandes propriedades rurais, que têm mais facilidade para captar tais incentivos e
eletrificação rural.
copiados dos países ricos (DEUDNEY & FLAVIN, 1983; SATHAYE, 1987). Porém isso
cada região. Fatores como: baixa densidade populacional, consumidores dispersos, baixa
domínio tecnológico, baixo fator de carga, perdas na distribuição, custos mais elevados,
longo período de retorno dos investimentos, inexistência de renda, entre outros, são
implantação de tais programas tende a ser definida apenas por critérios puramente técnico-
econômicos.
Essa postura é criticada por PEARCE & WEBB (1987) em virtude de a eletrificação
portanto, ser vista por uma ótica que não envolva apenas critérios técnico-econômicos.
(BARNES, 1982 apud RAGANATHAN, 1993). Nesse sentido, argumenta-se que as áreas
rurais de baixa renda terão que esperar pelo crescimento econômico, quando haverá o
particular para a Amazônia, no que diz respeito à eletrificação do campo, pois as políticas
estabelece-se um círculo vicioso, onde a eletricidade não é levada à zona rural devido à
A adoção dessa postura, na qual as estruturas verticais vêm dando lugar para
estruturas mais horizontais, sendo essa mudança caracterizada por uma maior autonomia
aos níveis locais (SINHA et al, 1994), levará a redução da “discriminação sócio-
econômica” observada no campo em relação à energia. Quando a energia passa a ser vista
existir, uma vez que qualquer família, independente do contexto geográfico no qual ela se
encontra, tem o direito de ver suas necessidades básicas satisfeitas por essas políticas para
das regiões rurais (SACHS, 1986). Essa filosofia acabou sendo relevante para a questão
natural direcionamento das pesquisas para as fontes renováveis de energia como forma de
foi somente depois da Conference on New and Renewable Source Energy, ocorrida em
Nairobi, em 1981, promovida pelas das Nações Unidas, que muitos países passaram a
FLAVIN, 1983).
fontes renováveis de energia, passou a ser vista como uma alternativa aos modelos de
al, 1994), bem como ao atendimento da baixa demanda energética, por serem menos
energéticos descentralizados, que utilizam fontes de energia locais, têm boas perspectivas
al, 1994), embora, hoje, esse consenso sobre o uso exclusivo de fontes renováveis já não
além do tipo de energia a ser utilizado, renováveis e/ou derivados de petróleo, questões
regionais, locais e unidades de produção, e observou que três aspectos podem inibir o
processo de descentralização:
planejamento energético.
tomadores de decisão devem desenvolver uma base de informações que possa direcionar o
diz respeito aos impactos ambientais locais, bem como suas conseqüências negativas na
estrutura socioprodutiva das pequenas comunidades, que podem ocorrer devido à utilização
dos recursos naturais. Por exemplo, SINHA et al (1994) apontam como uma das grandes
biomassa florestal, aquelas áreas onde esses recursos estão ameaçados. Em relação aos
chumbo, caso as baterias automotivas não sejam removidas do local, após o fim da vida
útil.
globais por terem implicações negativas não só nos ecossistemas nos quais as pequenas
locais e da estrutura organizacional das pequenas comunidades rurais, bem como das
econômicas e ecológicas tem como objetivo principal garantir o sucesso dos programas de
descentralizados, reflete uma grande dicotomia. Por um lado, divulga-se a idéia de que os
conhecimento do contexto que envolve as pequenas comunidades (MME, s.d.). Por outro,
não é exigido que a implantação desses sistemas seja realizada mediante prévio
energético. Além disso, há uma evidente preferência às fontes renováveis, em relação aos
grupos geradores a diesel, sob a frágil argumentação de que esses sistemas contribuem para
renováveis de energia também podem causar sérios impactos ambientais locais, podendo
atendimento energético, a essência de programas dessa natureza vai sempre apresentar uma
pseudo-sustentabilidade.
projetos a serem implantados era de 300, beneficiando 120.000 pessoas. Para 1999, o
número de projetos previstos chegaria a 5.000, com benefícios para 2.000.000. Em quatro
anos, o governo esperava implantar 9.300 projetos em todo Brasil, com proposta de
atendimento para 3.720.000 pessoas e estimativa de gastos de US$ 110 milhões (MME,
s.d.).
O que merece crítica é a forma com que ele está sendo conduzido na prática.
disponibilizar recursos financeiros para os programas energéticos sem que haja o retorno
social esperado, pois esses programas são geralmente abandonados. Dessa forma, a
importância do planejamento energético também reside em evitar que ocorram casos como
o observado na Córsega (França), onde um projeto piloto fotovoltaico (44 kWp) foi
déficit financeiro, do ponto de vista do consumidor ter sido esquecido, da fonte renovável
muitas vezes têm na sua essência a criação de mercados para novas tecnologias. Nesse
sentido, ASHOWORTH (1979) apud GOLDENBERG (1981. p.106) comenta que “os
motivos humanitários de auxiliar aos pobres rurais são combinados com o desejo de criar
células fotovoltaicas”.
comunidades rurais, que tenha na sua essência os interesses de mercado, apresentará falhas,
atendimento energético ideal para pequenas comunidades rurais não é aquele que utiliza
Conclusões
desenvolvimento socioeconômico da zona rural, embora ela por si só não seja determinante
ferramenta para a definição dos sistemas de oferta de energia, que devem ser escolhidos a
implantações.
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